‘Carlos Gomes é horrível’, afirmou Oswald de Andrade


Em artigos publicados no livro 'Arte do Centenário e Outros Escritos', autor dispara críticas contra colegas e os artistas que ele considerava ‘passadistas’

Por Ubiratan Brasil

Em 1920, o escritor Oswald de Andrade, então com 30 anos, tinha um objetivo claro: atuar, por meio de sua escrita, na crítica ao passadismo (ou seja, o parnasianismo, simbolismo e regionalismo que ainda vigoravam na época) e na defesa de uma nova estética, que se consolidaria na Semana de Arte Moderna, dois anos depois. Às vésperas do centenário da Independência, Oswald figurava em um grupo determinado a promover também uma ruptura artística.

Reprodução da imagem deOswald de Andrade Foto: DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO

“A Semana de Arte Moderna foi um projeto político de uma geração. Aspirava a ser nada menos que uma revolução moderna, no que implica ruptura com o estabelecido, assentado, conformado. Inicialmente na dimensão local, restrita ao meio paulistano; com a adesão de Graça Aranha e de seu grupo sediado no Rio de Janeiro, o movimento tornou-se ‘nacional, violento, triunfante’”, observa a professora universitária, pesquisadora e tradutora Gênese Andrade, organizadora da obra Arte do Centenário e Outros Escritos, publicada agora pela Editora Unesp.

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Trata-se de uma coletânea de 18 textos de Oswald de Andrade publicados na imprensa (Jornal do Commercio, Correio Paulistano e revista A Rajada), entre 1920 e 1922 e inéditos em livro. Há ainda uma entrevista praticamente desconhecida que o escritor concedeu à Gazeta de Notícias, em outubro de 1921, quando viajou ao Rio de Janeiro, na companhia do também escritor Mário de Andrade e do produtor cinematográfico Armando Pamplona. O livro, segundo Gênese, busca evidenciar a atuação de Oswald “antes, durante e imediatamente depois da Semana de Arte Moderna, como protagonista na crítica ao passadismo e na defesa da nova estética, que se consolidaria no Modernismo dos anos 1920”.

Oswald de Andrade (1890-1954) foi, para muitos críticos, o principal nome do movimento modernista. Afinal, era um dos poucos autores da sua época a apresentar um texto mais cerebral, argumentativo e não apenas preocupado em narrar uma história. E, acima de tudo, Oswald tinha o dom de provocar polêmicas.

VAIAS. “O percurso que se inicia em abril de 1920, com a exaltação do (escultor) Victor Brecheret, atinge seu auge em maio de 1921 com a divulgação do ‘poeta futurista’ Mário de Andrade e culmina em maio de 1922 com o lançamento da (revista) Klaxon”, escreve Gênese. “Pelas polêmicas que desencadeiam, os textos metaforicamente fazem barulho tanto quanto as vaias no Theatro Municipal (durante a Semana de Arte Moderna) ou a buzina que nomeia a revista, ecoando até hoje nas polêmicas sobre qual centenário se festejava e se festeja.”

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Nos textos agora selecionados, Oswald é impiedoso com colegas, travando metafóricas lutas de boxe que lhe permitem aplicar golpes certeiros e, às vezes, até baixos. “É possível acompanhar os movimentos táticos desse escritor militante, que se comportava como um boxeador no ringue. Um direto no nariz de Coelho Neto, um gancho no fantasma de Tobias Barreto, uma chave de braço em Amadeu Amaral, uma canelada em Oscar Pereira da Silva. Oswald escolhia a dedo os adversários passadistas. E pagou em vida – e paga até hoje – pelos golpes desferidos”, aponta o texto da orelha do livro.

Oswald é particularmente crítico ao compositor Carlos Gomes, autor da ópera O Guarani e considerado um dos ícones da música clássica brasileira. A desmoralização, na verdade, preparava o caminho para apresentar aquele que realmente teria talento, o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos, que se apresentou na Semana de Arte Moderna. “Que violência suave, que rompimento de velhos mundos estáticos, que sensibilidade cantante através de todas as desordens, de todos os choques, de todos os saltos frios, de todas as invasões abismais”, escreve ele, em artigo publicado em 12 de fevereiro de 1922. Ao final, festeja o “movimento nacional, violento e triunfante e no qual se empenham reputações formidáveis”.

