Como Schwarzenegger pode te ajudar? Ator ensina hábitos para mudar a vida em novo livro; leia trecho


Ator e ex-governador diz que foi parar na autoajuda após chegar ao ‘fundo do poço’. Em ‘Seja Útil’, ele apresenta 7 ferramentas para que o leitor seja bem-sucedido

Por Julia Queiroz

Se tem alguém que pode dizer viveu muitas coisas, é Arnold Schwarzenegger. O ator de 76 anos foi fisiculturista, estrela da franquia O Exterminador do Futuro e governador do estado da Califórnia. Com seu novo livro, Seja útil: 7 ferramentas pra vida, que chegou às livrarias em outubro pela Sextante, ele quer consolidar o que chama de “quarto ato” de sua vida. Leia abaixo um trecho da obra.

Para ele, esse “quarto ato” é a unificação de todos os atos anteriores - o atleta, o ator e o político - para torná-lo “o mais útil possível”. Ele dedica o livro ao pai, morto em 1972, já que acredita que este é o conselho que teria recebido se ele estivesse vivo.

Na obra, o artista descreve, a partir de suas experiências pessoas, sete hábitos que o leitor deve adquirir para ter uma vida pessoal e profissional feliz e bem-sucedida. Mas como Schwarzenegger foi parar na autoajuda?

continua após a publicidade
Capa de 'Seja útil', livro de Arnold Schwarzenegger. Foto: Sextante/Divulgação

O autor explica, na introdução, que precisou se reinventar após o seu segundo mandato como governador quando, em 2011, chegou ao “fundo do poço” após um escândalo de traição vir à tona.

Ele não menciona o caso diretamente, mas lembra que basta uma pesquisa na internet para saber: Schwarzenegger teve um filho fora do casamento dele com jornalista Maria Shriver - a criança era fruto da relação extraconjungal com a governanta que trabalhava na casa do casal.

continua após a publicidade

“Nunca imaginei que, como resultado de todos os fracassos, redenções e reinvenções, eu me tornaria um cara da autoajuda”, diz Schwarzenegger no livro. Mas foi o que aconteceu: ele começou a ser convidado para dar palestras motivacionais, seus discursos viralizaram na internet e ele passou a receber altos cachês para “propagar” sua palavra.

Arnold Schwarzenegger, que lança livro de autoajuda, já foi fisiculturista, ator e político.  Foto: Steve Marcus/Reuters

Seja útil: 7 ferramentas pra vida é Schwarzenegger aderindo de vez ao mundo da autoajuda. Em fragmento publicado abaixo pelo Estadão, ele próprio diz que “esses livros podem se tornar uma autorização para o egoísmo”, mas tenta argumento a seu favor em capítulo que fala que ajudar ao próximo é ajudar a si mesmo. Confira:

continua após a publicidade

Leia trecho de Seja útil: 7 ferramentas pra vida, de Arnold Schwarzenegger:

“Um livro como este é uma conversa entre duas pessoas: o escritor e o leitor. Nós dois. Não sou eu falando com o mundo inteiro, sou eu falando com você. É uma relação profunda e sagrada, na minha opinião. Só que algo esquisito pode acontecer com livros assim, quando o objetivo do autor é motivar você, o leitor, a criar uma visão para a própria vida, a pensar grande e a fazer o necessário para concretizar essa visão. Esses livros podem se tornar uma autorização para o egoísmo. Eles podem ser usados para justificar uma postura de “eu contra o mundo” que transforma o autoaperfeiçoamento em um jogo de soma zero. Para você se tornar mais rico, alguém precisa se tornar mais pobre. Para você se tornar mais forte, alguém precisa se tornar mais fraco. Para você vencer, alguém precisa perder.

Quero deixar claro que, fora de uma competição atlética direta, quase tudo isso é mentira. A vida não é um jogo de soma zero. Todos nós podemos crescer juntos, enriquecer juntos, nos fortalecermos juntos. Todo mundo pode vencer, no seu próprio tempo, do seu próprio jeito.

continua após a publicidade

Isso acontece quando nos concentramos em todas as formas que temos de ajudar as pessoas na nossa vida, sejam parentes, amigos, vizinhos, colaboradores ou apenas companheiros humanos que respiram o mesmo ar que nós. Como podemos ajudá-los a alcançar suas próprias visões? Como podemos apoiar seus objetivos? O que podemos fazer para ajudá-los a melhorar nas coisas que amam fazer? O que podemos doar para as pessoas que passam por momentos difíceis? Ao responder a todas essas perguntas, você descobrirá que receberá de volta exatamente aquilo que oferecer.

