Como a Segunda Guerra Mundial transformou modestos bibliotecários em espiões improváveis


Elyse Graham, no livro ‘Book and Dagger’, mostra que arquivistas, analistas e professores de ciências humanas, escondidos em gabinetes monótonos, fizeram algumas das contribuições mais inovadoras dos Estados Unidos para a guerra secreta contra Hitler

Por Bryn Stole

No verão de 1941, à medida que ficava cada vez mais claro que os Estados Unidos acabariam entrando na guerra que estava consumindo grande parte de três continentes, o presidente Franklin D. Roosevelt contratou William J. Donovan – advogado famoso, veterano condecorado da Primeira Guerra Mundial e político ocasional – para criar um serviço de espionagem. O que Donovan acabou criando, assim como o próprio “Wild Bill”, virou uma lenda charmosa: o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS, na sigla em inglês).

Donovan teve de contornar J. Edgar Hoover, que achava que os G-men de seu FBI, queridinhos dos tabloides, deveriam assumir o trabalho. Ele então recorreu, pelo menos em parte, a uma galeria de aventureiros rebeldes, personagens bizarros e até mesmo atores de Hollywood para abastecer sua agência.

Pode parecer improvável que o OSS também tenha vasculhado as pilhas mofadas das bibliotecas universitárias e percorrido os acanhados campi das faculdades de artes liberais para reunir milhares de bibliotecários míopes e acadêmicos excêntricos. Esses recrutas eram valorizados não por sua coragem ou estilo (embora alguns tivessem ambos), mas por sua experiência em tópicos obscuros, fluência em idiomas estrangeiros e capacidade de analisar pilhas de material de leitura árida para sintetizar relatórios breves e claros.

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O imaginário popular sobre espiões está repleto de agentes arrojados se embrenhando atrás das linhas nazistas na calada da noite, ou de tipos como James Bond passeando por capitais estrangeiras em trajes elegantes com os bolsos cheios de engenhocas tecnológicas, mas Elyse Graham destaca uma variedade mais livresca em Book and Dagger.

Graham tem razão em enfatizar que arquivistas, analistas de números e professores de ciências humanas, escondidos em gabinetes monótonos, fizeram algumas das contribuições mais inovadoras dos Estados Unidos para a guerra secreta contra Hitler. “As pessoas menos glamourosas do mundo”, como ela diz, “para a profissão mais glamourosa do mundo”.

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Soldados americanos em batalha contra o exército nazista em 1944 durante a Segunda Guerra Mundial. Foto: National Archives (Nara)/Domínio Público

“No início da guerra, os Estados Unidos tinham apenas um exército permanente de especialistas treinados para procurar incansavelmente informações ocultas”, escreve Graham. “Humildes trabalhadores das universidades americanas que caçavam histórias, entravam em arquivos esquecidos e vasculhavam a correspondência antiga em busca de fofocas.”

Entre os personagens principais está Sherman Kent, franco e surpreendentemente desbocado historiador de Yale que Donovan escolheu para deixar New Haven e ir para Washington, onde ajudou a supervisionar a divisão de Pesquisa e Análise do OSS. A equipe de Kent produziu uma série notável de relatórios e estimativas sobre suprimentos, baixas e capacidade industrial da Alemanha, e seus métodos abriram novos caminhos no campo da inteligência.

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Graham detalha um esforço particularmente brilhante para rastrear os números de série estampados em tanques alemães destruídos no norte da África, permitindo que os Estados Unidos estimassem a produção de armas com notável precisão e deduzissem que apenas algumas fábricas controladas pela Alemanha produziam determinadas peças essenciais. Esse trabalho moldou – e ajudou a criar – o campo da análise de inteligência, e Kent posteriormente escreveu um livro sobre o assunto antes de seguir uma carreira de destaque na sucessora da OSS, a CIA.

Graham também segue Joseph Curtiss, colega de Kent em Yale, despretensioso pesquisador de literatura que em 1942 se encontrou com um homem identificado apenas pelo cravo vermelho preso à lapela numa estação de trem de Baltimore, e depois foi levado para um campo de treinamento ultrassecreto nas colinas do oeste de Maryland. Curtiss acabou em Istambul, coletando livros raros nas lojas e bazares da cidade, enquanto dirigia secretamente as operações de contraespionagem da OSS como Agente 005.

