Em ano difícil, lançamentos reafirmam a influência de Art Spiegelman


Autor da HQ ‘Maus’, vencedora do Pulitzer, viu seu livro ser banido e deu início a novo debate sobre sanitização da história

Por Alexandra Alter

Numa tarde semanas atrás, Art Spiegelman estava na sala de estar de seu apartamento no SoHo, fumando um cigarro eletrônico que usa pendurado no pescoço, preso a um porta-caneta para não o perder. “Estou sempre perdendo coisas”, explicou. Ele estava se sentindo mais desorientado do que o normal: tinha acabado de voltar para casa após longo tempo na estrada - uma viagem de duas semanas pelo sul com seu filho, Dash; uma excursão de pesquisa a um museu de quadrinhos em Columbus, Ohio, para um novo projeto; e uma parada em Cincinnati para acompanhar o velório do cartunista Justin Green, amigo próximo e mentor.

A viagem turbulenta foi o encerramento de um ano caótico e importante para Spiegelman, cartunista icônico que se viu no meio de um debate nacional sobre censura e antissemitismo depois que um distrito escolar do Tennessee baniu Maus, sua história em quadrinhos vencedora do Prêmio Pulitzer, das salas de aula em janeiro.

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Art Spiegelman em sua casa no bairro Soho de Nova York Foto: Sara Messinger/The New York Times

Desde então, Spiegelman tem sido chamado para defender sua obra. Deu inúmeras entrevistas, palestras e webinars (seminários online), incluindo uma reunião por Zoom com moradores do condado do Tennessee, onde Maus foi banido depois que pais se opuseram a exemplos dispersos de palavrões e nudez no texto. Ele argumentou repetidas vezes que a proibição vai muito além de Maus, que detalha a experiência de seus pais durante o Holocausto, retratando judeus como ratos e nazistas como gatos. Para Spiegelman, a decisão de banir Maus das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob o pretexto de “proteger” as crianças. “Eles querem um Holocausto mais amável, gentil e nebuloso”, disse ele.

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Claro, Spiegelman está acostumado aos holofotes. A fama o acompanha desde que Maus ganhou o Prêmio Pulitzer em 1992 - a primeira história em quadrinhos a fazê-lo - e transformou o meio, provando que os quadrinhos podem ser uma forma de arte e literatura. A obra vendeu 6 milhões de cópias nos EUA, tornando-se um elemento básico dos currículos escolares e um clássico da literatura do Holocausto.

MEDALHA

Ainda assim, no ano passado, Spiegelman teve uma demanda especialmente alta. Em novembro, a National Book Foundation concedeu a Spiegelman uma medalha por sua contribuição às letras americanas. Neste outono, uma nova coleção de ensaios e críticas sobre Maus e sua ressonância duradoura, chamada Maus Now, foi lançada pela Pantheon. E, para grande alegria de Spiegelman, a Pantheon acaba de relançar uma nova edição de Breakdowns, uma antologia de seus primeiros trabalhos, que foi publicada pela primeira vez em 1978 e nunca recebeu muita atenção fora dos círculos acadêmicos e cartunistas radicais.

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Decisão de banir ‘Maus’ das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob pretexto de ‘proteger’ as crianças

Art Spiegelman

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“Há um pequeno círculo de pessoas que realmente leem quadrinhos que sabem o que eu faço”, afirmou Spiegelman. “Mas, na maioria das vezes, Maus é como um arranha-céu gigante.”

As imagens coletadas, que apresentam seus quadrinhos da década de 1970 e trabalhos posteriores da década de 2000, oferecem um vislumbre do alcance de Spiegelman como ilustrador e da amplitude de suas influências. Entre os desenhos se encontram charges, uma série de detetives com uma inclinação cubista e algumas imagens que se desviam para a pornografia hard-core. A antologia também apresenta desenhos intimistas que capturam sua devastação após o suicídio da mãe e revelam como ele internalizou o trauma persistente de seus pais. “Foi aqui que encontrei minha voz”, revelou Spiegelman sobre o trabalho em Breakdowns. “Descobri um território que era genuinamente meu.”