Senti isso pela primeira vez, e de modo mais impactante, na academia, com meus parceiros de treino. Nós sempre nos incentivávamos. Nós trocávamos técnicas de treino e dicas nutricionais. Nós nos apoiávamos animando uns aos outros, mas também literalmente, ajudando com os pesos quando levantávamos a carga máxima ou não conseguíamos terminar o movimento. Todos sabíamos que competiríamos uns contra os outros em algum momento, então não era como se estivéssemos alheios ao fato de que estávamos ajudando nossos adversários a melhorarem, mas também sabíamos que, se nossos parceiros de treino ficassem mais fortes, eles se tonariam um incentivo para treinarmos mais, o que significava que todos nós nos fortalecíamos.

Ajudar uns aos outros dessa forma não nos beneficiava apenas individualmente, mas também ajudava o esporte do fisiculturismo. Eu era o garoto-propaganda do fisiculturismo internacional na década de 1970, mas não teria passado de uma anomalia, e o fisiculturismo pareceria apenas uma exibição de circo, se eu subisse ao palco com um banco de adversários muito menos musculosos e definidos do que eu. E quem sabe se eu conquistaria tudo que conquistei. Não sei se eu teria chegado ao corpo que tinha ao levar cada um dos meus títulos de Mister Olympia se não tivesse tido Franco Columbu me incentivando como parceiro de treino ou se Frank Zane não tivesse morado comigo por alguns meses e me mostrado seus truques para aumentar a definição. O fisiculturismo alcançou a popularidade porque um grupo inteiro de nós treinava junto nas mesmas academias e ajudava uns aos outros a se aprimorar, melhorando as competições e atraindo mais atenção para o esporte.

continua após a publicidade
Arnold Schwarzenegger venceu o Mister Universo quando tinha apenas 20 anos. Foto: AFP

Tive o mesmo ciclo de feedback positivo no cinema. Hollywood está cheia de atores muito inseguros que, quando não recebem orientações corretas ou apoio das pessoas mais próximas, transformam um filme em um jogo de soma zero. Eles tentam dominar todas as cenas em que aparecem, ganhar mais tempo de tela que os colegas de elenco, apagar os outros atores do filme. Acham que grandes atores fazem esse tipo de coisa. Que esse é o caminho para se tornar um astro ou ganhar prêmios. A realidade é que esse tipo de ambição pessoal e comportamento narcisista piora o filme. Faz com que ele fique esquisito e afeta a experiência do espectador de um jeito negativo. E, quando atores ajudam uns aos outros em suas cenas, quando se incentivam, quando abrem espaço para os colegas terem grandes momentos e performances memoráveis, o filme deixa de ser bom e se torna ótimo, criando uma conexão mais profunda com a plateia. É isso que traz o sucesso. E um filme bem-sucedido faz com que os atores recebam mais ofertas em outros filmes maiores, mais lucrativos do que aquele que acabaram de fazer juntos.

Ao ser altruísta, ao ajudar colegas de elenco, adversários ou colegas de trabalho, você tem a capacidade de melhorar a vida de todo mundo e de criar um ambiente positivo em que pode prosperar e encontrar felicidade. É por isso que adoramos séries de televisão com ótimos elencos. É por isso que admiramos empresas como a Patagonia, que valoriza os clientes e os funcionários acima dos lucros. É por isso que adoramos grandes times esportivos, como os Golden State Warriors de 2007 ou as fantásticas seleções de futebol espanholas, porque os jogadores sabem passar a bola, jogam como uma equipe que envolve todos os membros e fazem com que cada um deles se torne melhor.

continua após a publicidade
Arnold Schwarzenegger em cena do filme 'O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio'. Foto: 20th Century Fox/Divulgação

Por outro lado, é por isso que temos sentimentos tão complicados por atletas superfamosos e egoístas, CEOs individualistas e políticos narcisistas. Eles quase nunca tornam outras pessoas melhores. E, mesmo que estejam “do nosso lado”, só os aturamos enquanto estão vencendo. No instante em que eles começam a perder ou que as coisas começam a dar errado, queremos substituí-los, demiti-los, tirá-los do governo por intermédio do voto. Porque, a essa altura do campeonato, qual seria a vantagem de aturar um desgraçado egoísta que só sabe pensar em si mesmo?

