Dalton Trevisan: Vampiro de Curitiba troca 'castelo' por apartamento e terá obras reeditadas


Aos 96 anos, Dalton Trevisan deixa a casa em que viveu por décadas e que se tornou um ponto turístico literário de Curitiba

Por Luiz Rebinski

CURITIBA - O Vampiro de Curitiba não mora mais em seu castelo. O escritor Dalton Trevisan saiu da casa em que viveu décadas, na Rua Ubaldino do Amaral, e que ao longo dos anos se tornou um ponto turístico não oficial da capital paranaense, atraindo leitores em busca de uma aparição do recluso autor.

A casa, localizada no alto de um bairro chamado justamente Alto da Glória, se tornou incompatível com os 96 anos do autor – em 14 de junho ele faz aniversário. Mas, segundo a reportagem apurou, a mudança para um apartamento na Rua Doutor Muricy, no centro de Curitiba, ocorreu após um assaltante entrar na residência do escritor – o homem foi preso em flagrante. 

Flagrante raro do escritor Dalton Trevisan andando pelas ruas de Curitiba em 2009 Foto: Rodolfo Buhrer
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Isso ocorreu no final de 2021. Mas como tudo que envolve o autor, a mudança de endereço se deu sem alarde. Nenhuma linha na imprensa curitibana. Quem soube, foi “de ouvir falar”. “Alguém me disse que há algum tempo ele foi assaltado lá na Ubaldino e que hoje ele mora num apartamento”, diz o escritor Cristóvão Tezza que, durante anos foi vizinho do Vampiro, mas que, por “acasos curitibanos, nunca tive propriamente contato com ele”.

Há décadas, são poucas as pessoas que têm acesso à vida íntima do autor. Alguns morreram recentemente, como o jornalista Fábio Campana (vítima da covid-19) e o livreiro Aramis Chain, cuja livraria era uma espécie de escritório informal de Trevisan – ele recebia correspondências e telefonemas por lá.

Hoje, são quatro ou cinco pessoas que convivem com o escritor, entre elas a jornalista e ex-editora da Gazeta do Povo Marleth Silva, o cineasta Estevan Silveira, o diretor teatral João Luiz Fiani e Constantino Viaro, proprietário de um museu que abriga as obras do pai, o pintor Guido Viaro, que foi amigo de Trevisan e colaborador da revista Joaquim, editada pelo escritor no final da década de 1940. Há ainda uma jovem chamada Fabiana Vieira, amiga e espécie de “secretária” informal do escritor, que mora no mesmo prédio para onde Trevisan se mudou. 

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É um círculo restrito, mas fiel, que protege a privacidade do autor. A notícia sobre esta reportagem chegou ao ouvido do escritor mais rapidamente do que a leitura do menor de seus minicontos. “Dalton está tranquilo. A única preocupação das pessoas em torno dele é com o endereço”, afirma Marleth Silva. 

Apesar do traumático assalto à sua antiga casa, o autor segue bem de saúde. Conhecido por ser um andarilho contumaz de Curitiba, desde o início da pandemia praticamente não saiu mais de casa. O que o obrigou a fazer fisioterapia por conta de problemas de articulação. A alimentação, quase sem carne, é a mesma. 

De resto, segue se cuidando como fez a vida toda. Ele já tomou as três doses da vacina. Agora, parece estar mais animado em sair de casa, com o arrefecimento da pandemia. “Ele está ótimo de saúde. Creio que vai passar dos 100 anos – e assim espero”, completa Marleth. 

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De família abastada, Dalton Trevisan nunca precisou da literatura para sobreviver – ainda que tenha vencido premiações polpudas, como o Prêmio Camões de 2012, o mais importante da língua portuguesa e que lhe rendeu 100 mil euros (quase R$ 600 mil em valores atualizados). 

Ele deu por encerrada sua carreira de escritor em 2014, com O Beijo na Nuca, uma coletânea de contos em que atualizava os vícios de seus personagens, alguns deles acometidos pelo crack.

