Análise|Como a literatura contemporânea transforma livros sobre mães em terapia coletiva e autoajuda


A maternidade sempre foi tema de obras literárias, mas o que mudou nestes últimos anos é que escritoras escrevem sobre a experiência de forma que lhes permite compartilhar com as leitoras seus medos e traumas

Por Dirce Waltrick do Amarante

Na literatura atual escrita por mulheres, há mães para todos os gostos: as boas, as más, as fortes, as fracas, as doentes, as desmemoriadas, as memoráveis, as invisíveis, as “normais” (talvez as que incorporem todas as características anteriores) etc. A maternidade, porém, não é um tema crucial apenas para essa geração de autoras. A história da literatura e das artes mostra que a maternidade já foi amplamente esmiuçada.

A lista de artistas homens que se debruçaram sobre a figura da mãe é enorme. Para citar uns poucos exemplos de diferentes gêneros, temos a tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles, a ópera Jenufa, de Leos Janácek, o conto A mãe dos monstros, de Guy de Maupassant, os romances Minha mãe, de Georges Bataille, e As três filhas da mãe, de Pier Louÿs, a obra Minha mãe morrendo, de Flávio de Carvalho, os filmes Psicose, de Alfred Hitchcock, Tudo sobre minha mãe e Mães paralelas, de Pedro Almodóvar e a música My mom (“Minha mãe, amava Valium e várias outras drogas/É por isso que eu sou do jeito que eu sou, porque eu sou igual a ela”), de Eminem. A figura materna é múltipla, real e, por vezes, mítica. Falar dela nunca foi privilégio, como se verifica, apenas de autoras ou de autoras que se tornaram elas próprias mães.

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O que mudou nestes últimos anos talvez seja o fato de que as escritoras estejam criando conscientemente uma literatura de “autoajuda” sobre a experiência da maternidade, a qual lhes permite compartilhar com as leitoras seus medos, traumas etc. À medida que os títulos se proliferam e as vendagens se tornam expressivas, essa literatura acaba se torna objeto de uma terapia coletiva, abrindo inclusive espaços em diferentes mídias para novos depoimentos das autoras.

Como a literatura contemporânea transforma livros sobre mães em terapia coletiva e autoajuda Foto: connel_design - stock.adobe.com

Não deixa de ser reconfortante saber que não estamos sós, que não somos as únicas com mães disfuncionais, que não somos as únicas mães a errar... No sentido de arte como terapia, parece-me que esse modelo tem dado muito certo no mercado do livro atual. Dois lançamentos de livros sobre mães estão previstos para o mês de maio: Uma mulher, da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura Annie Ernaux, e Três camadas da noite, de Vanessa Bárbara. Ambos publicados pela Fósforo.

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‘Vender a mãe’

De um modo geral, a literatura contemporânea sobre a maternidade escrita por mulheres não vem mais carregada das alegrias que ela poderia proporcionar, como se descreveu em outras épocas. O que tem ganhando espaço é outro retrato, considerado mais realista ou contemporâneo. Talvez por isso mesmo, essa maternidade desmistificada virou comodity e a expressão “vender a mãe” nunca fez tanto sentido como agora. Um dia, contudo, o cordão umbilical que liga a mulher à sua progenitora será cortado, e também a sua própria experiência de maternidade será revista e até posta do avesso.

A expressão “vender a mãe” remete a um famoso conto de Hilda Hilst, Teologia Natural, publicado em 1977, no livro Ficções. Teologia Natural discorre sobre a relação entre mãe e filho, que vivem na pobreza – “a cara do futuro ele não via”. Ao final de mais um dia extenuante de trabalho, o filho chega em casa sonhando com “melhorança se conseguisse comprar os apetrechos”. De repente, veio-lhe uma ideia: “venda uma coisa. Tiô”.

