Editora Isa Pessoa encerra a Foz, deixa o Rio e assume a Tordesilhas


Ex-Objetiva e fundadora da Foz, a jornalista carioca começa, nesta semana, seu novo trabalho como diretora editorial da Tordesilhas, que passará por uma grande reformulação

Por Maria Fernanda Rodrigues

Quando a editora Isa Pessoa escreveu o texto da quarta capa do livro Amyr Klink – Não há Tempo a Perder, ela falava sobre o navegador que tanto admirava, a quem procurou com a proposta de escrever, a partir do depoimento dele, uma biografia. Este seria o livro salvador de sua editora Foz, que estava na corda bamba. “Mesmo as ideias mais absurdas podem se tornar factíveis”, começa assim o texto. Mais adiante: “Não há tempo a perder. Sorte é algo que a gente constrói, a vida é curta para repetir caminhos”. E encerra dizendo que aquele é um livro sobre “nossa misteriosa capacidade de começar, realizar e concluir”.

Falava dele, mas, depois de tudo o que aconteceu entre o lançamento, em dezembro de 2016, desse livro que ela não publicou pela Foz – portanto, que não salvou sua editora – e o início, nesta semana, de um novo desafio profissional na Tordesilhas, podemos fazer um paralelo com sua trajetória.

Isa Pessoa ajudou a transformar a Objetiva numa das principais editoras do País; Cestaro quer catálogo com vigor comercial Foto: Rafael Arbex/Estadão
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Jornalista com passagens pelo jornal O Globo e pela TV Globo, de onde saiu em 1994 para trabalhar na então diminuta Objetiva, de Roberto Feith, que ajudaria a transformar numa das principais editoras do País, Isa decidiu, depois de 17 anos à frente da publicação de autores brasileiros na casa carioca, encerrar o ciclo e ser dona de sua própria editora

+++ Penguin Random House adquire a Objetiva +++ Roberto Feith deixa a diretoria da Objetiva

“Havia uma vontade de publicar com grande qualidade e ter autores fortes. Investi muito nessa ideia, mas o processo econômico não foi muito feliz. Além de tudo, enfrentei a recessão e o impacto muito forte desse abismo econômico que se abriu no terreno do País e afetou dolorosamente as editoras. E eu tinha um projeto educacional digital que ruiu com o projeto educacional da nação”, conta a editora ao Estado. Em 2011, o Governo anunciou que compraria 600 mil tablets para professores, o que animou o mercado editorial. A coleção digital de Isa, com conteúdo baseado em música brasileira, contava até com Chico Buarque.

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Pela Foz, desde 2012, saíram obras de Marcelo Rubens Paiva, Francisco Bosco, Ruy Castro, Nelson Motta, Paula Fábrio. Saiu, também, Sob Pressão – A Rotina de um Médico Brasileiro, de Marcio Maranhão e Karla Monteiro, que virou filme e série de TV. E sairia o livro de Amyr Klink.

Ao final do processo de edição da obra que daria, enfim, um respiro à Foz, Isa Pessoa chegou a um impasse: mandar imprimir uma tiragem de 5 mil exemplares, que era o que ela podia bancar naquele momento crítico? Para ela, a tiragem inicial daquele livro deveria ser de 20 mil cópias. Comentou o assunto com Marina Klink, mulher do navegador, que a apresentou para Antonio Cestaro, diretor-geral do Grupo Alaúde.

Começar, realizar, concluir. Com Amyr Klink – Não Há Tempo a Perder nas livrarias estampando os selos da Foz e da Tordesilhas, o braço literário da Alaúde, veio, no final de 2017, o convite de Cestaro para Isa Pessoa, aceito de bom grado pela editora carioca. Emprego formal de novo, dedicação exclusiva. Nova diretora editorial da Tordesilhas, ela, que já está instalada em São Paulo, vai ajudar na reformulação do catálogo da casa que publicou, entre outros, a Nobel Elfriede Jelinek, Edgar Allan Poe, Pirandello, Yan Martel e Glauco Mattoso.