'O Beijo na Nuca', de 2014,reúne 48 contos de Dalton Trevisan Foto: Editora Record
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Trevisan, segundo os amigos, costuma falar que “depois dos 80 anos, ninguém escreve nada decente”. No entanto, ele continua a reescrever seus contos. Isso o fez retomar um costume antigo de reunir algumas histórias em caderninhos feitos de forma artesanal, parecidos com os cordéis nordestinos. A reportagem teve acesso a alguns deles.

“É uma forma de fazer os contos circularem”, conta Marleth. “O Dalton gosta da experiência de presentear com os caderninhos, de vê-los se esgotarem. Tudo muito informal. Como ele tem uma obra muito extensa, agora relê e redescobre.” Segundo a jornalista, o escritor prepara para breve uma nova publicação nesse formato.

Além da possibilidade de voltar a circular pela Curitiba que tanto retratou, a reedição de alguns de seus livros que estavam há anos fora de catálogo, tem animado Trevisan. Segundo a Record, editora do escritor, serão reeditados e terão versão em e-book as coletâneas Em Busca de Curitiba Perdida, 33 Contos Escolhidos e Contos Eróticos.

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Dalton Trevisan e o cuidado com sua obra

Ao longo de sua trajetória, Dalton Trevisan manteve o controle total sobre sua obra. Ele escolhia as ilustrações para as capas – a esmagadora maioria assinada pelo amigo Poty Lazzarotto – e não deixava que uma vírgula sequer fosse trocada de lugar na edição final. Mas e quando ele morrer, quem cuidará de sua obra, já que só lhe restam uma filha, com quem é rompido, e uma neta? “Não sei se ele já deixou isso programado. Não sei mesmo. Espero que tenha pensado nisso ou que pense”, observa Marleth.

No entanto, Trevisan já doou para o Instituto Moreira Salles (IMS) cartas que trocou com Otto Lara Resende. São cerca de 600 correspondências. Um verdadeiro tesouro em se tratando de um autor que se recusou a falar qualquer coisa fora de seus livros. Os dois autores se conheceram por volta de 1955, na casa de Fernando Sabino, no Rio, quatro anos antes da estreia oficial de Trevisan na literatura com Novelas Nada Exemplares, de 1959.

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Entre as diversas histórias que pairam a respeito de Dalton Trevisan, uma delas diz que o autor, exatamente como um vampiro, alimentava sua literatura com histórias contadas por gente que vivia no submundo curitibano. Eram outros que contavam a ele as histórias de assassinatos, brigas de casal e violência sexual que povoaram sua obra. 

Uma dessas figuras seria o cineasta Estevan Silveira. Dono de uma lotérica no centro de Curitiba, ele foi um dos poucos realizadores que levaram obras de Dalton Trevisan para o cinema – outro foi Joaquim Pedro de Andrade, que filmou Guerra Conjugal em 1975. Entre outros contos, Estevan filmou a ode Em Busca de Curitiba Perdida e o underground Lulu a Louca. Todos mantendo de forma literal o texto do escritor.

“Conheci o Dalton quando fui ver uma adaptação teatral de um de seus textos. Aí viramos amigos”, lembra Estevan. “É mito”, afirma com um riso irônico no rosto, ao ser questionado se era um “informante” de Trevisan na noite curitibana.

“Mas o próprio Dalton responde isso nos contos dele. É só ler Retrato 3 x 4”, ressalta sobre o texto que é uma espécie de anedotário com máximas a respeito da própria mitologia que cerca o autor. Nele, Trevisan escreve coisas como “o que não te contam, ouça atrás da porta”.

Se há um mistério sobre a origem das histórias de Trevisan, é mais que sabido que os amigos sempre foram “protótipos” para contos. Em uma época em que ainda não mantinha hábitos vampirescos, Trevisan circulava em rodas de escritores e cineastas de Curitiba. E retratou alguns amigos em contos.