A reedição já estava em andamento bem antes da proibição de Maus, mas o momento se mostrou oportuno, explicou Lisa Lucas, editora da Pantheon. “A reedição de Breakdowns coincidiu com um momento em que a importância da extraordinária carreira de Art Spiegelman se fez muito evidente para a cultura”, Lucas escreveu por e-mail. “Dada a crescente atenção ao seu trabalho, é emocionante que tantos novos leitores venham a saber sobre as contribuições de Art.”

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Art Spiegelman: 'Descobri um território que era genuinamente meu' Foto: Sara Messinger/The New York Times

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Spiegelman, de 74 anos, fala suavemente e com precisão e tem uma atitude reservada e professoral que pode parecer discordante com alguns de seus primeiros quadrinhos transgressores, por vezes hipersexuais ou grotescamente mórbidos.

Ele refletiu sobre sua obra e seu legado por quase duas horas durante uma recente tarde fria de dezembro, passeando pelo apartamento repleto de obras de arte e livros onde vive desde meados da década de 1970 com sua esposa e colaboradora criativa, a editora de arte nova-iorquina Françoise Mouly. Naquela época, eles tinham uma gráfica no meio da sala de estar, onde montavam edições da Raw, uma revista eclética e alternativa de quadrinhos que publicava luminares como Robert Crumb, Richard McGuire, Chris Ware e Green, um dos ídolos de Spiegelman.

Foi Green quem mostrou a ele que “aquele material confessional, autobiográfico, íntimo e indizível é um conteúdo perfeito para quadrinhos”, lembrou Spiegelman. “Não era só contar piada ou fazer uma história de fantasia”, continuou ele. “Era mais ‘O que está acontecendo no cérebro de alguém e como você pode expressar isso?’”

Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura

Art Spiegelman

Em 1972, Spiegelman desenhou uma história em quadrinhos de três páginas que mais tarde evoluiu para Maus. Começa com Spiegelman, como um pequeno rato, na cama, enquanto seu pai o coloca para dormir e conta a história de como os nazistas o haviam capturado na Polônia e mandado para Auschwitz. Usar rostos de animais no lugar de pessoas deu a ele distância suficiente para contar a história. “Para mim, foi poderoso porque me permitiu lidar com o material colocando uma máscara nas pessoas”, analisou ele. “Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura.”

RATOS

Maus tem sido um ímã de controvérsias. Os críticos se ofenderam com o uso de imagens de animais para explorar um assunto tão grave, e alguns disseram que era duplamente ofensivo que Spiegelman desenhasse judeus como ratos, já que a propaganda nazista comparava os judeus a vermes - o que era precisamente a ideia de Spiegelman. A obra foi banida na Rússia por causa da imagem da suástica na capa. Quando foi publicado na Polônia em 2001, alguns manifestantes, indignados com o fato de Spiegelman retratar os gentios poloneses como porcos, queimaram cópias do livro. Na Alemanha, um repórter perguntou a Spiegelman se não era de mau gosto fazer uma história em quadrinhos sobre Auschwitz. “Não. Acho que Auschwitz era de mau gosto”, respondeu Spiegelman. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Numa tarde semanas atrás, Art Spiegelman estava na sala de estar de seu apartamento no SoHo, fumando um cigarro eletrônico que usa pendurado no pescoço, preso a um porta-caneta para não o perder. “Estou sempre perdendo coisas”, explicou. Ele estava se sentindo mais desorientado do que o normal: tinha acabado de voltar para casa após longo tempo na estrada - uma viagem de duas semanas pelo sul com seu filho, Dash; uma excursão de pesquisa a um museu de quadrinhos em Columbus, Ohio, para um novo projeto; e uma parada em Cincinnati para acompanhar o velório do cartunista Justin Green, amigo próximo e mentor.

A viagem turbulenta foi o encerramento de um ano caótico e importante para Spiegelman, cartunista icônico que se viu no meio de um debate nacional sobre censura e antissemitismo depois que um distrito escolar do Tennessee baniu Maus, sua história em quadrinhos vencedora do Prêmio Pulitzer, das salas de aula em janeiro.

