Biblioteca da monja Coen tem livros em japonês, Buda, Alcorão, samurais e Abel Ferreira; veja como é


‘Estadão’ vasculhou o acervo da escritora que largou tudo no Brasil, morou mais de uma década no Japão e voltou ao País para compartilhar ensinamentos do zen-budismo; assista ao vídeo

Por João Abel
Atualização:

A mãe era poeta. Apaixonada pelas palavras. O pai, bibliotecário. Devoto do cheiro dos livros. A filha dos dois tornou-se uma escritora pop, ainda que tardiamente. Quando publicou sua primeira obra, A Sabedoria da Transformação, em 2014, Coen Rōshi tinha 67 anos. Os pedidos se multiplicaram e a monja não parou mais de escrever. De lá para cá, são mais de 30 publicações em uma década. “As editoras me dão um título ou um assunto e dizem: escreva. E aí eu vou meditar e refletir sobre aquele tema por algum tempo.”

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Monja Coen revela que está com câncer e transmite mensagem de esperança: ‘A vida é assim’

6 livros para entender o amor, relacionamentos e términos

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Adepta do zen-budismo, Monja Coen recebeu a reportagem do Estadão em sua ‘casa-templo’, no bairro do Pacaembu, zona oeste de São Paulo. É no imóvel da família, em meio aos alunos dos cursos de meditação e de seus pets - quatro cachorros e um gato - que ela guarda uma vasta coleção de livros. Boa parte, claro, relacionada à prática e aos ensinamentos budistas.

Do outro lado do mundo

Na biblioteca da Monja Coen, os ideogramas japoneses e chineses se mesclam ao alfabeto latino-romano das obras em português e inglês. Paulistana de berço, foi em Nagoya, no Japão, onde morou por 12 anos, que ela se aprofundou nos ensinamentos de Buda. Voltou de lá como uma sensei e, de quebra, arranhando algum conhecimento dos caracteres nipônicos. “Aprendi pouco. Sou semialfabetizada”, ela brinca. “Sei mais aqueles símbolos que tem alguma relação com o budismo.”

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Da coleção de livros em japonês e chinês, ela destaca obras publicadas pela sua ordem, Soto Shu, que mostram em detalhes os procedimentos da vida monástica. São livros pesados e repletos de fotografias. Quase manuais de instruções. Um passo a passo das técnicas de meditação e rituais. Mas também há livros de poesia. “Não tenho conhecimento suficiente da língua japonesa para ler esses. Para compreender a poesia de outro idioma, você tem que saber muito bem.”

No acervo da monja, Buda mora até nas ficções. Ou “quase” ficções. Ela nos mostra um exemplar em português de Velho Caminho, Nuvens Brancas. É uma obra de Thich Nhat Hanh, monge, escritor e ativista pela paz que morreu em 2022. “É um livro lindo. Ele pegou todos os sutras, que são os ensinamentos de Buda, textos sagrados e reconhecidos como verdadeiros, e fez disso um romance. Então não há nenhum dado inventado. Só que ele criou uma narrativa agradável de ler.”

Coen confessa: prefere os livros mais curtinhos. “São os que consigo ler no tempo que tenho.” Mas recomenda fortemente uma obra que é exceção à sua regra pessoal: os dois volumes de Musashi: A História do Mais Famoso Samurai de Todos os Tempos, do romancista japonês Eiji Yoshikawa, que somam mais de 1.800 páginas. “Mas é daqueles livros que cada parágrafo te deixa com mais vontade de ler o outro.”

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Musashi, um clássico japonês, recomendação da Monja Coen Foto: Editora Estação Liberdade

Uma biblioteca ecumênica

Colado em Buda, está Alá. Mais ao lado, Jesus Cristo. O escritório da Monja Coen, que tem um quadro de Dalai Lama e uma série de imagens e estátuas budistas, reserva espaço para obras sobre outras religiões e filosofias. No topo da estante, um Alcorão chama atenção. Baixinha, a sensei pede ajuda ao repórter para pegar o exemplar, que ganhou de um grupo de sheiks árabes em um encontro inter-religioso.

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“O Alcorão é uma joia. Ele ensina as pessoas a como viver. A própria palavra ‘Islã' significa paz. E a gente acha que são todos criminosos, né? Aquilo que a gente viu em outubro, aquele ataque que o Hamas fez a Israel, não é islamismo.”

Monja Coen

Do contato com os cristãos, nasceram obras em conjunto. Sobre o Amor, por exemplo, é uma publicação em coautoria com o padre Júlio Lancelotti e o pastor Henrique Vieira. Um outro livro, feito com Gustavo Arns, sobrinho-neto de dom Paulo Evaristo Arns, deve ser lançado até novembro.

Mas foi com um clássico literário que Coen aprendeu, ainda na infância, o que era o judaísmo. “Eu tinha um namoradinho, Marcelo, foi o primeiro beijo que eu dei na vida. Fiquei toda feliz, mas minhas amigas de classe me alertaram que ele era judeu. ‘Judeu? Como assim’ O que é judeu?’, eu pensei. E foi aí que minha mãe me deu O Diário de Anne Frank. E ainda me levou a uma peça sobre a obra, que estava em cartaz em São Paulo. Era assim que ela nos ensinava.”

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Repórter na juventude, autora na terceira idade

Coen Rōshi ainda era Claudia Dias, assim registrada pelos pais, quando a escrita ganhou uma importância fundamental em sua vida. Aos 19 anos, tornou-se repórter da Geral (editoria de cidades) do Jornal da Tarde, publicação do Grupo Estado. “Eu tinha acabado de entrar na faculdade de Direito, mas não tinha o menor interesse, eu queria estudar filosofia ou teologia. Então, quando arrumei este emprego, eu travei a matrícula e saí correndo do curso.”

Eram tempos duros para a imprensa, com a ditadura militar vigiando e censurando os jornais da época. “Eu fui educada por grandes escritores, grandes redatores, que pegavam o meu texto e reescreviam, falavam o que eu poderia melhorar. Assim, fui evoluindo.” O ofício foi marcado por coberturas diversas, de desfiles de carnaval à morte do conhecido traficante Saponga. Claudia permaneceu três anos no jornal, antes de pedir uma licença para estudar fora, quando tomou contato com as práticas meditativas e a cultura budista.