Mas você não precisa estar tentando concretizar um objetivo ou uma grande visão para colher os benefícios de ajudar os outros. Muitos dados científicos indicam que o simples ato de ajudar aumenta significativamente a felicidade, e esse aumento começa quase no mesmo instante. Em 2008, pesquisadores de Harvard fizeram um experimento em que davam 5 dólares para um grupo de participantes e 20 para outro e os orientavam a gastar o dinheiro com eles mesmos ou fazerem doações. No fim do dia, quando os pesquisadores verificaram os participantes, descobriram que as pessoas que fizeram doações relatavam se sentir bem melhor do que aquelas que ficaram com o dinheiro.

Aqui vai a parte mais interessante: não houve muita diferença no nível do aumento de felicidade entre as pessoas que doaram 5 dólares e as que doaram 20. As pessoas que abriram mão de 20 dólares não sentiram uma felicidade quatro vezes maior. Isso significa que não se trata do quanto você doa, mas do simples ato de doar. É o ato de doar que gera o aumento de felicidade.

Pense nisto: você pode melhorar o dia de uma pessoa e o seu próprio com o mesmo gesto de bondade e generosidade. E você não precisa ser rico nem cheio da grana para isso.”

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Se tem alguém que pode dizer viveu muitas coisas, é Arnold Schwarzenegger. O ator de 76 anos foi fisiculturista, estrela da franquia O Exterminador do Futuro e governador do estado da Califórnia. Com seu novo livro, Seja útil: 7 ferramentas pra vida, que chegou às livrarias em outubro pela Sextante, ele quer consolidar o que chama de “quarto ato” de sua vida. Leia abaixo um trecho da obra.

Para ele, esse “quarto ato” é a unificação de todos os atos anteriores - o atleta, o ator e o político - para torná-lo “o mais útil possível”. Ele dedica o livro ao pai, morto em 1972, já que acredita que este é o conselho que teria recebido se ele estivesse vivo.

Na obra, o artista descreve, a partir de suas experiências pessoas, sete hábitos que o leitor deve adquirir para ter uma vida pessoal e profissional feliz e bem-sucedida. Mas como Schwarzenegger foi parar na autoajuda?

Capa de 'Seja útil', livro de Arnold Schwarzenegger. Foto: Sextante/Divulgação

O autor explica, na introdução, que precisou se reinventar após o seu segundo mandato como governador quando, em 2011, chegou ao “fundo do poço” após um escândalo de traição vir à tona.

Ele não menciona o caso diretamente, mas lembra que basta uma pesquisa na internet para saber: Schwarzenegger teve um filho fora do casamento dele com jornalista Maria Shriver - a criança era fruto da relação extraconjungal com a governanta que trabalhava na casa do casal.

“Nunca imaginei que, como resultado de todos os fracassos, redenções e reinvenções, eu me tornaria um cara da autoajuda”, diz Schwarzenegger no livro. Mas foi o que aconteceu: ele começou a ser convidado para dar palestras motivacionais, seus discursos viralizaram na internet e ele passou a receber altos cachês para “propagar” sua palavra.

