Os números estrondosos de seus três livros - mais de 3 milhões de exemplares vendidos no mundo, 80 mil no Brasil - convenceram o apresentador britânico Richard Osman a trocar o programa Pointless, que ele comandava na BBC havia 13 anos, pela literatura. Tudo por causa de seus personagens, quatro idosos que se reúnem às quintas-feiras em um retiro para aposentados no sudeste da Inglaterra, onde insistem em resolver investigações policiais.
O primeiro livro, O Clube do Crime das Quintas-Feiras (Intrínseca) foi publicado em 2020 e apresentou Elizabeth, Ibrahim, Joyce e Ron, o quarteto que, por diversão, discute casos policiais antigos. O assassinato de um empreiteiro local, porém, oferece ao grupo sua primeira grande oportunidade de investigação real. “Personagens mais velhos viveram longas existências, o que é perfeito para resolver um assassinato”, diz Osman, de 52 anos, ao Estadão, em entrevista exclusiva.
Seguiram os livros O Homem Que Morreu Duas Vezes (2021) e A Bala Que Errou o Alvo (2022), que consolidaram Osman como autor de “cozy mysteries”, subgênero literário que substitui cenas violentas por histórias com doses reconfortantes de empatia e otimismo. Sobre o assunto, ele respondeu a essas questões.
Joyce é uma mulher de 78 anos, e parece que você entra facilmente na cabeça dela. É difícil escrever do ponto de vista feminino?
Cresci cercado de mulheres fortes, então é fácil me relacionar com Joyce e Elizabeth. Joyce lembra minha mãe às vezes, então é sempre divertido escrever sobre ela. Quando tenho bloqueio de escritor, acho mais fácil escrever uma cena de Joyce - eu realmente recomendo passar um tempo na mente de uma mulher de 70 e poucos anos!
Personagens mais velhos têm o conhecimento ideal para solucionar crimes?
É divertido ter personagens mais velhos porque viveram longas existências, recheadas de diferentes experiências que são perfeitas para resolver um assassinato. Às vezes, esquecemos que o senhor mais velho da casa ao lado trabalhava como médico, a mulher da rua era uma cantora internacional ou o casal que encontramos na rua eram, na verdade, dois espiões! Sempre fico maravilhado ao ouvir histórias de vida das gerações mais velhas, porque há muito conhecimento e experiência ali. Quando acontece um assassinato, quero um aposentado na minha equipe para resolver o caso.
Que tipos de desafios de escrita você abraça?
Gosto de escrever sobre meus personagens em situações difíceis. Geralmente me envolvo na aventura com eles, mas então percebo que sou eu quem deve tirá-los dela. É divertido ser criativo e encontrar soluções para os enigmas em que o Clube do Crime das Quintas-feiras se mete. Também acho interessante como é um processo solitário - foi um desafio para mim depois de trabalhar com muitas pessoas na produção de um programa de TV.
Quando começa a escrever, quanto você sabe sobre a história e os personagens e quanto disso vem do processo de experimentação durante a escrita?
Conheço bem meus personagens, então sei como vão se comportar, que frases engraçadas vão dizer e como eles gostam de suas xícaras de chá. No entanto, gosto de deixar o enredo me surpreender. Como estou junto com meus personagens, é divertido ver para aonde vamos. Recentemente, por exemplo, fui a um spa e passei o tempo todo planejando uma cena com um dos meus personagens, de como eles reagiriam a uma ida a um spa - eles moram comigo.
Você acredita que os romancistas têm uma obrigação moral com seus personagens e com seus leitores?
Tento permanecer fiel ao espírito de meus personagens e mantê-los na linha se forem longe demais - embora isso esteja ficando cada vez mais difícil com Elizabeth. Os escritores devem sempre ser capazes de usar o elemento-surpresa, mas isso nunca deve levar a um sentimento de traição. Como autor, quero que meus leitores sintam que estão em boas mãos. É por isso que recorro aos meus escritores policiais favoritos o tempo todo. Fico feliz em sentir perigo, mas sempre sei que, como autor, vou saber me guiar até o fim.
Você se vê como um escritor político ou sente que os escritores são criaturas de fato políticas?
Todos temos coisas a dizer, mas os escritores são únicos porque podem usar uma plataforma para a voz que não é a mais barulhenta online ou na sociedade. Os leitores podem se conectar com diferentes pontos de vista por meio das histórias que, espero, ajudem mais pessoas a se conectar, ouvir e ter empatia com os outros - o que a política, aliás, precisa um pouco mais hoje em dia.
Você já mudou conscientemente seu estilo de vida para ajudar seu trabalho como escritor?
Recentemente, ganhei uma gata, que é a melhor coisa que já aconteceu com minha escrita. Liesl me mantém informado sobre os prazos e me encoraja a fazer minhas edições. Ela também me avisa quando é hora de parar de escrever durante o dia - que normalmente é na hora do jantar.
Que tipo de relação existe entre escritores e seus personagens?
Vejo os membros do Clube do Crime das Quintas-Feiras como meus amigos e constantemente me pergunto o que eles fariam em situações semelhantes às minhas. Eu me pergunto que travessuras Elizabeth poderia inventar para me tirar de uma reunião chata, ou qual bolo seria o preferido de Joyce no café local. Foi divertido postar na conta do Instagram de Joyce. Isso a faz parecer ainda mais real para mim e para os leitores. Os personagens são muito reais para mim, especialmente agora que estou escrevendo o quarto livro, já que passei muito tempo com eles.
Qual a importância da perspectiva do narrador?
O narrador é o seu guia através da história e sempre quero confiar nele, mas às vezes gosto de um narrador não confiável. Adoro o elemento-surpresa e o uso frequentemente em meus livros para manter os leitores na dúvida.
Existe um parentesco entre a literatura de suspense e a psicanálise, no sentido de que sempre há, em ambas, uma verdade oculta a ser desvendada?
Como leitores, estamos sempre procurando a verdade no final da história. Gostamos de saber que estamos seguros e que a lógica prevalecerá, mas gostamos de um pouco de mistério e assassinato ao mesmo tempo. Não tenho certeza do que isso diz sobre nós!