Art Spiegelman em sua casa no bairro Soho de Nova York Foto: Sara Messinger/The New York Times

Desde então, Spiegelman tem sido chamado para defender sua obra. Deu inúmeras entrevistas, palestras e webinars (seminários online), incluindo uma reunião por Zoom com moradores do condado do Tennessee, onde Maus foi banido depois que pais se opuseram a exemplos dispersos de palavrões e nudez no texto. Ele argumentou repetidas vezes que a proibição vai muito além de Maus, que detalha a experiência de seus pais durante o Holocausto, retratando judeus como ratos e nazistas como gatos. Para Spiegelman, a decisão de banir Maus das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob o pretexto de “proteger” as crianças. “Eles querem um Holocausto mais amável, gentil e nebuloso”, disse ele.

Claro, Spiegelman está acostumado aos holofotes. A fama o acompanha desde que Maus ganhou o Prêmio Pulitzer em 1992 - a primeira história em quadrinhos a fazê-lo - e transformou o meio, provando que os quadrinhos podem ser uma forma de arte e literatura. A obra vendeu 6 milhões de cópias nos EUA, tornando-se um elemento básico dos currículos escolares e um clássico da literatura do Holocausto.

MEDALHA

Ainda assim, no ano passado, Spiegelman teve uma demanda especialmente alta. Em novembro, a National Book Foundation concedeu a Spiegelman uma medalha por sua contribuição às letras americanas. Neste outono, uma nova coleção de ensaios e críticas sobre Maus e sua ressonância duradoura, chamada Maus Now, foi lançada pela Pantheon. E, para grande alegria de Spiegelman, a Pantheon acaba de relançar uma nova edição de Breakdowns, uma antologia de seus primeiros trabalhos, que foi publicada pela primeira vez em 1978 e nunca recebeu muita atenção fora dos círculos acadêmicos e cartunistas radicais.

Decisão de banir ‘Maus’ das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob pretexto de ‘proteger’ as crianças

Art Spiegelman

“Há um pequeno círculo de pessoas que realmente leem quadrinhos que sabem o que eu faço”, afirmou Spiegelman. “Mas, na maioria das vezes, Maus é como um arranha-céu gigante.”

As imagens coletadas, que apresentam seus quadrinhos da década de 1970 e trabalhos posteriores da década de 2000, oferecem um vislumbre do alcance de Spiegelman como ilustrador e da amplitude de suas influências. Entre os desenhos se encontram charges, uma série de detetives com uma inclinação cubista e algumas imagens que se desviam para a pornografia hard-core. A antologia também apresenta desenhos intimistas que capturam sua devastação após o suicídio da mãe e revelam como ele internalizou o trauma persistente de seus pais. “Foi aqui que encontrei minha voz”, revelou Spiegelman sobre o trabalho em Breakdowns. “Descobri um território que era genuinamente meu.”

A reedição já estava em andamento bem antes da proibição de Maus, mas o momento se mostrou oportuno, explicou Lisa Lucas, editora da Pantheon. “A reedição de Breakdowns coincidiu com um momento em que a importância da extraordinária carreira de Art Spiegelman se fez muito evidente para a cultura”, Lucas escreveu por e-mail. “Dada a crescente atenção ao seu trabalho, é emocionante que tantos novos leitores venham a saber sobre as contribuições de Art.”

Art Spiegelman: 'Descobri um território que era genuinamente meu' Foto: Sara Messinger/The New York Times

Spiegelman, de 74 anos, fala suavemente e com precisão e tem uma atitude reservada e professoral que pode parecer discordante com alguns de seus primeiros quadrinhos transgressores, por vezes hipersexuais ou grotescamente mórbidos.

Ele refletiu sobre sua obra e seu legado por quase duas horas durante uma recente tarde fria de dezembro, passeando pelo apartamento repleto de obras de arte e livros onde vive desde meados da década de 1970 com sua esposa e colaboradora criativa, a editora de arte nova-iorquina Françoise Mouly. Naquela época, eles tinham uma gráfica no meio da sala de estar, onde montavam edições da Raw, uma revista eclética e alternativa de quadrinhos que publicava luminares como Robert Crumb, Richard McGuire, Chris Ware e Green, um dos ídolos de Spiegelman.