Apesar da paixão pelas palavras, a monja não tinha interesse em se tornar escritora. “Praticamente todas as minhas obras foram convites de editoras. Nenhuma fui eu que propus.” Os títulos chamativos, ilustrações de capa bem acabadas e as reflexões de Coen foram a receita para o sucesso das obras lançadas. E os ensinamentos do budismo, fundamentais para a composição do texto.

Seu livro mais recente, Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes, traz uma frase atribuída a Buda logo no título. “Não tinha relógio, não tinha celular, não tinha nada disso na época de Buda. E mesmo assim ele falava com muita propriedade sobre a ideia de tempo e de instante. E ele dizia que em cada instante o nosso corpo está em movimento. Que a todo momento, ele se modifica, que tem células nascendo e morrendo. Hoje a ciência nos diz isso, mas esse carinha falou isso há 2.600 anos.”

Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

A monja e o treinador

Há um exemplar que destoa na biblioteca da monja, apesar de seu título bastante ‘zen’: Cabeça Fria, Coração Quente. A edição especial do livro de Abel Ferreira foi um presente do técnico do Palmeiras. “Nós fomos palestrantes na mesma bienal [em 2022] e o editor dele entrou em contato porque ele queria me visitar”, ela explica.

O português conheceu o trabalho da monja quando ainda era técnico do Braga, em seu país-natal. “A psicóloga do time recomendou que o Abel visse meus vídeos para ver se ele acalmava um pouco. A gente sabe como ele fica bravo à beira de campo”, ela brinca. Mas depois ressalta: “Eu gosto disso. Nós não podemos ser ‘mosca morta’. É importante que a gente se manifeste quando acha que algo está errado. E ele faz isso.”

Poucas semanas depois da Bienal, Abel levou a esposa, Ana Xavier, e as duas filhas ao Templo Taikozan Tenzuizenji, que curiosamente fica ao lado de um palco do esporte: o Estádio Municipal do Pacaembu. “Ele é um homem muito sensível. E quando fala de futebol aqui no livro, ele, na verdade, fala sobre a vida”, destaca a monja sobre a obra publicada pelo treinador alviverde junto à sua comissão técnica.

Abel Ferreira visitou Monja Coen com a família Foto: Instagram/monjacoen

A monja não se diz palmeirense, apesar de ter ganhado um carinho especial pelo clube após o encontro com o treinador. Antes do início da nossa entrevista, ela lamentou: “Você viu o gol que anularam do Gómez [no jogo contra o Botafogo]? Como pode? Não tem como não tocar a mão na bola. É um absurdo marcarem aquilo.”

Pois é. Até a monja que deixou o técnico multicampeão um pouco mais ‘zen’ às vezes também se estressa com futebol.

Monja Coen não pensa em parar. “Não tem aposentadoria, se a mente está funcionando, se você pode falar e agir no mundo, você está bem. Claro que não corre como corria antes, não escuta tão bem, não enxerga tão bem, mas se a mente está lúcida, então vamos lá”, finaliza.


Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

Os livros essenciais de Monja Coen

Além de Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes e A Sabedoria da Transformação, também vale ler para conhecer mais sobre obra da monja Coen:

  • Zen Para Distraídos: Princípios Para Viver Melhor no Mundo Moderno (Academia, 2018)
  • A Monja e o Professor: Reflexões Sobre Ética, Preceitos e Valores (BestSeller, 2018, em coautoria com Clóvis de Barros Filho)
  • Tempo de Cura: Como Podemos nos Tornar Seres Completos, Firmes e Fortes (Academia, 2021)
  • Aprenda a Viver o Agora: Conceitos de Zen-budismo e Atenção Plena Para Praticar em até 10 Minutos (Academia, 2019)

A mãe era poeta. Apaixonada pelas palavras. O pai, bibliotecário. Devoto do cheiro dos livros. A filha dos dois tornou-se uma escritora pop, ainda que tardiamente. Quando publicou sua primeira obra, A Sabedoria da Transformação, em 2014, Coen Rōshi tinha 67 anos. Os pedidos se multiplicaram e a monja não parou mais de escrever. De lá para cá, são mais de 30 publicações em uma década. “As editoras me dão um título ou um assunto e dizem: escreva. E aí eu vou meditar e refletir sobre aquele tema por algum tempo.”

Monja Coen revela que está com câncer e transmite mensagem de esperança: ‘A vida é assim’

6 livros para entender o amor, relacionamentos e términos

Adepta do zen-budismo, Monja Coen recebeu a reportagem do Estadão em sua ‘casa-templo’, no bairro do Pacaembu, zona oeste de São Paulo. É no imóvel da família, em meio aos alunos dos cursos de meditação e de seus pets - quatro cachorros e um gato - que ela guarda uma vasta coleção de livros. Boa parte, claro, relacionada à prática e aos ensinamentos budistas.

Do outro lado do mundo

Na biblioteca da Monja Coen, os ideogramas japoneses e chineses se mesclam ao alfabeto latino-romano das obras em português e inglês. Paulistana de berço, foi em Nagoya, no Japão, onde morou por 12 anos, que ela se aprofundou nos ensinamentos de Buda. Voltou de lá como uma sensei e, de quebra, arranhando algum conhecimento dos caracteres nipônicos. “Aprendi pouco. Sou semialfabetizada”, ela brinca. “Sei mais aqueles símbolos que tem alguma relação com o budismo.”

Da coleção de livros em japonês e chinês, ela destaca obras publicadas pela sua ordem, Soto Shu, que mostram em detalhes os procedimentos da vida monástica. São livros pesados e repletos de fotografias. Quase manuais de instruções. Um passo a passo das técnicas de meditação e rituais. Mas também há livros de poesia. “Não tenho conhecimento suficiente da língua japonesa para ler esses. Para compreender a poesia de outro idioma, você tem que saber muito bem.”

