Michael Lewis, de 63 anos, é um dos principais autores de não ficção da atualidade. Seu olhar clínico para relatar histórias reais e transformá-las em verdadeiros thrillers lhe alçou ao status de escritor best-seller. Mais do que isso, Lewis virou queridinho de Hollywood graças aos filmes de enorme sucesso que foram inspirados em suas obras: Um Sonho Possível (2009), Moneyball (2011) e A Grande Aposta (2015) – todos indicados ao Oscar de Melhor Filme.
Um Sonho Possível amoleceu o coração dos leitores e de quem assistiu ao filme estrelado por Sandra Bullock. No ano passado, contudo, a história comovente sofreu uma reviravolta quando Michael Oher, o ex-jogador da NFL que não tinha onde morar e foi adotado por uma família rica em Memphis (EUA), entrou na justiça acusando os tutores de serem manipuladores e alegando que não recebeu os royalties referentes à produção cinematográfica.
“Estou triste e perplexo porque ele acusou a família Tuohy de roubar milhões dele. Eu sei exatamente quanto dinheiro havia. O que eles receberam foi metade do negócio que eu recebi, pois eu dei a eles. O dinheiro passou pelos meus agentes e não havia milhões. Foi uma loucura. Eu sabia que isso era mentira. Se eu ligasse para o The New York Times e dissesse ‘ei, tem um cara brasileiro chamado Gabriel que acabou de roubar um milhão de dólares de mim’, o jornal verificaria isso antes de publicar e questionaria a acusação. Em vez disso, toda essa narrativa sobre como os brancos exploram os negros tornou-se a história. Eu conheço a história. Os Tuohys o encheram de amor e recursos. Eles são tão ricos, duvido que pegariam o dinheiro dele. É evidente que não é verdade. Foi uma pena que isso tenha acontecido”, conta o escritor americano ao Estadão, por telefone.
Moneyball, um dos títulos mais aclamados de sua bibliografia, virou referência esportiva e empresarial ao mostrar como o ex-manager Billy Beane (interpretado por Brad Pitt nas telonas) driblou a situação desfavorável de um time de baseball ao adotar uma estudiosa análise estatística dos jogadores para atingir o sucesso.
“Para mim, Moneyball abriu várias portas porque há pessoas que pensam que estão usando o livro como uma espécie de lição e vêm falar comigo a respeito. Mas acho que muita gente diz que usou esse tipo de estratégia, e na verdade não fez isso. As pessoas gostam muito quando análises e números reforçam seus preconceitos ou confirmam sua opinião. Ainda há muitas decisões idiotas sendo tomadas”, explica.
Lewis também analisou a avassaladora crise financeira de 2008, desvendando a estratégia de alguns profissionais de Wall Street que investiram contra o mercado e foram capazes de lucrar com o colapso – assunto complexo tratado de maneira acessível tanto no livro quanto na adaptação com Christian Bale e Steve Carell.
“Tive uma pequena vantagem em A Grande Aposta porque trabalhei em Wall Street e entendi alguns dos conceitos com um pouco mais de facilidade do que se eu não tivesse tido contato com isso. Neste caso, havia coisas naquela história que eram tão complicadas que ninguém iria entender. O leitor só quer sentir que sabe o suficiente. Então o truque foi dizer ao leitor: ‘olha, você não precisa ser um especialista nisso’. E o Adam McKay [diretor] fez o filme de uma forma muito inteligente. Ele colocou a Margot Robbie na banheira e fez ela dizer: ‘olha, isso é o que você precisa saber e podemos seguir em frente daqui’”.
Um de seus melhores artigos na revista Vanity Fair serviu de base para Radical Wolfe (2023), documentário sobre a vida de Tom Wolfe, expoente do jornalismo literário morto em 2018, e influência fundamental na carreira de Lewis.
“Quando eu era criança meu pai lia os livros de Tom. Eu não sabia do que se tratava, mas achei eles tão engraçados que acabei lendo tudo o que ele escreveu. Então, na época de A Fogueira das Vaidades [romance de Wolfe lançado em 1987], eu estava trabalhando em Wall Street e ele ficou três semanas na minha empresa. Quando publiquei meu primeiro livro, ele entrou em contato comigo e me convidou para almoçar. E a partir daí começamos uma amizade. Ele era uma pessoa agradável para se conviver, estava sempre me apoiando e dizendo coisas boas sobre mim para outras pessoas. O curioso é que não compartilhávamos a mesma posição política. Provavelmente sou de centro-esquerda e ele estava bem à direita, mas isso não importava”, conta o escritor.
O autor revela não ter nenhum segredo para que seus trabalhos se tornem produções da sétima arte. “Não quero pensar nos filmes quando estou escrevendo, porque eu acho que quando Hollywood percebe que alguém está tentando escrever um livro cuja finalidade é virar um filme, eles sentem o cheiro de inautenticidade”, explica.
“Há também um componente acidental sobre o que é feito e o que não é. Tenho muitos outros livros que a indústria cinematográfica comprou e ainda não produziu”, complementa, citando os casos de Liar’s Poker, relato semiautobiográfico do mercado financeiro; A Premonição, sobre a covid-19; e Sem Limites, que será lançado em 15 de maio no Brasil pela editora HarperCollins.
Novo alvo é Sam Bankman-Fried
O novo livro é um perfil do magnata das criptomoedas Sam Bankman-Fried, ex-CEO da corretora falida FTX, condenado a 25 anos de prisão por fraude nos EUA.
“É uma história triste, pois está muito claro que ele não pretendia criar uma fraude. Capitalistas de risco investiram em sua empresa e muitos achavam que ele era um gênio. Famosos como Tom Brady e Gisele Bündchen receberam dinheiro para promover a empresa. Ele deu dinheiro para todo mundo, de Joe Biden a Mitch McConnell. Então acho que seu maior crime foi envergonhar muitas pessoas importantes. Quando penso em qual é o seu pecado ou problema moral, percebo que ele realmente não sente o risco da mesma forma que eu sinto o risco.”
Michael Lewis, sobre Sam Bankman-Fried
Sem Limites
- Autor: Michael Lewis
- Tradução: Beatriz Medina
- Editora: HarperCollins (272 páginas; R$ 64,90)