Foi Green quem mostrou a ele que “aquele material confessional, autobiográfico, íntimo e indizível é um conteúdo perfeito para quadrinhos”, lembrou Spiegelman. “Não era só contar piada ou fazer uma história de fantasia”, continuou ele. “Era mais ‘O que está acontecendo no cérebro de alguém e como você pode expressar isso?’”

Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura

Art Spiegelman

Em 1972, Spiegelman desenhou uma história em quadrinhos de três páginas que mais tarde evoluiu para Maus. Começa com Spiegelman, como um pequeno rato, na cama, enquanto seu pai o coloca para dormir e conta a história de como os nazistas o haviam capturado na Polônia e mandado para Auschwitz. Usar rostos de animais no lugar de pessoas deu a ele distância suficiente para contar a história. “Para mim, foi poderoso porque me permitiu lidar com o material colocando uma máscara nas pessoas”, analisou ele. “Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura.”

RATOS

Maus tem sido um ímã de controvérsias. Os críticos se ofenderam com o uso de imagens de animais para explorar um assunto tão grave, e alguns disseram que era duplamente ofensivo que Spiegelman desenhasse judeus como ratos, já que a propaganda nazista comparava os judeus a vermes - o que era precisamente a ideia de Spiegelman. A obra foi banida na Rússia por causa da imagem da suástica na capa. Quando foi publicado na Polônia em 2001, alguns manifestantes, indignados com o fato de Spiegelman retratar os gentios poloneses como porcos, queimaram cópias do livro. Na Alemanha, um repórter perguntou a Spiegelman se não era de mau gosto fazer uma história em quadrinhos sobre Auschwitz. “Não. Acho que Auschwitz era de mau gosto”, respondeu Spiegelman. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Numa tarde semanas atrás, Art Spiegelman estava na sala de estar de seu apartamento no SoHo, fumando um cigarro eletrônico que usa pendurado no pescoço, preso a um porta-caneta para não o perder. “Estou sempre perdendo coisas”, explicou. Ele estava se sentindo mais desorientado do que o normal: tinha acabado de voltar para casa após longo tempo na estrada - uma viagem de duas semanas pelo sul com seu filho, Dash; uma excursão de pesquisa a um museu de quadrinhos em Columbus, Ohio, para um novo projeto; e uma parada em Cincinnati para acompanhar o velório do cartunista Justin Green, amigo próximo e mentor.

A viagem turbulenta foi o encerramento de um ano caótico e importante para Spiegelman, cartunista icônico que se viu no meio de um debate nacional sobre censura e antissemitismo depois que um distrito escolar do Tennessee baniu Maus, sua história em quadrinhos vencedora do Prêmio Pulitzer, das salas de aula em janeiro.

Art Spiegelman em sua casa no bairro Soho de Nova York Foto: Sara Messinger/The New York Times

Desde então, Spiegelman tem sido chamado para defender sua obra. Deu inúmeras entrevistas, palestras e webinars (seminários online), incluindo uma reunião por Zoom com moradores do condado do Tennessee, onde Maus foi banido depois que pais se opuseram a exemplos dispersos de palavrões e nudez no texto. Ele argumentou repetidas vezes que a proibição vai muito além de Maus, que detalha a experiência de seus pais durante o Holocausto, retratando judeus como ratos e nazistas como gatos. Para Spiegelman, a decisão de banir Maus das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob o pretexto de “proteger” as crianças. “Eles querem um Holocausto mais amável, gentil e nebuloso”, disse ele.

Claro, Spiegelman está acostumado aos holofotes. A fama o acompanha desde que Maus ganhou o Prêmio Pulitzer em 1992 - a primeira história em quadrinhos a fazê-lo - e transformou o meio, provando que os quadrinhos podem ser uma forma de arte e literatura. A obra vendeu 6 milhões de cópias nos EUA, tornando-se um elemento básico dos currículos escolares e um clássico da literatura do Holocausto.