O jornalista Carlos Alberto Pessoa era tão talentoso que virou o protagonista de O Pássaro de Cinco Asas, de 1979, um fã de Fellini e Bergman que, adulto, ainda vivia com a mãe. O escritor Jamil Snege, no mesmo livro, teria sido a inspiração para Eu, Bicha. E Fábio Campana estava em O Gatinho Perneta. Mas, claro, os inimigos também tiveram seu lugar na obra do autor. Hiena Papuda, já nos anos 2000, foi dedicado ao desafeto Miguel Sanches Neto

CURITIBA - O Vampiro de Curitiba não mora mais em seu castelo. O escritor Dalton Trevisan saiu da casa em que viveu décadas, na Rua Ubaldino do Amaral, e que ao longo dos anos se tornou um ponto turístico não oficial da capital paranaense, atraindo leitores em busca de uma aparição do recluso autor.

A casa, localizada no alto de um bairro chamado justamente Alto da Glória, se tornou incompatível com os 96 anos do autor – em 14 de junho ele faz aniversário. Mas, segundo a reportagem apurou, a mudança para um apartamento na Rua Doutor Muricy, no centro de Curitiba, ocorreu após um assaltante entrar na residência do escritor – o homem foi preso em flagrante. 

Flagrante raro do escritor Dalton Trevisan andando pelas ruas de Curitiba em 2009 Foto: Rodolfo Buhrer

Isso ocorreu no final de 2021. Mas como tudo que envolve o autor, a mudança de endereço se deu sem alarde. Nenhuma linha na imprensa curitibana. Quem soube, foi “de ouvir falar”. “Alguém me disse que há algum tempo ele foi assaltado lá na Ubaldino e que hoje ele mora num apartamento”, diz o escritor Cristóvão Tezza que, durante anos foi vizinho do Vampiro, mas que, por “acasos curitibanos, nunca tive propriamente contato com ele”.

Há décadas, são poucas as pessoas que têm acesso à vida íntima do autor. Alguns morreram recentemente, como o jornalista Fábio Campana (vítima da covid-19) e o livreiro Aramis Chain, cuja livraria era uma espécie de escritório informal de Trevisan – ele recebia correspondências e telefonemas por lá.

Hoje, são quatro ou cinco pessoas que convivem com o escritor, entre elas a jornalista e ex-editora da Gazeta do Povo Marleth Silva, o cineasta Estevan Silveira, o diretor teatral João Luiz Fiani e Constantino Viaro, proprietário de um museu que abriga as obras do pai, o pintor Guido Viaro, que foi amigo de Trevisan e colaborador da revista Joaquim, editada pelo escritor no final da década de 1940. Há ainda uma jovem chamada Fabiana Vieira, amiga e espécie de “secretária” informal do escritor, que mora no mesmo prédio para onde Trevisan se mudou. 

É um círculo restrito, mas fiel, que protege a privacidade do autor. A notícia sobre esta reportagem chegou ao ouvido do escritor mais rapidamente do que a leitura do menor de seus minicontos. “Dalton está tranquilo. A única preocupação das pessoas em torno dele é com o endereço”, afirma Marleth Silva. 

Apesar do traumático assalto à sua antiga casa, o autor segue bem de saúde. Conhecido por ser um andarilho contumaz de Curitiba, desde o início da pandemia praticamente não saiu mais de casa. O que o obrigou a fazer fisioterapia por conta de problemas de articulação. A alimentação, quase sem carne, é a mesma. 

De resto, segue se cuidando como fez a vida toda. Ele já tomou as três doses da vacina. Agora, parece estar mais animado em sair de casa, com o arrefecimento da pandemia. “Ele está ótimo de saúde. Creio que vai passar dos 100 anos – e assim espero”, completa Marleth. 

De família abastada, Dalton Trevisan nunca precisou da literatura para sobreviver – ainda que tenha vencido premiações polpudas, como o Prêmio Camões de 2012, o mais importante da língua portuguesa e que lhe rendeu 100 mil euros (quase R$ 600 mil em valores atualizados). 

Ele deu por encerrada sua carreira de escritor em 2014, com O Beijo na Nuca, uma coletânea de contos em que atualizava os vícios de seus personagens, alguns deles acometidos pelo crack.

