A polêmica é antiga. Machado de Assis publicou Dom Casmurro em 1899 e desde então o debate divide opiniões: Capitu traiu ou não Bentinho?
Essa desconfiança acompanha Bentinho ao logo de todo o romance. A ideia de que Ezequiel é filho de seu amigo Escobar, e não dele, por causa de semelhança física e de suas atitudes, e por outros indícios que ele apresenta, vai se tornando insuportável para o narrador de Dom Casmurro, livro que é leitura obrigatória nas escolas e presença frequente nas listas de livros de vestibular.
O livro de Machado de Assis apareceu na novela Bom Sucesso, que está sendo exibida pela Globo, e a dúvida sobre se Capitu traiu mesmo Bentinho voltou ao debate. A novela tem se apropriado de muitos textos literários para contar, especialmente, a história de Paloma (Grazi Massafera) e de sua amizade improvável com Alberto (Antonio Fagundes). Vivendo em mundos opostos, os dois são apaixonados por literatura.
Na cena, Marcos (Romulo Estrela), filho de Alberto e com quem Paloma já teve alguma coisa, vê Dom Casmurro nas mãos da moça e pergunta: “E aí, você acha que a Capitu traiu ou não traiu Bentinho?”. Ela responde que ainda não terminou de ler para saber, e ele emenda: “Eu acho que ela traiu sim. O Escobar era muito mais interessante do que aquele marido dela. Bentinho era um mala, ciumento, possessivo. Que nem o seu noivo”.
Quando Lygia Fagundes Telles, a maior escritora brasileira viva, fez 90 anos, em 2013, conversamos com ela sobre sua trajetória e sobre autores diversos. Ela deu um depoimento interessante sobre como sua leitura de Dom Casmurro mudou com o passar do tempo.
À época, ela contou que estava na Faculdade de Direito quando leu pela primeira vez Dom Casmurro. Tinha comprado a edição do livro de Machado de Assis num sebo. “Achei que Capitu era uma santa, uma pobrezinha; e ele, Bentinho, um neurótico, um doido varrido, histérico. Conversei com as minhas colegas, éramos seis mulheres, sobre a leitura, e eu dizia: ‘Não pode isso, esse homem é um louco, neurastênico, desesperado, casado com uma santa em que via a traição’. E não leu mais o livro.
A segunda leitura foi na maturidade, relembrou. “Eu estava casada com o Paulo Emílio e preparávamos Capitu (roteiro filmado por Paulo César Saraceni e lançado pela Cosac Naify). Reli o livro e disse ao Paulo: ‘Mudei completamente de ideia, a mulher traiu ele, sim, o filho não era dele’. E ele me perguntou: ‘Você tem certeza? Cuco, você não pode ser juiz, temos que suspender o juízo, como o próprio Machado queria’. E eu: ‘Mas eu não posso suspender, esse homem é um doido, coitada dessa mulher’. ‘Cuco, não vista a toga de juiz. Vamos apresentar o roteiro como está no livro. Você está ficando com a cara do Bentinho!’ Capitu traiu Bentinho? Eu já não sei mais. Minha última versão é essa, não sei. Acho que, enfim, suspendi o juízo. No começo, ela era uma santa; na segunda, um monstro. Agora, na velhice, eu não sei.”
Mais recentemente, em 2018, o projeto Capitu, do Estado, entrevistou a escritora Ana Maria Machado, que revisitou Dom Casmurro em seu romance A Audácia Dessa Mulher. Para ela, a versão de Capitu já existe no livro de Machado.
A história de Dom Casmurro
Bentinho e Capitu são criados juntos e se apaixonam na adolescência. Mas a mãe dele, por força de uma promessa, decide enviá-lo ao seminário para que se torne padre. Lá o garoto conhece Escobar, de quem fica amigo íntimo. Algum tempo depois, tanto um como outro deixam a vida eclesiástica e se casam. Escobar com Sancha, e Bentinho com Capitu. Os dois casais vivem tranquilamente até a morte de Escobar, quando Bentinho começa a desconfiar da fidelidade de sua mulher e percebe a assombrosa semelhança do filho Ezequiel com o ex-companheiro de seminário.