Clara Beatriz Nunes Dourado tinha 9 anos e estava de férias em Salvador, em 2017, quando avistou pela primeira vez uma casinha de livros em um shopping. Foi paixão imediata. Incentivada na leitura pela mãe Maria José Maciel, a menina que ainda bebê folheava livros de plástico na banheira se encantou com a minúscula biblioteca. Voltou a sua cidade, Irecê, no sertão baiano, com a ideia fixa de construir uma casinha de madeira igualzinha à que viu e fincá-la na praça vizinha a sua casa. Assim, crianças, jovens e até adultos de Irecê poderiam compartilhar de seu sentimento: o prazer de ler.
Uma enxurrada de palavras insistentes durante um ano inteiro acabou convencendo, por fim, o pai, Paulo Cefas Dourado, a construir uma pequena moradia de livros. A garota tinha 10 anos quando nasceu com doações sua primeira Casinha de livros na praça dos Requintes, invadida pela alegria da festa de inauguração, com direito à pipoca para os amigos.
No começo, a criançada traquinava, não devolvia os livros doados. Clarinha, como é chamada, teimosa, não desistiu facilmente. Recorreu a uma rede social para orientar os moradores de Irecê sobre como usar a casinha, como conservar os livros, e a importância de ler. Com a pandemia, seus vídeos ganharam projeção pelo País e seu projeto, força. A jornalista e apresentadora Astrid Fontenelle viu um dos vídeos e ajudou a impulsionar o Casinha de Livros (@projetocasinhadelivros). O projeto hoje tem 21 casinhas no País, sendo que uma é na Ilha do Marajó, no Pará, e outra na comunidade quilombola de Lagoa das Batas, em Ibititá, na Bahia. As secretarias de Educação de várias cidades brasileiras entraram em contato com a garota que além de ensinar a montar a casinha, fornece os adesivos feitos por ela.
Meninas empoderadas
Durante a pandemia, Clarinha passou a fazer lives com dicas de literatura e falas sobre empoderamento das garotas. Ela mesma se autointitula “uma feminista”. “Olha aqui esse livro: Cientistas, As 50 mulheres Que Mudaram o Mundo”, mostra à repórter durante a entrevista pelo vídeo. Quando perguntada sobre os seus preferidos, ela desfila os nomes: O Diário de Anne Frank, Os Meninos que Enganavam os Nazistas, de Joseph Joffo, e O Menino do Pijama Listrado, de John Boyne. Mas fã mesmo ela é de Malala Yousafzai e dos livros da afegã ganhadora do Prêmio Nobel da Paz.
E por falar em prêmios, devido ao engajamento na leitura, o projeto Casinha de livros já rendeu alguns reconhecimentos à Clarinha. No ano passado, ela recebeu os títulos Jovens Transformadores da Ashoka Brasil e Voluntários Transformadores da ONG Atados. Também foi eleita Embaixadora da Paz, com direito a quadro emoldurado e pendurado no quarto.
O amor de Clarinha pela arte não se restringe à literatura. A menina de sorriso solto e cabelos cacheados, que fez 14 anos em março, começa a gravar Sonho de Cinema, primeiro longa do diretor baiano Sólon Barreto. “A arte me traz paz”, resume a atriz mirim de cara sapeca.
A mãe Maria José não esconde a preocupação com o número de atividades que a menina se embrenhou. Há dois anos, após um desmaio e crises convulsivas, os médicos diagnosticaram que Clarinha tem epilepsia. Mas até nisso ela é generosa. Resolveu fazer do seu caso um exemplo e passou a promover lives e postar em suas redes informações sobre como as crianças podem enfrentar a doença. A sertaneja Clarinha é assim: chuva na aridez desse País.