Já com seus primeiros livros, Rubem Fonseca — morto nesta quarta-feira, 15, aos 94 anos — alcançou consagração crítica entre os pares do meio literário, colecionando resenhas positivas e elogios superlativos. Ao longo das últimas cinco décadas, críticos literários e jornalistas ocuparam as páginas do Estado com opiniões sobre os livros de um dos pilares da literatura brasileira.
Em sua coluna de rodapé no Suplemento Literário do Estado de S. Paulo, o crítico Wilson Martins consagrou Rubem Fonseca como um dos escritores mais importantes da literatura brasileira. “O sr. Rubem Fonseca renovou o conto, não em tais e tais aspectos da técnica literária (...), mas na totalidade do seu universo próprio”, escreveu Martins em 19 de março de 1966. “O conto do sr. Rubem Fonseca é, antes de mais nada, uma atmosfera, um mundo particular; mas esse mundo é o mundo. É o mundo hipostasiado sob as espécies da cidade do Rio de Janeiro e seus habitantes, com a sua maneira característica de pensar, de falar, de agir, de sofrer ou resistir ao sofrimento. A Força Humana, por exemplo, não é apenas um dos melhores contos brasileiros até hoje escritos; é, também, um dos melhores da literatura universal”.
Em uma resenha conjunta com um novo livro de Lygia Fagundes Telles, o crítico preconizava que ambos os escritores ocupariam o alto da “escada da glória” nas letras nacionais.
Quatro anos depois, ainda no Suplemento Literário, Fábio Lucas ressaltava que a “força enérgica” da ficção de Rubem Fonseca refletia “bem o poder de conhecimento intuitivo: debaixo do ornamento literário, vamos encontrar a ciência do homem, a investigação da sociedade. E os valores da vida urbana, um dos primeiros escritores brasileiros a fazê-lo com autenticidade”.
Já consagrado, o autor voltou às páginas dos jornais em 1988, quando assinou com a Companhia das Letras. Valores não foram revelados na época, mas a reportagem apontava que era “um dos melhores (contratos) já assinados por um escritor no Brasil”.
Àquela altura com boa parte de seus livros esgotados nas livrarias ao mesmo tempo em que iam sendo traduzidos e publicados em diversos idiomas, Fonseca tinha propostas de seis editoras brasileiras, mas optou na ocasião pela de Luiz Schwarcz (a relação profissional durou até 2010, quando o escritor foi para a Nova Fronteira).
Em uma análise revisando a obra do autor até aquele ponto, o crítico José Onofre definia o texto de Fonseca como um “eletrizante eletroencefalograma do País”.
“Enredados num mundo de suspeitas e insinuações, (seus personagens) estão destinados a trilhar todas as rotas da transgressão, seja por amor, dinheiro, solidão, desespero seja por sobrevivência”, escreveu. “Nesta poética em que a miséria toma conta do mundo como um deus dos infernos, Rubem Fonseca redesenha as entranhas de um país atacado de peste. Mas em combate.”
Dois anos depois chegaria aquele que foi o principal sucesso comercial de Fonseca, o romance histórico Agosto. Narrando em chave ficcional os acontecimentos reais que levaram ao suicídio do presidente Getúlio Vargas, o autor alcançava um momento de vigorosa narratividade, segundo Boris Schnaiderman, que escreveu sobre o livro no dia 14 de novembro de 1990.
“Os destinos humanos se entretecem, e os protagonistas de uma tragédia têm muito que ver com outra”, escreveu Schnaiderman. “Isso permitiu traçar um quadro impressionante do Rio de Janeiro da época, aquele conglomerado estranho em que se desenrolaram acontecimentos decisivos para toda a vida de um povo.”
A notícia dava conta que a Companhia das Letras gastou 7 milhões de cruzeiros para a divulgação da obra, e chegou a cogitar o lançamento conjunto de um disco de músicas de Chico Buarque, que funcionasse como trilha sonora do livro (o que acabou não acontecendo).
Em 1995, o escritor e crítico José Castello falava sobre O Buraco na Parede como um retorno de Rubem à boa forma, e apontava que o escritor se sentia mais à vontade com os textos curtos. “No livro, nada é supérfluo e nada é excessivo. Mas, nem assim, nada basta. Cada conto traz uma procura desesperada, que jamais se esgota. Para o grande falsificador Rubem Fonseca, a vida tem a consistência de um buraco na parede: pode guardar relances de grandes segredos, sem nos dar acesso verdadeiro a nenhum”, escreveu Castello.
Numa reportagem publicada na mesma página, o jornal informa que Rubem só saía de casa de boné e casaco, para evitar o assédio. Comparando sua vontade de se esconder àquela de Dalton Trevisan e Raduan Nassar, Castello arrisca: “O mistério, para Rubem Fonseca, parece ser a forma que ele encontrou para construir um outro mito: o do escritor perfeito.”
Quase dez anos depois, em 2004, o jornalista e crítico Antonio Gonçalves Filho se referia à coletânea 64 Contos de Rubem Fonseca como o registro da evolução de um escritor que traçou “um retrato do Brasil que desceu ao nono círculo do inferno e nunca mais saiu de lá”, destacando que a representação de Fonseca pautaria muitas narrativas sobre a marginalidade no País.
O prefácio do livro é assinado por Tomás Eloy Martinez, colega escritor argentino, no qual ele observava que a violência na obra de Fonseca nem sempre estava associada ao poder. “Surpreendeu-me ver que, na obra de Fonseca, esses vínculos iam sempre além, até os extremos de uma língua desconhecida, como que movendo-se num limbo em que não havia consciência política nem desolação moral, só a pura e simples condição humana entregue a sua incredulidade e sua desolação sem esperança”, disse Martinez na época.
Já em 2011 o professor de literatura brasileira da USP Alcides Villaça reafirmava, nas páginas do jornal, a força da narrativa de Rubem Fonseca. “(Ele) continua impávido na arte difícil da narrativa fluente, que puxa o leitor pelo ritmo das frases, pela articulação das ações, pelos lances súbitos das personagens”, escreveu. Villaça recuperava questões críticas sobre a obra de Fonseca, ao mesmo tempo em que destacava a proximidade quase inédita que o autor oferecia à própria vida com a narrativa autobiográfica José.
Dois anos depois, ao resenhar Amálgama, que venceria o Jabuti de contos, o escritor e crítico André de Leones fez uma bonita observação sobre uma carreira que ainda dava sinais de vitalidade: “Rubem Fonseca traduz um mundo no qual a valoração, qualquer que seja, perdeu a razão de ser. Não faz mais sentido falar em termos de barbárie e civilização. Em contos hoje considerados clássicos, como Feliz Ano Novo e O Cobrador, ele percebeu as rachaduras no teto e nas paredes. Agora, aos 88 anos de idade, ele se dedica a documentar as ruínas”.
Seu último lançamento, Carne Crua, também foi tema de discussão crítica nas páginas dos jornais em 2018. “É realmente necessário exigir que, aos 93 anos, um escritor mantenha o caráter inovador de suas obras-primas ad eternum, ou que seja lido como a última novidade do mercado literário?”, defendia o crítico Mateus Baldi, no caderno Aliás.
Rubem Fonseca morreu aos 94 anos, em meio a uma pandemia global inédita em um século. Sua literatura, contestada ou não, será estudada por muito tempo como um dos edifícios fundamentais da literatura brasileira.