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Restava-lhe saber o que vender: “na cidade tem gente que compra até bosta embrulhada, se levasse concha, ostra, ah mas o pé não aguentava o dia inteiro na salina e ainda à noite à beira d’água salgada...”. Ao entrar em casa, ocorreu-lhe a solução: vender a mãe, mais tarde a compraria de volta, obviamente. Mas, nesse momento, era preciso vendê-la, não sem antes melhorar um pouco a sua aparência: “branqueá-la” com cinzas, “esconder a corcova” etc. Assim, o filho saiu com ela às costas pensando no “sonhado comprador”.

Retrato da poetisa, escritora, cronista e dramaturga Hilda Hilst em sua casa, em Campinas, São Paulo, em abril de 1988. Foto: Juvenal Pereira/ Estadão

Ao tratar do relacionamento entre mãe e filho, Hilst não cai em nenhum clichê, não dramatiza a pobreza, a falta de futuro da dupla, a escolha pouco ética do filho. Há na sua narrativa, como disse Leo Gilson Ribeiro, na apresentação da primeira edição de Ficções, “uma desapiedada visão do animalesco, do visceral agarrado como molusco repelente a um altar incompreensível”. O fato é que o conto, passadas algumas décadas, ainda produz espanto. Talvez por isso, a escritora ainda carregue, como afirmou o crítico, “involuntariamente um estigma: o de nunca vir a ser popular, agradável, acessível. Ela que ambiciona tanto ser discutida, focalizada, continuará por uma espécie de condenação intrínseca incompreensível para a maioria”.

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Mistério da narrativa

Segundo o escritor alemão Thomas Mann, “o mistério da narrativa – podemos muito bem falar de mistério – é tornar interessante o que deveria ser enfadonho”. Como fez, por exemplo, Luci Collin no conto Auto-oxidação, de 2001, no qual a escritora descreve a maternidade sem dar grandes pistas de ser esse o seu tema e sem mencionar em nenhum momento os filhos:

“Tenho: sogro e sogra, conta de luz-água-telefone-celular-tv a cabo, freezer combinando com a geladeira, convite pra festa de aniversário de criança aos sábados, toalha de natal com rendinha, estrias discretas, receita de pão de queijo, seguro contra incêndio, jogo de porcelana inglesa completo menos a terrina que a empregada derrubou, cabelo precisando de um banho de óleo, liquidificador no conserto. E [sic] o pior de tudo: saudades.”

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As melhores narrativas sobre a maternidade provavelmente são aquelas que souberam guardar o mistério e não caíram na armadilha de se tornarem réplicas umas das outras, pois se o tivessem feito, fatalmente seriam enfadonhas, o que enfraqueceria o seu interesse.

Não poderia concluir esta discussão sobre a escrita devotada à figura materna sem mencionar um dos romances mais significativas da nossa literatura contemporânea: A Mãe da Mãe da sua Mãe e suas filhas, de Maria José Silveira, publicado em 2002. A obra conta um pouco da história do Brasil ao mergulhar na miscigenação racial e trazer à luz gerações de mães e filhas que chegaram, por fim, à Presidência da República, mas não por muito tempo.

Na literatura atual escrita por mulheres, há mães para todos os gostos: as boas, as más, as fortes, as fracas, as doentes, as desmemoriadas, as memoráveis, as invisíveis, as “normais” (talvez as que incorporem todas as características anteriores) etc. A maternidade, porém, não é um tema crucial apenas para essa geração de autoras. A história da literatura e das artes mostra que a maternidade já foi amplamente esmiuçada.

A lista de artistas homens que se debruçaram sobre a figura da mãe é enorme. Para citar uns poucos exemplos de diferentes gêneros, temos a tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles, a ópera Jenufa, de Leos Janácek, o conto A mãe dos monstros, de Guy de Maupassant, os romances Minha mãe, de Georges Bataille, e As três filhas da mãe, de Pier Louÿs, a obra Minha mãe morrendo, de Flávio de Carvalho, os filmes Psicose, de Alfred Hitchcock, Tudo sobre minha mãe e Mães paralelas, de Pedro Almodóvar e a música My mom (“Minha mãe, amava Valium e várias outras drogas/É por isso que eu sou do jeito que eu sou, porque eu sou igual a ela”), de Eminem. A figura materna é múltipla, real e, por vezes, mítica. Falar dela nunca foi privilégio, como se verifica, apenas de autoras ou de autoras que se tornaram elas próprias mães.