No acervo da monja, Buda mora até nas ficções. Ou “quase” ficções. Ela nos mostra um exemplar em português de Velho Caminho, Nuvens Brancas. É uma obra de Thich Nhat Hanh, monge, escritor e ativista pela paz que morreu em 2022. “É um livro lindo. Ele pegou todos os sutras, que são os ensinamentos de Buda, textos sagrados e reconhecidos como verdadeiros, e fez disso um romance. Então não há nenhum dado inventado. Só que ele criou uma narrativa agradável de ler.”

Coen confessa: prefere os livros mais curtinhos. “São os que consigo ler no tempo que tenho.” Mas recomenda fortemente uma obra que é exceção à sua regra pessoal: os dois volumes de Musashi: A História do Mais Famoso Samurai de Todos os Tempos, do romancista japonês Eiji Yoshikawa, que somam mais de 1.800 páginas. “Mas é daqueles livros que cada parágrafo te deixa com mais vontade de ler o outro.”

Musashi, um clássico japonês, recomendação da Monja Coen Foto: Editora Estação Liberdade

Uma biblioteca ecumênica

Colado em Buda, está Alá. Mais ao lado, Jesus Cristo. O escritório da Monja Coen, que tem um quadro de Dalai Lama e uma série de imagens e estátuas budistas, reserva espaço para obras sobre outras religiões e filosofias. No topo da estante, um Alcorão chama atenção. Baixinha, a sensei pede ajuda ao repórter para pegar o exemplar, que ganhou de um grupo de sheiks árabes em um encontro inter-religioso.

“O Alcorão é uma joia. Ele ensina as pessoas a como viver. A própria palavra ‘Islã' significa paz. E a gente acha que são todos criminosos, né? Aquilo que a gente viu em outubro, aquele ataque que o Hamas fez a Israel, não é islamismo.”

Monja Coen

Do contato com os cristãos, nasceram obras em conjunto. Sobre o Amor, por exemplo, é uma publicação em coautoria com o padre Júlio Lancelotti e o pastor Henrique Vieira. Um outro livro, feito com Gustavo Arns, sobrinho-neto de dom Paulo Evaristo Arns, deve ser lançado até novembro.

Mas foi com um clássico literário que Coen aprendeu, ainda na infância, o que era o judaísmo. “Eu tinha um namoradinho, Marcelo, foi o primeiro beijo que eu dei na vida. Fiquei toda feliz, mas minhas amigas de classe me alertaram que ele era judeu. ‘Judeu? Como assim’ O que é judeu?’, eu pensei. E foi aí que minha mãe me deu O Diário de Anne Frank. E ainda me levou a uma peça sobre a obra, que estava em cartaz em São Paulo. Era assim que ela nos ensinava.”

Repórter na juventude, autora na terceira idade

Coen Rōshi ainda era Claudia Dias, assim registrada pelos pais, quando a escrita ganhou uma importância fundamental em sua vida. Aos 19 anos, tornou-se repórter da Geral (editoria de cidades) do Jornal da Tarde, publicação do Grupo Estado. “Eu tinha acabado de entrar na faculdade de Direito, mas não tinha o menor interesse, eu queria estudar filosofia ou teologia. Então, quando arrumei este emprego, eu travei a matrícula e saí correndo do curso.”

Eram tempos duros para a imprensa, com a ditadura militar vigiando e censurando os jornais da época. “Eu fui educada por grandes escritores, grandes redatores, que pegavam o meu texto e reescreviam, falavam o que eu poderia melhorar. Assim, fui evoluindo.” O ofício foi marcado por coberturas diversas, de desfiles de carnaval à morte do conhecido traficante Saponga. Claudia permaneceu três anos no jornal, antes de pedir uma licença para estudar fora, quando tomou contato com as práticas meditativas e a cultura budista.

Apesar da paixão pelas palavras, a monja não tinha interesse em se tornar escritora. “Praticamente todas as minhas obras foram convites de editoras. Nenhuma fui eu que propus.” Os títulos chamativos, ilustrações de capa bem acabadas e as reflexões de Coen foram a receita para o sucesso das obras lançadas. E os ensinamentos do budismo, fundamentais para a composição do texto.

Seu livro mais recente, Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes, traz uma frase atribuída a Buda logo no título. “Não tinha relógio, não tinha celular, não tinha nada disso na época de Buda. E mesmo assim ele falava com muita propriedade sobre a ideia de tempo e de instante. E ele dizia que em cada instante o nosso corpo está em movimento. Que a todo momento, ele se modifica, que tem células nascendo e morrendo. Hoje a ciência nos diz isso, mas esse carinha falou isso há 2.600 anos.”

Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

A monja e o treinador

Há um exemplar que destoa na biblioteca da monja, apesar de seu título bastante ‘zen’: Cabeça Fria, Coração Quente. A edição especial do livro de Abel Ferreira foi um presente do técnico do Palmeiras. “Nós fomos palestrantes na mesma bienal [em 2022] e o editor dele entrou em contato porque ele queria me visitar”, ela explica.

O português conheceu o trabalho da monja quando ainda era técnico do Braga, em seu país-natal. “A psicóloga do time recomendou que o Abel visse meus vídeos para ver se ele acalmava um pouco. A gente sabe como ele fica bravo à beira de campo”, ela brinca. Mas depois ressalta: “Eu gosto disso. Nós não podemos ser ‘mosca morta’. É importante que a gente se manifeste quando acha que algo está errado. E ele faz isso.”

Poucas semanas depois da Bienal, Abel levou a esposa, Ana Xavier, e as duas filhas ao Templo Taikozan Tenzuizenji, que curiosamente fica ao lado de um palco do esporte: o Estádio Municipal do Pacaembu. “Ele é um homem muito sensível. E quando fala de futebol aqui no livro, ele, na verdade, fala sobre a vida”, destaca a monja sobre a obra publicada pelo treinador alviverde junto à sua comissão técnica.