Trechos do livro:

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"Carlos Gomes é horrível. Todos nós o sentimos desde pequeninos. Mas, como se trata de uma glória da família, engolimos a cantarolice toda do Guarani e do Schiavo, inexpressiva, postiça, nefanda. E, quando nos falam no absorvente gênio de Campinas, temos um sorriso de alçapão, assim como quem diz: – É verdade! Antes não tivesse escrito nada... Um talento! (...)"

 "Ora, enquanto na Alemanha se procedia à renovação estética formidavelmente anunciada por Wagner e, na França, César Franck precedia Debussy, o nosso Carlos Gomes, batuta em punho, cabelo sensacional, olhar de fera americana, acreditava em Ponchielli." (...)"

"Por aqui, à notícia de que um maestrino nacional guiava com obra suas afinadas trupes de cantimpanchi – detentores tradicionais do recorde de bestice humana – houve uma síncope nacional. O resto todos sabem. De êxito em êxito, o nosso homem conseguiu difamar profundamente o seu país, fazendo-o conhecido através dos Peris de maiô cor de cuia e vistoso espanador na cabeça, a berrar forças indômitas em cenários terríveis. (...)"

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"Felizmente nós temos hoje a imprevista genialidade de Heitor Villa-Lobos."

Em 1920, o escritor Oswald de Andrade, então com 30 anos, tinha um objetivo claro: atuar, por meio de sua escrita, na crítica ao passadismo (ou seja, o parnasianismo, simbolismo e regionalismo que ainda vigoravam na época) e na defesa de uma nova estética, que se consolidaria na Semana de Arte Moderna, dois anos depois. Às vésperas do centenário da Independência, Oswald figurava em um grupo determinado a promover também uma ruptura artística.

Reprodução da imagem deOswald de Andrade Foto: DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO

“A Semana de Arte Moderna foi um projeto político de uma geração. Aspirava a ser nada menos que uma revolução moderna, no que implica ruptura com o estabelecido, assentado, conformado. Inicialmente na dimensão local, restrita ao meio paulistano; com a adesão de Graça Aranha e de seu grupo sediado no Rio de Janeiro, o movimento tornou-se ‘nacional, violento, triunfante’”, observa a professora universitária, pesquisadora e tradutora Gênese Andrade, organizadora da obra Arte do Centenário e Outros Escritos, publicada agora pela Editora Unesp.

Trata-se de uma coletânea de 18 textos de Oswald de Andrade publicados na imprensa (Jornal do Commercio, Correio Paulistano e revista A Rajada), entre 1920 e 1922 e inéditos em livro. Há ainda uma entrevista praticamente desconhecida que o escritor concedeu à Gazeta de Notícias, em outubro de 1921, quando viajou ao Rio de Janeiro, na companhia do também escritor Mário de Andrade e do produtor cinematográfico Armando Pamplona. O livro, segundo Gênese, busca evidenciar a atuação de Oswald “antes, durante e imediatamente depois da Semana de Arte Moderna, como protagonista na crítica ao passadismo e na defesa da nova estética, que se consolidaria no Modernismo dos anos 1920”.

Oswald de Andrade (1890-1954) foi, para muitos críticos, o principal nome do movimento modernista. Afinal, era um dos poucos autores da sua época a apresentar um texto mais cerebral, argumentativo e não apenas preocupado em narrar uma história. E, acima de tudo, Oswald tinha o dom de provocar polêmicas.

VAIAS. “O percurso que se inicia em abril de 1920, com a exaltação do (escultor) Victor Brecheret, atinge seu auge em maio de 1921 com a divulgação do ‘poeta futurista’ Mário de Andrade e culmina em maio de 1922 com o lançamento da (revista) Klaxon”, escreve Gênese. “Pelas polêmicas que desencadeiam, os textos metaforicamente fazem barulho tanto quanto as vaias no Theatro Municipal (durante a Semana de Arte Moderna) ou a buzina que nomeia a revista, ecoando até hoje nas polêmicas sobre qual centenário se festejava e se festeja.”