Arnold Schwarzenegger, que lança livro de autoajuda, já foi fisiculturista, ator e político.  Foto: Steve Marcus/Reuters

Seja útil: 7 ferramentas pra vida é Schwarzenegger aderindo de vez ao mundo da autoajuda. Em fragmento publicado abaixo pelo Estadão, ele próprio diz que “esses livros podem se tornar uma autorização para o egoísmo”, mas tenta argumento a seu favor em capítulo que fala que ajudar ao próximo é ajudar a si mesmo. Confira:

Leia trecho de Seja útil: 7 ferramentas pra vida, de Arnold Schwarzenegger:

“Um livro como este é uma conversa entre duas pessoas: o escritor e o leitor. Nós dois. Não sou eu falando com o mundo inteiro, sou eu falando com você. É uma relação profunda e sagrada, na minha opinião. Só que algo esquisito pode acontecer com livros assim, quando o objetivo do autor é motivar você, o leitor, a criar uma visão para a própria vida, a pensar grande e a fazer o necessário para concretizar essa visão. Esses livros podem se tornar uma autorização para o egoísmo. Eles podem ser usados para justificar uma postura de “eu contra o mundo” que transforma o autoaperfeiçoamento em um jogo de soma zero. Para você se tornar mais rico, alguém precisa se tornar mais pobre. Para você se tornar mais forte, alguém precisa se tornar mais fraco. Para você vencer, alguém precisa perder.

Quero deixar claro que, fora de uma competição atlética direta, quase tudo isso é mentira. A vida não é um jogo de soma zero. Todos nós podemos crescer juntos, enriquecer juntos, nos fortalecermos juntos. Todo mundo pode vencer, no seu próprio tempo, do seu próprio jeito.

Isso acontece quando nos concentramos em todas as formas que temos de ajudar as pessoas na nossa vida, sejam parentes, amigos, vizinhos, colaboradores ou apenas companheiros humanos que respiram o mesmo ar que nós. Como podemos ajudá-los a alcançar suas próprias visões? Como podemos apoiar seus objetivos? O que podemos fazer para ajudá-los a melhorar nas coisas que amam fazer? O que podemos doar para as pessoas que passam por momentos difíceis? Ao responder a todas essas perguntas, você descobrirá que receberá de volta exatamente aquilo que oferecer.

Senti isso pela primeira vez, e de modo mais impactante, na academia, com meus parceiros de treino. Nós sempre nos incentivávamos. Nós trocávamos técnicas de treino e dicas nutricionais. Nós nos apoiávamos animando uns aos outros, mas também literalmente, ajudando com os pesos quando levantávamos a carga máxima ou não conseguíamos terminar o movimento. Todos sabíamos que competiríamos uns contra os outros em algum momento, então não era como se estivéssemos alheios ao fato de que estávamos ajudando nossos adversários a melhorarem, mas também sabíamos que, se nossos parceiros de treino ficassem mais fortes, eles se tonariam um incentivo para treinarmos mais, o que significava que todos nós nos fortalecíamos.

Ajudar uns aos outros dessa forma não nos beneficiava apenas individualmente, mas também ajudava o esporte do fisiculturismo. Eu era o garoto-propaganda do fisiculturismo internacional na década de 1970, mas não teria passado de uma anomalia, e o fisiculturismo pareceria apenas uma exibição de circo, se eu subisse ao palco com um banco de adversários muito menos musculosos e definidos do que eu. E quem sabe se eu conquistaria tudo que conquistei. Não sei se eu teria chegado ao corpo que tinha ao levar cada um dos meus títulos de Mister Olympia se não tivesse tido Franco Columbu me incentivando como parceiro de treino ou se Frank Zane não tivesse morado comigo por alguns meses e me mostrado seus truques para aumentar a definição. O fisiculturismo alcançou a popularidade porque um grupo inteiro de nós treinava junto nas mesmas academias e ajudava uns aos outros a se aprimorar, melhorando as competições e atraindo mais atenção para o esporte.

Arnold Schwarzenegger venceu o Mister Universo quando tinha apenas 20 anos. Foto: AFP

Tive o mesmo ciclo de feedback positivo no cinema. Hollywood está cheia de atores muito inseguros que, quando não recebem orientações corretas ou apoio das pessoas mais próximas, transformam um filme em um jogo de soma zero. Eles tentam dominar todas as cenas em que aparecem, ganhar mais tempo de tela que os colegas de elenco, apagar os outros atores do filme. Acham que grandes atores fazem esse tipo de coisa. Que esse é o caminho para se tornar um astro ou ganhar prêmios. A realidade é que esse tipo de ambição pessoal e comportamento narcisista piora o filme. Faz com que ele fique esquisito e afeta a experiência do espectador de um jeito negativo. E, quando atores ajudam uns aos outros em suas cenas, quando se incentivam, quando abrem espaço para os colegas terem grandes momentos e performances memoráveis, o filme deixa de ser bom e se torna ótimo, criando uma conexão mais profunda com a plateia. É isso que traz o sucesso. E um filme bem-sucedido faz com que os atores recebam mais ofertas em outros filmes maiores, mais lucrativos do que aquele que acabaram de fazer juntos.

Ao ser altruísta, ao ajudar colegas de elenco, adversários ou colegas de trabalho, você tem a capacidade de melhorar a vida de todo mundo e de criar um ambiente positivo em que pode prosperar e encontrar felicidade. É por isso que adoramos séries de televisão com ótimos elencos. É por isso que admiramos empresas como a Patagonia, que valoriza os clientes e os funcionários acima dos lucros. É por isso que adoramos grandes times esportivos, como os Golden State Warriors de 2007 ou as fantásticas seleções de futebol espanholas, porque os jogadores sabem passar a bola, jogam como uma equipe que envolve todos os membros e fazem com que cada um deles se torne melhor.

Arnold Schwarzenegger em cena do filme 'O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio'. Foto: 20th Century Fox/Divulgação

Por outro lado, é por isso que temos sentimentos tão complicados por atletas superfamosos e egoístas, CEOs individualistas e políticos narcisistas. Eles quase nunca tornam outras pessoas melhores. E, mesmo que estejam “do nosso lado”, só os aturamos enquanto estão vencendo. No instante em que eles começam a perder ou que as coisas começam a dar errado, queremos substituí-los, demiti-los, tirá-los do governo por intermédio do voto. Porque, a essa altura do campeonato, qual seria a vantagem de aturar um desgraçado egoísta que só sabe pensar em si mesmo?

Mas você não precisa estar tentando concretizar um objetivo ou uma grande visão para colher os benefícios de ajudar os outros. Muitos dados científicos indicam que o simples ato de ajudar aumenta significativamente a felicidade, e esse aumento começa quase no mesmo instante. Em 2008, pesquisadores de Harvard fizeram um experimento em que davam 5 dólares para um grupo de participantes e 20 para outro e os orientavam a gastar o dinheiro com eles mesmos ou fazerem doações. No fim do dia, quando os pesquisadores verificaram os participantes, descobriram que as pessoas que fizeram doações relatavam se sentir bem melhor do que aquelas que ficaram com o dinheiro.

Aqui vai a parte mais interessante: não houve muita diferença no nível do aumento de felicidade entre as pessoas que doaram 5 dólares e as que doaram 20. As pessoas que abriram mão de 20 dólares não sentiram uma felicidade quatro vezes maior. Isso significa que não se trata do quanto você doa, mas do simples ato de doar. É o ato de doar que gera o aumento de felicidade.

Pense nisto: você pode melhorar o dia de uma pessoa e o seu próprio com o mesmo gesto de bondade e generosidade. E você não precisa ser rico nem cheio da grana para isso.”

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Se tem alguém que pode dizer viveu muitas coisas, é Arnold Schwarzenegger. O ator de 76 anos foi fisiculturista, estrela da franquia O Exterminador do Futuro e governador do estado da Califórnia. Com seu novo livro, Seja útil: 7 ferramentas pra vida, que chegou às livrarias em outubro pela Sextante, ele quer consolidar o que chama de “quarto ato” de sua vida. Leia abaixo um trecho da obra.

Para ele, esse “quarto ato” é a unificação de todos os atos anteriores - o atleta, o ator e o político - para torná-lo “o mais útil possível”. Ele dedica o livro ao pai, morto em 1972, já que acredita que este é o conselho que teria recebido se ele estivesse vivo.

Na obra, o artista descreve, a partir de suas experiências pessoas, sete hábitos que o leitor deve adquirir para ter uma vida pessoal e profissional feliz e bem-sucedida. Mas como Schwarzenegger foi parar na autoajuda?

Capa de 'Seja útil', livro de Arnold Schwarzenegger. Foto: Sextante/Divulgação

O autor explica, na introdução, que precisou se reinventar após o seu segundo mandato como governador quando, em 2011, chegou ao “fundo do poço” após um escândalo de traição vir à tona.