'O Beijo na Nuca', de 2014,reúne 48 contos de Dalton Trevisan Foto: Editora Record

Trevisan, segundo os amigos, costuma falar que “depois dos 80 anos, ninguém escreve nada decente”. No entanto, ele continua a reescrever seus contos. Isso o fez retomar um costume antigo de reunir algumas histórias em caderninhos feitos de forma artesanal, parecidos com os cordéis nordestinos. A reportagem teve acesso a alguns deles.

“É uma forma de fazer os contos circularem”, conta Marleth. “O Dalton gosta da experiência de presentear com os caderninhos, de vê-los se esgotarem. Tudo muito informal. Como ele tem uma obra muito extensa, agora relê e redescobre.” Segundo a jornalista, o escritor prepara para breve uma nova publicação nesse formato.

Além da possibilidade de voltar a circular pela Curitiba que tanto retratou, a reedição de alguns de seus livros que estavam há anos fora de catálogo, tem animado Trevisan. Segundo a Record, editora do escritor, serão reeditados e terão versão em e-book as coletâneas Em Busca de Curitiba Perdida, 33 Contos Escolhidos e Contos Eróticos.

Dalton Trevisan e o cuidado com sua obra

Ao longo de sua trajetória, Dalton Trevisan manteve o controle total sobre sua obra. Ele escolhia as ilustrações para as capas – a esmagadora maioria assinada pelo amigo Poty Lazzarotto – e não deixava que uma vírgula sequer fosse trocada de lugar na edição final. Mas e quando ele morrer, quem cuidará de sua obra, já que só lhe restam uma filha, com quem é rompido, e uma neta? “Não sei se ele já deixou isso programado. Não sei mesmo. Espero que tenha pensado nisso ou que pense”, observa Marleth.

No entanto, Trevisan já doou para o Instituto Moreira Salles (IMS) cartas que trocou com Otto Lara Resende. São cerca de 600 correspondências. Um verdadeiro tesouro em se tratando de um autor que se recusou a falar qualquer coisa fora de seus livros. Os dois autores se conheceram por volta de 1955, na casa de Fernando Sabino, no Rio, quatro anos antes da estreia oficial de Trevisan na literatura com Novelas Nada Exemplares, de 1959.

Entre as diversas histórias que pairam a respeito de Dalton Trevisan, uma delas diz que o autor, exatamente como um vampiro, alimentava sua literatura com histórias contadas por gente que vivia no submundo curitibano. Eram outros que contavam a ele as histórias de assassinatos, brigas de casal e violência sexual que povoaram sua obra. 

Uma dessas figuras seria o cineasta Estevan Silveira. Dono de uma lotérica no centro de Curitiba, ele foi um dos poucos realizadores que levaram obras de Dalton Trevisan para o cinema – outro foi Joaquim Pedro de Andrade, que filmou Guerra Conjugal em 1975. Entre outros contos, Estevan filmou a ode Em Busca de Curitiba Perdida e o underground Lulu a Louca. Todos mantendo de forma literal o texto do escritor.

“Conheci o Dalton quando fui ver uma adaptação teatral de um de seus textos. Aí viramos amigos”, lembra Estevan. “É mito”, afirma com um riso irônico no rosto, ao ser questionado se era um “informante” de Trevisan na noite curitibana.

“Mas o próprio Dalton responde isso nos contos dele. É só ler Retrato 3 x 4”, ressalta sobre o texto que é uma espécie de anedotário com máximas a respeito da própria mitologia que cerca o autor. Nele, Trevisan escreve coisas como “o que não te contam, ouça atrás da porta”.

Se há um mistério sobre a origem das histórias de Trevisan, é mais que sabido que os amigos sempre foram “protótipos” para contos. Em uma época em que ainda não mantinha hábitos vampirescos, Trevisan circulava em rodas de escritores e cineastas de Curitiba. E retratou alguns amigos em contos.

O jornalista Carlos Alberto Pessoa era tão talentoso que virou o protagonista de O Pássaro de Cinco Asas, de 1979, um fã de Fellini e Bergman que, adulto, ainda vivia com a mãe. O escritor Jamil Snege, no mesmo livro, teria sido a inspiração para Eu, Bicha. E Fábio Campana estava em O Gatinho Perneta. Mas, claro, os inimigos também tiveram seu lugar na obra do autor. Hiena Papuda, já nos anos 2000, foi dedicado ao desafeto Miguel Sanches Neto

CURITIBA - O Vampiro de Curitiba não mora mais em seu castelo. O escritor Dalton Trevisan saiu da casa em que viveu décadas, na Rua Ubaldino do Amaral, e que ao longo dos anos se tornou um ponto turístico não oficial da capital paranaense, atraindo leitores em busca de uma aparição do recluso autor.