Abel Ferreira visitou Monja Coen com a família Foto: Instagram/monjacoen

A monja não se diz palmeirense, apesar de ter ganhado um carinho especial pelo clube após o encontro com o treinador. Antes do início da nossa entrevista, ela lamentou: “Você viu o gol que anularam do Gómez [no jogo contra o Botafogo]? Como pode? Não tem como não tocar a mão na bola. É um absurdo marcarem aquilo.”

Pois é. Até a monja que deixou o técnico multicampeão um pouco mais ‘zen’ às vezes também se estressa com futebol.

Monja Coen não pensa em parar. “Não tem aposentadoria, se a mente está funcionando, se você pode falar e agir no mundo, você está bem. Claro que não corre como corria antes, não escuta tão bem, não enxerga tão bem, mas se a mente está lúcida, então vamos lá”, finaliza.


Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

Os livros essenciais de Monja Coen

Além de Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes e A Sabedoria da Transformação, também vale ler para conhecer mais sobre obra da monja Coen:

  • Zen Para Distraídos: Princípios Para Viver Melhor no Mundo Moderno (Academia, 2018)
  • A Monja e o Professor: Reflexões Sobre Ética, Preceitos e Valores (BestSeller, 2018, em coautoria com Clóvis de Barros Filho)
  • Tempo de Cura: Como Podemos nos Tornar Seres Completos, Firmes e Fortes (Academia, 2021)
  • Aprenda a Viver o Agora: Conceitos de Zen-budismo e Atenção Plena Para Praticar em até 10 Minutos (Academia, 2019)

A mãe era poeta. Apaixonada pelas palavras. O pai, bibliotecário. Devoto do cheiro dos livros. A filha dos dois tornou-se uma escritora pop, ainda que tardiamente. Quando publicou sua primeira obra, A Sabedoria da Transformação, em 2014, Coen Rōshi tinha 67 anos. Os pedidos se multiplicaram e a monja não parou mais de escrever. De lá para cá, são mais de 30 publicações em uma década. “As editoras me dão um título ou um assunto e dizem: escreva. E aí eu vou meditar e refletir sobre aquele tema por algum tempo.”

Monja Coen revela que está com câncer e transmite mensagem de esperança: ‘A vida é assim’

6 livros para entender o amor, relacionamentos e términos

Adepta do zen-budismo, Monja Coen recebeu a reportagem do Estadão em sua ‘casa-templo’, no bairro do Pacaembu, zona oeste de São Paulo. É no imóvel da família, em meio aos alunos dos cursos de meditação e de seus pets - quatro cachorros e um gato - que ela guarda uma vasta coleção de livros. Boa parte, claro, relacionada à prática e aos ensinamentos budistas.

Do outro lado do mundo

Na biblioteca da Monja Coen, os ideogramas japoneses e chineses se mesclam ao alfabeto latino-romano das obras em português e inglês. Paulistana de berço, foi em Nagoya, no Japão, onde morou por 12 anos, que ela se aprofundou nos ensinamentos de Buda. Voltou de lá como uma sensei e, de quebra, arranhando algum conhecimento dos caracteres nipônicos. “Aprendi pouco. Sou semialfabetizada”, ela brinca. “Sei mais aqueles símbolos que tem alguma relação com o budismo.”

Da coleção de livros em japonês e chinês, ela destaca obras publicadas pela sua ordem, Soto Shu, que mostram em detalhes os procedimentos da vida monástica. São livros pesados e repletos de fotografias. Quase manuais de instruções. Um passo a passo das técnicas de meditação e rituais. Mas também há livros de poesia. “Não tenho conhecimento suficiente da língua japonesa para ler esses. Para compreender a poesia de outro idioma, você tem que saber muito bem.”

No acervo da monja, Buda mora até nas ficções. Ou “quase” ficções. Ela nos mostra um exemplar em português de Velho Caminho, Nuvens Brancas. É uma obra de Thich Nhat Hanh, monge, escritor e ativista pela paz que morreu em 2022. “É um livro lindo. Ele pegou todos os sutras, que são os ensinamentos de Buda, textos sagrados e reconhecidos como verdadeiros, e fez disso um romance. Então não há nenhum dado inventado. Só que ele criou uma narrativa agradável de ler.”

Coen confessa: prefere os livros mais curtinhos. “São os que consigo ler no tempo que tenho.” Mas recomenda fortemente uma obra que é exceção à sua regra pessoal: os dois volumes de Musashi: A História do Mais Famoso Samurai de Todos os Tempos, do romancista japonês Eiji Yoshikawa, que somam mais de 1.800 páginas. “Mas é daqueles livros que cada parágrafo te deixa com mais vontade de ler o outro.”

Musashi, um clássico japonês, recomendação da Monja Coen Foto: Editora Estação Liberdade

Uma biblioteca ecumênica

Colado em Buda, está Alá. Mais ao lado, Jesus Cristo. O escritório da Monja Coen, que tem um quadro de Dalai Lama e uma série de imagens e estátuas budistas, reserva espaço para obras sobre outras religiões e filosofias. No topo da estante, um Alcorão chama atenção. Baixinha, a sensei pede ajuda ao repórter para pegar o exemplar, que ganhou de um grupo de sheiks árabes em um encontro inter-religioso.

“O Alcorão é uma joia. Ele ensina as pessoas a como viver. A própria palavra ‘Islã' significa paz. E a gente acha que são todos criminosos, né? Aquilo que a gente viu em outubro, aquele ataque que o Hamas fez a Israel, não é islamismo.”

Monja Coen

Do contato com os cristãos, nasceram obras em conjunto. Sobre o Amor, por exemplo, é uma publicação em coautoria com o padre Júlio Lancelotti e o pastor Henrique Vieira. Um outro livro, feito com Gustavo Arns, sobrinho-neto de dom Paulo Evaristo Arns, deve ser lançado até novembro.

Mas foi com um clássico literário que Coen aprendeu, ainda na infância, o que era o judaísmo. “Eu tinha um namoradinho, Marcelo, foi o primeiro beijo que eu dei na vida. Fiquei toda feliz, mas minhas amigas de classe me alertaram que ele era judeu. ‘Judeu? Como assim’ O que é judeu?’, eu pensei. E foi aí que minha mãe me deu O Diário de Anne Frank. E ainda me levou a uma peça sobre a obra, que estava em cartaz em São Paulo. Era assim que ela nos ensinava.”

