Dois volumes, 1.956 páginas, 45 anos de poesia. O box que chega agora às livrarias reúne toda a obra poética de Cecília Meireles (1901–1964) – de Espectros, sua estreia, em 1919, ao póstumo Crônica Trovada da Cidade de Sam Sebastiam. Sem contar textos dispersos descobertos aqui e ali.
Há cinco anos, novas edições de seus livros começaram a voltar às livrarias – muitos deles estavam esgotados e não eram reimpressos por causa de uma disputa entre seus herdeiros. Na virada de 2011 para 2012, a Global adquiriu os direitos de um dos lados da família. Houve mais briga, mas pelo menos hoje, cinco anos depois, o leitor encontra 45 livros desta que é uma das principais autoras brasileiras.
A coordenação editorial do box Poesia Completa é de André Seffrin, que manteve a mesma linha da edição de 2001, feita por Antonio Carlos Secchin para a Nova Fronteira. Mas há novidades e ajustes – mais de uma centena, na fixação dos textos, conta Seffrin.
“Foi árduo, como todo trabalho de fixação de texto, embora a poesia de Cecília não apresente tantos problemas quanto a de Manuel Bandeira, por exemplo, que alterava poemas e fez isso até o fim. Em Cecília isso quase não ocorreu, mas sucessivas edições e tiragens póstumas desvirtuaram bastante os textos originais”, explica. Datiloscritos da autora e estudos recentes que apontaram variações nas diferentes edições das obras serviram de base para o trabalho.
A outra novidade é que três novos poemas foram incluídos na seção Dispersos. Um deles é o Rimance às Donas de Portugal, descoberto em 2016 por Ulisses Infante, professor de literatura da Unesp de São José do Rio Preto, e antecipado com exclusividade pelo Estado na época. O poema narrativo, possivelmente o primeiro dela, foi publicado em 31 de outubro de 1931, na revista Lusitania, da colônia portuguesa no Rio.
Os outros dois são o inédito Agrada-me o portulano, dedicado à Lélia Coelho Frota e dado por ela a Seffrin, e Pense Prossiga Pare, experimentação concretista dedicada à Flora Egídio Thomé encontrada pelo organizador num sebo.
É possível que outros poemas e crônicas de Cecília Meireles ainda sejam encontrados, acredita Seffrin. “Mal começamos a conhecer melhor a cronista Cecília, a ensaísta Cecília. Mas vivemos outros tempos e pesquisar hoje é bem mais fácil, a Hemeroteca da Biblioteca Nacional facilita tudo ou quase tudo. Certamente em breve teremos muitas novidades”, diz.
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Quem assina a apresentação da obra é o poeta, ensaísta, africanista e imortal da Academia Brasileira de Letras Alberto da Costa e Silva, 86 anos, leitor de Cecília Meireles desde os 15. Viagem (1939) foi o primeiro que ele leu, e foi tomado de surpresa e encanto, ele escreve, porque se viu diante de uma fala que era moderna porque era antiga. “Em contraste com o que vinham fazendo os seus companheiros de geração, Cecília Meireles valia-se de versos bem escandidos e rimas nítidas, para se procurar no mundo”, explica.
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E no que ela se aproxima e se distancia de sua geração? “Digamos que ela foi o mais independente de nossos poetas modernos”, responde Seffrin. Ele continua: “Cecília é um dos maiores poetas de seu tempo, sem distinção geográfica ou de gênero, e só limitada pela língua portuguesa, que tanto nos isola dos grandes centros literários”.
Cecília está entre os nossos clássicos e segue sendo lida por leitores de diferentes gerações. Seus livros mais vendidos pela Global são, nesta ordem: O Menino Azul (o Itaú comprou recentemente nada menos que 2 milhões de exemplares para a campanha Leia para uma criança); Ou Isto ou Aquilo; Romanceiro da Inconfidência; Canção da Tarde no Campo e As Palavras Voam. Se tirarmos os infantis da lista, que costumam ser adotados em escolas, juntam-se à Romanceiro Viagem, Antologia Poética e Ilusões do Mundo.
A editora não abre detalhes sobre os números, mas informa que esses livros, com exceção do primeiro, venderam cerca de 6 mil exemplares cada um. Somada a venda de todos os títulos em catálogo, ela ultrapassa os 3 milhões de exemplares – mais de 1 milhão, então, sem contar a compra do Itaú.
Para quem quer começar a ler Cecília Meireles, André Seffrin sugere iniciar por Viagem – aquele primeiro lido por Alberto da Costa e Silva e um de seus favoritos, e que abre, como ele lembra, com o “emblemático Motivo, já incorporado ao nosso imaginário”: “Não sou alegre nem sou triste / sou poeta”.
No box lançado agora encontramos alguns livros que não ganharam edições individuais da Global. Está ali a Cecília poeta de todos os tempos, dos volumes mais ou menos conhecidos, dos poemas de circunstâncias e de agradecimento, dos grandes poemas.
POESIA COMPLETAAutora: Cecília MeirelesOrg.: André SeffrinEditora: Global (2 volumes, 1.956 págs.; R$ 199)