Ele não menciona o caso diretamente, mas lembra que basta uma pesquisa na internet para saber: Schwarzenegger teve um filho fora do casamento dele com jornalista Maria Shriver - a criança era fruto da relação extraconjungal com a governanta que trabalhava na casa do casal.

“Nunca imaginei que, como resultado de todos os fracassos, redenções e reinvenções, eu me tornaria um cara da autoajuda”, diz Schwarzenegger no livro. Mas foi o que aconteceu: ele começou a ser convidado para dar palestras motivacionais, seus discursos viralizaram na internet e ele passou a receber altos cachês para “propagar” sua palavra.

Arnold Schwarzenegger, que lança livro de autoajuda, já foi fisiculturista, ator e político.  Foto: Steve Marcus/Reuters

Seja útil: 7 ferramentas pra vida é Schwarzenegger aderindo de vez ao mundo da autoajuda. Em fragmento publicado abaixo pelo Estadão, ele próprio diz que “esses livros podem se tornar uma autorização para o egoísmo”, mas tenta argumento a seu favor em capítulo que fala que ajudar ao próximo é ajudar a si mesmo. Confira:

Leia trecho de Seja útil: 7 ferramentas pra vida, de Arnold Schwarzenegger:

“Um livro como este é uma conversa entre duas pessoas: o escritor e o leitor. Nós dois. Não sou eu falando com o mundo inteiro, sou eu falando com você. É uma relação profunda e sagrada, na minha opinião. Só que algo esquisito pode acontecer com livros assim, quando o objetivo do autor é motivar você, o leitor, a criar uma visão para a própria vida, a pensar grande e a fazer o necessário para concretizar essa visão. Esses livros podem se tornar uma autorização para o egoísmo. Eles podem ser usados para justificar uma postura de “eu contra o mundo” que transforma o autoaperfeiçoamento em um jogo de soma zero. Para você se tornar mais rico, alguém precisa se tornar mais pobre. Para você se tornar mais forte, alguém precisa se tornar mais fraco. Para você vencer, alguém precisa perder.

Quero deixar claro que, fora de uma competição atlética direta, quase tudo isso é mentira. A vida não é um jogo de soma zero. Todos nós podemos crescer juntos, enriquecer juntos, nos fortalecermos juntos. Todo mundo pode vencer, no seu próprio tempo, do seu próprio jeito.

Isso acontece quando nos concentramos em todas as formas que temos de ajudar as pessoas na nossa vida, sejam parentes, amigos, vizinhos, colaboradores ou apenas companheiros humanos que respiram o mesmo ar que nós. Como podemos ajudá-los a alcançar suas próprias visões? Como podemos apoiar seus objetivos? O que podemos fazer para ajudá-los a melhorar nas coisas que amam fazer? O que podemos doar para as pessoas que passam por momentos difíceis? Ao responder a todas essas perguntas, você descobrirá que receberá de volta exatamente aquilo que oferecer.

Senti isso pela primeira vez, e de modo mais impactante, na academia, com meus parceiros de treino. Nós sempre nos incentivávamos. Nós trocávamos técnicas de treino e dicas nutricionais. Nós nos apoiávamos animando uns aos outros, mas também literalmente, ajudando com os pesos quando levantávamos a carga máxima ou não conseguíamos terminar o movimento. Todos sabíamos que competiríamos uns contra os outros em algum momento, então não era como se estivéssemos alheios ao fato de que estávamos ajudando nossos adversários a melhorarem, mas também sabíamos que, se nossos parceiros de treino ficassem mais fortes, eles se tonariam um incentivo para treinarmos mais, o que significava que todos nós nos fortalecíamos.

Ajudar uns aos outros dessa forma não nos beneficiava apenas individualmente, mas também ajudava o esporte do fisiculturismo. Eu era o garoto-propaganda do fisiculturismo internacional na década de 1970, mas não teria passado de uma anomalia, e o fisiculturismo pareceria apenas uma exibição de circo, se eu subisse ao palco com um banco de adversários muito menos musculosos e definidos do que eu. E quem sabe se eu conquistaria tudo que conquistei. Não sei se eu teria chegado ao corpo que tinha ao levar cada um dos meus títulos de Mister Olympia se não tivesse tido Franco Columbu me incentivando como parceiro de treino ou se Frank Zane não tivesse morado comigo por alguns meses e me mostrado seus truques para aumentar a definição. O fisiculturismo alcançou a popularidade porque um grupo inteiro de nós treinava junto nas mesmas academias e ajudava uns aos outros a se aprimorar, melhorando as competições e atraindo mais atenção para o esporte.