Os detalhes do mundo que Graham relata em Book and Dagger parecem extraídos da ficção, algo que ela ressalta não ser uma coincidência. Começando praticamente do zero (os Estados Unidos encerraram a maioria de suas operações de espionagem após a Primeira Guerra Mundial), os pioneiros que criaram a OSS se inspiraram em romances de espionagem, além do MI6 da Grã-Bretanha, pois muitos deles, “sem experiência em inteligência, tinham apenas histórias sobre espiões para orientar suas primeiras incursões na espionagem”.

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O relato de Graham é bem pesquisado e está cheio de notas, mas ela também escreve com uma paixão que transforma o livro num thriller empolgante. Em passagens claramente identificadas ao longo do livro, ela até tenta dar uma de romancista, imaginando cenas inteiras que não constam do registro histórico.

Capa de 'Book and Dagger: How Scholars and Librarians Became the Unlikely Spies of World War II', de Elyse Graham.  Foto: Ecco/Divulgação via The Washington Post

Ela ficcionaliza, por exemplo, o momento em que Curtiss recebeu a ordem de assassinar um agente duplo que trabalhava para os nazistas. Não está claro se Curtiss cumpriu a missão, muito menos como poderia cumpri-la, mas Graham pede ao leitor que imagine a possível noite em que o espião do OSS caminha por uma rua escura de Istambul:

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“Tentando bloquear o barulho e o tumulto, você olha para o chão: a luz amarela dos postes brilha nos paralelepípedos, quebrada pelos pés que passeiam ou cambaleiam. De repente, seu assistente o cutuca. Você levanta os olhos e vê seu alvo (...). Você tem uma adaga no bolso, com o cabo frouxamente preso à sua mão – frouxamente porque você teme que sua palma suada deixe o cabo escorregadio”.

Esse talento mantém Book and Dagger em ritmo acelerado, embora a estratégia possa parecer meio forçada em alguns momentos.

Em outra passagem, Graham imagina Adele Kibre, classicista formada na Universidade de Chicago que acabou sendo enviada em missão para a neutra Suécia. Na tentativa de atrair uma fonte em potencial durante um sarau em Estocolmo, ela se deixa ouvir falando com seu sotaque de Los Angeles.

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“De cabelos escuros e olhos perversos”, Kibre, que passou os anos pré-guerra vagando por arquivos pela Europa, é uma heroína para Graham. O livro enfatiza as muitas mulheres – tantas vezes esquecidas na história popular – que tiveram papéis importantes no OSS em tempo de guerra.

O livro também traz reelaborações de alguns dos maiores hits do mundo da espionagem, como exércitos de mentira vagando pelo interior da Inglaterra e um cadáver abandonado na costa da Espanha fascista com uma maleta cheia de documentos secretos falsos, ambos armados para enganar os alemães sobre o plano de atacar a Normandia no Dia D.

Esses relatos provavelmente vão soar familiares para os aficionados por história, mas, ainda assim, Graham os conta muito bem. O fato de nem sempre terem muito a ver com o elenco central de estudiosos e acadêmicos do livro é um indicativo de sua abordagem – ela faz uma pesquisa ampla e coleta amostras aqui e ali, com resultados geralmente saborosos, embora ligeiramente dispersos.

Graham faz um trabalho digno ao colocar os esquecidos “ratos de biblioteca” de volta na “história que contamos a nós mesmos sobre a guerra”. Sua insistência de que a guerra “pode ter sido travada nos campos de batalha, mas foi vencida nas bibliotecas” dá uma sensação de urgência e alto risco ao seu relato, mas está em desacordo com as conclusões de muitos outros historiadores, bem como de vários veteranos do OSS.