Repórter na juventude, autora na terceira idade

Coen Rōshi ainda era Claudia Dias, assim registrada pelos pais, quando a escrita ganhou uma importância fundamental em sua vida. Aos 19 anos, tornou-se repórter da Geral (editoria de cidades) do Jornal da Tarde, publicação do Grupo Estado. “Eu tinha acabado de entrar na faculdade de Direito, mas não tinha o menor interesse, eu queria estudar filosofia ou teologia. Então, quando arrumei este emprego, eu travei a matrícula e saí correndo do curso.”

Eram tempos duros para a imprensa, com a ditadura militar vigiando e censurando os jornais da época. “Eu fui educada por grandes escritores, grandes redatores, que pegavam o meu texto e reescreviam, falavam o que eu poderia melhorar. Assim, fui evoluindo.” O ofício foi marcado por coberturas diversas, de desfiles de carnaval à morte do conhecido traficante Saponga. Claudia permaneceu três anos no jornal, antes de pedir uma licença para estudar fora, quando tomou contato com as práticas meditativas e a cultura budista.

Apesar da paixão pelas palavras, a monja não tinha interesse em se tornar escritora. “Praticamente todas as minhas obras foram convites de editoras. Nenhuma fui eu que propus.” Os títulos chamativos, ilustrações de capa bem acabadas e as reflexões de Coen foram a receita para o sucesso das obras lançadas. E os ensinamentos do budismo, fundamentais para a composição do texto.

Seu livro mais recente, Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes, traz uma frase atribuída a Buda logo no título. “Não tinha relógio, não tinha celular, não tinha nada disso na época de Buda. E mesmo assim ele falava com muita propriedade sobre a ideia de tempo e de instante. E ele dizia que em cada instante o nosso corpo está em movimento. Que a todo momento, ele se modifica, que tem células nascendo e morrendo. Hoje a ciência nos diz isso, mas esse carinha falou isso há 2.600 anos.”

Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

A monja e o treinador

Há um exemplar que destoa na biblioteca da monja, apesar de seu título bastante ‘zen’: Cabeça Fria, Coração Quente. A edição especial do livro de Abel Ferreira foi um presente do técnico do Palmeiras. “Nós fomos palestrantes na mesma bienal [em 2022] e o editor dele entrou em contato porque ele queria me visitar”, ela explica.

O português conheceu o trabalho da monja quando ainda era técnico do Braga, em seu país-natal. “A psicóloga do time recomendou que o Abel visse meus vídeos para ver se ele acalmava um pouco. A gente sabe como ele fica bravo à beira de campo”, ela brinca. Mas depois ressalta: “Eu gosto disso. Nós não podemos ser ‘mosca morta’. É importante que a gente se manifeste quando acha que algo está errado. E ele faz isso.”

Poucas semanas depois da Bienal, Abel levou a esposa, Ana Xavier, e as duas filhas ao Templo Taikozan Tenzuizenji, que curiosamente fica ao lado de um palco do esporte: o Estádio Municipal do Pacaembu. “Ele é um homem muito sensível. E quando fala de futebol aqui no livro, ele, na verdade, fala sobre a vida”, destaca a monja sobre a obra publicada pelo treinador alviverde junto à sua comissão técnica.

Abel Ferreira visitou Monja Coen com a família Foto: Instagram/monjacoen

A monja não se diz palmeirense, apesar de ter ganhado um carinho especial pelo clube após o encontro com o treinador. Antes do início da nossa entrevista, ela lamentou: “Você viu o gol que anularam do Gómez [no jogo contra o Botafogo]? Como pode? Não tem como não tocar a mão na bola. É um absurdo marcarem aquilo.”

Pois é. Até a monja que deixou o técnico multicampeão um pouco mais ‘zen’ às vezes também se estressa com futebol.

Monja Coen não pensa em parar. “Não tem aposentadoria, se a mente está funcionando, se você pode falar e agir no mundo, você está bem. Claro que não corre como corria antes, não escuta tão bem, não enxerga tão bem, mas se a mente está lúcida, então vamos lá”, finaliza.


Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

Os livros essenciais de Monja Coen

Além de Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes e A Sabedoria da Transformação, também vale ler para conhecer mais sobre obra da monja Coen:

  • Zen Para Distraídos: Princípios Para Viver Melhor no Mundo Moderno (Academia, 2018)
  • A Monja e o Professor: Reflexões Sobre Ética, Preceitos e Valores (BestSeller, 2018, em coautoria com Clóvis de Barros Filho)
  • Tempo de Cura: Como Podemos nos Tornar Seres Completos, Firmes e Fortes (Academia, 2021)
  • Aprenda a Viver o Agora: Conceitos de Zen-budismo e Atenção Plena Para Praticar em até 10 Minutos (Academia, 2019)

A mãe era poeta. Apaixonada pelas palavras. O pai, bibliotecário. Devoto do cheiro dos livros. A filha dos dois tornou-se uma escritora pop, ainda que tardiamente. Quando publicou sua primeira obra, A Sabedoria da Transformação, em 2014, Coen Rōshi tinha 67 anos. Os pedidos se multiplicaram e a monja não parou mais de escrever. De lá para cá, são mais de 30 publicações em uma década. “As editoras me dão um título ou um assunto e dizem: escreva. E aí eu vou meditar e refletir sobre aquele tema por algum tempo.”

Monja Coen revela que está com câncer e transmite mensagem de esperança: ‘A vida é assim’

6 livros para entender o amor, relacionamentos e términos

Adepta do zen-budismo, Monja Coen recebeu a reportagem do Estadão em sua ‘casa-templo’, no bairro do Pacaembu, zona oeste de São Paulo. É no imóvel da família, em meio aos alunos dos cursos de meditação e de seus pets - quatro cachorros e um gato - que ela guarda uma vasta coleção de livros. Boa parte, claro, relacionada à prática e aos ensinamentos budistas.

