Como Gay Talese usou a Copa de Futebol Feminino para explicar as diferenças entre EUA e China


No livro ‘Vida de Escritor’, um dos fundadores do novo jornalismo fica fascinado pela final de 1999, compara ao beisebol e vai à China para encontrar jogadora e entender mudanças culturais

Por André de Leones

Em 1999, cinco anos após Roberto Baggio errar aquele pênalti, os EUA sediaram outra Copa do Mundo, dessa vez de futebol feminino. O palco da finalíssima foi o mesmo no qual a seleção brasileira masculina sacramentara seu quarto título mundial: o tórrido Rose Bowl em Pasadena, Califórnia.

E, a exemplo de Brasil e Itália, as finalistas de 1999 também empataram em 0x0 no tempo regulamentar e na prorrogação, e o título foi definido nos pênaltis. EUA e China se enfrentaram naquele 10 de julho, e um dos registros mais célebres do evento está no livro Vida de Escritor, de Gay Talese (Cia. das Letras, tradução de Donaldson M. Garschagen).

O autor alterna a narração da final com a descrição de uma partida da “Subway Series”, como são apelidados os confrontos entre os times novaiorquinos Yankees e Mets. É um prazer extra para o leitor brasileiro contrapor a tranquilidade com que Talese discorre sobre beisebol ao didatismo meio desajeitado na abordagem do “soccer”. Mas ele é tão sagaz que intui aquilo que o grande Bill Shankly disse certa vez: “Futebol não é uma questão de vida ou morte, é muito mais importante do que isso”.

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Questões políticas em campo

Talese atenta para as questões políticas envolvidas (a tensão entre os países após o bombardeio acidental, por caças norte-americanos, da embaixada chinesa em Belgrado), os detalhes mais significativos (a única negra em campo era a goleira Briana Scurry, autoproclamada “mosca no leite”; Scurry se adiantou na cobrança que decidiria o jogo, infração ignorada pela arbitragem) e o símbolo da derrota chinesa: a meio-campista Liu Ying, que errou o pênalti.

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A final seria um gancho formidável para “mostrar muita coisa a respeito dessas duas sociedades”. E Talese embarcou para a China.

Lá, muita coisa mudara desde as manifestações de 1989. As autoridades enfrentavam com maior rapidez os membros da seita Falun Gong, para que o movimento não crescesse como os protestos de estudantes e trabalhadores que culminaram no Massacre da Praça da Paz Celestial.

A abordagem de Talese do morticínio, incluindo as simplificações ocidentais, os relatos contraditórios e uma referência ao que ele próprio testemunhara em Selma, Alabama, em 7 de março de 1965 (quando manifestantes negros pró-Direitos Civis foram brutalmente agredidos pela polícia), é um dos pontos altos do livro.

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Gay Talese Foto: JANETE LONGO - AE

Mudança refletida no lar da meio-campista

Mas como encontrar Liu Ying? A Nike já possuía fábricas na China, e Talese conhecia o presidente da empresa, Phil Knight (sim, aquele sujeito interpretado por Ben Affleck no filme Air). Graças aos contatos do amigo, conseguiu a primeira entrevista com a jogadora. Depois, também falou com a mãe e a avó de Liu Ying, e acompanhou a seleção chinesa por meses.

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O futebol é a janela pela qual observamos a história. As histórias dessas mulheres são atravessadas pelas enormes mudanças ocorridas no século XX, desde a queda do último imperador até o processo de transformação econômica alavancado por Deng Xiaoping, passando pelos horrores da Revolução Cultural.

Tais mudanças são muito bem simbolizadas pelo que acontece com o lar da família de Liu Ying, uma das “residências baixas e seculares, com portais treliçados em arco, que se abriam para um beco antigo chamado hutong”.

No processo de canibalização modernizadora, e em vista das Olimpíadas de 2008, que Beijing sediaria, “a casa com pátio em que Liu Ying nascera e fora criada” acaba demolida, “sua localização (...) perdida em montanhas de entulho”. A comunidade familiar que assistiu pela TV à final da Copa de 1999 se dispersa. O custo humano da “modernização” é incalculável.

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Por fim, a busca de Talese não esconde certa ânsia por redenção. Ele gostaria que Liu Ying alcançasse um triunfo que obliterasse o pênalti perdido. Mas, como o próprio Baggio (ou o nosso Zico) poderia atestar, as coisas não funcionam assim, seja no futebol, seja na vida.

Encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim, no Estádio Nacional, também conhecido como Ninho de Pássaro, na China, no dia 24/08/2008 Foto: Paulo Pinto/AE
As obras estão a toda para terminar o Estádio Nacional a tempo das Olimpíadas de 2008, em Pequim, na China Foto: Oded Balilty/AP

Em 1999, cinco anos após Roberto Baggio errar aquele pênalti, os EUA sediaram outra Copa do Mundo, dessa vez de futebol feminino. O palco da finalíssima foi o mesmo no qual a seleção brasileira masculina sacramentara seu quarto título mundial: o tórrido Rose Bowl em Pasadena, Califórnia.

E, a exemplo de Brasil e Itália, as finalistas de 1999 também empataram em 0x0 no tempo regulamentar e na prorrogação, e o título foi definido nos pênaltis. EUA e China se enfrentaram naquele 10 de julho, e um dos registros mais célebres do evento está no livro Vida de Escritor, de Gay Talese (Cia. das Letras, tradução de Donaldson M. Garschagen).

O autor alterna a narração da final com a descrição de uma partida da “Subway Series”, como são apelidados os confrontos entre os times novaiorquinos Yankees e Mets. É um prazer extra para o leitor brasileiro contrapor a tranquilidade com que Talese discorre sobre beisebol ao didatismo meio desajeitado na abordagem do “soccer”. Mas ele é tão sagaz que intui aquilo que o grande Bill Shankly disse certa vez: “Futebol não é uma questão de vida ou morte, é muito mais importante do que isso”.

Questões políticas em campo

Talese atenta para as questões políticas envolvidas (a tensão entre os países após o bombardeio acidental, por caças norte-americanos, da embaixada chinesa em Belgrado), os detalhes mais significativos (a única negra em campo era a goleira Briana Scurry, autoproclamada “mosca no leite”; Scurry se adiantou na cobrança que decidiria o jogo, infração ignorada pela arbitragem) e o símbolo da derrota chinesa: a meio-campista Liu Ying, que errou o pênalti.

A final seria um gancho formidável para “mostrar muita coisa a respeito dessas duas sociedades”. E Talese embarcou para a China.

Lá, muita coisa mudara desde as manifestações de 1989. As autoridades enfrentavam com maior rapidez os membros da seita Falun Gong, para que o movimento não crescesse como os protestos de estudantes e trabalhadores que culminaram no Massacre da Praça da Paz Celestial.

A abordagem de Talese do morticínio, incluindo as simplificações ocidentais, os relatos contraditórios e uma referência ao que ele próprio testemunhara em Selma, Alabama, em 7 de março de 1965 (quando manifestantes negros pró-Direitos Civis foram brutalmente agredidos pela polícia), é um dos pontos altos do livro.

Gay Talese Foto: JANETE LONGO - AE

Mudança refletida no lar da meio-campista

Mas como encontrar Liu Ying? A Nike já possuía fábricas na China, e Talese conhecia o presidente da empresa, Phil Knight (sim, aquele sujeito interpretado por Ben Affleck no filme Air). Graças aos contatos do amigo, conseguiu a primeira entrevista com a jogadora. Depois, também falou com a mãe e a avó de Liu Ying, e acompanhou a seleção chinesa por meses.

O futebol é a janela pela qual observamos a história. As histórias dessas mulheres são atravessadas pelas enormes mudanças ocorridas no século XX, desde a queda do último imperador até o processo de transformação econômica alavancado por Deng Xiaoping, passando pelos horrores da Revolução Cultural.

Tais mudanças são muito bem simbolizadas pelo que acontece com o lar da família de Liu Ying, uma das “residências baixas e seculares, com portais treliçados em arco, que se abriam para um beco antigo chamado hutong”.

No processo de canibalização modernizadora, e em vista das Olimpíadas de 2008, que Beijing sediaria, “a casa com pátio em que Liu Ying nascera e fora criada” acaba demolida, “sua localização (...) perdida em montanhas de entulho”. A comunidade familiar que assistiu pela TV à final da Copa de 1999 se dispersa. O custo humano da “modernização” é incalculável.

Por fim, a busca de Talese não esconde certa ânsia por redenção. Ele gostaria que Liu Ying alcançasse um triunfo que obliterasse o pênalti perdido. Mas, como o próprio Baggio (ou o nosso Zico) poderia atestar, as coisas não funcionam assim, seja no futebol, seja na vida.

Encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim, no Estádio Nacional, também conhecido como Ninho de Pássaro, na China, no dia 24/08/2008 Foto: Paulo Pinto/AE
As obras estão a toda para terminar o Estádio Nacional a tempo das Olimpíadas de 2008, em Pequim, na China Foto: Oded Balilty/AP

Em 1999, cinco anos após Roberto Baggio errar aquele pênalti, os EUA sediaram outra Copa do Mundo, dessa vez de futebol feminino. O palco da finalíssima foi o mesmo no qual a seleção brasileira masculina sacramentara seu quarto título mundial: o tórrido Rose Bowl em Pasadena, Califórnia.

E, a exemplo de Brasil e Itália, as finalistas de 1999 também empataram em 0x0 no tempo regulamentar e na prorrogação, e o título foi definido nos pênaltis. EUA e China se enfrentaram naquele 10 de julho, e um dos registros mais célebres do evento está no livro Vida de Escritor, de Gay Talese (Cia. das Letras, tradução de Donaldson M. Garschagen).

O autor alterna a narração da final com a descrição de uma partida da “Subway Series”, como são apelidados os confrontos entre os times novaiorquinos Yankees e Mets. É um prazer extra para o leitor brasileiro contrapor a tranquilidade com que Talese discorre sobre beisebol ao didatismo meio desajeitado na abordagem do “soccer”. Mas ele é tão sagaz que intui aquilo que o grande Bill Shankly disse certa vez: “Futebol não é uma questão de vida ou morte, é muito mais importante do que isso”.

Questões políticas em campo

Talese atenta para as questões políticas envolvidas (a tensão entre os países após o bombardeio acidental, por caças norte-americanos, da embaixada chinesa em Belgrado), os detalhes mais significativos (a única negra em campo era a goleira Briana Scurry, autoproclamada “mosca no leite”; Scurry se adiantou na cobrança que decidiria o jogo, infração ignorada pela arbitragem) e o símbolo da derrota chinesa: a meio-campista Liu Ying, que errou o pênalti.

A final seria um gancho formidável para “mostrar muita coisa a respeito dessas duas sociedades”. E Talese embarcou para a China.

Lá, muita coisa mudara desde as manifestações de 1989. As autoridades enfrentavam com maior rapidez os membros da seita Falun Gong, para que o movimento não crescesse como os protestos de estudantes e trabalhadores que culminaram no Massacre da Praça da Paz Celestial.

A abordagem de Talese do morticínio, incluindo as simplificações ocidentais, os relatos contraditórios e uma referência ao que ele próprio testemunhara em Selma, Alabama, em 7 de março de 1965 (quando manifestantes negros pró-Direitos Civis foram brutalmente agredidos pela polícia), é um dos pontos altos do livro.

Gay Talese Foto: JANETE LONGO - AE

Mudança refletida no lar da meio-campista

Mas como encontrar Liu Ying? A Nike já possuía fábricas na China, e Talese conhecia o presidente da empresa, Phil Knight (sim, aquele sujeito interpretado por Ben Affleck no filme Air). Graças aos contatos do amigo, conseguiu a primeira entrevista com a jogadora. Depois, também falou com a mãe e a avó de Liu Ying, e acompanhou a seleção chinesa por meses.

O futebol é a janela pela qual observamos a história. As histórias dessas mulheres são atravessadas pelas enormes mudanças ocorridas no século XX, desde a queda do último imperador até o processo de transformação econômica alavancado por Deng Xiaoping, passando pelos horrores da Revolução Cultural.

Tais mudanças são muito bem simbolizadas pelo que acontece com o lar da família de Liu Ying, uma das “residências baixas e seculares, com portais treliçados em arco, que se abriam para um beco antigo chamado hutong”.

No processo de canibalização modernizadora, e em vista das Olimpíadas de 2008, que Beijing sediaria, “a casa com pátio em que Liu Ying nascera e fora criada” acaba demolida, “sua localização (...) perdida em montanhas de entulho”. A comunidade familiar que assistiu pela TV à final da Copa de 1999 se dispersa. O custo humano da “modernização” é incalculável.

Por fim, a busca de Talese não esconde certa ânsia por redenção. Ele gostaria que Liu Ying alcançasse um triunfo que obliterasse o pênalti perdido. Mas, como o próprio Baggio (ou o nosso Zico) poderia atestar, as coisas não funcionam assim, seja no futebol, seja na vida.

Encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim, no Estádio Nacional, também conhecido como Ninho de Pássaro, na China, no dia 24/08/2008 Foto: Paulo Pinto/AE
As obras estão a toda para terminar o Estádio Nacional a tempo das Olimpíadas de 2008, em Pequim, na China Foto: Oded Balilty/AP

Em 1999, cinco anos após Roberto Baggio errar aquele pênalti, os EUA sediaram outra Copa do Mundo, dessa vez de futebol feminino. O palco da finalíssima foi o mesmo no qual a seleção brasileira masculina sacramentara seu quarto título mundial: o tórrido Rose Bowl em Pasadena, Califórnia.

E, a exemplo de Brasil e Itália, as finalistas de 1999 também empataram em 0x0 no tempo regulamentar e na prorrogação, e o título foi definido nos pênaltis. EUA e China se enfrentaram naquele 10 de julho, e um dos registros mais célebres do evento está no livro Vida de Escritor, de Gay Talese (Cia. das Letras, tradução de Donaldson M. Garschagen).

O autor alterna a narração da final com a descrição de uma partida da “Subway Series”, como são apelidados os confrontos entre os times novaiorquinos Yankees e Mets. É um prazer extra para o leitor brasileiro contrapor a tranquilidade com que Talese discorre sobre beisebol ao didatismo meio desajeitado na abordagem do “soccer”. Mas ele é tão sagaz que intui aquilo que o grande Bill Shankly disse certa vez: “Futebol não é uma questão de vida ou morte, é muito mais importante do que isso”.

Questões políticas em campo

Talese atenta para as questões políticas envolvidas (a tensão entre os países após o bombardeio acidental, por caças norte-americanos, da embaixada chinesa em Belgrado), os detalhes mais significativos (a única negra em campo era a goleira Briana Scurry, autoproclamada “mosca no leite”; Scurry se adiantou na cobrança que decidiria o jogo, infração ignorada pela arbitragem) e o símbolo da derrota chinesa: a meio-campista Liu Ying, que errou o pênalti.

A final seria um gancho formidável para “mostrar muita coisa a respeito dessas duas sociedades”. E Talese embarcou para a China.

Lá, muita coisa mudara desde as manifestações de 1989. As autoridades enfrentavam com maior rapidez os membros da seita Falun Gong, para que o movimento não crescesse como os protestos de estudantes e trabalhadores que culminaram no Massacre da Praça da Paz Celestial.

A abordagem de Talese do morticínio, incluindo as simplificações ocidentais, os relatos contraditórios e uma referência ao que ele próprio testemunhara em Selma, Alabama, em 7 de março de 1965 (quando manifestantes negros pró-Direitos Civis foram brutalmente agredidos pela polícia), é um dos pontos altos do livro.

Gay Talese Foto: JANETE LONGO - AE

Mudança refletida no lar da meio-campista

Mas como encontrar Liu Ying? A Nike já possuía fábricas na China, e Talese conhecia o presidente da empresa, Phil Knight (sim, aquele sujeito interpretado por Ben Affleck no filme Air). Graças aos contatos do amigo, conseguiu a primeira entrevista com a jogadora. Depois, também falou com a mãe e a avó de Liu Ying, e acompanhou a seleção chinesa por meses.

O futebol é a janela pela qual observamos a história. As histórias dessas mulheres são atravessadas pelas enormes mudanças ocorridas no século XX, desde a queda do último imperador até o processo de transformação econômica alavancado por Deng Xiaoping, passando pelos horrores da Revolução Cultural.

Tais mudanças são muito bem simbolizadas pelo que acontece com o lar da família de Liu Ying, uma das “residências baixas e seculares, com portais treliçados em arco, que se abriam para um beco antigo chamado hutong”.

No processo de canibalização modernizadora, e em vista das Olimpíadas de 2008, que Beijing sediaria, “a casa com pátio em que Liu Ying nascera e fora criada” acaba demolida, “sua localização (...) perdida em montanhas de entulho”. A comunidade familiar que assistiu pela TV à final da Copa de 1999 se dispersa. O custo humano da “modernização” é incalculável.

Por fim, a busca de Talese não esconde certa ânsia por redenção. Ele gostaria que Liu Ying alcançasse um triunfo que obliterasse o pênalti perdido. Mas, como o próprio Baggio (ou o nosso Zico) poderia atestar, as coisas não funcionam assim, seja no futebol, seja na vida.

Encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim, no Estádio Nacional, também conhecido como Ninho de Pássaro, na China, no dia 24/08/2008 Foto: Paulo Pinto/AE
As obras estão a toda para terminar o Estádio Nacional a tempo das Olimpíadas de 2008, em Pequim, na China Foto: Oded Balilty/AP

Em 1999, cinco anos após Roberto Baggio errar aquele pênalti, os EUA sediaram outra Copa do Mundo, dessa vez de futebol feminino. O palco da finalíssima foi o mesmo no qual a seleção brasileira masculina sacramentara seu quarto título mundial: o tórrido Rose Bowl em Pasadena, Califórnia.

E, a exemplo de Brasil e Itália, as finalistas de 1999 também empataram em 0x0 no tempo regulamentar e na prorrogação, e o título foi definido nos pênaltis. EUA e China se enfrentaram naquele 10 de julho, e um dos registros mais célebres do evento está no livro Vida de Escritor, de Gay Talese (Cia. das Letras, tradução de Donaldson M. Garschagen).

O autor alterna a narração da final com a descrição de uma partida da “Subway Series”, como são apelidados os confrontos entre os times novaiorquinos Yankees e Mets. É um prazer extra para o leitor brasileiro contrapor a tranquilidade com que Talese discorre sobre beisebol ao didatismo meio desajeitado na abordagem do “soccer”. Mas ele é tão sagaz que intui aquilo que o grande Bill Shankly disse certa vez: “Futebol não é uma questão de vida ou morte, é muito mais importante do que isso”.

Questões políticas em campo

Talese atenta para as questões políticas envolvidas (a tensão entre os países após o bombardeio acidental, por caças norte-americanos, da embaixada chinesa em Belgrado), os detalhes mais significativos (a única negra em campo era a goleira Briana Scurry, autoproclamada “mosca no leite”; Scurry se adiantou na cobrança que decidiria o jogo, infração ignorada pela arbitragem) e o símbolo da derrota chinesa: a meio-campista Liu Ying, que errou o pênalti.

A final seria um gancho formidável para “mostrar muita coisa a respeito dessas duas sociedades”. E Talese embarcou para a China.

Lá, muita coisa mudara desde as manifestações de 1989. As autoridades enfrentavam com maior rapidez os membros da seita Falun Gong, para que o movimento não crescesse como os protestos de estudantes e trabalhadores que culminaram no Massacre da Praça da Paz Celestial.

A abordagem de Talese do morticínio, incluindo as simplificações ocidentais, os relatos contraditórios e uma referência ao que ele próprio testemunhara em Selma, Alabama, em 7 de março de 1965 (quando manifestantes negros pró-Direitos Civis foram brutalmente agredidos pela polícia), é um dos pontos altos do livro.

Gay Talese Foto: JANETE LONGO - AE

Mudança refletida no lar da meio-campista

Mas como encontrar Liu Ying? A Nike já possuía fábricas na China, e Talese conhecia o presidente da empresa, Phil Knight (sim, aquele sujeito interpretado por Ben Affleck no filme Air). Graças aos contatos do amigo, conseguiu a primeira entrevista com a jogadora. Depois, também falou com a mãe e a avó de Liu Ying, e acompanhou a seleção chinesa por meses.

O futebol é a janela pela qual observamos a história. As histórias dessas mulheres são atravessadas pelas enormes mudanças ocorridas no século XX, desde a queda do último imperador até o processo de transformação econômica alavancado por Deng Xiaoping, passando pelos horrores da Revolução Cultural.

Tais mudanças são muito bem simbolizadas pelo que acontece com o lar da família de Liu Ying, uma das “residências baixas e seculares, com portais treliçados em arco, que se abriam para um beco antigo chamado hutong”.

No processo de canibalização modernizadora, e em vista das Olimpíadas de 2008, que Beijing sediaria, “a casa com pátio em que Liu Ying nascera e fora criada” acaba demolida, “sua localização (...) perdida em montanhas de entulho”. A comunidade familiar que assistiu pela TV à final da Copa de 1999 se dispersa. O custo humano da “modernização” é incalculável.

Por fim, a busca de Talese não esconde certa ânsia por redenção. Ele gostaria que Liu Ying alcançasse um triunfo que obliterasse o pênalti perdido. Mas, como o próprio Baggio (ou o nosso Zico) poderia atestar, as coisas não funcionam assim, seja no futebol, seja na vida.

Encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim, no Estádio Nacional, também conhecido como Ninho de Pássaro, na China, no dia 24/08/2008 Foto: Paulo Pinto/AE
As obras estão a toda para terminar o Estádio Nacional a tempo das Olimpíadas de 2008, em Pequim, na China Foto: Oded Balilty/AP

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