Nos textos agora selecionados, Oswald é impiedoso com colegas, travando metafóricas lutas de boxe que lhe permitem aplicar golpes certeiros e, às vezes, até baixos. “É possível acompanhar os movimentos táticos desse escritor militante, que se comportava como um boxeador no ringue. Um direto no nariz de Coelho Neto, um gancho no fantasma de Tobias Barreto, uma chave de braço em Amadeu Amaral, uma canelada em Oscar Pereira da Silva. Oswald escolhia a dedo os adversários passadistas. E pagou em vida – e paga até hoje – pelos golpes desferidos”, aponta o texto da orelha do livro.

Oswald é particularmente crítico ao compositor Carlos Gomes, autor da ópera O Guarani e considerado um dos ícones da música clássica brasileira. A desmoralização, na verdade, preparava o caminho para apresentar aquele que realmente teria talento, o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos, que se apresentou na Semana de Arte Moderna. “Que violência suave, que rompimento de velhos mundos estáticos, que sensibilidade cantante através de todas as desordens, de todos os choques, de todos os saltos frios, de todas as invasões abismais”, escreve ele, em artigo publicado em 12 de fevereiro de 1922. Ao final, festeja o “movimento nacional, violento e triunfante e no qual se empenham reputações formidáveis”.

Trechos do livro:

"Carlos Gomes é horrível. Todos nós o sentimos desde pequeninos. Mas, como se trata de uma glória da família, engolimos a cantarolice toda do Guarani e do Schiavo, inexpressiva, postiça, nefanda. E, quando nos falam no absorvente gênio de Campinas, temos um sorriso de alçapão, assim como quem diz: – É verdade! Antes não tivesse escrito nada... Um talento! (...)"

 "Ora, enquanto na Alemanha se procedia à renovação estética formidavelmente anunciada por Wagner e, na França, César Franck precedia Debussy, o nosso Carlos Gomes, batuta em punho, cabelo sensacional, olhar de fera americana, acreditava em Ponchielli." (...)"

"Por aqui, à notícia de que um maestrino nacional guiava com obra suas afinadas trupes de cantimpanchi – detentores tradicionais do recorde de bestice humana – houve uma síncope nacional. O resto todos sabem. De êxito em êxito, o nosso homem conseguiu difamar profundamente o seu país, fazendo-o conhecido através dos Peris de maiô cor de cuia e vistoso espanador na cabeça, a berrar forças indômitas em cenários terríveis. (...)"

"Felizmente nós temos hoje a imprevista genialidade de Heitor Villa-Lobos."

Em 1920, o escritor Oswald de Andrade, então com 30 anos, tinha um objetivo claro: atuar, por meio de sua escrita, na crítica ao passadismo (ou seja, o parnasianismo, simbolismo e regionalismo que ainda vigoravam na época) e na defesa de uma nova estética, que se consolidaria na Semana de Arte Moderna, dois anos depois. Às vésperas do centenário da Independência, Oswald figurava em um grupo determinado a promover também uma ruptura artística.

Reprodução da imagem deOswald de Andrade Foto: DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO

“A Semana de Arte Moderna foi um projeto político de uma geração. Aspirava a ser nada menos que uma revolução moderna, no que implica ruptura com o estabelecido, assentado, conformado. Inicialmente na dimensão local, restrita ao meio paulistano; com a adesão de Graça Aranha e de seu grupo sediado no Rio de Janeiro, o movimento tornou-se ‘nacional, violento, triunfante’”, observa a professora universitária, pesquisadora e tradutora Gênese Andrade, organizadora da obra Arte do Centenário e Outros Escritos, publicada agora pela Editora Unesp.

