Conceição Evaristo: ‘Falar é exercer o poder e o direito de ser’, diz escritora ao revisitar Macabéa


Ela lança ‘Macabéa: Flor de Mulungu’, novela inspirada na personagem de ‘A Hora da Estrela’, um dos livros mais famosos de Clarice Lispector

Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Conceição Evaristo causa comoção por onde ela passa. Na última edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em novembro, ela não estava na programação principal, mas foi uma das principais estrelas - aonde quer que a autora de Olhos D’Água fosse, seus leitores já a aguardavam, faziam fila para garantir um autógrafo, comentavam, emocionados, sua influência e sua importância. Ali, ela começava a divulgação de Macabéa: Flor de Mulungu, que estava saindo do forno.

O convite para escrever esta história veio da editora Oficina de Raquel em 2012. Nasceu como um conto para o livro Extratextos 1: Clarice Lispector - Personagens Reescritos, que está esgotado. Cada escritor convidado pôde escolher um personagem de Clarice, nos 35 anos de sua morte, e revisitá-lo em um texto. Revisto agora por Conceição, seu conto inspirado por A Hora da Estrela ganhou um livro próprio - e ilustrações inéditas de Luciana Nabuco.

Legenda: A escritora Conceição Evaristo, em 2019. Ela revisita 'A Hora da Estrela', de Clarice Lispector, em 'Macabéa: Flor de Mulungu'  Foto: Nilton Fukuda/Estadão
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“Escolhi Macabéa, mas poderia ter escolhido ser o próprio narrador, ou outra obra. Escolher Macabéa foi, de certa forma, escolher ser como Macabéa. Ser Macabéa. Foi um exercício de fala ao escolher criar uma personagem com a potência de fala, tirar Macabéa de uma certa placidez desenhada pelo narrador”, explica, aos 77 anos, a escritora nascida em Belo Horizonte em 1946.

Clarice escreveu A Hora da Estrela, que viria a ser o seu romance mais popular e acessível, transformado em filme por Suzana Amaral, em 1976 e o lançou em outubro de 1977. Em dezembro, ela morreu. Conceição leu a história da datilógrafa alagoana que se muda para o Rio de Janeiro no início da década de 1980, antes de publicar seus primeiros poemas na coletânea Cadernos Negros. Foi ali, em 1990, que ela estreou na literatura, abrindo caminho para livros como Ponciá Vicêncio (2003), Becos da Memória (2006) e Canção para Ninar Menino Grande (2022), além de volumes de contos e poemas e da participação em antologias.

“Embora eu ainda não tivesse tanta reflexão sobre o direito de cada um contar a sua história, o direito de quebrar um silenciamento imposto, me encabulou muito a ausência de fala de Macabéa. Saber de Macabéa através do olhar do narrador me causou um certo incômodo. Ela parecia tão insignificativa”, comenta a autora. Ela segue: “Depois retomei a leitura de A Hora da Estrela em 2012, quando a Oficina de Raquel buscou homenagear Clarice Lispector convidando alguns escritores para dialogar com seus textos, e me veio logo a ideia de voltar à personagem e ver se Macabéa já tinha soltado a fala, ou se era possível soltar a fala com Macabéa - e não soltar a fala de Macabéa. E assim eu tentei. Foi essa a minha inspiração: ouvir, conversar e talvez até ser Macabéa”.

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Pinturas de Luciana Nabuco ilustram o livro 'Macabéa: Flor de Mulungu, de Conceição Evaristo Foto: Luciana Nabuco

Conceição Evaristo poderia ter criado um diálogo com o narrador ou ter entrado numa disputa com ele. Mas preferiu se juntar à personagem e se concentrar nela - e em um fragmento importante da história original: sua morte.

Mas a Macabéa de Conceição, cerzideira e parteira que tinha aprendido tanto com seus ancestrais, não podia morrer.