Ela claramente adora seus espiões acadêmicos, mas será mesmo verdade que, “nas mãos daqueles treinados para usá-lo, o papel era uma arma, humilde e insuspeita, que ajudaria a derrubar todos os sonhos de expansão mundial do Reich”? A análise do OSS foi certamente revolucionária para o campo da inteligência, mas essa inteligência – e o OSS em particular – desempenhou apenas um papel de apoio no esforço de guerra. Foram os soldados em campo que tiveram de travar as batalhas sangrentas até Berlim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Book and Dagger: How Scholars and Librarians Became the Unlikely Spies of World War II

  • Autora: Elyse Graham
  • Editora: Ecco (376 págs.; US$ 30; importado)

No verão de 1941, à medida que ficava cada vez mais claro que os Estados Unidos acabariam entrando na guerra que estava consumindo grande parte de três continentes, o presidente Franklin D. Roosevelt contratou William J. Donovan – advogado famoso, veterano condecorado da Primeira Guerra Mundial e político ocasional – para criar um serviço de espionagem. O que Donovan acabou criando, assim como o próprio “Wild Bill”, virou uma lenda charmosa: o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS, na sigla em inglês).

Donovan teve de contornar J. Edgar Hoover, que achava que os G-men de seu FBI, queridinhos dos tabloides, deveriam assumir o trabalho. Ele então recorreu, pelo menos em parte, a uma galeria de aventureiros rebeldes, personagens bizarros e até mesmo atores de Hollywood para abastecer sua agência.

Pode parecer improvável que o OSS também tenha vasculhado as pilhas mofadas das bibliotecas universitárias e percorrido os acanhados campi das faculdades de artes liberais para reunir milhares de bibliotecários míopes e acadêmicos excêntricos. Esses recrutas eram valorizados não por sua coragem ou estilo (embora alguns tivessem ambos), mas por sua experiência em tópicos obscuros, fluência em idiomas estrangeiros e capacidade de analisar pilhas de material de leitura árida para sintetizar relatórios breves e claros.

O imaginário popular sobre espiões está repleto de agentes arrojados se embrenhando atrás das linhas nazistas na calada da noite, ou de tipos como James Bond passeando por capitais estrangeiras em trajes elegantes com os bolsos cheios de engenhocas tecnológicas, mas Elyse Graham destaca uma variedade mais livresca em Book and Dagger.

Graham tem razão em enfatizar que arquivistas, analistas de números e professores de ciências humanas, escondidos em gabinetes monótonos, fizeram algumas das contribuições mais inovadoras dos Estados Unidos para a guerra secreta contra Hitler. “As pessoas menos glamourosas do mundo”, como ela diz, “para a profissão mais glamourosa do mundo”.

Soldados americanos em batalha contra o exército nazista em 1944 durante a Segunda Guerra Mundial. Foto: National Archives (Nara)/Domínio Público

“No início da guerra, os Estados Unidos tinham apenas um exército permanente de especialistas treinados para procurar incansavelmente informações ocultas”, escreve Graham. “Humildes trabalhadores das universidades americanas que caçavam histórias, entravam em arquivos esquecidos e vasculhavam a correspondência antiga em busca de fofocas.”

Entre os personagens principais está Sherman Kent, franco e surpreendentemente desbocado historiador de Yale que Donovan escolheu para deixar New Haven e ir para Washington, onde ajudou a supervisionar a divisão de Pesquisa e Análise do OSS. A equipe de Kent produziu uma série notável de relatórios e estimativas sobre suprimentos, baixas e capacidade industrial da Alemanha, e seus métodos abriram novos caminhos no campo da inteligência.

Graham detalha um esforço particularmente brilhante para rastrear os números de série estampados em tanques alemães destruídos no norte da África, permitindo que os Estados Unidos estimassem a produção de armas com notável precisão e deduzissem que apenas algumas fábricas controladas pela Alemanha produziam determinadas peças essenciais. Esse trabalho moldou – e ajudou a criar – o campo da análise de inteligência, e Kent posteriormente escreveu um livro sobre o assunto antes de seguir uma carreira de destaque na sucessora da OSS, a CIA.

Graham também segue Joseph Curtiss, colega de Kent em Yale, despretensioso pesquisador de literatura que em 1942 se encontrou com um homem identificado apenas pelo cravo vermelho preso à lapela numa estação de trem de Baltimore, e depois foi levado para um campo de treinamento ultrassecreto nas colinas do oeste de Maryland. Curtiss acabou em Istambul, coletando livros raros nas lojas e bazares da cidade, enquanto dirigia secretamente as operações de contraespionagem da OSS como Agente 005.

