A Casa da Rosas, museu dedicado à literatura localizado na Avenida Paulista, vai passar por um processo de reforma e restauro. As obras começam no fim deste mês e devem durar cerca de dois anos, com um custo aproximado de R$ 4,2 milhões. Inaugurada em 1935, a casa é um dos últimos prédios históricos remanescentes na região e foi projetada pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo, também responsável por prédios importantes, como o Teatro Municipal de São Paulo, a Pinacoteca do Estado e o Mercado Público de São Paulo.
As obras estavam previstas, em um primeiro momento, para o início de 2020. A pandemia acabou atrasando os planos, assim como a burocracia com a documentação referente à história do prédio, que é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), para a liberação das verbas. O dinheiro para as obras virá do Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça, responsável por 80% do aporte, e do governo do Estado de São Paulo, que entra com os demais 20%.
“Um edifício como esse, tombado por sua importância histórica, não permite que façamos intervenções, o que é importante justamente para protegê-lo”, diz Marcelo Tápias, diretor da Rede de Museus-Casas Literários de São Paulo. “Ao mesmo tempo, porém, isso torna complicada a manutenção, em especial no que diz respeito ao encanamento e à parte elétrica e às calhas, por exemplo. Da mesma forma, era preciso lidar com o desgaste natural da fachada. Mas todos os materiais usados na construção são importados e exigem trabalho altamente especializado. Por isso, já há algum tempo sentíamos que seria necessário iniciar um processo de fato de restauração.”
Para auxiliar nos trabalhos foram usados o projeto original, assim como imagens de época. Mas Tápias afirma que o prédio foi muito bem preservado ao longo das décadas e que não há expectativa de, durante o trabalho, descobrir elementos escondidos pelo tempo. “Nunca houve uma mudança significativa no projeto, algo que o desconfigurasse. Claro, estamos fazendo estudos sobre as camadas de tinta utilizadas ao longo do tempo, vamos restaurar os afrescos e adornos, rearranjar o mobiliário histórico, os lustres. Mas não acreditamos que haja a necessidade de buscar uma fidelização extrema, pois já estamos muito próximos do original. A chave para nós é como, a partir dessa preservação, criar novas possibilidades de ocupação para o prédio, melhor acolhida para o público e melhor fluxo das pessoas dentro dele.”
Nesse sentido, um dos aspectos centrais da obra será melhorar a acessibilidade do prédio, tornando-a mais orgânica no conjunto arquitetônico. “Hoje temos uma rampa de acesso acoplada à casa, o que interfere na admiração do imóvel.” Além disso, serão reformados os elevadores, que hoje não chegam ao subsolo, onde está localizado o Acervo Haroldo de Campos. A área para que os pesquisadores possam trabalhar também foi repensada: atualmente, o acervo de livros e documentos está no subsolo e as mesas para pesquisa, no sótão, mas passarão a conviver no mesmo espaço depois da obra. “Havia dificuldade no acesso ao acervo e qualquer material solicitado precisava ser levado para outra área”, diz Tápias.
O Acervo Haroldo de Campos é composto por cerca de 20 mil volumes doados em 2004 ao Estado de São Paulo pela família do poeta e tradutor (1929-2003), símbolo do movimento concreto na poesia brasileira. Além de livros em 34 idiomas, o material inclui uma coleção de periódicos, apontamentos de leitura de Campos. Também estão preservados os itens da Coleção L. C. Vinholes, com conjunto de obras da poesia concreta e de poesia japonesa.
De acordo com Tápias, o material continuará acessível a pesquisadores durante as obras de restauro. “Todo o acervo já foi transferido da Casa das Rosas para a Oficina Cultural Oswaldo de Andrade. No transporte, preservou-se toda a sequência, a catalogação e posição dos volumes, facilitando a consulta dos pesquisadores. Assim, hoje já é possível realizar pesquisas, pois não haverá dificuldade alguma na localização do material requisitado. Mas acredito que a reinstalação completa e definitiva dos volumes deva durar ainda cerca de 30 a 60 dias.”
Já o acervo museológico, com quadros e móveis, foi transferido para a Casa Mário de Andrade, enquanto a maior parte dos funcionários da Casa das Rosas vai trabalhar na Casa Guilherme de Almeida. Todos os espaços são geridos pela Poiesis – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura, organização social também responsável pela gestão da Casa das Rosas.