A casa, localizada no alto de um bairro chamado justamente Alto da Glória, se tornou incompatível com os 96 anos do autor – em 14 de junho ele faz aniversário. Mas, segundo a reportagem apurou, a mudança para um apartamento na Rua Doutor Muricy, no centro de Curitiba, ocorreu após um assaltante entrar na residência do escritor – o homem foi preso em flagrante. 

Flagrante raro do escritor Dalton Trevisan andando pelas ruas de Curitiba em 2009 Foto: Rodolfo Buhrer

Isso ocorreu no final de 2021. Mas como tudo que envolve o autor, a mudança de endereço se deu sem alarde. Nenhuma linha na imprensa curitibana. Quem soube, foi “de ouvir falar”. “Alguém me disse que há algum tempo ele foi assaltado lá na Ubaldino e que hoje ele mora num apartamento”, diz o escritor Cristóvão Tezza que, durante anos foi vizinho do Vampiro, mas que, por “acasos curitibanos, nunca tive propriamente contato com ele”.

Há décadas, são poucas as pessoas que têm acesso à vida íntima do autor. Alguns morreram recentemente, como o jornalista Fábio Campana (vítima da covid-19) e o livreiro Aramis Chain, cuja livraria era uma espécie de escritório informal de Trevisan – ele recebia correspondências e telefonemas por lá.

Hoje, são quatro ou cinco pessoas que convivem com o escritor, entre elas a jornalista e ex-editora da Gazeta do Povo Marleth Silva, o cineasta Estevan Silveira, o diretor teatral João Luiz Fiani e Constantino Viaro, proprietário de um museu que abriga as obras do pai, o pintor Guido Viaro, que foi amigo de Trevisan e colaborador da revista Joaquim, editada pelo escritor no final da década de 1940. Há ainda uma jovem chamada Fabiana Vieira, amiga e espécie de “secretária” informal do escritor, que mora no mesmo prédio para onde Trevisan se mudou. 

É um círculo restrito, mas fiel, que protege a privacidade do autor. A notícia sobre esta reportagem chegou ao ouvido do escritor mais rapidamente do que a leitura do menor de seus minicontos. “Dalton está tranquilo. A única preocupação das pessoas em torno dele é com o endereço”, afirma Marleth Silva. 

Apesar do traumático assalto à sua antiga casa, o autor segue bem de saúde. Conhecido por ser um andarilho contumaz de Curitiba, desde o início da pandemia praticamente não saiu mais de casa. O que o obrigou a fazer fisioterapia por conta de problemas de articulação. A alimentação, quase sem carne, é a mesma. 

De resto, segue se cuidando como fez a vida toda. Ele já tomou as três doses da vacina. Agora, parece estar mais animado em sair de casa, com o arrefecimento da pandemia. “Ele está ótimo de saúde. Creio que vai passar dos 100 anos – e assim espero”, completa Marleth. 

De família abastada, Dalton Trevisan nunca precisou da literatura para sobreviver – ainda que tenha vencido premiações polpudas, como o Prêmio Camões de 2012, o mais importante da língua portuguesa e que lhe rendeu 100 mil euros (quase R$ 600 mil em valores atualizados). 

Ele deu por encerrada sua carreira de escritor em 2014, com O Beijo na Nuca, uma coletânea de contos em que atualizava os vícios de seus personagens, alguns deles acometidos pelo crack.

'O Beijo na Nuca', de 2014,reúne 48 contos de Dalton Trevisan Foto: Editora Record

Trevisan, segundo os amigos, costuma falar que “depois dos 80 anos, ninguém escreve nada decente”. No entanto, ele continua a reescrever seus contos. Isso o fez retomar um costume antigo de reunir algumas histórias em caderninhos feitos de forma artesanal, parecidos com os cordéis nordestinos. A reportagem teve acesso a alguns deles.