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Isa volta ao posto de diretora editorial ao mesmo tempo em que retorna também às suas origens jornalísticas. Mas os caminhos são outros.

“Hoje, o selo Tordesilhas atua só na área de ficção. O primeiro passo será explorar novas linhas de atuação, abrir o espectro e explorar o gênero da não ficção em suas vertentes mais quentes: o livro-reportagem, as biografias”, adianta a editora. “Minha formação jornalística ajuda a perceber o que é tema passível de uma investigação mais profunda que pode se transformar em livro”, completa.

Ficção continua no radar, mas uma ficção mais comercial, de entretenimento. E este será um dos maiores desafios da editora, responsável, na época da Objetiva, pela edição de autores brasileiros mais literários.

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O trabalho começa oficialmente nesta semana, mas já há projetos em andamento e autores sendo procurados. “A estratégia será buscar novos autores, profissionais com experiência em suas áreas de atuação para explorar temas quentes”, diz.

O jornalista Tom Cardoso, autor de O Cofre do Dr. Rui e da biografia de Sócrates, entre outros, já trabalha num livro sobre Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro. “Se Não Fosse o Cabral vai ser a biografia desse que é um dos maiores ladrões da história. Tom já apurou, foi diversas vezes ao Rio, pesquisou a infância e juventude, e descobriu que desde pequenininho o menino trapaceava nas provas de português e matemática. Ele tinha a sua turma e a predisposição de criar sua família de amigos. Isso foi um traço”, adianta.

O lançamento deve ficar para o segundo semestre, quando também vai sair um livro ainda sem título com depoimentos de Ney Matogrosso. O poeta Ramon Nunes Mello já começou as pesquisas na Biblioteca Nacional e, a partir de declarações colhidas em entrevistas dadas pelo cantor sobre assuntos diversos, ele se reunirá com Ney para confirmar ou atualizar essas opiniões. “Conseguir aprofundar reflexões que algumas pessoas importantes fazem sobre o Brasil num momento difícil desses também é um gênero que pretendemos explorar bem”, explica.

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O terceiro projeto que Isa Pessoa adianta, e que será possível porque Fernando Ullmann, diretor presidente da Ipsis Gráfica e Editora, é cotista da Tordesilhas, vai ser a criação de uma coleção de livros de fotografia de alta qualidade gráfica e preço compatível com o bolso do brasileiro. A ideia é publicar “séries temáticas de fotógrafos especiais”. O primeiro, de Ricardo Stuckert, fotógrafo da Presidência entre 2003 e 2011, é o resultado de sua vasta pesquisa em aldeias indígenas. Sairá em março e deve ser o primeiro título da nova Tordesilhas. 

“O grupo tem uma atuação muito organizada em duas áreas complicadas: comercialização e distribuição. E é uma empresa que nunca fechou no vermelho, nem mesmo em 2016, um ano crítico. Vai ser uma pista potente para voos mais seguros”, diz Isa, que, com o início desse novo ciclo, encerra a Foz – ela, aliás, se transforma, agora, numa promotora de eventos. “Sempre fica uma frustração, mas o desfecho não poderia ter sido mais favorável.”

Catálogo vai abordar questões que incomodam o mundo A história da Alaúde remonta à 1997, quando ela começou a fazer produção editorial para terceiros, além de revistas e outros tipos de conteúdos. O primeiro livro com selo próprio, feito para livrarias, só foi publicado em 2004. De lá para cá, a editora fundada pelo paranaense Antonio Cestaro se tornou referência em livros sobre automobilismo e, mais recentemente, também sobre alimentação. 

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Ao longo dos anos, ela criou os selos Tordesilhas, para ficção literária, Tordesilhinhas, para literatura infantil, e Pavana, para infantojuvenil. Mas é o catálogo da Alaúde, que edita ainda obras sobre saúde (do corpo e da mente), que mantém a editora. Seus livros estão em livrarias tradicionais, onde foi registrado, em 2017, um crescimento de 16% no faturamento, e são vendidos também em bancas, restaurantes e por catálogo. 