Os detalhes do mundo que Graham relata em Book and Dagger parecem extraídos da ficção, algo que ela ressalta não ser uma coincidência. Começando praticamente do zero (os Estados Unidos encerraram a maioria de suas operações de espionagem após a Primeira Guerra Mundial), os pioneiros que criaram a OSS se inspiraram em romances de espionagem, além do MI6 da Grã-Bretanha, pois muitos deles, “sem experiência em inteligência, tinham apenas histórias sobre espiões para orientar suas primeiras incursões na espionagem”.

O relato de Graham é bem pesquisado e está cheio de notas, mas ela também escreve com uma paixão que transforma o livro num thriller empolgante. Em passagens claramente identificadas ao longo do livro, ela até tenta dar uma de romancista, imaginando cenas inteiras que não constam do registro histórico.

Capa de 'Book and Dagger: How Scholars and Librarians Became the Unlikely Spies of World War II', de Elyse Graham.  Foto: Ecco/Divulgação via The Washington Post

Ela ficcionaliza, por exemplo, o momento em que Curtiss recebeu a ordem de assassinar um agente duplo que trabalhava para os nazistas. Não está claro se Curtiss cumpriu a missão, muito menos como poderia cumpri-la, mas Graham pede ao leitor que imagine a possível noite em que o espião do OSS caminha por uma rua escura de Istambul:

“Tentando bloquear o barulho e o tumulto, você olha para o chão: a luz amarela dos postes brilha nos paralelepípedos, quebrada pelos pés que passeiam ou cambaleiam. De repente, seu assistente o cutuca. Você levanta os olhos e vê seu alvo (...). Você tem uma adaga no bolso, com o cabo frouxamente preso à sua mão – frouxamente porque você teme que sua palma suada deixe o cabo escorregadio”.

Esse talento mantém Book and Dagger em ritmo acelerado, embora a estratégia possa parecer meio forçada em alguns momentos.

Em outra passagem, Graham imagina Adele Kibre, classicista formada na Universidade de Chicago que acabou sendo enviada em missão para a neutra Suécia. Na tentativa de atrair uma fonte em potencial durante um sarau em Estocolmo, ela se deixa ouvir falando com seu sotaque de Los Angeles.

“De cabelos escuros e olhos perversos”, Kibre, que passou os anos pré-guerra vagando por arquivos pela Europa, é uma heroína para Graham. O livro enfatiza as muitas mulheres – tantas vezes esquecidas na história popular – que tiveram papéis importantes no OSS em tempo de guerra.

O livro também traz reelaborações de alguns dos maiores hits do mundo da espionagem, como exércitos de mentira vagando pelo interior da Inglaterra e um cadáver abandonado na costa da Espanha fascista com uma maleta cheia de documentos secretos falsos, ambos armados para enganar os alemães sobre o plano de atacar a Normandia no Dia D.

Esses relatos provavelmente vão soar familiares para os aficionados por história, mas, ainda assim, Graham os conta muito bem. O fato de nem sempre terem muito a ver com o elenco central de estudiosos e acadêmicos do livro é um indicativo de sua abordagem – ela faz uma pesquisa ampla e coleta amostras aqui e ali, com resultados geralmente saborosos, embora ligeiramente dispersos.

Graham faz um trabalho digno ao colocar os esquecidos “ratos de biblioteca” de volta na “história que contamos a nós mesmos sobre a guerra”. Sua insistência de que a guerra “pode ter sido travada nos campos de batalha, mas foi vencida nas bibliotecas” dá uma sensação de urgência e alto risco ao seu relato, mas está em desacordo com as conclusões de muitos outros historiadores, bem como de vários veteranos do OSS.

Ela claramente adora seus espiões acadêmicos, mas será mesmo verdade que, “nas mãos daqueles treinados para usá-lo, o papel era uma arma, humilde e insuspeita, que ajudaria a derrubar todos os sonhos de expansão mundial do Reich”? A análise do OSS foi certamente revolucionária para o campo da inteligência, mas essa inteligência – e o OSS em particular – desempenhou apenas um papel de apoio no esforço de guerra. Foram os soldados em campo que tiveram de travar as batalhas sangrentas até Berlim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Book and Dagger: How Scholars and Librarians Became the Unlikely Spies of World War II

  • Autora: Elyse Graham
  • Editora: Ecco (376 págs.; US$ 30; importado)

No verão de 1941, à medida que ficava cada vez mais claro que os Estados Unidos acabariam entrando na guerra que estava consumindo grande parte de três continentes, o presidente Franklin D. Roosevelt contratou William J. Donovan – advogado famoso, veterano condecorado da Primeira Guerra Mundial e político ocasional – para criar um serviço de espionagem. O que Donovan acabou criando, assim como o próprio “Wild Bill”, virou uma lenda charmosa: o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS, na sigla em inglês).

Donovan teve de contornar J. Edgar Hoover, que achava que os G-men de seu FBI, queridinhos dos tabloides, deveriam assumir o trabalho. Ele então recorreu, pelo menos em parte, a uma galeria de aventureiros rebeldes, personagens bizarros e até mesmo atores de Hollywood para abastecer sua agência.

Pode parecer improvável que o OSS também tenha vasculhado as pilhas mofadas das bibliotecas universitárias e percorrido os acanhados campi das faculdades de artes liberais para reunir milhares de bibliotecários míopes e acadêmicos excêntricos. Esses recrutas eram valorizados não por sua coragem ou estilo (embora alguns tivessem ambos), mas por sua experiência em tópicos obscuros, fluência em idiomas estrangeiros e capacidade de analisar pilhas de material de leitura árida para sintetizar relatórios breves e claros.

O imaginário popular sobre espiões está repleto de agentes arrojados se embrenhando atrás das linhas nazistas na calada da noite, ou de tipos como James Bond passeando por capitais estrangeiras em trajes elegantes com os bolsos cheios de engenhocas tecnológicas, mas Elyse Graham destaca uma variedade mais livresca em Book and Dagger.

Graham tem razão em enfatizar que arquivistas, analistas de números e professores de ciências humanas, escondidos em gabinetes monótonos, fizeram algumas das contribuições mais inovadoras dos Estados Unidos para a guerra secreta contra Hitler. “As pessoas menos glamourosas do mundo”, como ela diz, “para a profissão mais glamourosa do mundo”.

Soldados americanos em batalha contra o exército nazista em 1944 durante a Segunda Guerra Mundial. Foto: National Archives (Nara)/Domínio Público

“No início da guerra, os Estados Unidos tinham apenas um exército permanente de especialistas treinados para procurar incansavelmente informações ocultas”, escreve Graham. “Humildes trabalhadores das universidades americanas que caçavam histórias, entravam em arquivos esquecidos e vasculhavam a correspondência antiga em busca de fofocas.”

Entre os personagens principais está Sherman Kent, franco e surpreendentemente desbocado historiador de Yale que Donovan escolheu para deixar New Haven e ir para Washington, onde ajudou a supervisionar a divisão de Pesquisa e Análise do OSS. A equipe de Kent produziu uma série notável de relatórios e estimativas sobre suprimentos, baixas e capacidade industrial da Alemanha, e seus métodos abriram novos caminhos no campo da inteligência.

Graham detalha um esforço particularmente brilhante para rastrear os números de série estampados em tanques alemães destruídos no norte da África, permitindo que os Estados Unidos estimassem a produção de armas com notável precisão e deduzissem que apenas algumas fábricas controladas pela Alemanha produziam determinadas peças essenciais. Esse trabalho moldou – e ajudou a criar – o campo da análise de inteligência, e Kent posteriormente escreveu um livro sobre o assunto antes de seguir uma carreira de destaque na sucessora da OSS, a CIA.

Graham também segue Joseph Curtiss, colega de Kent em Yale, despretensioso pesquisador de literatura que em 1942 se encontrou com um homem identificado apenas pelo cravo vermelho preso à lapela numa estação de trem de Baltimore, e depois foi levado para um campo de treinamento ultrassecreto nas colinas do oeste de Maryland. Curtiss acabou em Istambul, coletando livros raros nas lojas e bazares da cidade, enquanto dirigia secretamente as operações de contraespionagem da OSS como Agente 005.

