THE WASHINGTON POST - As estatísticas são devastadoras. Enquanto cerca de 4% dos soldados capturados pelos nazistas e fascistas morreram em cativeiro, aproximadamente 27% dos capturados pelos japoneses morreram como prisioneiros na Segunda Guerra Mundial, escreve o historiador Gary J. Bass em Judgment at Tokyo: World War II on Trial and the Making of Modern Asia [algo como “Julgamento de Tóquio: Segunda Guerra Mundial no tribunal e a construção da Ásia moderna”]. Embora não tenha ocorrido no teatro do Pacífico um crime na escala do Holocausto europeu, a brutalidade japonesa assumiu quase todas as formas, afora o genocídio absoluto.
Houve a Marcha da Morte de Bataan, em abril de 1942, nas Filipinas, onde milhares de filipinos e várias centenas de americanos morreram nas mãos das tropas japonesas, que os espancaram, fizeram passar fome, furaram com baionetas e torturaram até à morte. Em Harbin, na Manchúria, em um eco das práticas médicas nazistas, os japoneses usaram “chineses indefesos para experiências humanas fatais” como parte de um programa de guerra biológica.
E houve também o Estupro de Nanquim, em dezembro de 1937, quando tropas japonesas assassinaram e estupraram sem qualquer constrangimento, deixando dezenas de milhares de vítimas civis chinesas. As atrocidades cometidas pelos japoneses, escreve Bass, eram provas vastas e “sistemáticas” da política oficial do Japão.
A consequência foi um julgamento por crimes de guerra dos principais perpetradores militares e civis – processo que durou dois anos e meio, de maio de 1946 a novembro de 1948, e resultou em dezesseis penas de prisão perpétua e sete enforcamentos, entre eles o do primeiro-ministro e ministro da Guerra, Hideki Tojo.
O julgamento de Tóquio – muito mais complexo, prolongado e controverso que o de Nuremberg – é o tema do livro abrangente e marcante de Bass, que é ao mesmo tempo um registro repugnante das atrocidades e uma análise jurídica minuciosa, com os juízes debatendo sobre direito natural, guerra agressiva, cadeia de comando e muito mais.
Os apoiadores daqueles que estavam no banco dos réus, tanto em Tóquio quanto em Nuremberg, alegaram que o julgamento de Tóquio constituía apenas uma justiça do vencedor, mas o fato é que se tratava de um tribunal verdadeiramente internacional: os juízes vieram dos Estados Unidos, de todo o império britânico no Oriente, da China e das Filipinas.
Assassinos burocráticos
Bass usa as complexidades do julgamento como ponto de partida para esboçar um quadro mais amplo, documentando não apenas todas as atrocidades, mas também a história da Segunda Guerra Mundial na Ásia, que continua menos conhecida do que a guerra na Europa. De fato, até hoje o nome de Tojo não é tão familiar quanto o de Hitler.
E este é o cerne da história: se a Alemanha produziu assassinos em massa macabros, o Japão criou assassinos burocráticos, discretos e até um tanto modestos, por mais que fossem motivados pela animosidade racial contra outros asiáticos e especialmente contra brancos americanos e britânicos. O tribunal de crimes de guerra em Tóquio é uma história mais sutil que a de Nuremberg – e é isso que compõe o ritmo narrativo deste livro.
Desde o início houve discussões sobre realizar ou não o julgamento. Bass leva o leitor para dentro da Casa Branca, onde o novo presidente, Harry Truman, deliberava e discordava do comandante militar dos Estados Unidos para a Ásia, general Douglas MacArthur, que, apesar de sua raiva muito pessoal pelas atrocidades japonesas em Bataan, preferia “uma vingança rápida contra um pequeno grupo de militaristas”, em vez do julgamento completo.
O governo Truman também teve de lidar com os mortos civis em Hiroshima e Nagasaki, bem como com o bombardeamento incendiário americano de Tóquio, o que complicou a questão de se atribuir a culpa moral exclusivamente às autoridades japonesas.
No fim das contas, Truman optou pelo julgamento.
Ao punir uns poucos, os julgamentos em Tóquio e Nuremberg acabaram proporcionando reabilitação para quase todas as outras pessoas. Não foram perfeitos, mas permitiram responsabilizar os diretamente responsáveis, para que o resto da nação pudesse seguir com a vida e com a reconstrução do pós-guerra. Na verdade, os japoneses, depois de anos consumindo apenas a propaganda oficial, ficaram chocados ao saber das provas reveladas durante o processo.
A decisão do governo Truman de realizar um julgamento foi, em essência, política, e também o foi a decisão de não processar Hirohito, o imperador japonês. Bass fornece provas fascinantes que confirmam a culpabilidade de Hirohito na guerra, observando que, se o imperador tivesse sido processado, como alguns dos juízes e muitos outros queriam, teria enfrentado acusações muito fortes. Mas os americanos temiam que, dada sua ligação mística com o povo japonês, depor o imperador e levá-lo a julgamento pudesse levar à anarquia e ao colapso do estado.
Além disso, a Guerra Fria estava se aproximando, trazendo consigo duras realidades políticas. Os nacionalistas chineses sob o comando de Chiang Kai-shek estavam começando a perder uma guerra civil para os comunistas de Mao Tsé-Tung, e o governo Truman teve de contemplar a perda da China como amiga e parceira estratégica. No pós-guerra, ter como aliado um Japão forte e estável se tornou uma necessidade vital.
O tribunal de Tóquio também teve seus problemas: um juiz indiano votou generalizadamente a favor das absolvições; durante seu depoimento, Tojo estava “cheio de confiança” e sua retórica foi superior à do promotor americano. Mas, em última análise, Tojo, o general Iwane Matsui, que comandou o Estupro de Nanquim, e outros foram enforcados pouco depois da meia-noite de 23 de dezembro de 1948.
Enquanto isso, sob a monarquia constitucional de Hirohito, o Japão se tornava uma democracia estável e próspera – e um firme aliado americano. Em outras palavras, neste mundo tão imperfeito, onde a moralidade coexiste desconfortavelmente com a condução da política externa, o governo Truman tomou a decisão certa.
Serviço
Judgment at Tokyo: World War II on Trial and the Making of Modern Asia
- Editora: Knopf
- Autor: Gary J. Bass
- 912 páginas; R$ 464 (em inglês) | Ebook: 50,47
Robert D. Kaplan é o autor de The Loom of Time: Between Empire and Anarchy, From the Mediterranean to China. Ele ocupa a cátedra Robert Strausz-Hupé de geopolítica no Foreign Policy Research Institute.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU