Devaneios de Júpiter Maçã são externados em livro


Artista gaúcho, morto em 2015, deixou publicação com seus depoimentos

Por Alberto Bombig

Num amanhecer em julho de 2014, Júpiter Maçã, estirado no sofá, observava uma moça dançando só de calcinha, se esgueirando entre cortinas e escombros de uma balada paulistana. “Eu quero que a minha biografia comece com este momento, esta cena”, disse ele a seu biógrafo, que estava sentado ao lado. O livro sobre a vida, os excessos e os delírios do cantor, compositor e cineasta, que será lançado hoje em São Paulo, começa de um jeito diferente, porém mantém o lirismo e a pegada rocker daquele momento.

A Odisseia – Memórias e Devaneios de Júpiter Apple (Azougue Editorial), em coautoria com o jornalista, escritor e músico Juli Manzi, tem início justamente no nascimento de Flávio Basso, em 1968, em Porto Alegre, e termina na morte de Júpiter Maçã Apple, em dezembro do ano passado. Apesar de tão óbvio, o início está longe de ser convencional. Logo de cara, o leitor é apresentado aos delírios ficcionais do narrador-depoente, que relata ter recebido a visita dos Rolling Stones ainda na maternidade. “É um livro de memórias ficcionais, digamos assim. Abrange toda a vida dele e todas as fases da obra, da psicodelia ao final beatnik”, afirma Manzi.

“Aí esses dois cabeludinhos (Jagger e Richards) entraram na maternidade e eu lembro, apesar de ser um bebê recém-nascido, que tinha uns caras com uns terninhos e uns cabelinhos, bem perfumados, usavam um perfume puxado!”, conforme trecho em que o narrador fala de seu nascimento.

continua após a publicidade
Júpiter. Livro de memórias ficcionais, que inclui da psicodelia ao final beatnik Foto: JF Diorio/Estadão

Basso adotou o nome Júpiter Maçã no final dos anos 1990, quando alcançou relativo sucesso no rock brasileiro com o disco A Sétima Efervescência (1997), calcado em Pink Floyd e em outras referências do mundo psicodélico e experimental. As Tortas e as Cucas, Um Lugar do Caralho, Eu e Minha Ex e Essência Interior estão entre as faixas desse trabalho, considerado marco do rock gaúcho e um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos.

Antes da carreira solo, ele já havia influenciado uma geração de músicos e adolescentes com as bandas TNT e Os Cascavelletes, nos anos 1980. Na primeira década deste século, começou a compor em inglês e acrescentou o Apple ao nome, em trabalhos cada vez mais experimentais. Tornou-se reverenciado por gente importante e pela cena indie nacional e internacional. Jamais ganhou muito dinheiro. Em 2012, caiu da janela de um prédio e ficou dois anos afastado de palcos e estúdios, até ser resgatado, um tanto debilitado, em São Paulo, pelo pessoal da Hard House, uma casa de artistas onde Júpiter passou uns tempos e onde os destinos dele e de Manzi se cruzaram. Morreu faz quase um ano, aos 47 anos, vítima de enfarte. Uma verdadeira odisseia.

continua após a publicidade

Em seu relato, Júpiter Maçã é direto ao abordar os excessos e excentricidades de sua trajetória, no melhor estilo sexo, drogas e rock’n’roll consagrado pela literatura norte-americana, de Charles Bukowski a Hunter S. Thompson: “Nessa época que participei das filmagens de Kreoko, eu tava tomando cerca de oito Diazepans por dia, cheirando muita coke e bebendo muita cachaça. Não sabia direito o que tava acontecendo ao meu redor”.

Não bastassem essas aventuras vividas em Porto Alegre, São Paulo e no exterior, o livro revela uma prosa fluente, quase psicanalítica. Como neste trecho: “Morar em hotel representa morar dentro do conto dum escritor solitário, que eu não sou, por sinal, tanto é que estou trabalhando com um ghost-writer, mas sou um poeta. Então, morar num hotel é quando um poeta mora dentro da sua própria poesia e, simplesmente, não consegue fugir”.

“Começamos a nos encontrar já no segundo semestre de 2014. Quase sempre deitado em um divã, ele foi contando tudo. Ele tinha um talento literário sensacional”, afirma Manzi.

continua após a publicidade

O livro serve também como espécie de enciclopédia para os amantes da cultura pop: “As gavetas de Keith Richards, John Lennon, Brian Jones e Syd Barrett, essas são as minhas principais influências, e são guitarristas esquisitos. Geralmente, as pessoas falam de Jimmy Page, de Slash, e dizem que querem tocar como Kurt Cobain, com sua distorção e dissonância”.

A Odisseia será também um importante documento sobre a cena musical brasileira da virada do século, especialmente a fase que compreende o surgimento do manguebeat e o declínio das grandes gravadoras, com a falta de grana e de perspectivas dos artistas, os perrengues, de quem não se rendeu ao mercado e aos modismos.

Terminado o relato vigoroso de Júpiter Maçã, Juli Manzi mantém o vigor e a verve com um posfácio no qual relata detalhes do projeto e sua convivência com o artista: “Encerramos ali o conteúdo deste livro. Eu imprimi o que estava pronto até então, mais ou menos a metade da nossa obra literária, e entreguei para ele. Quando levantei para ir ao banheiro, na manhã seguinte, bem cedo, ele estava sentado no sofá com um sorriso malandro estampado no rosto, só me esperando passar, e disse: ‘Acabei de ler o livro’. Ele estava muito feliz e satisfeito”. “Ele chegou a falar que ia deixar esse livro como legado”, afirma Manzi.A ODISSEIAAutores: Júpiter Maçã e Juli ManziEditora: Azougue (154 págs., R$ 44)Lançamento com show de Juli Manzi, Bárbara Eugênia e músicos que tocaram com Júpiter Maçã. Sábado, 20h, no Sensorial (Rua Augusta, 2.389). Grátis

continua após a publicidade

Num amanhecer em julho de 2014, Júpiter Maçã, estirado no sofá, observava uma moça dançando só de calcinha, se esgueirando entre cortinas e escombros de uma balada paulistana. “Eu quero que a minha biografia comece com este momento, esta cena”, disse ele a seu biógrafo, que estava sentado ao lado. O livro sobre a vida, os excessos e os delírios do cantor, compositor e cineasta, que será lançado hoje em São Paulo, começa de um jeito diferente, porém mantém o lirismo e a pegada rocker daquele momento.

A Odisseia – Memórias e Devaneios de Júpiter Apple (Azougue Editorial), em coautoria com o jornalista, escritor e músico Juli Manzi, tem início justamente no nascimento de Flávio Basso, em 1968, em Porto Alegre, e termina na morte de Júpiter Maçã Apple, em dezembro do ano passado. Apesar de tão óbvio, o início está longe de ser convencional. Logo de cara, o leitor é apresentado aos delírios ficcionais do narrador-depoente, que relata ter recebido a visita dos Rolling Stones ainda na maternidade. “É um livro de memórias ficcionais, digamos assim. Abrange toda a vida dele e todas as fases da obra, da psicodelia ao final beatnik”, afirma Manzi.

“Aí esses dois cabeludinhos (Jagger e Richards) entraram na maternidade e eu lembro, apesar de ser um bebê recém-nascido, que tinha uns caras com uns terninhos e uns cabelinhos, bem perfumados, usavam um perfume puxado!”, conforme trecho em que o narrador fala de seu nascimento.

Júpiter. Livro de memórias ficcionais, que inclui da psicodelia ao final beatnik Foto: JF Diorio/Estadão

Basso adotou o nome Júpiter Maçã no final dos anos 1990, quando alcançou relativo sucesso no rock brasileiro com o disco A Sétima Efervescência (1997), calcado em Pink Floyd e em outras referências do mundo psicodélico e experimental. As Tortas e as Cucas, Um Lugar do Caralho, Eu e Minha Ex e Essência Interior estão entre as faixas desse trabalho, considerado marco do rock gaúcho e um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos.

Antes da carreira solo, ele já havia influenciado uma geração de músicos e adolescentes com as bandas TNT e Os Cascavelletes, nos anos 1980. Na primeira década deste século, começou a compor em inglês e acrescentou o Apple ao nome, em trabalhos cada vez mais experimentais. Tornou-se reverenciado por gente importante e pela cena indie nacional e internacional. Jamais ganhou muito dinheiro. Em 2012, caiu da janela de um prédio e ficou dois anos afastado de palcos e estúdios, até ser resgatado, um tanto debilitado, em São Paulo, pelo pessoal da Hard House, uma casa de artistas onde Júpiter passou uns tempos e onde os destinos dele e de Manzi se cruzaram. Morreu faz quase um ano, aos 47 anos, vítima de enfarte. Uma verdadeira odisseia.

Em seu relato, Júpiter Maçã é direto ao abordar os excessos e excentricidades de sua trajetória, no melhor estilo sexo, drogas e rock’n’roll consagrado pela literatura norte-americana, de Charles Bukowski a Hunter S. Thompson: “Nessa época que participei das filmagens de Kreoko, eu tava tomando cerca de oito Diazepans por dia, cheirando muita coke e bebendo muita cachaça. Não sabia direito o que tava acontecendo ao meu redor”.

Não bastassem essas aventuras vividas em Porto Alegre, São Paulo e no exterior, o livro revela uma prosa fluente, quase psicanalítica. Como neste trecho: “Morar em hotel representa morar dentro do conto dum escritor solitário, que eu não sou, por sinal, tanto é que estou trabalhando com um ghost-writer, mas sou um poeta. Então, morar num hotel é quando um poeta mora dentro da sua própria poesia e, simplesmente, não consegue fugir”.

“Começamos a nos encontrar já no segundo semestre de 2014. Quase sempre deitado em um divã, ele foi contando tudo. Ele tinha um talento literário sensacional”, afirma Manzi.

O livro serve também como espécie de enciclopédia para os amantes da cultura pop: “As gavetas de Keith Richards, John Lennon, Brian Jones e Syd Barrett, essas são as minhas principais influências, e são guitarristas esquisitos. Geralmente, as pessoas falam de Jimmy Page, de Slash, e dizem que querem tocar como Kurt Cobain, com sua distorção e dissonância”.

A Odisseia será também um importante documento sobre a cena musical brasileira da virada do século, especialmente a fase que compreende o surgimento do manguebeat e o declínio das grandes gravadoras, com a falta de grana e de perspectivas dos artistas, os perrengues, de quem não se rendeu ao mercado e aos modismos.

Terminado o relato vigoroso de Júpiter Maçã, Juli Manzi mantém o vigor e a verve com um posfácio no qual relata detalhes do projeto e sua convivência com o artista: “Encerramos ali o conteúdo deste livro. Eu imprimi o que estava pronto até então, mais ou menos a metade da nossa obra literária, e entreguei para ele. Quando levantei para ir ao banheiro, na manhã seguinte, bem cedo, ele estava sentado no sofá com um sorriso malandro estampado no rosto, só me esperando passar, e disse: ‘Acabei de ler o livro’. Ele estava muito feliz e satisfeito”. “Ele chegou a falar que ia deixar esse livro como legado”, afirma Manzi.A ODISSEIAAutores: Júpiter Maçã e Juli ManziEditora: Azougue (154 págs., R$ 44)Lançamento com show de Juli Manzi, Bárbara Eugênia e músicos que tocaram com Júpiter Maçã. Sábado, 20h, no Sensorial (Rua Augusta, 2.389). Grátis

Num amanhecer em julho de 2014, Júpiter Maçã, estirado no sofá, observava uma moça dançando só de calcinha, se esgueirando entre cortinas e escombros de uma balada paulistana. “Eu quero que a minha biografia comece com este momento, esta cena”, disse ele a seu biógrafo, que estava sentado ao lado. O livro sobre a vida, os excessos e os delírios do cantor, compositor e cineasta, que será lançado hoje em São Paulo, começa de um jeito diferente, porém mantém o lirismo e a pegada rocker daquele momento.

A Odisseia – Memórias e Devaneios de Júpiter Apple (Azougue Editorial), em coautoria com o jornalista, escritor e músico Juli Manzi, tem início justamente no nascimento de Flávio Basso, em 1968, em Porto Alegre, e termina na morte de Júpiter Maçã Apple, em dezembro do ano passado. Apesar de tão óbvio, o início está longe de ser convencional. Logo de cara, o leitor é apresentado aos delírios ficcionais do narrador-depoente, que relata ter recebido a visita dos Rolling Stones ainda na maternidade. “É um livro de memórias ficcionais, digamos assim. Abrange toda a vida dele e todas as fases da obra, da psicodelia ao final beatnik”, afirma Manzi.