Os detalhes do mundo que Graham relata em Book and Dagger parecem extraídos da ficção, algo que ela ressalta não ser uma coincidência. Começando praticamente do zero (os Estados Unidos encerraram a maioria de suas operações de espionagem após a Primeira Guerra Mundial), os pioneiros que criaram a OSS se inspiraram em romances de espionagem, além do MI6 da Grã-Bretanha, pois muitos deles, “sem experiência em inteligência, tinham apenas histórias sobre espiões para orientar suas primeiras incursões na espionagem”.

O relato de Graham é bem pesquisado e está cheio de notas, mas ela também escreve com uma paixão que transforma o livro num thriller empolgante. Em passagens claramente identificadas ao longo do livro, ela até tenta dar uma de romancista, imaginando cenas inteiras que não constam do registro histórico.

Capa de 'Book and Dagger: How Scholars and Librarians Became the Unlikely Spies of World War II', de Elyse Graham.  Foto: Ecco/Divulgação via The Washington Post

Ela ficcionaliza, por exemplo, o momento em que Curtiss recebeu a ordem de assassinar um agente duplo que trabalhava para os nazistas. Não está claro se Curtiss cumpriu a missão, muito menos como poderia cumpri-la, mas Graham pede ao leitor que imagine a possível noite em que o espião do OSS caminha por uma rua escura de Istambul:

“Tentando bloquear o barulho e o tumulto, você olha para o chão: a luz amarela dos postes brilha nos paralelepípedos, quebrada pelos pés que passeiam ou cambaleiam. De repente, seu assistente o cutuca. Você levanta os olhos e vê seu alvo (...). Você tem uma adaga no bolso, com o cabo frouxamente preso à sua mão – frouxamente porque você teme que sua palma suada deixe o cabo escorregadio”.

Esse talento mantém Book and Dagger em ritmo acelerado, embora a estratégia possa parecer meio forçada em alguns momentos.

Em outra passagem, Graham imagina Adele Kibre, classicista formada na Universidade de Chicago que acabou sendo enviada em missão para a neutra Suécia. Na tentativa de atrair uma fonte em potencial durante um sarau em Estocolmo, ela se deixa ouvir falando com seu sotaque de Los Angeles.

“De cabelos escuros e olhos perversos”, Kibre, que passou os anos pré-guerra vagando por arquivos pela Europa, é uma heroína para Graham. O livro enfatiza as muitas mulheres – tantas vezes esquecidas na história popular – que tiveram papéis importantes no OSS em tempo de guerra.

O livro também traz reelaborações de alguns dos maiores hits do mundo da espionagem, como exércitos de mentira vagando pelo interior da Inglaterra e um cadáver abandonado na costa da Espanha fascista com uma maleta cheia de documentos secretos falsos, ambos armados para enganar os alemães sobre o plano de atacar a Normandia no Dia D.

Esses relatos provavelmente vão soar familiares para os aficionados por história, mas, ainda assim, Graham os conta muito bem. O fato de nem sempre terem muito a ver com o elenco central de estudiosos e acadêmicos do livro é um indicativo de sua abordagem – ela faz uma pesquisa ampla e coleta amostras aqui e ali, com resultados geralmente saborosos, embora ligeiramente dispersos.

Graham faz um trabalho digno ao colocar os esquecidos “ratos de biblioteca” de volta na “história que contamos a nós mesmos sobre a guerra”. Sua insistência de que a guerra “pode ter sido travada nos campos de batalha, mas foi vencida nas bibliotecas” dá uma sensação de urgência e alto risco ao seu relato, mas está em desacordo com as conclusões de muitos outros historiadores, bem como de vários veteranos do OSS.