Do outro lado do mundo

Na biblioteca da Monja Coen, os ideogramas japoneses e chineses se mesclam ao alfabeto latino-romano das obras em português e inglês. Paulistana de berço, foi em Nagoya, no Japão, onde morou por 12 anos, que ela se aprofundou nos ensinamentos de Buda. Voltou de lá como uma sensei e, de quebra, arranhando algum conhecimento dos caracteres nipônicos. “Aprendi pouco. Sou semialfabetizada”, ela brinca. “Sei mais aqueles símbolos que tem alguma relação com o budismo.”

Da coleção de livros em japonês e chinês, ela destaca obras publicadas pela sua ordem, Soto Shu, que mostram em detalhes os procedimentos da vida monástica. São livros pesados e repletos de fotografias. Quase manuais de instruções. Um passo a passo das técnicas de meditação e rituais. Mas também há livros de poesia. “Não tenho conhecimento suficiente da língua japonesa para ler esses. Para compreender a poesia de outro idioma, você tem que saber muito bem.”

No acervo da monja, Buda mora até nas ficções. Ou “quase” ficções. Ela nos mostra um exemplar em português de Velho Caminho, Nuvens Brancas. É uma obra de Thich Nhat Hanh, monge, escritor e ativista pela paz que morreu em 2022. “É um livro lindo. Ele pegou todos os sutras, que são os ensinamentos de Buda, textos sagrados e reconhecidos como verdadeiros, e fez disso um romance. Então não há nenhum dado inventado. Só que ele criou uma narrativa agradável de ler.”

Coen confessa: prefere os livros mais curtinhos. “São os que consigo ler no tempo que tenho.” Mas recomenda fortemente uma obra que é exceção à sua regra pessoal: os dois volumes de Musashi: A História do Mais Famoso Samurai de Todos os Tempos, do romancista japonês Eiji Yoshikawa, que somam mais de 1.800 páginas. “Mas é daqueles livros que cada parágrafo te deixa com mais vontade de ler o outro.”

Musashi, um clássico japonês, recomendação da Monja Coen Foto: Editora Estação Liberdade

Uma biblioteca ecumênica

Colado em Buda, está Alá. Mais ao lado, Jesus Cristo. O escritório da Monja Coen, que tem um quadro de Dalai Lama e uma série de imagens e estátuas budistas, reserva espaço para obras sobre outras religiões e filosofias. No topo da estante, um Alcorão chama atenção. Baixinha, a sensei pede ajuda ao repórter para pegar o exemplar, que ganhou de um grupo de sheiks árabes em um encontro inter-religioso.

“O Alcorão é uma joia. Ele ensina as pessoas a como viver. A própria palavra ‘Islã' significa paz. E a gente acha que são todos criminosos, né? Aquilo que a gente viu em outubro, aquele ataque que o Hamas fez a Israel, não é islamismo.”

Monja Coen

Do contato com os cristãos, nasceram obras em conjunto. Sobre o Amor, por exemplo, é uma publicação em coautoria com o padre Júlio Lancelotti e o pastor Henrique Vieira. Um outro livro, feito com Gustavo Arns, sobrinho-neto de dom Paulo Evaristo Arns, deve ser lançado até novembro.

Mas foi com um clássico literário que Coen aprendeu, ainda na infância, o que era o judaísmo. “Eu tinha um namoradinho, Marcelo, foi o primeiro beijo que eu dei na vida. Fiquei toda feliz, mas minhas amigas de classe me alertaram que ele era judeu. ‘Judeu? Como assim’ O que é judeu?’, eu pensei. E foi aí que minha mãe me deu O Diário de Anne Frank. E ainda me levou a uma peça sobre a obra, que estava em cartaz em São Paulo. Era assim que ela nos ensinava.”

Repórter na juventude, autora na terceira idade

Coen Rōshi ainda era Claudia Dias, assim registrada pelos pais, quando a escrita ganhou uma importância fundamental em sua vida. Aos 19 anos, tornou-se repórter da Geral (editoria de cidades) do Jornal da Tarde, publicação do Grupo Estado. “Eu tinha acabado de entrar na faculdade de Direito, mas não tinha o menor interesse, eu queria estudar filosofia ou teologia. Então, quando arrumei este emprego, eu travei a matrícula e saí correndo do curso.”

Eram tempos duros para a imprensa, com a ditadura militar vigiando e censurando os jornais da época. “Eu fui educada por grandes escritores, grandes redatores, que pegavam o meu texto e reescreviam, falavam o que eu poderia melhorar. Assim, fui evoluindo.” O ofício foi marcado por coberturas diversas, de desfiles de carnaval à morte do conhecido traficante Saponga. Claudia permaneceu três anos no jornal, antes de pedir uma licença para estudar fora, quando tomou contato com as práticas meditativas e a cultura budista.

Apesar da paixão pelas palavras, a monja não tinha interesse em se tornar escritora. “Praticamente todas as minhas obras foram convites de editoras. Nenhuma fui eu que propus.” Os títulos chamativos, ilustrações de capa bem acabadas e as reflexões de Coen foram a receita para o sucesso das obras lançadas. E os ensinamentos do budismo, fundamentais para a composição do texto.

Seu livro mais recente, Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes, traz uma frase atribuída a Buda logo no título. “Não tinha relógio, não tinha celular, não tinha nada disso na época de Buda. E mesmo assim ele falava com muita propriedade sobre a ideia de tempo e de instante. E ele dizia que em cada instante o nosso corpo está em movimento. Que a todo momento, ele se modifica, que tem células nascendo e morrendo. Hoje a ciência nos diz isso, mas esse carinha falou isso há 2.600 anos.”

Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

A monja e o treinador

Há um exemplar que destoa na biblioteca da monja, apesar de seu título bastante ‘zen’: Cabeça Fria, Coração Quente. A edição especial do livro de Abel Ferreira foi um presente do técnico do Palmeiras. “Nós fomos palestrantes na mesma bienal [em 2022] e o editor dele entrou em contato porque ele queria me visitar”, ela explica.