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“A posição fetal em que ela se encontrava era um indício de que uma nova vida se abria. Ela ia nascer por ela e com ela. Macabéa ia se parir. Flor de Mulungu tinha a potência da vida. Força motriz de um povo que resilientemente vai emoldurando o seu grito. Mulheres como Macabéa não morrem. Costumam ser porta-vozes de outras mulheres, iguais a elas”, a autora escreve no livro para depois reafirmar: “Não, a morte que se tratasse de retardar. Macabéa, Flor de Mulungu, tinha mil paninhos, retalhos de vida, dela e das outras pessoas para recompor.”

Três perguntas para Conceição Evaristo

Quem é a sua Macabéa?

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Sou eu.

Por que quis recriá-la?

Eu quis recriar Macabéa porque ela é uma personagem que me comoveu. Sim, Macabéa me comoveu pelo seu silêncio. Por perceber que quem contava sua história era outra pessoa. Fiquei imaginando que Macabéa teria mais histórias para contar. E como eu sabia dessas outras histórias pertencentes à Macabéa, eu quis contar essa outra história.

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O que eu diria para as Macabéas de hoje?

Que nós tomemos nossos lugares de poder dizer. E nesse ‘poder dizer’ estou pondo dizer/poder porque falar é exercer o seu poder e seu direito de ser. Que todas Macabéas falem, contem suas próprias histórias e não deixem que outras pessoas contem as nossas histórias. Que não deixem que as pessoas inventem histórias a nosso respeito. Que essa invenção de pertença, de lugar, de história... que essas invenções sejam nossas, que saiam de nossas vozes.

Macabéa: Flor de Mulungu

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  • Autora: Conceição Evaristo
  • Editora: Oficina de Raquel (40 págs.; R$ 52)

Conceição Evaristo causa comoção por onde ela passa. Na última edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em novembro, ela não estava na programação principal, mas foi uma das principais estrelas - aonde quer que a autora de Olhos D’Água fosse, seus leitores já a aguardavam, faziam fila para garantir um autógrafo, comentavam, emocionados, sua influência e sua importância. Ali, ela começava a divulgação de Macabéa: Flor de Mulungu, que estava saindo do forno.

O convite para escrever esta história veio da editora Oficina de Raquel em 2012. Nasceu como um conto para o livro Extratextos 1: Clarice Lispector - Personagens Reescritos, que está esgotado. Cada escritor convidado pôde escolher um personagem de Clarice, nos 35 anos de sua morte, e revisitá-lo em um texto. Revisto agora por Conceição, seu conto inspirado por A Hora da Estrela ganhou um livro próprio - e ilustrações inéditas de Luciana Nabuco.

Legenda: A escritora Conceição Evaristo, em 2019. Ela revisita 'A Hora da Estrela', de Clarice Lispector, em 'Macabéa: Flor de Mulungu'  Foto: Nilton Fukuda/Estadão

“Escolhi Macabéa, mas poderia ter escolhido ser o próprio narrador, ou outra obra. Escolher Macabéa foi, de certa forma, escolher ser como Macabéa. Ser Macabéa. Foi um exercício de fala ao escolher criar uma personagem com a potência de fala, tirar Macabéa de uma certa placidez desenhada pelo narrador”, explica, aos 77 anos, a escritora nascida em Belo Horizonte em 1946.

Clarice escreveu A Hora da Estrela, que viria a ser o seu romance mais popular e acessível, transformado em filme por Suzana Amaral, em 1976 e o lançou em outubro de 1977. Em dezembro, ela morreu. Conceição leu a história da datilógrafa alagoana que se muda para o Rio de Janeiro no início da década de 1980, antes de publicar seus primeiros poemas na coletânea Cadernos Negros. Foi ali, em 1990, que ela estreou na literatura, abrindo caminho para livros como Ponciá Vicêncio (2003), Becos da Memória (2006) e Canção para Ninar Menino Grande (2022), além de volumes de contos e poemas e da participação em antologias.