Ela claramente adora seus espiões acadêmicos, mas será mesmo verdade que, “nas mãos daqueles treinados para usá-lo, o papel era uma arma, humilde e insuspeita, que ajudaria a derrubar todos os sonhos de expansão mundial do Reich”? A análise do OSS foi certamente revolucionária para o campo da inteligência, mas essa inteligência – e o OSS em particular – desempenhou apenas um papel de apoio no esforço de guerra. Foram os soldados em campo que tiveram de travar as batalhas sangrentas até Berlim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Book and Dagger: How Scholars and Librarians Became the Unlikely Spies of World War II

  • Autora: Elyse Graham
  • Editora: Ecco (376 págs.; US$ 30; importado)

No verão de 1941, à medida que ficava cada vez mais claro que os Estados Unidos acabariam entrando na guerra que estava consumindo grande parte de três continentes, o presidente Franklin D. Roosevelt contratou William J. Donovan – advogado famoso, veterano condecorado da Primeira Guerra Mundial e político ocasional – para criar um serviço de espionagem. O que Donovan acabou criando, assim como o próprio “Wild Bill”, virou uma lenda charmosa: o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS, na sigla em inglês).

Donovan teve de contornar J. Edgar Hoover, que achava que os G-men de seu FBI, queridinhos dos tabloides, deveriam assumir o trabalho. Ele então recorreu, pelo menos em parte, a uma galeria de aventureiros rebeldes, personagens bizarros e até mesmo atores de Hollywood para abastecer sua agência.

Pode parecer improvável que o OSS também tenha vasculhado as pilhas mofadas das bibliotecas universitárias e percorrido os acanhados campi das faculdades de artes liberais para reunir milhares de bibliotecários míopes e acadêmicos excêntricos. Esses recrutas eram valorizados não por sua coragem ou estilo (embora alguns tivessem ambos), mas por sua experiência em tópicos obscuros, fluência em idiomas estrangeiros e capacidade de analisar pilhas de material de leitura árida para sintetizar relatórios breves e claros.

O imaginário popular sobre espiões está repleto de agentes arrojados se embrenhando atrás das linhas nazistas na calada da noite, ou de tipos como James Bond passeando por capitais estrangeiras em trajes elegantes com os bolsos cheios de engenhocas tecnológicas, mas Elyse Graham destaca uma variedade mais livresca em Book and Dagger.

Graham tem razão em enfatizar que arquivistas, analistas de números e professores de ciências humanas, escondidos em gabinetes monótonos, fizeram algumas das contribuições mais inovadoras dos Estados Unidos para a guerra secreta contra Hitler. “As pessoas menos glamourosas do mundo”, como ela diz, “para a profissão mais glamourosa do mundo”.

Soldados americanos em batalha contra o exército nazista em 1944 durante a Segunda Guerra Mundial. Foto: National Archives (Nara)/Domínio Público

“No início da guerra, os Estados Unidos tinham apenas um exército permanente de especialistas treinados para procurar incansavelmente informações ocultas”, escreve Graham. “Humildes trabalhadores das universidades americanas que caçavam histórias, entravam em arquivos esquecidos e vasculhavam a correspondência antiga em busca de fofocas.”

Entre os personagens principais está Sherman Kent, franco e surpreendentemente desbocado historiador de Yale que Donovan escolheu para deixar New Haven e ir para Washington, onde ajudou a supervisionar a divisão de Pesquisa e Análise do OSS. A equipe de Kent produziu uma série notável de relatórios e estimativas sobre suprimentos, baixas e capacidade industrial da Alemanha, e seus métodos abriram novos caminhos no campo da inteligência.

Graham detalha um esforço particularmente brilhante para rastrear os números de série estampados em tanques alemães destruídos no norte da África, permitindo que os Estados Unidos estimassem a produção de armas com notável precisão e deduzissem que apenas algumas fábricas controladas pela Alemanha produziam determinadas peças essenciais. Esse trabalho moldou – e ajudou a criar – o campo da análise de inteligência, e Kent posteriormente escreveu um livro sobre o assunto antes de seguir uma carreira de destaque na sucessora da OSS, a CIA.

Graham também segue Joseph Curtiss, colega de Kent em Yale, despretensioso pesquisador de literatura que em 1942 se encontrou com um homem identificado apenas pelo cravo vermelho preso à lapela numa estação de trem de Baltimore, e depois foi levado para um campo de treinamento ultrassecreto nas colinas do oeste de Maryland. Curtiss acabou em Istambul, coletando livros raros nas lojas e bazares da cidade, enquanto dirigia secretamente as operações de contraespionagem da OSS como Agente 005.