O português conheceu o trabalho da monja quando ainda era técnico do Braga, em seu país-natal. “A psicóloga do time recomendou que o Abel visse meus vídeos para ver se ele acalmava um pouco. A gente sabe como ele fica bravo à beira de campo”, ela brinca. Mas depois ressalta: “Eu gosto disso. Nós não podemos ser ‘mosca morta’. É importante que a gente se manifeste quando acha que algo está errado. E ele faz isso.”

Poucas semanas depois da Bienal, Abel levou a esposa, Ana Xavier, e as duas filhas ao Templo Taikozan Tenzuizenji, que curiosamente fica ao lado de um palco do esporte: o Estádio Municipal do Pacaembu. “Ele é um homem muito sensível. E quando fala de futebol aqui no livro, ele, na verdade, fala sobre a vida”, destaca a monja sobre a obra publicada pelo treinador alviverde junto à sua comissão técnica.

Abel Ferreira visitou Monja Coen com a família Foto: Instagram/monjacoen

A monja não se diz palmeirense, apesar de ter ganhado um carinho especial pelo clube após o encontro com o treinador. Antes do início da nossa entrevista, ela lamentou: “Você viu o gol que anularam do Gómez [no jogo contra o Botafogo]? Como pode? Não tem como não tocar a mão na bola. É um absurdo marcarem aquilo.”

Pois é. Até a monja que deixou o técnico multicampeão um pouco mais ‘zen’ às vezes também se estressa com futebol.

Monja Coen não pensa em parar. “Não tem aposentadoria, se a mente está funcionando, se você pode falar e agir no mundo, você está bem. Claro que não corre como corria antes, não escuta tão bem, não enxerga tão bem, mas se a mente está lúcida, então vamos lá”, finaliza.


Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

Os livros essenciais de Monja Coen

Além de Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes e A Sabedoria da Transformação, também vale ler para conhecer mais sobre obra da monja Coen:

  • Zen Para Distraídos: Princípios Para Viver Melhor no Mundo Moderno (Academia, 2018)
  • A Monja e o Professor: Reflexões Sobre Ética, Preceitos e Valores (BestSeller, 2018, em coautoria com Clóvis de Barros Filho)
  • Tempo de Cura: Como Podemos nos Tornar Seres Completos, Firmes e Fortes (Academia, 2021)
  • Aprenda a Viver o Agora: Conceitos de Zen-budismo e Atenção Plena Para Praticar em até 10 Minutos (Academia, 2019)

A mãe era poeta. Apaixonada pelas palavras. O pai, bibliotecário. Devoto do cheiro dos livros. A filha dos dois tornou-se uma escritora pop, ainda que tardiamente. Quando publicou sua primeira obra, A Sabedoria da Transformação, em 2014, Coen Rōshi tinha 67 anos. Os pedidos se multiplicaram e a monja não parou mais de escrever. De lá para cá, são mais de 30 publicações em uma década. “As editoras me dão um título ou um assunto e dizem: escreva. E aí eu vou meditar e refletir sobre aquele tema por algum tempo.”

Monja Coen revela que está com câncer e transmite mensagem de esperança: ‘A vida é assim’

6 livros para entender o amor, relacionamentos e términos

Adepta do zen-budismo, Monja Coen recebeu a reportagem do Estadão em sua ‘casa-templo’, no bairro do Pacaembu, zona oeste de São Paulo. É no imóvel da família, em meio aos alunos dos cursos de meditação e de seus pets - quatro cachorros e um gato - que ela guarda uma vasta coleção de livros. Boa parte, claro, relacionada à prática e aos ensinamentos budistas.

Do outro lado do mundo

Na biblioteca da Monja Coen, os ideogramas japoneses e chineses se mesclam ao alfabeto latino-romano das obras em português e inglês. Paulistana de berço, foi em Nagoya, no Japão, onde morou por 12 anos, que ela se aprofundou nos ensinamentos de Buda. Voltou de lá como uma sensei e, de quebra, arranhando algum conhecimento dos caracteres nipônicos. “Aprendi pouco. Sou semialfabetizada”, ela brinca. “Sei mais aqueles símbolos que tem alguma relação com o budismo.”

Da coleção de livros em japonês e chinês, ela destaca obras publicadas pela sua ordem, Soto Shu, que mostram em detalhes os procedimentos da vida monástica. São livros pesados e repletos de fotografias. Quase manuais de instruções. Um passo a passo das técnicas de meditação e rituais. Mas também há livros de poesia. “Não tenho conhecimento suficiente da língua japonesa para ler esses. Para compreender a poesia de outro idioma, você tem que saber muito bem.”

No acervo da monja, Buda mora até nas ficções. Ou “quase” ficções. Ela nos mostra um exemplar em português de Velho Caminho, Nuvens Brancas. É uma obra de Thich Nhat Hanh, monge, escritor e ativista pela paz que morreu em 2022. “É um livro lindo. Ele pegou todos os sutras, que são os ensinamentos de Buda, textos sagrados e reconhecidos como verdadeiros, e fez disso um romance. Então não há nenhum dado inventado. Só que ele criou uma narrativa agradável de ler.”

Coen confessa: prefere os livros mais curtinhos. “São os que consigo ler no tempo que tenho.” Mas recomenda fortemente uma obra que é exceção à sua regra pessoal: os dois volumes de Musashi: A História do Mais Famoso Samurai de Todos os Tempos, do romancista japonês Eiji Yoshikawa, que somam mais de 1.800 páginas. “Mas é daqueles livros que cada parágrafo te deixa com mais vontade de ler o outro.”

Musashi, um clássico japonês, recomendação da Monja Coen Foto: Editora Estação Liberdade

Uma biblioteca ecumênica

Colado em Buda, está Alá. Mais ao lado, Jesus Cristo. O escritório da Monja Coen, que tem um quadro de Dalai Lama e uma série de imagens e estátuas budistas, reserva espaço para obras sobre outras religiões e filosofias. No topo da estante, um Alcorão chama atenção. Baixinha, a sensei pede ajuda ao repórter para pegar o exemplar, que ganhou de um grupo de sheiks árabes em um encontro inter-religioso.