Trata-se de uma coletânea de 18 textos de Oswald de Andrade publicados na imprensa (Jornal do Commercio, Correio Paulistano e revista A Rajada), entre 1920 e 1922 e inéditos em livro. Há ainda uma entrevista praticamente desconhecida que o escritor concedeu à Gazeta de Notícias, em outubro de 1921, quando viajou ao Rio de Janeiro, na companhia do também escritor Mário de Andrade e do produtor cinematográfico Armando Pamplona. O livro, segundo Gênese, busca evidenciar a atuação de Oswald “antes, durante e imediatamente depois da Semana de Arte Moderna, como protagonista na crítica ao passadismo e na defesa da nova estética, que se consolidaria no Modernismo dos anos 1920”.

Oswald de Andrade (1890-1954) foi, para muitos críticos, o principal nome do movimento modernista. Afinal, era um dos poucos autores da sua época a apresentar um texto mais cerebral, argumentativo e não apenas preocupado em narrar uma história. E, acima de tudo, Oswald tinha o dom de provocar polêmicas.

VAIAS. “O percurso que se inicia em abril de 1920, com a exaltação do (escultor) Victor Brecheret, atinge seu auge em maio de 1921 com a divulgação do ‘poeta futurista’ Mário de Andrade e culmina em maio de 1922 com o lançamento da (revista) Klaxon”, escreve Gênese. “Pelas polêmicas que desencadeiam, os textos metaforicamente fazem barulho tanto quanto as vaias no Theatro Municipal (durante a Semana de Arte Moderna) ou a buzina que nomeia a revista, ecoando até hoje nas polêmicas sobre qual centenário se festejava e se festeja.”

Nos textos agora selecionados, Oswald é impiedoso com colegas, travando metafóricas lutas de boxe que lhe permitem aplicar golpes certeiros e, às vezes, até baixos. “É possível acompanhar os movimentos táticos desse escritor militante, que se comportava como um boxeador no ringue. Um direto no nariz de Coelho Neto, um gancho no fantasma de Tobias Barreto, uma chave de braço em Amadeu Amaral, uma canelada em Oscar Pereira da Silva. Oswald escolhia a dedo os adversários passadistas. E pagou em vida – e paga até hoje – pelos golpes desferidos”, aponta o texto da orelha do livro.

Oswald é particularmente crítico ao compositor Carlos Gomes, autor da ópera O Guarani e considerado um dos ícones da música clássica brasileira. A desmoralização, na verdade, preparava o caminho para apresentar aquele que realmente teria talento, o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos, que se apresentou na Semana de Arte Moderna. “Que violência suave, que rompimento de velhos mundos estáticos, que sensibilidade cantante através de todas as desordens, de todos os choques, de todos os saltos frios, de todas as invasões abismais”, escreve ele, em artigo publicado em 12 de fevereiro de 1922. Ao final, festeja o “movimento nacional, violento e triunfante e no qual se empenham reputações formidáveis”.

Trechos do livro:

"Carlos Gomes é horrível. Todos nós o sentimos desde pequeninos. Mas, como se trata de uma glória da família, engolimos a cantarolice toda do Guarani e do Schiavo, inexpressiva, postiça, nefanda. E, quando nos falam no absorvente gênio de Campinas, temos um sorriso de alçapão, assim como quem diz: – É verdade! Antes não tivesse escrito nada... Um talento! (...)"

 "Ora, enquanto na Alemanha se procedia à renovação estética formidavelmente anunciada por Wagner e, na França, César Franck precedia Debussy, o nosso Carlos Gomes, batuta em punho, cabelo sensacional, olhar de fera americana, acreditava em Ponchielli." (...)"

"Por aqui, à notícia de que um maestrino nacional guiava com obra suas afinadas trupes de cantimpanchi – detentores tradicionais do recorde de bestice humana – houve uma síncope nacional. O resto todos sabem. De êxito em êxito, o nosso homem conseguiu difamar profundamente o seu país, fazendo-o conhecido através dos Peris de maiô cor de cuia e vistoso espanador na cabeça, a berrar forças indômitas em cenários terríveis. (...)"

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