A programação não será interrompida e vai acontecer nesses outros espaços, além da preservação da agenda de eventos online, como cursos e palestras. “Depois de um período de adaptação, nos demos conta do alcance das atividades pela internet, que chegaram a um público muito amplo. Então, vamos trabalhar em um formato híbrido, com cada vez mais ações presenciais, mas com transmissões simultâneas. Não podemos retroceder nos ganhos que tivemos.”
DE SÍMBOLO DA RIQUEZA DO CAFÉ A MUSEUCasa tem quatro andares e materiais de construção e decoração vieram da Itália e da Bélgica
A história da Casa das Rosas começa em 1928. Foi o ano em que morreu Ramos de Azevedo; e no qual seu escritório de arquitetura projetou a mansão que, localizada na Avenida Paulista, serviria como residência dos herdeiros do arquiteto. Francisco de Paula Ramos de Azevedo nasceu em 1851 e, na virada para o século 20, seu escritório já era um dos mais importantes do País. Prédios como o Teatro Municipal, a Estação Sorocaba, o Prédio da Light e tantos outros eram o componente visual de uma nova cidade que, na esteira do cultivo do café, crescia e se transformava.
A casa possui 1.500 metros quadrados e, além do porão e do sótão, tem dois andares. O material para a construção e para a decoração veio de diferentes lugares. Os mármores das escadarias internas e externas eram italianos; os vidros e cristais, da Bélgica; canos de água feitos de cobre e as louças do banheiro e da cozinha também foram trazidos sob encomenda da Europa. O estilo da construção, apesar do flerte com as formas do neoclassicismo, se insere em uma linhagem marcada pelo ecletismo, que seria marcante até meados dos anos 1930 na cidade.
A casa foi ocupada pela família do arquiteto até 1986: seu último dono foi Ernesto Dias de Castro, seu neto, que não deixou herdeiros. Ele vendeu a propriedade para o arquiteto Julio Neves e o empreendedor imobiliário, que construíram ao fundo do terreno (de frente para a Alameda Santos) um prédio de escritórios espelhado de 20 andares e se comprometeram a restaurar o edifício original, que havia sido tombado um ano antes e passou a ser considerado patrimônio histórico do Estado de São Paulo pelo Condephaat.
Em 1991, depois das obras de restauração, o governo do Estado decidiu desapropriar a casa e transformá-la, assim como seus jardins, em um museu, para o qual foram transferidas obras de Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Anita Malfatti, que estavam anteriormente no Palácio do Governo e em sedes de secretarias estaduais. Quando, em 2004, recebeu o acervo do poeta Haroldo de Campos, a Casa das Rosas definiu então sua vocação como um museu ou centro cultural dedicado à criação literária.
“A casa está ali na Paulista como testemunha do passar do tempo, da transformação da cidade. Mas também da mudança no mundo das artes, que acompanha esse processo”, diz Marcelo Tápias, diretor da Rede de Museus-Casas Literários de São Paulo. “Nesse sentido, ela trabalha com a memória, com o registro do tempo, e por conta disso foi se dedicando à literatura e à poesia. E, não por acaso, olhando com especial cuidado para os principais movimentos de renovação artística, como o modernismo, ou a vanguarda concreta. Diante daquilo que se transforma, a casa trabalha com a preservação da memória e, ao mesmo tempo, reflete sobre aquilo que precisa ser reinventado.”
Jardins receberão eventos do museu
Além de ocupar espaços de outros museus de São Paulo, a programação da Casa da Rosas continuará a ocupar os jardins ao lado do prédio durante sua restauração. Nos tapumes que estarão ao redor do edifício, serão expostas imagens da história da Avenida Paulista, da casa e também do processo de restauro. Uma forma, segundo Marcelo Tápias, de “manter viva a discussão sobre a memória que faz parte da proposta do museu”. Além disso, será realizada, entre 20 de outubro e o início de dezembro, a exposição fotográfica Onde Mora a Esperança. Com o tema Lares ao Redor do Mundo, a mostra será composta de 80 fotografias da instituição Habitat para a Humanidade Internacional, mostrando a diversidade cultural e as tradições de várias etnias e a definição que cada uma delas dá à ideia de “casa”. A entrada é gratuita.