“O Alcorão é uma joia. Ele ensina as pessoas a como viver. A própria palavra ‘Islã' significa paz. E a gente acha que são todos criminosos, né? Aquilo que a gente viu em outubro, aquele ataque que o Hamas fez a Israel, não é islamismo.”

Monja Coen

Do contato com os cristãos, nasceram obras em conjunto. Sobre o Amor, por exemplo, é uma publicação em coautoria com o padre Júlio Lancelotti e o pastor Henrique Vieira. Um outro livro, feito com Gustavo Arns, sobrinho-neto de dom Paulo Evaristo Arns, deve ser lançado até novembro.

Mas foi com um clássico literário que Coen aprendeu, ainda na infância, o que era o judaísmo. “Eu tinha um namoradinho, Marcelo, foi o primeiro beijo que eu dei na vida. Fiquei toda feliz, mas minhas amigas de classe me alertaram que ele era judeu. ‘Judeu? Como assim’ O que é judeu?’, eu pensei. E foi aí que minha mãe me deu O Diário de Anne Frank. E ainda me levou a uma peça sobre a obra, que estava em cartaz em São Paulo. Era assim que ela nos ensinava.”

Repórter na juventude, autora na terceira idade

Coen Rōshi ainda era Claudia Dias, assim registrada pelos pais, quando a escrita ganhou uma importância fundamental em sua vida. Aos 19 anos, tornou-se repórter da Geral (editoria de cidades) do Jornal da Tarde, publicação do Grupo Estado. “Eu tinha acabado de entrar na faculdade de Direito, mas não tinha o menor interesse, eu queria estudar filosofia ou teologia. Então, quando arrumei este emprego, eu travei a matrícula e saí correndo do curso.”

Eram tempos duros para a imprensa, com a ditadura militar vigiando e censurando os jornais da época. “Eu fui educada por grandes escritores, grandes redatores, que pegavam o meu texto e reescreviam, falavam o que eu poderia melhorar. Assim, fui evoluindo.” O ofício foi marcado por coberturas diversas, de desfiles de carnaval à morte do conhecido traficante Saponga. Claudia permaneceu três anos no jornal, antes de pedir uma licença para estudar fora, quando tomou contato com as práticas meditativas e a cultura budista.

Apesar da paixão pelas palavras, a monja não tinha interesse em se tornar escritora. “Praticamente todas as minhas obras foram convites de editoras. Nenhuma fui eu que propus.” Os títulos chamativos, ilustrações de capa bem acabadas e as reflexões de Coen foram a receita para o sucesso das obras lançadas. E os ensinamentos do budismo, fundamentais para a composição do texto.

Seu livro mais recente, Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes, traz uma frase atribuída a Buda logo no título. “Não tinha relógio, não tinha celular, não tinha nada disso na época de Buda. E mesmo assim ele falava com muita propriedade sobre a ideia de tempo e de instante. E ele dizia que em cada instante o nosso corpo está em movimento. Que a todo momento, ele se modifica, que tem células nascendo e morrendo. Hoje a ciência nos diz isso, mas esse carinha falou isso há 2.600 anos.”

Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

A monja e o treinador

Há um exemplar que destoa na biblioteca da monja, apesar de seu título bastante ‘zen’: Cabeça Fria, Coração Quente. A edição especial do livro de Abel Ferreira foi um presente do técnico do Palmeiras. “Nós fomos palestrantes na mesma bienal [em 2022] e o editor dele entrou em contato porque ele queria me visitar”, ela explica.

O português conheceu o trabalho da monja quando ainda era técnico do Braga, em seu país-natal. “A psicóloga do time recomendou que o Abel visse meus vídeos para ver se ele acalmava um pouco. A gente sabe como ele fica bravo à beira de campo”, ela brinca. Mas depois ressalta: “Eu gosto disso. Nós não podemos ser ‘mosca morta’. É importante que a gente se manifeste quando acha que algo está errado. E ele faz isso.”

Poucas semanas depois da Bienal, Abel levou a esposa, Ana Xavier, e as duas filhas ao Templo Taikozan Tenzuizenji, que curiosamente fica ao lado de um palco do esporte: o Estádio Municipal do Pacaembu. “Ele é um homem muito sensível. E quando fala de futebol aqui no livro, ele, na verdade, fala sobre a vida”, destaca a monja sobre a obra publicada pelo treinador alviverde junto à sua comissão técnica.

Abel Ferreira visitou Monja Coen com a família Foto: Instagram/monjacoen

A monja não se diz palmeirense, apesar de ter ganhado um carinho especial pelo clube após o encontro com o treinador. Antes do início da nossa entrevista, ela lamentou: “Você viu o gol que anularam do Gómez [no jogo contra o Botafogo]? Como pode? Não tem como não tocar a mão na bola. É um absurdo marcarem aquilo.”

Pois é. Até a monja que deixou o técnico multicampeão um pouco mais ‘zen’ às vezes também se estressa com futebol.

Monja Coen não pensa em parar. “Não tem aposentadoria, se a mente está funcionando, se você pode falar e agir no mundo, você está bem. Claro que não corre como corria antes, não escuta tão bem, não enxerga tão bem, mas se a mente está lúcida, então vamos lá”, finaliza.


Monja Coen mostra sua biblioteca para o Estadão. Foto: Júlia Pereira/Estadão Foto: Júlia Pereira/Estadão

Os livros essenciais de Monja Coen

Além de Em Cada Instante Nascemos e Morremos Bilhões de Vezes e A Sabedoria da Transformação, também vale ler para conhecer mais sobre obra da monja Coen:

  • Zen Para Distraídos: Princípios Para Viver Melhor no Mundo Moderno (Academia, 2018)
  • A Monja e o Professor: Reflexões Sobre Ética, Preceitos e Valores (BestSeller, 2018, em coautoria com Clóvis de Barros Filho)
  • Tempo de Cura: Como Podemos nos Tornar Seres Completos, Firmes e Fortes (Academia, 2021)
  • Aprenda a Viver o Agora: Conceitos de Zen-budismo e Atenção Plena Para Praticar em até 10 Minutos (Academia, 2019)

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