O que mudou nestes últimos anos talvez seja o fato de que as escritoras estejam criando conscientemente uma literatura de “autoajuda” sobre a experiência da maternidade, a qual lhes permite compartilhar com as leitoras seus medos, traumas etc. À medida que os títulos se proliferam e as vendagens se tornam expressivas, essa literatura acaba se torna objeto de uma terapia coletiva, abrindo inclusive espaços em diferentes mídias para novos depoimentos das autoras.

Como a literatura contemporânea transforma livros sobre mães em terapia coletiva e autoajuda Foto: connel_design - stock.adobe.com

Não deixa de ser reconfortante saber que não estamos sós, que não somos as únicas com mães disfuncionais, que não somos as únicas mães a errar... No sentido de arte como terapia, parece-me que esse modelo tem dado muito certo no mercado do livro atual. Dois lançamentos de livros sobre mães estão previstos para o mês de maio: Uma mulher, da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura Annie Ernaux, e Três camadas da noite, de Vanessa Bárbara. Ambos publicados pela Fósforo.

‘Vender a mãe’

De um modo geral, a literatura contemporânea sobre a maternidade escrita por mulheres não vem mais carregada das alegrias que ela poderia proporcionar, como se descreveu em outras épocas. O que tem ganhando espaço é outro retrato, considerado mais realista ou contemporâneo. Talvez por isso mesmo, essa maternidade desmistificada virou comodity e a expressão “vender a mãe” nunca fez tanto sentido como agora. Um dia, contudo, o cordão umbilical que liga a mulher à sua progenitora será cortado, e também a sua própria experiência de maternidade será revista e até posta do avesso.

A expressão “vender a mãe” remete a um famoso conto de Hilda Hilst, Teologia Natural, publicado em 1977, no livro Ficções. Teologia Natural discorre sobre a relação entre mãe e filho, que vivem na pobreza – “a cara do futuro ele não via”. Ao final de mais um dia extenuante de trabalho, o filho chega em casa sonhando com “melhorança se conseguisse comprar os apetrechos”. De repente, veio-lhe uma ideia: “venda uma coisa. Tiô”.

Restava-lhe saber o que vender: “na cidade tem gente que compra até bosta embrulhada, se levasse concha, ostra, ah mas o pé não aguentava o dia inteiro na salina e ainda à noite à beira d’água salgada...”. Ao entrar em casa, ocorreu-lhe a solução: vender a mãe, mais tarde a compraria de volta, obviamente. Mas, nesse momento, era preciso vendê-la, não sem antes melhorar um pouco a sua aparência: “branqueá-la” com cinzas, “esconder a corcova” etc. Assim, o filho saiu com ela às costas pensando no “sonhado comprador”.

Retrato da poetisa, escritora, cronista e dramaturga Hilda Hilst em sua casa, em Campinas, São Paulo, em abril de 1988. Foto: Juvenal Pereira/ Estadão

Ao tratar do relacionamento entre mãe e filho, Hilst não cai em nenhum clichê, não dramatiza a pobreza, a falta de futuro da dupla, a escolha pouco ética do filho. Há na sua narrativa, como disse Leo Gilson Ribeiro, na apresentação da primeira edição de Ficções, “uma desapiedada visão do animalesco, do visceral agarrado como molusco repelente a um altar incompreensível”. O fato é que o conto, passadas algumas décadas, ainda produz espanto. Talvez por isso, a escritora ainda carregue, como afirmou o crítico, “involuntariamente um estigma: o de nunca vir a ser popular, agradável, acessível. Ela que ambiciona tanto ser discutida, focalizada, continuará por uma espécie de condenação intrínseca incompreensível para a maioria”.

