“O público jovem quer se sentir parte de algo”, afirma Samuel Coto, diretor editorial da HarperCollins Brasil. É com isso em mente que o grupo lança a editora Pitaya, seu selo para o segmento jovem adulto, um projeto que vem sendo preparado há dois anos e chega oficialmente ao mercado na Bienal do Livro de São Paulo, em setembro.
A criação do selo é mais um passo da editora, braço nacional da HarperCollins Publishers, a segunda maior casa editorial do mundo, em conquistar espaço com diferentes públicos leitores. Em atividade no Brasil desde 2015, a empresa chegou já com a aquisição da Thomas Nelson Brasil, selo religioso, e da Harlequin, com foco em romances românticos.
Em 2020, lançou o selo infantil HarperKids. Agora, com o lançamento da Pitaya, entra na concorrência com outros selos YA (do inglês “young adult”, que significa jovem adulto) já fortes entre leitores brasileiros, como Seguinte (Companhia das Letras), Globo Alt (Globo Livros) e Galera Record (Grupo Editorial Record).
“Temos diversos livros YA no catálogo da HarperCollins, que fazem sucesso também, mas entendíamos que a construção de um selo era fundamental para crescer e ganhar espaço, principalmente um selo que dialogasse especificamente com o público jovem brasileiro”, explica Coto, que foi promovido ao cargo de diretor editorial do grupo em 2023, após quatro anos à frente do selo Thomas Nelson Brasil.
Samuel Coto
A editora Pitaya começa com o lançamento de Coronel Mostarda Com o Castiçal na Biblioteca, romance nacional da paulista Juliana Giacobelli, de 35 anos. O livro venceu o Prêmio Amazon de Literatura Jovem 2024, realizado em parceria com a HarperCollins Brasil, e será a grande aposta do selo para a Bienal do Livro.
“É a realização de um sonho. Lembro que todas as vezes - todas as vezes mesmo - que eu entrava em uma livraria, eu pensava: ‘um dia’. Foram anos e anos, e finalmente vai acontecer”, diz a autora, que já tem outros seis livros publicados de forma independente. Saiba mais sobre o livro e sobre ela abaixo.
Outra aposta do selo é a fantasia Albatroz, da norte-americana Adrienne Young, sucesso de público no exterior. Além disso, livros antes publicados pela HarperCollins agora serão relançados pela editora Pitaya. Entre eles, O Fabricante de Lágrimas, da italiana Erin Doom, Imogen, obviamente, de Becky Albertalli, e a trilogia Cordialmente cruel, de Maureen Johnson.
Por que lançar um selo destinado ao público jovem?
Diferente de outros segmentos do mercado, o “young adult” não é um gênero literário e funciona mais como uma categoria. “É uma definição complexa. Cada editora vai ter seus recortes para entender onde começa um selo e onde termina outro”, diz Coto. “Nós entendemos como uma faixa jovem, adolescente, entrando na fase adulta da sua vida.”
O editor afirma que esse é o público “fomentador de tendências” para outros segmentos. “Um bom exemplo recente é a romantasia [união do romance romântico com fantasia], que está super na moda agora. É o resultado direto do que aconteceu com a fantasia YA dez anos atrás”, explica Coto.
Samuel Coto
Coto também destaca o engajamento dos adolescentes, algo percebido também por Juliana já como autora independente. “A literatura jovem adulta forma o leitor. Comigo foi assim, o meu primeiro grande ídolo foi o Pedro Bandeira. E o público juvenil é muito apaixonado. É muito gostoso receber o feedback e o carinho. Eu percebi muito isso com Coronel Mostarda Com o Castiçal na Biblioteca”, diz a escritora.
Outro fator está no crescimento da leitura entre jovens e adolescentes, algo que aparece em pesquisas sobre o mercado do livro desde 2016 e, segundo Coto, é refletido em números mercadológicos e na presença cada vez maior desses leitores nas grandes feiras literárias do Brasil, como a própria Bienal, e nas listas de mais vendidos.
“Pessoalmente, acho tem uma coisa que não é específica da cultura brasileira, mas é muito forte aqui, que é a leitura ser uma opção de identidade para o jovem. Uma parte grande do que queremos fazer com o nosso selo é isso”, afirma Coto. Ele também atribui esse crescimento ao próprio investimento e estratégias de marketing das editoras e, mais recentemente, ao fenômeno do BookTok, o nicho literário do TikTok.
O diferencial da editora Pitaya, entre os selos da HarperCollins Brasil, é a criação de uma identidade 100% brasileira: “A HarperCollins tem muitos selos YA no exterior. Tem selos norte-americanos e ingleses que poderíamos ‘pegar emprestado’ e trazer para o Brasil, como fizemos com a nossa linha infantil. Mas entendemos que, para o Brasil e, principalmente, para esse público jovem, uma marca que dialogasse mais e que as pessoas pudessem se sentir mais próximas era super importante”, explica o diretor editorial do grupo.
Largada com livro nacional
Ter o romance de Juliana Giacobelli como ponto de partida para a Editora Pitaya é uma forma de mostrar que o selo pretende investir na literatura nacional. Para Coto, a ficção literária tem uma tradição ampla no Brasil, mas a ficção comercial ainda está no processo de consolidação de forma geral, de fortalecimento no mercado e formação de autores.
“Não quer dizer que não existam. A Thalita Rebouças está aí fazendo livro para a jovens há duas décadas para provar isso. Mas, como um todo, não é algo super amadurecido. Honestamente, o que falta é investimento, visão, o entendimento de que um livro escrito por um autor nacional é muito mais representativo, ainda mais num segmento em que a identidade é tão forte”, diz ele.
É o caso de Coronel Mostarda Com o Castiçal na Biblioteca. Inicialmente publicado na plataforma Kindle Direct Publishing (KDP), o livro conta a história de Vicente, jovem apaixonado pelo melhor amigo, Davi. Alguns dias depois da formatura do Ensino Médio, os dois vão ao sítio dos tios de Davi e jogam uma partida de Detetive que traz à tona os sentimentos nutridos ao longo de dez anos.
Natural de São Paulo, Juliana hoje mora em Jundiaí e é professora de inglês, mas sonha em poder viver da escrita. Mal acreditou quando soube que seu livro era finalista do Prêmio Amazon de Literatura Jovem, menos ainda quando descobriu a vitória. Os jurados foram os escritores Vitor Martins (Um Milhão de Finais Felizes, Globo Alt) e Stefano Volp (Homens Pretos (Não) Choram, HarperCollins Brasil).
Samuel Coto
“Me considero uma pessoa assexual, então faço parte da comunidade LGBT+. Por muito tempo, não tivemos representatividade em nenhum livro. A literatura LGBT+ teve o primeiro momento de falarmos de preconceito e problemas, mas agora estamos no momento de escrever livros felizes com protagonismo LGBT+. Eu acredito muito nisso”, afirma a autora.
Ela acredita que a autopublicação foi o primeiro passo para conquistar o sonho de chegar a uma editora tradicional. Samuel Coto concorda, afirmando que esse recurso “ajuda as pessoas a amadurecerem como escritores, como formadores de opinião e a construir uma plataforma”, mas que também depende das editoras investirem nestes escritores. “As pessoas estão dando passos, mas elas estão dando passos sozinhas. O que precisamos fazer como indústria é dar a mão para esses autores.”
“Acho importante dizer aos autores independentes para não desistirem. É difícil mesmo, vamos buscando buscando leitor por leitor, cada página lida é uma vitória, mas dá para chegar lá. As editoras estão vendo o poder que a literatura brasileira tem e espero que as portas se abram cada vez mais”, finaliza Juliana.