O best-seller da editora, aliás, é O Poder dos Sucos, com cerca de 720 mil exemplares comercializados no sistema porta a porta. Olhando apenas os números das livrarias, os títulos mais vendidos são o livro de colori O Jardim Encantado (135 mil), Contos de Imaginação e Mistério, de Edgar Allan Poe (73.200) e Supercérebro, de Deepak Chopra (61.500).

A reestruturação da Tordesilhas, agora, é uma tentativa de Antonio Cestaro, fundador e diretor-geral da casa, de tornar o selo criado em 2011 autossuficiente. “É impossível ter uma editora que só faça alta literatura e fechar a conta. Mantendo a qualidade editorial, vamos mesclar com uma literatura que trata de temas mais populares e aborda as questões que estão incomodando o mundo”, diz Cestaro – ele, que passou pela gráfica do Estado no início da carreira, é também escritor e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura no ano passado, na categoria autor estreante com mais de 40 anos, com o romance Arco de Virar Réu.

E o que esperar da nova Tordesilhas? “Uma editora mais vigorosa e capacitada para buscar novos segmentos de atuação. Ela está vestindo uma roupa nova, menos formal e mais identificada com os grandes temas e discussões que movem o mundo na atualidade. Sua atuação se amplia e abre espaços para a publicação de autores e personalidades reconhecidos pelos seus trabalhos, tanto na ficção como na não ficção”, responde.

+++ Literatura em 2017: ano marcado pelo aumento de 6% nas vendas e despedida de Antonio Candido +++ Mercado editorial encolhe mais de 20% em três anos, revela Fipe +++ 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura

Toda essa movimentação foi iniciada num ano ainda crítico para o mercado editorial. Um ano “cansativo e difícil”, nas palavras do editor. “O resultado é que o Brasil inteiro está ansioso para enxergar sinais seguros de que o País vai sair do atoleiro e retomar o crescimento – gerar empregos, normalizar o consumo e trazer novamente a esperança no futuro”, diz. E por que mexer na estrutura num momento como esse? “A leitura que faço é que o momento é apropriado para investir, amadurecer projetos e se preparar para a retomada do crescimento. Fazer isso sem desprezar o risco, mas considerando que a falta de iniciativa e determinação pode também cobrar o seu preço ou, no mínimo, esfriar o negócio.”

Cestaro conta que a editora passou pela crise de 2017 sem perder a capacidade produtiva. “Apesar da má visibilidade de médio e longo prazo sobre uma retomada consistente e duradoura da economia, alguns sinais positivos já permitem que se possa nutrir certo otimismo e trabalhar na viabilização de novas ideias, novos projetos”, conclui. 

Quando a editora Isa Pessoa escreveu o texto da quarta capa do livro Amyr Klink – Não há Tempo a Perder, ela falava sobre o navegador que tanto admirava, a quem procurou com a proposta de escrever, a partir do depoimento dele, uma biografia. Este seria o livro salvador de sua editora Foz, que estava na corda bamba. “Mesmo as ideias mais absurdas podem se tornar factíveis”, começa assim o texto. Mais adiante: “Não há tempo a perder. Sorte é algo que a gente constrói, a vida é curta para repetir caminhos”. E encerra dizendo que aquele é um livro sobre “nossa misteriosa capacidade de começar, realizar e concluir”.

Falava dele, mas, depois de tudo o que aconteceu entre o lançamento, em dezembro de 2016, desse livro que ela não publicou pela Foz – portanto, que não salvou sua editora – e o início, nesta semana, de um novo desafio profissional na Tordesilhas, podemos fazer um paralelo com sua trajetória.

Isa Pessoa ajudou a transformar a Objetiva numa das principais editoras do País; Cestaro quer catálogo com vigor comercial Foto: Rafael Arbex/Estadão

Jornalista com passagens pelo jornal O Globo e pela TV Globo, de onde saiu em 1994 para trabalhar na então diminuta Objetiva, de Roberto Feith, que ajudaria a transformar numa das principais editoras do País, Isa decidiu, depois de 17 anos à frente da publicação de autores brasileiros na casa carioca, encerrar o ciclo e ser dona de sua própria editora

+++ Penguin Random House adquire a Objetiva +++ Roberto Feith deixa a diretoria da Objetiva

“Havia uma vontade de publicar com grande qualidade e ter autores fortes. Investi muito nessa ideia, mas o processo econômico não foi muito feliz. Além de tudo, enfrentei a recessão e o impacto muito forte desse abismo econômico que se abriu no terreno do País e afetou dolorosamente as editoras. E eu tinha um projeto educacional digital que ruiu com o projeto educacional da nação”, conta a editora ao Estado. Em 2011, o Governo anunciou que compraria 600 mil tablets para professores, o que animou o mercado editorial. A coleção digital de Isa, com conteúdo baseado em música brasileira, contava até com Chico Buarque.

Pela Foz, desde 2012, saíram obras de Marcelo Rubens Paiva, Francisco Bosco, Ruy Castro, Nelson Motta, Paula Fábrio. Saiu, também, Sob Pressão – A Rotina de um Médico Brasileiro, de Marcio Maranhão e Karla Monteiro, que virou filme e série de TV. E sairia o livro de Amyr Klink.

Ao final do processo de edição da obra que daria, enfim, um respiro à Foz, Isa Pessoa chegou a um impasse: mandar imprimir uma tiragem de 5 mil exemplares, que era o que ela podia bancar naquele momento crítico? Para ela, a tiragem inicial daquele livro deveria ser de 20 mil cópias. Comentou o assunto com Marina Klink, mulher do navegador, que a apresentou para Antonio Cestaro, diretor-geral do Grupo Alaúde.

Começar, realizar, concluir. Com Amyr Klink – Não Há Tempo a Perder nas livrarias estampando os selos da Foz e da Tordesilhas, o braço literário da Alaúde, veio, no final de 2017, o convite de Cestaro para Isa Pessoa, aceito de bom grado pela editora carioca. Emprego formal de novo, dedicação exclusiva. Nova diretora editorial da Tordesilhas, ela, que já está instalada em São Paulo, vai ajudar na reformulação do catálogo da casa que publicou, entre outros, a Nobel Elfriede Jelinek, Edgar Allan Poe, Pirandello, Yan Martel e Glauco Mattoso.

Isa volta ao posto de diretora editorial ao mesmo tempo em que retorna também às suas origens jornalísticas. Mas os caminhos são outros.

“Hoje, o selo Tordesilhas atua só na área de ficção. O primeiro passo será explorar novas linhas de atuação, abrir o espectro e explorar o gênero da não ficção em suas vertentes mais quentes: o livro-reportagem, as biografias”, adianta a editora. “Minha formação jornalística ajuda a perceber o que é tema passível de uma investigação mais profunda que pode se transformar em livro”, completa.

Ficção continua no radar, mas uma ficção mais comercial, de entretenimento. E este será um dos maiores desafios da editora, responsável, na época da Objetiva, pela edição de autores brasileiros mais literários.

O trabalho começa oficialmente nesta semana, mas já há projetos em andamento e autores sendo procurados. “A estratégia será buscar novos autores, profissionais com experiência em suas áreas de atuação para explorar temas quentes”, diz.

O jornalista Tom Cardoso, autor de O Cofre do Dr. Rui e da biografia de Sócrates, entre outros, já trabalha num livro sobre Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro. “Se Não Fosse o Cabral vai ser a biografia desse que é um dos maiores ladrões da história. Tom já apurou, foi diversas vezes ao Rio, pesquisou a infância e juventude, e descobriu que desde pequenininho o menino trapaceava nas provas de português e matemática. Ele tinha a sua turma e a predisposição de criar sua família de amigos. Isso foi um traço”, adianta.