Mistério da narrativa

Segundo o escritor alemão Thomas Mann, “o mistério da narrativa – podemos muito bem falar de mistério – é tornar interessante o que deveria ser enfadonho”. Como fez, por exemplo, Luci Collin no conto Auto-oxidação, de 2001, no qual a escritora descreve a maternidade sem dar grandes pistas de ser esse o seu tema e sem mencionar em nenhum momento os filhos:

“Tenho: sogro e sogra, conta de luz-água-telefone-celular-tv a cabo, freezer combinando com a geladeira, convite pra festa de aniversário de criança aos sábados, toalha de natal com rendinha, estrias discretas, receita de pão de queijo, seguro contra incêndio, jogo de porcelana inglesa completo menos a terrina que a empregada derrubou, cabelo precisando de um banho de óleo, liquidificador no conserto. E [sic] o pior de tudo: saudades.”

As melhores narrativas sobre a maternidade provavelmente são aquelas que souberam guardar o mistério e não caíram na armadilha de se tornarem réplicas umas das outras, pois se o tivessem feito, fatalmente seriam enfadonhas, o que enfraqueceria o seu interesse.

Não poderia concluir esta discussão sobre a escrita devotada à figura materna sem mencionar um dos romances mais significativas da nossa literatura contemporânea: A Mãe da Mãe da sua Mãe e suas filhas, de Maria José Silveira, publicado em 2002. A obra conta um pouco da história do Brasil ao mergulhar na miscigenação racial e trazer à luz gerações de mães e filhas que chegaram, por fim, à Presidência da República, mas não por muito tempo.

Na literatura atual escrita por mulheres, há mães para todos os gostos: as boas, as más, as fortes, as fracas, as doentes, as desmemoriadas, as memoráveis, as invisíveis, as “normais” (talvez as que incorporem todas as características anteriores) etc. A maternidade, porém, não é um tema crucial apenas para essa geração de autoras. A história da literatura e das artes mostra que a maternidade já foi amplamente esmiuçada.

A lista de artistas homens que se debruçaram sobre a figura da mãe é enorme. Para citar uns poucos exemplos de diferentes gêneros, temos a tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles, a ópera Jenufa, de Leos Janácek, o conto A mãe dos monstros, de Guy de Maupassant, os romances Minha mãe, de Georges Bataille, e As três filhas da mãe, de Pier Louÿs, a obra Minha mãe morrendo, de Flávio de Carvalho, os filmes Psicose, de Alfred Hitchcock, Tudo sobre minha mãe e Mães paralelas, de Pedro Almodóvar e a música My mom (“Minha mãe, amava Valium e várias outras drogas/É por isso que eu sou do jeito que eu sou, porque eu sou igual a ela”), de Eminem. A figura materna é múltipla, real e, por vezes, mítica. Falar dela nunca foi privilégio, como se verifica, apenas de autoras ou de autoras que se tornaram elas próprias mães.

O que mudou nestes últimos anos talvez seja o fato de que as escritoras estejam criando conscientemente uma literatura de “autoajuda” sobre a experiência da maternidade, a qual lhes permite compartilhar com as leitoras seus medos, traumas etc. À medida que os títulos se proliferam e as vendagens se tornam expressivas, essa literatura acaba se torna objeto de uma terapia coletiva, abrindo inclusive espaços em diferentes mídias para novos depoimentos das autoras.

Como a literatura contemporânea transforma livros sobre mães em terapia coletiva e autoajuda Foto: connel_design - stock.adobe.com

Não deixa de ser reconfortante saber que não estamos sós, que não somos as únicas com mães disfuncionais, que não somos as únicas mães a errar... No sentido de arte como terapia, parece-me que esse modelo tem dado muito certo no mercado do livro atual. Dois lançamentos de livros sobre mães estão previstos para o mês de maio: Uma mulher, da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura Annie Ernaux, e Três camadas da noite, de Vanessa Bárbara. Ambos publicados pela Fósforo.

‘Vender a mãe’

De um modo geral, a literatura contemporânea sobre a maternidade escrita por mulheres não vem mais carregada das alegrias que ela poderia proporcionar, como se descreveu em outras épocas. O que tem ganhando espaço é outro retrato, considerado mais realista ou contemporâneo. Talvez por isso mesmo, essa maternidade desmistificada virou comodity e a expressão “vender a mãe” nunca fez tanto sentido como agora. Um dia, contudo, o cordão umbilical que liga a mulher à sua progenitora será cortado, e também a sua própria experiência de maternidade será revista e até posta do avesso.