Arnold Schwarzenegger venceu o Mister Universo quando tinha apenas 20 anos. Foto: AFP

Tive o mesmo ciclo de feedback positivo no cinema. Hollywood está cheia de atores muito inseguros que, quando não recebem orientações corretas ou apoio das pessoas mais próximas, transformam um filme em um jogo de soma zero. Eles tentam dominar todas as cenas em que aparecem, ganhar mais tempo de tela que os colegas de elenco, apagar os outros atores do filme. Acham que grandes atores fazem esse tipo de coisa. Que esse é o caminho para se tornar um astro ou ganhar prêmios. A realidade é que esse tipo de ambição pessoal e comportamento narcisista piora o filme. Faz com que ele fique esquisito e afeta a experiência do espectador de um jeito negativo. E, quando atores ajudam uns aos outros em suas cenas, quando se incentivam, quando abrem espaço para os colegas terem grandes momentos e performances memoráveis, o filme deixa de ser bom e se torna ótimo, criando uma conexão mais profunda com a plateia. É isso que traz o sucesso. E um filme bem-sucedido faz com que os atores recebam mais ofertas em outros filmes maiores, mais lucrativos do que aquele que acabaram de fazer juntos.

Ao ser altruísta, ao ajudar colegas de elenco, adversários ou colegas de trabalho, você tem a capacidade de melhorar a vida de todo mundo e de criar um ambiente positivo em que pode prosperar e encontrar felicidade. É por isso que adoramos séries de televisão com ótimos elencos. É por isso que admiramos empresas como a Patagonia, que valoriza os clientes e os funcionários acima dos lucros. É por isso que adoramos grandes times esportivos, como os Golden State Warriors de 2007 ou as fantásticas seleções de futebol espanholas, porque os jogadores sabem passar a bola, jogam como uma equipe que envolve todos os membros e fazem com que cada um deles se torne melhor.

Arnold Schwarzenegger em cena do filme 'O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio'. Foto: 20th Century Fox/Divulgação

Por outro lado, é por isso que temos sentimentos tão complicados por atletas superfamosos e egoístas, CEOs individualistas e políticos narcisistas. Eles quase nunca tornam outras pessoas melhores. E, mesmo que estejam “do nosso lado”, só os aturamos enquanto estão vencendo. No instante em que eles começam a perder ou que as coisas começam a dar errado, queremos substituí-los, demiti-los, tirá-los do governo por intermédio do voto. Porque, a essa altura do campeonato, qual seria a vantagem de aturar um desgraçado egoísta que só sabe pensar em si mesmo?

Mas você não precisa estar tentando concretizar um objetivo ou uma grande visão para colher os benefícios de ajudar os outros. Muitos dados científicos indicam que o simples ato de ajudar aumenta significativamente a felicidade, e esse aumento começa quase no mesmo instante. Em 2008, pesquisadores de Harvard fizeram um experimento em que davam 5 dólares para um grupo de participantes e 20 para outro e os orientavam a gastar o dinheiro com eles mesmos ou fazerem doações. No fim do dia, quando os pesquisadores verificaram os participantes, descobriram que as pessoas que fizeram doações relatavam se sentir bem melhor do que aquelas que ficaram com o dinheiro.

Aqui vai a parte mais interessante: não houve muita diferença no nível do aumento de felicidade entre as pessoas que doaram 5 dólares e as que doaram 20. As pessoas que abriram mão de 20 dólares não sentiram uma felicidade quatro vezes maior. Isso significa que não se trata do quanto você doa, mas do simples ato de doar. É o ato de doar que gera o aumento de felicidade.

Pense nisto: você pode melhorar o dia de uma pessoa e o seu próprio com o mesmo gesto de bondade e generosidade. E você não precisa ser rico nem cheio da grana para isso.”

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.