O lançamento deve ficar para o segundo semestre, quando também vai sair um livro ainda sem título com depoimentos de Ney Matogrosso. O poeta Ramon Nunes Mello já começou as pesquisas na Biblioteca Nacional e, a partir de declarações colhidas em entrevistas dadas pelo cantor sobre assuntos diversos, ele se reunirá com Ney para confirmar ou atualizar essas opiniões. “Conseguir aprofundar reflexões que algumas pessoas importantes fazem sobre o Brasil num momento difícil desses também é um gênero que pretendemos explorar bem”, explica.

O terceiro projeto que Isa Pessoa adianta, e que será possível porque Fernando Ullmann, diretor presidente da Ipsis Gráfica e Editora, é cotista da Tordesilhas, vai ser a criação de uma coleção de livros de fotografia de alta qualidade gráfica e preço compatível com o bolso do brasileiro. A ideia é publicar “séries temáticas de fotógrafos especiais”. O primeiro, de Ricardo Stuckert, fotógrafo da Presidência entre 2003 e 2011, é o resultado de sua vasta pesquisa em aldeias indígenas. Sairá em março e deve ser o primeiro título da nova Tordesilhas. 

“O grupo tem uma atuação muito organizada em duas áreas complicadas: comercialização e distribuição. E é uma empresa que nunca fechou no vermelho, nem mesmo em 2016, um ano crítico. Vai ser uma pista potente para voos mais seguros”, diz Isa, que, com o início desse novo ciclo, encerra a Foz – ela, aliás, se transforma, agora, numa promotora de eventos. “Sempre fica uma frustração, mas o desfecho não poderia ter sido mais favorável.”

Catálogo vai abordar questões que incomodam o mundo A história da Alaúde remonta à 1997, quando ela começou a fazer produção editorial para terceiros, além de revistas e outros tipos de conteúdos. O primeiro livro com selo próprio, feito para livrarias, só foi publicado em 2004. De lá para cá, a editora fundada pelo paranaense Antonio Cestaro se tornou referência em livros sobre automobilismo e, mais recentemente, também sobre alimentação. 

Ao longo dos anos, ela criou os selos Tordesilhas, para ficção literária, Tordesilhinhas, para literatura infantil, e Pavana, para infantojuvenil. Mas é o catálogo da Alaúde, que edita ainda obras sobre saúde (do corpo e da mente), que mantém a editora. Seus livros estão em livrarias tradicionais, onde foi registrado, em 2017, um crescimento de 16% no faturamento, e são vendidos também em bancas, restaurantes e por catálogo. 

O best-seller da editora, aliás, é O Poder dos Sucos, com cerca de 720 mil exemplares comercializados no sistema porta a porta. Olhando apenas os números das livrarias, os títulos mais vendidos são o livro de colori O Jardim Encantado (135 mil), Contos de Imaginação e Mistério, de Edgar Allan Poe (73.200) e Supercérebro, de Deepak Chopra (61.500).

A reestruturação da Tordesilhas, agora, é uma tentativa de Antonio Cestaro, fundador e diretor-geral da casa, de tornar o selo criado em 2011 autossuficiente. “É impossível ter uma editora que só faça alta literatura e fechar a conta. Mantendo a qualidade editorial, vamos mesclar com uma literatura que trata de temas mais populares e aborda as questões que estão incomodando o mundo”, diz Cestaro – ele, que passou pela gráfica do Estado no início da carreira, é também escritor e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura no ano passado, na categoria autor estreante com mais de 40 anos, com o romance Arco de Virar Réu.

E o que esperar da nova Tordesilhas? “Uma editora mais vigorosa e capacitada para buscar novos segmentos de atuação. Ela está vestindo uma roupa nova, menos formal e mais identificada com os grandes temas e discussões que movem o mundo na atualidade. Sua atuação se amplia e abre espaços para a publicação de autores e personalidades reconhecidos pelos seus trabalhos, tanto na ficção como na não ficção”, responde.