MEDALHA

Ainda assim, no ano passado, Spiegelman teve uma demanda especialmente alta. Em novembro, a National Book Foundation concedeu a Spiegelman uma medalha por sua contribuição às letras americanas. Neste outono, uma nova coleção de ensaios e críticas sobre Maus e sua ressonância duradoura, chamada Maus Now, foi lançada pela Pantheon. E, para grande alegria de Spiegelman, a Pantheon acaba de relançar uma nova edição de Breakdowns, uma antologia de seus primeiros trabalhos, que foi publicada pela primeira vez em 1978 e nunca recebeu muita atenção fora dos círculos acadêmicos e cartunistas radicais.

Decisão de banir ‘Maus’ das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob pretexto de ‘proteger’ as crianças

Art Spiegelman

“Há um pequeno círculo de pessoas que realmente leem quadrinhos que sabem o que eu faço”, afirmou Spiegelman. “Mas, na maioria das vezes, Maus é como um arranha-céu gigante.”

As imagens coletadas, que apresentam seus quadrinhos da década de 1970 e trabalhos posteriores da década de 2000, oferecem um vislumbre do alcance de Spiegelman como ilustrador e da amplitude de suas influências. Entre os desenhos se encontram charges, uma série de detetives com uma inclinação cubista e algumas imagens que se desviam para a pornografia hard-core. A antologia também apresenta desenhos intimistas que capturam sua devastação após o suicídio da mãe e revelam como ele internalizou o trauma persistente de seus pais. “Foi aqui que encontrei minha voz”, revelou Spiegelman sobre o trabalho em Breakdowns. “Descobri um território que era genuinamente meu.”

A reedição já estava em andamento bem antes da proibição de Maus, mas o momento se mostrou oportuno, explicou Lisa Lucas, editora da Pantheon. “A reedição de Breakdowns coincidiu com um momento em que a importância da extraordinária carreira de Art Spiegelman se fez muito evidente para a cultura”, Lucas escreveu por e-mail. “Dada a crescente atenção ao seu trabalho, é emocionante que tantos novos leitores venham a saber sobre as contribuições de Art.”

Art Spiegelman: 'Descobri um território que era genuinamente meu' Foto: Sara Messinger/The New York Times

Spiegelman, de 74 anos, fala suavemente e com precisão e tem uma atitude reservada e professoral que pode parecer discordante com alguns de seus primeiros quadrinhos transgressores, por vezes hipersexuais ou grotescamente mórbidos.

Ele refletiu sobre sua obra e seu legado por quase duas horas durante uma recente tarde fria de dezembro, passeando pelo apartamento repleto de obras de arte e livros onde vive desde meados da década de 1970 com sua esposa e colaboradora criativa, a editora de arte nova-iorquina Françoise Mouly. Naquela época, eles tinham uma gráfica no meio da sala de estar, onde montavam edições da Raw, uma revista eclética e alternativa de quadrinhos que publicava luminares como Robert Crumb, Richard McGuire, Chris Ware e Green, um dos ídolos de Spiegelman.

Foi Green quem mostrou a ele que “aquele material confessional, autobiográfico, íntimo e indizível é um conteúdo perfeito para quadrinhos”, lembrou Spiegelman. “Não era só contar piada ou fazer uma história de fantasia”, continuou ele. “Era mais ‘O que está acontecendo no cérebro de alguém e como você pode expressar isso?’”

Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura

Art Spiegelman

Em 1972, Spiegelman desenhou uma história em quadrinhos de três páginas que mais tarde evoluiu para Maus. Começa com Spiegelman, como um pequeno rato, na cama, enquanto seu pai o coloca para dormir e conta a história de como os nazistas o haviam capturado na Polônia e mandado para Auschwitz. Usar rostos de animais no lugar de pessoas deu a ele distância suficiente para contar a história. “Para mim, foi poderoso porque me permitiu lidar com o material colocando uma máscara nas pessoas”, analisou ele. “Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura.”