“Aí esses dois cabeludinhos (Jagger e Richards) entraram na maternidade e eu lembro, apesar de ser um bebê recém-nascido, que tinha uns caras com uns terninhos e uns cabelinhos, bem perfumados, usavam um perfume puxado!”, conforme trecho em que o narrador fala de seu nascimento.

Júpiter. Livro de memórias ficcionais, que inclui da psicodelia ao final beatnik Foto: JF Diorio/Estadão

Basso adotou o nome Júpiter Maçã no final dos anos 1990, quando alcançou relativo sucesso no rock brasileiro com o disco A Sétima Efervescência (1997), calcado em Pink Floyd e em outras referências do mundo psicodélico e experimental. As Tortas e as Cucas, Um Lugar do Caralho, Eu e Minha Ex e Essência Interior estão entre as faixas desse trabalho, considerado marco do rock gaúcho e um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos.

Antes da carreira solo, ele já havia influenciado uma geração de músicos e adolescentes com as bandas TNT e Os Cascavelletes, nos anos 1980. Na primeira década deste século, começou a compor em inglês e acrescentou o Apple ao nome, em trabalhos cada vez mais experimentais. Tornou-se reverenciado por gente importante e pela cena indie nacional e internacional. Jamais ganhou muito dinheiro. Em 2012, caiu da janela de um prédio e ficou dois anos afastado de palcos e estúdios, até ser resgatado, um tanto debilitado, em São Paulo, pelo pessoal da Hard House, uma casa de artistas onde Júpiter passou uns tempos e onde os destinos dele e de Manzi se cruzaram. Morreu faz quase um ano, aos 47 anos, vítima de enfarte. Uma verdadeira odisseia.

Em seu relato, Júpiter Maçã é direto ao abordar os excessos e excentricidades de sua trajetória, no melhor estilo sexo, drogas e rock’n’roll consagrado pela literatura norte-americana, de Charles Bukowski a Hunter S. Thompson: “Nessa época que participei das filmagens de Kreoko, eu tava tomando cerca de oito Diazepans por dia, cheirando muita coke e bebendo muita cachaça. Não sabia direito o que tava acontecendo ao meu redor”.

Não bastassem essas aventuras vividas em Porto Alegre, São Paulo e no exterior, o livro revela uma prosa fluente, quase psicanalítica. Como neste trecho: “Morar em hotel representa morar dentro do conto dum escritor solitário, que eu não sou, por sinal, tanto é que estou trabalhando com um ghost-writer, mas sou um poeta. Então, morar num hotel é quando um poeta mora dentro da sua própria poesia e, simplesmente, não consegue fugir”.

“Começamos a nos encontrar já no segundo semestre de 2014. Quase sempre deitado em um divã, ele foi contando tudo. Ele tinha um talento literário sensacional”, afirma Manzi.

O livro serve também como espécie de enciclopédia para os amantes da cultura pop: “As gavetas de Keith Richards, John Lennon, Brian Jones e Syd Barrett, essas são as minhas principais influências, e são guitarristas esquisitos. Geralmente, as pessoas falam de Jimmy Page, de Slash, e dizem que querem tocar como Kurt Cobain, com sua distorção e dissonância”.

A Odisseia será também um importante documento sobre a cena musical brasileira da virada do século, especialmente a fase que compreende o surgimento do manguebeat e o declínio das grandes gravadoras, com a falta de grana e de perspectivas dos artistas, os perrengues, de quem não se rendeu ao mercado e aos modismos.

Terminado o relato vigoroso de Júpiter Maçã, Juli Manzi mantém o vigor e a verve com um posfácio no qual relata detalhes do projeto e sua convivência com o artista: “Encerramos ali o conteúdo deste livro. Eu imprimi o que estava pronto até então, mais ou menos a metade da nossa obra literária, e entreguei para ele. Quando levantei para ir ao banheiro, na manhã seguinte, bem cedo, ele estava sentado no sofá com um sorriso malandro estampado no rosto, só me esperando passar, e disse: ‘Acabei de ler o livro’. Ele estava muito feliz e satisfeito”. “Ele chegou a falar que ia deixar esse livro como legado”, afirma Manzi.A ODISSEIAAutores: Júpiter Maçã e Juli ManziEditora: Azougue (154 págs., R$ 44)Lançamento com show de Juli Manzi, Bárbara Eugênia e músicos que tocaram com Júpiter Maçã. Sábado, 20h, no Sensorial (Rua Augusta, 2.389). Grátis

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.