+++ Literatura em 2017: ano marcado pelo aumento de 6% nas vendas e despedida de Antonio Candido +++ Mercado editorial encolhe mais de 20% em três anos, revela Fipe +++ 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura

Toda essa movimentação foi iniciada num ano ainda crítico para o mercado editorial. Um ano “cansativo e difícil”, nas palavras do editor. “O resultado é que o Brasil inteiro está ansioso para enxergar sinais seguros de que o País vai sair do atoleiro e retomar o crescimento – gerar empregos, normalizar o consumo e trazer novamente a esperança no futuro”, diz. E por que mexer na estrutura num momento como esse? “A leitura que faço é que o momento é apropriado para investir, amadurecer projetos e se preparar para a retomada do crescimento. Fazer isso sem desprezar o risco, mas considerando que a falta de iniciativa e determinação pode também cobrar o seu preço ou, no mínimo, esfriar o negócio.”

Cestaro conta que a editora passou pela crise de 2017 sem perder a capacidade produtiva. “Apesar da má visibilidade de médio e longo prazo sobre uma retomada consistente e duradoura da economia, alguns sinais positivos já permitem que se possa nutrir certo otimismo e trabalhar na viabilização de novas ideias, novos projetos”, conclui. 

Quando a editora Isa Pessoa escreveu o texto da quarta capa do livro Amyr Klink – Não há Tempo a Perder, ela falava sobre o navegador que tanto admirava, a quem procurou com a proposta de escrever, a partir do depoimento dele, uma biografia. Este seria o livro salvador de sua editora Foz, que estava na corda bamba. “Mesmo as ideias mais absurdas podem se tornar factíveis”, começa assim o texto. Mais adiante: “Não há tempo a perder. Sorte é algo que a gente constrói, a vida é curta para repetir caminhos”. E encerra dizendo que aquele é um livro sobre “nossa misteriosa capacidade de começar, realizar e concluir”.

Falava dele, mas, depois de tudo o que aconteceu entre o lançamento, em dezembro de 2016, desse livro que ela não publicou pela Foz – portanto, que não salvou sua editora – e o início, nesta semana, de um novo desafio profissional na Tordesilhas, podemos fazer um paralelo com sua trajetória.

Isa Pessoa ajudou a transformar a Objetiva numa das principais editoras do País; Cestaro quer catálogo com vigor comercial Foto: Rafael Arbex/Estadão

Jornalista com passagens pelo jornal O Globo e pela TV Globo, de onde saiu em 1994 para trabalhar na então diminuta Objetiva, de Roberto Feith, que ajudaria a transformar numa das principais editoras do País, Isa decidiu, depois de 17 anos à frente da publicação de autores brasileiros na casa carioca, encerrar o ciclo e ser dona de sua própria editora

+++ Penguin Random House adquire a Objetiva +++ Roberto Feith deixa a diretoria da Objetiva

“Havia uma vontade de publicar com grande qualidade e ter autores fortes. Investi muito nessa ideia, mas o processo econômico não foi muito feliz. Além de tudo, enfrentei a recessão e o impacto muito forte desse abismo econômico que se abriu no terreno do País e afetou dolorosamente as editoras. E eu tinha um projeto educacional digital que ruiu com o projeto educacional da nação”, conta a editora ao Estado. Em 2011, o Governo anunciou que compraria 600 mil tablets para professores, o que animou o mercado editorial. A coleção digital de Isa, com conteúdo baseado em música brasileira, contava até com Chico Buarque.

Pela Foz, desde 2012, saíram obras de Marcelo Rubens Paiva, Francisco Bosco, Ruy Castro, Nelson Motta, Paula Fábrio. Saiu, também, Sob Pressão – A Rotina de um Médico Brasileiro, de Marcio Maranhão e Karla Monteiro, que virou filme e série de TV. E sairia o livro de Amyr Klink.