Os detalhes do mundo que Graham relata em Book and Dagger parecem extraídos da ficção, algo que ela ressalta não ser uma coincidência. Começando praticamente do zero (os Estados Unidos encerraram a maioria de suas operações de espionagem após a Primeira Guerra Mundial), os pioneiros que criaram a OSS se inspiraram em romances de espionagem, além do MI6 da Grã-Bretanha, pois muitos deles, “sem experiência em inteligência, tinham apenas histórias sobre espiões para orientar suas primeiras incursões na espionagem”.

O relato de Graham é bem pesquisado e está cheio de notas, mas ela também escreve com uma paixão que transforma o livro num thriller empolgante. Em passagens claramente identificadas ao longo do livro, ela até tenta dar uma de romancista, imaginando cenas inteiras que não constam do registro histórico.

Capa de 'Book and Dagger: How Scholars and Librarians Became the Unlikely Spies of World War II', de Elyse Graham.  Foto: Ecco/Divulgação via The Washington Post

Ela ficcionaliza, por exemplo, o momento em que Curtiss recebeu a ordem de assassinar um agente duplo que trabalhava para os nazistas. Não está claro se Curtiss cumpriu a missão, muito menos como poderia cumpri-la, mas Graham pede ao leitor que imagine a possível noite em que o espião do OSS caminha por uma rua escura de Istambul:

“Tentando bloquear o barulho e o tumulto, você olha para o chão: a luz amarela dos postes brilha nos paralelepípedos, quebrada pelos pés que passeiam ou cambaleiam. De repente, seu assistente o cutuca. Você levanta os olhos e vê seu alvo (...). Você tem uma adaga no bolso, com o cabo frouxamente preso à sua mão – frouxamente porque você teme que sua palma suada deixe o cabo escorregadio”.

Esse talento mantém Book and Dagger em ritmo acelerado, embora a estratégia possa parecer meio forçada em alguns momentos.

Em outra passagem, Graham imagina Adele Kibre, classicista formada na Universidade de Chicago que acabou sendo enviada em missão para a neutra Suécia. Na tentativa de atrair uma fonte em potencial durante um sarau em Estocolmo, ela se deixa ouvir falando com seu sotaque de Los Angeles.

“De cabelos escuros e olhos perversos”, Kibre, que passou os anos pré-guerra vagando por arquivos pela Europa, é uma heroína para Graham. O livro enfatiza as muitas mulheres – tantas vezes esquecidas na história popular – que tiveram papéis importantes no OSS em tempo de guerra.

O livro também traz reelaborações de alguns dos maiores hits do mundo da espionagem, como exércitos de mentira vagando pelo interior da Inglaterra e um cadáver abandonado na costa da Espanha fascista com uma maleta cheia de documentos secretos falsos, ambos armados para enganar os alemães sobre o plano de atacar a Normandia no Dia D.

Esses relatos provavelmente vão soar familiares para os aficionados por história, mas, ainda assim, Graham os conta muito bem. O fato de nem sempre terem muito a ver com o elenco central de estudiosos e acadêmicos do livro é um indicativo de sua abordagem – ela faz uma pesquisa ampla e coleta amostras aqui e ali, com resultados geralmente saborosos, embora ligeiramente dispersos.

Graham faz um trabalho digno ao colocar os esquecidos “ratos de biblioteca” de volta na “história que contamos a nós mesmos sobre a guerra”. Sua insistência de que a guerra “pode ter sido travada nos campos de batalha, mas foi vencida nas bibliotecas” dá uma sensação de urgência e alto risco ao seu relato, mas está em desacordo com as conclusões de muitos outros historiadores, bem como de vários veteranos do OSS.

Ela claramente adora seus espiões acadêmicos, mas será mesmo verdade que, “nas mãos daqueles treinados para usá-lo, o papel era uma arma, humilde e insuspeita, que ajudaria a derrubar todos os sonhos de expansão mundial do Reich”? A análise do OSS foi certamente revolucionária para o campo da inteligência, mas essa inteligência – e o OSS em particular – desempenhou apenas um papel de apoio no esforço de guerra. Foram os soldados em campo que tiveram de travar as batalhas sangrentas até Berlim. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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  • Autora: Elyse Graham
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