RATOS

Maus tem sido um ímã de controvérsias. Os críticos se ofenderam com o uso de imagens de animais para explorar um assunto tão grave, e alguns disseram que era duplamente ofensivo que Spiegelman desenhasse judeus como ratos, já que a propaganda nazista comparava os judeus a vermes - o que era precisamente a ideia de Spiegelman. A obra foi banida na Rússia por causa da imagem da suástica na capa. Quando foi publicado na Polônia em 2001, alguns manifestantes, indignados com o fato de Spiegelman retratar os gentios poloneses como porcos, queimaram cópias do livro. Na Alemanha, um repórter perguntou a Spiegelman se não era de mau gosto fazer uma história em quadrinhos sobre Auschwitz. “Não. Acho que Auschwitz era de mau gosto”, respondeu Spiegelman. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Numa tarde semanas atrás, Art Spiegelman estava na sala de estar de seu apartamento no SoHo, fumando um cigarro eletrônico que usa pendurado no pescoço, preso a um porta-caneta para não o perder. “Estou sempre perdendo coisas”, explicou. Ele estava se sentindo mais desorientado do que o normal: tinha acabado de voltar para casa após longo tempo na estrada - uma viagem de duas semanas pelo sul com seu filho, Dash; uma excursão de pesquisa a um museu de quadrinhos em Columbus, Ohio, para um novo projeto; e uma parada em Cincinnati para acompanhar o velório do cartunista Justin Green, amigo próximo e mentor.

A viagem turbulenta foi o encerramento de um ano caótico e importante para Spiegelman, cartunista icônico que se viu no meio de um debate nacional sobre censura e antissemitismo depois que um distrito escolar do Tennessee baniu Maus, sua história em quadrinhos vencedora do Prêmio Pulitzer, das salas de aula em janeiro.

Art Spiegelman em sua casa no bairro Soho de Nova York Foto: Sara Messinger/The New York Times

Desde então, Spiegelman tem sido chamado para defender sua obra. Deu inúmeras entrevistas, palestras e webinars (seminários online), incluindo uma reunião por Zoom com moradores do condado do Tennessee, onde Maus foi banido depois que pais se opuseram a exemplos dispersos de palavrões e nudez no texto. Ele argumentou repetidas vezes que a proibição vai muito além de Maus, que detalha a experiência de seus pais durante o Holocausto, retratando judeus como ratos e nazistas como gatos. Para Spiegelman, a decisão de banir Maus das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob o pretexto de “proteger” as crianças. “Eles querem um Holocausto mais amável, gentil e nebuloso”, disse ele.

Claro, Spiegelman está acostumado aos holofotes. A fama o acompanha desde que Maus ganhou o Prêmio Pulitzer em 1992 - a primeira história em quadrinhos a fazê-lo - e transformou o meio, provando que os quadrinhos podem ser uma forma de arte e literatura. A obra vendeu 6 milhões de cópias nos EUA, tornando-se um elemento básico dos currículos escolares e um clássico da literatura do Holocausto.

MEDALHA

Ainda assim, no ano passado, Spiegelman teve uma demanda especialmente alta. Em novembro, a National Book Foundation concedeu a Spiegelman uma medalha por sua contribuição às letras americanas. Neste outono, uma nova coleção de ensaios e críticas sobre Maus e sua ressonância duradoura, chamada Maus Now, foi lançada pela Pantheon. E, para grande alegria de Spiegelman, a Pantheon acaba de relançar uma nova edição de Breakdowns, uma antologia de seus primeiros trabalhos, que foi publicada pela primeira vez em 1978 e nunca recebeu muita atenção fora dos círculos acadêmicos e cartunistas radicais.

Decisão de banir ‘Maus’ das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob pretexto de ‘proteger’ as crianças

Art Spiegelman

“Há um pequeno círculo de pessoas que realmente leem quadrinhos que sabem o que eu faço”, afirmou Spiegelman. “Mas, na maioria das vezes, Maus é como um arranha-céu gigante.”

As imagens coletadas, que apresentam seus quadrinhos da década de 1970 e trabalhos posteriores da década de 2000, oferecem um vislumbre do alcance de Spiegelman como ilustrador e da amplitude de suas influências. Entre os desenhos se encontram charges, uma série de detetives com uma inclinação cubista e algumas imagens que se desviam para a pornografia hard-core. A antologia também apresenta desenhos intimistas que capturam sua devastação após o suicídio da mãe e revelam como ele internalizou o trauma persistente de seus pais. “Foi aqui que encontrei minha voz”, revelou Spiegelman sobre o trabalho em Breakdowns. “Descobri um território que era genuinamente meu.”