Ao final do processo de edição da obra que daria, enfim, um respiro à Foz, Isa Pessoa chegou a um impasse: mandar imprimir uma tiragem de 5 mil exemplares, que era o que ela podia bancar naquele momento crítico? Para ela, a tiragem inicial daquele livro deveria ser de 20 mil cópias. Comentou o assunto com Marina Klink, mulher do navegador, que a apresentou para Antonio Cestaro, diretor-geral do Grupo Alaúde.

Começar, realizar, concluir. Com Amyr Klink – Não Há Tempo a Perder nas livrarias estampando os selos da Foz e da Tordesilhas, o braço literário da Alaúde, veio, no final de 2017, o convite de Cestaro para Isa Pessoa, aceito de bom grado pela editora carioca. Emprego formal de novo, dedicação exclusiva. Nova diretora editorial da Tordesilhas, ela, que já está instalada em São Paulo, vai ajudar na reformulação do catálogo da casa que publicou, entre outros, a Nobel Elfriede Jelinek, Edgar Allan Poe, Pirandello, Yan Martel e Glauco Mattoso.

Isa volta ao posto de diretora editorial ao mesmo tempo em que retorna também às suas origens jornalísticas. Mas os caminhos são outros.

“Hoje, o selo Tordesilhas atua só na área de ficção. O primeiro passo será explorar novas linhas de atuação, abrir o espectro e explorar o gênero da não ficção em suas vertentes mais quentes: o livro-reportagem, as biografias”, adianta a editora. “Minha formação jornalística ajuda a perceber o que é tema passível de uma investigação mais profunda que pode se transformar em livro”, completa.

Ficção continua no radar, mas uma ficção mais comercial, de entretenimento. E este será um dos maiores desafios da editora, responsável, na época da Objetiva, pela edição de autores brasileiros mais literários.

O trabalho começa oficialmente nesta semana, mas já há projetos em andamento e autores sendo procurados. “A estratégia será buscar novos autores, profissionais com experiência em suas áreas de atuação para explorar temas quentes”, diz.

O jornalista Tom Cardoso, autor de O Cofre do Dr. Rui e da biografia de Sócrates, entre outros, já trabalha num livro sobre Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro. “Se Não Fosse o Cabral vai ser a biografia desse que é um dos maiores ladrões da história. Tom já apurou, foi diversas vezes ao Rio, pesquisou a infância e juventude, e descobriu que desde pequenininho o menino trapaceava nas provas de português e matemática. Ele tinha a sua turma e a predisposição de criar sua família de amigos. Isso foi um traço”, adianta.

O lançamento deve ficar para o segundo semestre, quando também vai sair um livro ainda sem título com depoimentos de Ney Matogrosso. O poeta Ramon Nunes Mello já começou as pesquisas na Biblioteca Nacional e, a partir de declarações colhidas em entrevistas dadas pelo cantor sobre assuntos diversos, ele se reunirá com Ney para confirmar ou atualizar essas opiniões. “Conseguir aprofundar reflexões que algumas pessoas importantes fazem sobre o Brasil num momento difícil desses também é um gênero que pretendemos explorar bem”, explica.

O terceiro projeto que Isa Pessoa adianta, e que será possível porque Fernando Ullmann, diretor presidente da Ipsis Gráfica e Editora, é cotista da Tordesilhas, vai ser a criação de uma coleção de livros de fotografia de alta qualidade gráfica e preço compatível com o bolso do brasileiro. A ideia é publicar “séries temáticas de fotógrafos especiais”. O primeiro, de Ricardo Stuckert, fotógrafo da Presidência entre 2003 e 2011, é o resultado de sua vasta pesquisa em aldeias indígenas. Sairá em março e deve ser o primeiro título da nova Tordesilhas. 