“Embora eu ainda não tivesse tanta reflexão sobre o direito de cada um contar a sua história, o direito de quebrar um silenciamento imposto, me encabulou muito a ausência de fala de Macabéa. Saber de Macabéa através do olhar do narrador me causou um certo incômodo. Ela parecia tão insignificativa”, comenta a autora. Ela segue: “Depois retomei a leitura de A Hora da Estrela em 2012, quando a Oficina de Raquel buscou homenagear Clarice Lispector convidando alguns escritores para dialogar com seus textos, e me veio logo a ideia de voltar à personagem e ver se Macabéa já tinha soltado a fala, ou se era possível soltar a fala com Macabéa - e não soltar a fala de Macabéa. E assim eu tentei. Foi essa a minha inspiração: ouvir, conversar e talvez até ser Macabéa”.

Pinturas de Luciana Nabuco ilustram o livro 'Macabéa: Flor de Mulungu, de Conceição Evaristo Foto: Luciana Nabuco

Conceição Evaristo poderia ter criado um diálogo com o narrador ou ter entrado numa disputa com ele. Mas preferiu se juntar à personagem e se concentrar nela - e em um fragmento importante da história original: sua morte.

Mas a Macabéa de Conceição, cerzideira e parteira que tinha aprendido tanto com seus ancestrais, não podia morrer.

“A posição fetal em que ela se encontrava era um indício de que uma nova vida se abria. Ela ia nascer por ela e com ela. Macabéa ia se parir. Flor de Mulungu tinha a potência da vida. Força motriz de um povo que resilientemente vai emoldurando o seu grito. Mulheres como Macabéa não morrem. Costumam ser porta-vozes de outras mulheres, iguais a elas”, a autora escreve no livro para depois reafirmar: “Não, a morte que se tratasse de retardar. Macabéa, Flor de Mulungu, tinha mil paninhos, retalhos de vida, dela e das outras pessoas para recompor.”

Três perguntas para Conceição Evaristo

Quem é a sua Macabéa?

Sou eu.

Por que quis recriá-la?

Eu quis recriar Macabéa porque ela é uma personagem que me comoveu. Sim, Macabéa me comoveu pelo seu silêncio. Por perceber que quem contava sua história era outra pessoa. Fiquei imaginando que Macabéa teria mais histórias para contar. E como eu sabia dessas outras histórias pertencentes à Macabéa, eu quis contar essa outra história.

O que eu diria para as Macabéas de hoje?

Que nós tomemos nossos lugares de poder dizer. E nesse ‘poder dizer’ estou pondo dizer/poder porque falar é exercer o seu poder e seu direito de ser. Que todas Macabéas falem, contem suas próprias histórias e não deixem que outras pessoas contem as nossas histórias. Que não deixem que as pessoas inventem histórias a nosso respeito. Que essa invenção de pertença, de lugar, de história... que essas invenções sejam nossas, que saiam de nossas vozes.

Macabéa: Flor de Mulungu

  • Autora: Conceição Evaristo
  • Editora: Oficina de Raquel (40 págs.; R$ 52)

Conceição Evaristo causa comoção por onde ela passa. Na última edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em novembro, ela não estava na programação principal, mas foi uma das principais estrelas - aonde quer que a autora de Olhos D’Água fosse, seus leitores já a aguardavam, faziam fila para garantir um autógrafo, comentavam, emocionados, sua influência e sua importância. Ali, ela começava a divulgação de Macabéa: Flor de Mulungu, que estava saindo do forno.

O convite para escrever esta história veio da editora Oficina de Raquel em 2012. Nasceu como um conto para o livro Extratextos 1: Clarice Lispector - Personagens Reescritos, que está esgotado. Cada escritor convidado pôde escolher um personagem de Clarice, nos 35 anos de sua morte, e revisitá-lo em um texto. Revisto agora por Conceição, seu conto inspirado por A Hora da Estrela ganhou um livro próprio - e ilustrações inéditas de Luciana Nabuco.

Legenda: A escritora Conceição Evaristo, em 2019. Ela revisita 'A Hora da Estrela', de Clarice Lispector, em 'Macabéa: Flor de Mulungu'  Foto: Nilton Fukuda/Estadão

“Escolhi Macabéa, mas poderia ter escolhido ser o próprio narrador, ou outra obra. Escolher Macabéa foi, de certa forma, escolher ser como Macabéa. Ser Macabéa. Foi um exercício de fala ao escolher criar uma personagem com a potência de fala, tirar Macabéa de uma certa placidez desenhada pelo narrador”, explica, aos 77 anos, a escritora nascida em Belo Horizonte em 1946.