A expressão “vender a mãe” remete a um famoso conto de Hilda Hilst, Teologia Natural, publicado em 1977, no livro Ficções. Teologia Natural discorre sobre a relação entre mãe e filho, que vivem na pobreza – “a cara do futuro ele não via”. Ao final de mais um dia extenuante de trabalho, o filho chega em casa sonhando com “melhorança se conseguisse comprar os apetrechos”. De repente, veio-lhe uma ideia: “venda uma coisa. Tiô”.

Restava-lhe saber o que vender: “na cidade tem gente que compra até bosta embrulhada, se levasse concha, ostra, ah mas o pé não aguentava o dia inteiro na salina e ainda à noite à beira d’água salgada...”. Ao entrar em casa, ocorreu-lhe a solução: vender a mãe, mais tarde a compraria de volta, obviamente. Mas, nesse momento, era preciso vendê-la, não sem antes melhorar um pouco a sua aparência: “branqueá-la” com cinzas, “esconder a corcova” etc. Assim, o filho saiu com ela às costas pensando no “sonhado comprador”.

Retrato da poetisa, escritora, cronista e dramaturga Hilda Hilst em sua casa, em Campinas, São Paulo, em abril de 1988. Foto: Juvenal Pereira/ Estadão

Ao tratar do relacionamento entre mãe e filho, Hilst não cai em nenhum clichê, não dramatiza a pobreza, a falta de futuro da dupla, a escolha pouco ética do filho. Há na sua narrativa, como disse Leo Gilson Ribeiro, na apresentação da primeira edição de Ficções, “uma desapiedada visão do animalesco, do visceral agarrado como molusco repelente a um altar incompreensível”. O fato é que o conto, passadas algumas décadas, ainda produz espanto. Talvez por isso, a escritora ainda carregue, como afirmou o crítico, “involuntariamente um estigma: o de nunca vir a ser popular, agradável, acessível. Ela que ambiciona tanto ser discutida, focalizada, continuará por uma espécie de condenação intrínseca incompreensível para a maioria”.

Mistério da narrativa

Segundo o escritor alemão Thomas Mann, “o mistério da narrativa – podemos muito bem falar de mistério – é tornar interessante o que deveria ser enfadonho”. Como fez, por exemplo, Luci Collin no conto Auto-oxidação, de 2001, no qual a escritora descreve a maternidade sem dar grandes pistas de ser esse o seu tema e sem mencionar em nenhum momento os filhos:

“Tenho: sogro e sogra, conta de luz-água-telefone-celular-tv a cabo, freezer combinando com a geladeira, convite pra festa de aniversário de criança aos sábados, toalha de natal com rendinha, estrias discretas, receita de pão de queijo, seguro contra incêndio, jogo de porcelana inglesa completo menos a terrina que a empregada derrubou, cabelo precisando de um banho de óleo, liquidificador no conserto. E [sic] o pior de tudo: saudades.”

As melhores narrativas sobre a maternidade provavelmente são aquelas que souberam guardar o mistério e não caíram na armadilha de se tornarem réplicas umas das outras, pois se o tivessem feito, fatalmente seriam enfadonhas, o que enfraqueceria o seu interesse.

Não poderia concluir esta discussão sobre a escrita devotada à figura materna sem mencionar um dos romances mais significativas da nossa literatura contemporânea: A Mãe da Mãe da sua Mãe e suas filhas, de Maria José Silveira, publicado em 2002. A obra conta um pouco da história do Brasil ao mergulhar na miscigenação racial e trazer à luz gerações de mães e filhas que chegaram, por fim, à Presidência da República, mas não por muito tempo.

Análise por Dirce Waltrick do Amarante

Escritora, tradutora e professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Autora dos livros de contos 'Cenas', 'Cem contos ilustrados' e ''Ascensão: contos dramáticos'.

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