“O grupo tem uma atuação muito organizada em duas áreas complicadas: comercialização e distribuição. E é uma empresa que nunca fechou no vermelho, nem mesmo em 2016, um ano crítico. Vai ser uma pista potente para voos mais seguros”, diz Isa, que, com o início desse novo ciclo, encerra a Foz – ela, aliás, se transforma, agora, numa promotora de eventos. “Sempre fica uma frustração, mas o desfecho não poderia ter sido mais favorável.”

Catálogo vai abordar questões que incomodam o mundo A história da Alaúde remonta à 1997, quando ela começou a fazer produção editorial para terceiros, além de revistas e outros tipos de conteúdos. O primeiro livro com selo próprio, feito para livrarias, só foi publicado em 2004. De lá para cá, a editora fundada pelo paranaense Antonio Cestaro se tornou referência em livros sobre automobilismo e, mais recentemente, também sobre alimentação. 

Ao longo dos anos, ela criou os selos Tordesilhas, para ficção literária, Tordesilhinhas, para literatura infantil, e Pavana, para infantojuvenil. Mas é o catálogo da Alaúde, que edita ainda obras sobre saúde (do corpo e da mente), que mantém a editora. Seus livros estão em livrarias tradicionais, onde foi registrado, em 2017, um crescimento de 16% no faturamento, e são vendidos também em bancas, restaurantes e por catálogo. 

O best-seller da editora, aliás, é O Poder dos Sucos, com cerca de 720 mil exemplares comercializados no sistema porta a porta. Olhando apenas os números das livrarias, os títulos mais vendidos são o livro de colori O Jardim Encantado (135 mil), Contos de Imaginação e Mistério, de Edgar Allan Poe (73.200) e Supercérebro, de Deepak Chopra (61.500).

A reestruturação da Tordesilhas, agora, é uma tentativa de Antonio Cestaro, fundador e diretor-geral da casa, de tornar o selo criado em 2011 autossuficiente. “É impossível ter uma editora que só faça alta literatura e fechar a conta. Mantendo a qualidade editorial, vamos mesclar com uma literatura que trata de temas mais populares e aborda as questões que estão incomodando o mundo”, diz Cestaro – ele, que passou pela gráfica do Estado no início da carreira, é também escritor e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura no ano passado, na categoria autor estreante com mais de 40 anos, com o romance Arco de Virar Réu.

E o que esperar da nova Tordesilhas? “Uma editora mais vigorosa e capacitada para buscar novos segmentos de atuação. Ela está vestindo uma roupa nova, menos formal e mais identificada com os grandes temas e discussões que movem o mundo na atualidade. Sua atuação se amplia e abre espaços para a publicação de autores e personalidades reconhecidos pelos seus trabalhos, tanto na ficção como na não ficção”, responde.

+++ Literatura em 2017: ano marcado pelo aumento de 6% nas vendas e despedida de Antonio Candido +++ Mercado editorial encolhe mais de 20% em três anos, revela Fipe +++ 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura

Toda essa movimentação foi iniciada num ano ainda crítico para o mercado editorial. Um ano “cansativo e difícil”, nas palavras do editor. “O resultado é que o Brasil inteiro está ansioso para enxergar sinais seguros de que o País vai sair do atoleiro e retomar o crescimento – gerar empregos, normalizar o consumo e trazer novamente a esperança no futuro”, diz. E por que mexer na estrutura num momento como esse? “A leitura que faço é que o momento é apropriado para investir, amadurecer projetos e se preparar para a retomada do crescimento. Fazer isso sem desprezar o risco, mas considerando que a falta de iniciativa e determinação pode também cobrar o seu preço ou, no mínimo, esfriar o negócio.”

Cestaro conta que a editora passou pela crise de 2017 sem perder a capacidade produtiva. “Apesar da má visibilidade de médio e longo prazo sobre uma retomada consistente e duradoura da economia, alguns sinais positivos já permitem que se possa nutrir certo otimismo e trabalhar na viabilização de novas ideias, novos projetos”, conclui. 

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