Clarice escreveu A Hora da Estrela, que viria a ser o seu romance mais popular e acessível, transformado em filme por Suzana Amaral, em 1976 e o lançou em outubro de 1977. Em dezembro, ela morreu. Conceição leu a história da datilógrafa alagoana que se muda para o Rio de Janeiro no início da década de 1980, antes de publicar seus primeiros poemas na coletânea Cadernos Negros. Foi ali, em 1990, que ela estreou na literatura, abrindo caminho para livros como Ponciá Vicêncio (2003), Becos da Memória (2006) e Canção para Ninar Menino Grande (2022), além de volumes de contos e poemas e da participação em antologias.

“Embora eu ainda não tivesse tanta reflexão sobre o direito de cada um contar a sua história, o direito de quebrar um silenciamento imposto, me encabulou muito a ausência de fala de Macabéa. Saber de Macabéa através do olhar do narrador me causou um certo incômodo. Ela parecia tão insignificativa”, comenta a autora. Ela segue: “Depois retomei a leitura de A Hora da Estrela em 2012, quando a Oficina de Raquel buscou homenagear Clarice Lispector convidando alguns escritores para dialogar com seus textos, e me veio logo a ideia de voltar à personagem e ver se Macabéa já tinha soltado a fala, ou se era possível soltar a fala com Macabéa - e não soltar a fala de Macabéa. E assim eu tentei. Foi essa a minha inspiração: ouvir, conversar e talvez até ser Macabéa”.

Pinturas de Luciana Nabuco ilustram o livro 'Macabéa: Flor de Mulungu, de Conceição Evaristo Foto: Luciana Nabuco

Conceição Evaristo poderia ter criado um diálogo com o narrador ou ter entrado numa disputa com ele. Mas preferiu se juntar à personagem e se concentrar nela - e em um fragmento importante da história original: sua morte.

Mas a Macabéa de Conceição, cerzideira e parteira que tinha aprendido tanto com seus ancestrais, não podia morrer.

“A posição fetal em que ela se encontrava era um indício de que uma nova vida se abria. Ela ia nascer por ela e com ela. Macabéa ia se parir. Flor de Mulungu tinha a potência da vida. Força motriz de um povo que resilientemente vai emoldurando o seu grito. Mulheres como Macabéa não morrem. Costumam ser porta-vozes de outras mulheres, iguais a elas”, a autora escreve no livro para depois reafirmar: “Não, a morte que se tratasse de retardar. Macabéa, Flor de Mulungu, tinha mil paninhos, retalhos de vida, dela e das outras pessoas para recompor.”

Três perguntas para Conceição Evaristo

Quem é a sua Macabéa?

Sou eu.

Por que quis recriá-la?

Eu quis recriar Macabéa porque ela é uma personagem que me comoveu. Sim, Macabéa me comoveu pelo seu silêncio. Por perceber que quem contava sua história era outra pessoa. Fiquei imaginando que Macabéa teria mais histórias para contar. E como eu sabia dessas outras histórias pertencentes à Macabéa, eu quis contar essa outra história.

O que eu diria para as Macabéas de hoje?

Que nós tomemos nossos lugares de poder dizer. E nesse ‘poder dizer’ estou pondo dizer/poder porque falar é exercer o seu poder e seu direito de ser. Que todas Macabéas falem, contem suas próprias histórias e não deixem que outras pessoas contem as nossas histórias. Que não deixem que as pessoas inventem histórias a nosso respeito. Que essa invenção de pertença, de lugar, de história... que essas invenções sejam nossas, que saiam de nossas vozes.

Macabéa: Flor de Mulungu

  • Autora: Conceição Evaristo
  • Editora: Oficina de Raquel (40 págs.; R$ 52)

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