“É uma forma de fazer os contos circularem”, conta Marleth. “O Dalton gosta da experiência de presentear com os caderninhos, de vê-los se esgotarem. Tudo muito informal. Como ele tem uma obra muito extensa, agora relê e redescobre.” Segundo a jornalista, o escritor prepara para breve uma nova publicação nesse formato.

Além da possibilidade de voltar a circular pela Curitiba que tanto retratou, a reedição de alguns de seus livros que estavam há anos fora de catálogo, tem animado Trevisan. Segundo a Record, editora do escritor, serão reeditados e terão versão em e-book as coletâneas Em Busca de Curitiba Perdida, 33 Contos Escolhidos e Contos Eróticos.

Dalton Trevisan e o cuidado com sua obra

Ao longo de sua trajetória, Dalton Trevisan manteve o controle total sobre sua obra. Ele escolhia as ilustrações para as capas – a esmagadora maioria assinada pelo amigo Poty Lazzarotto – e não deixava que uma vírgula sequer fosse trocada de lugar na edição final. Mas e quando ele morrer, quem cuidará de sua obra, já que só lhe restam uma filha, com quem é rompido, e uma neta? “Não sei se ele já deixou isso programado. Não sei mesmo. Espero que tenha pensado nisso ou que pense”, observa Marleth.

No entanto, Trevisan já doou para o Instituto Moreira Salles (IMS) cartas que trocou com Otto Lara Resende. São cerca de 600 correspondências. Um verdadeiro tesouro em se tratando de um autor que se recusou a falar qualquer coisa fora de seus livros. Os dois autores se conheceram por volta de 1955, na casa de Fernando Sabino, no Rio, quatro anos antes da estreia oficial de Trevisan na literatura com Novelas Nada Exemplares, de 1959.

Entre as diversas histórias que pairam a respeito de Dalton Trevisan, uma delas diz que o autor, exatamente como um vampiro, alimentava sua literatura com histórias contadas por gente que vivia no submundo curitibano. Eram outros que contavam a ele as histórias de assassinatos, brigas de casal e violência sexual que povoaram sua obra. 

Uma dessas figuras seria o cineasta Estevan Silveira. Dono de uma lotérica no centro de Curitiba, ele foi um dos poucos realizadores que levaram obras de Dalton Trevisan para o cinema – outro foi Joaquim Pedro de Andrade, que filmou Guerra Conjugal em 1975. Entre outros contos, Estevan filmou a ode Em Busca de Curitiba Perdida e o underground Lulu a Louca. Todos mantendo de forma literal o texto do escritor.

“Conheci o Dalton quando fui ver uma adaptação teatral de um de seus textos. Aí viramos amigos”, lembra Estevan. “É mito”, afirma com um riso irônico no rosto, ao ser questionado se era um “informante” de Trevisan na noite curitibana.

“Mas o próprio Dalton responde isso nos contos dele. É só ler Retrato 3 x 4”, ressalta sobre o texto que é uma espécie de anedotário com máximas a respeito da própria mitologia que cerca o autor. Nele, Trevisan escreve coisas como “o que não te contam, ouça atrás da porta”.

Se há um mistério sobre a origem das histórias de Trevisan, é mais que sabido que os amigos sempre foram “protótipos” para contos. Em uma época em que ainda não mantinha hábitos vampirescos, Trevisan circulava em rodas de escritores e cineastas de Curitiba. E retratou alguns amigos em contos.

O jornalista Carlos Alberto Pessoa era tão talentoso que virou o protagonista de O Pássaro de Cinco Asas, de 1979, um fã de Fellini e Bergman que, adulto, ainda vivia com a mãe. O escritor Jamil Snege, no mesmo livro, teria sido a inspiração para Eu, Bicha. E Fábio Campana estava em O Gatinho Perneta. Mas, claro, os inimigos também tiveram seu lugar na obra do autor. Hiena Papuda, já nos anos 2000, foi dedicado ao desafeto Miguel Sanches Neto

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