A reedição já estava em andamento bem antes da proibição de Maus, mas o momento se mostrou oportuno, explicou Lisa Lucas, editora da Pantheon. “A reedição de Breakdowns coincidiu com um momento em que a importância da extraordinária carreira de Art Spiegelman se fez muito evidente para a cultura”, Lucas escreveu por e-mail. “Dada a crescente atenção ao seu trabalho, é emocionante que tantos novos leitores venham a saber sobre as contribuições de Art.”

Art Spiegelman: 'Descobri um território que era genuinamente meu' Foto: Sara Messinger/The New York Times

Spiegelman, de 74 anos, fala suavemente e com precisão e tem uma atitude reservada e professoral que pode parecer discordante com alguns de seus primeiros quadrinhos transgressores, por vezes hipersexuais ou grotescamente mórbidos.

Ele refletiu sobre sua obra e seu legado por quase duas horas durante uma recente tarde fria de dezembro, passeando pelo apartamento repleto de obras de arte e livros onde vive desde meados da década de 1970 com sua esposa e colaboradora criativa, a editora de arte nova-iorquina Françoise Mouly. Naquela época, eles tinham uma gráfica no meio da sala de estar, onde montavam edições da Raw, uma revista eclética e alternativa de quadrinhos que publicava luminares como Robert Crumb, Richard McGuire, Chris Ware e Green, um dos ídolos de Spiegelman.

Foi Green quem mostrou a ele que “aquele material confessional, autobiográfico, íntimo e indizível é um conteúdo perfeito para quadrinhos”, lembrou Spiegelman. “Não era só contar piada ou fazer uma história de fantasia”, continuou ele. “Era mais ‘O que está acontecendo no cérebro de alguém e como você pode expressar isso?’”

Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura

Art Spiegelman

Em 1972, Spiegelman desenhou uma história em quadrinhos de três páginas que mais tarde evoluiu para Maus. Começa com Spiegelman, como um pequeno rato, na cama, enquanto seu pai o coloca para dormir e conta a história de como os nazistas o haviam capturado na Polônia e mandado para Auschwitz. Usar rostos de animais no lugar de pessoas deu a ele distância suficiente para contar a história. “Para mim, foi poderoso porque me permitiu lidar com o material colocando uma máscara nas pessoas”, analisou ele. “Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura.”

RATOS

Maus tem sido um ímã de controvérsias. Os críticos se ofenderam com o uso de imagens de animais para explorar um assunto tão grave, e alguns disseram que era duplamente ofensivo que Spiegelman desenhasse judeus como ratos, já que a propaganda nazista comparava os judeus a vermes - o que era precisamente a ideia de Spiegelman. A obra foi banida na Rússia por causa da imagem da suástica na capa. Quando foi publicado na Polônia em 2001, alguns manifestantes, indignados com o fato de Spiegelman retratar os gentios poloneses como porcos, queimaram cópias do livro. Na Alemanha, um repórter perguntou a Spiegelman se não era de mau gosto fazer uma história em quadrinhos sobre Auschwitz. “Não. Acho que Auschwitz era de mau gosto”, respondeu Spiegelman. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Numa tarde semanas atrás, Art Spiegelman estava na sala de estar de seu apartamento no SoHo, fumando um cigarro eletrônico que usa pendurado no pescoço, preso a um porta-caneta para não o perder. “Estou sempre perdendo coisas”, explicou. Ele estava se sentindo mais desorientado do que o normal: tinha acabado de voltar para casa após longo tempo na estrada - uma viagem de duas semanas pelo sul com seu filho, Dash; uma excursão de pesquisa a um museu de quadrinhos em Columbus, Ohio, para um novo projeto; e uma parada em Cincinnati para acompanhar o velório do cartunista Justin Green, amigo próximo e mentor.

A viagem turbulenta foi o encerramento de um ano caótico e importante para Spiegelman, cartunista icônico que se viu no meio de um debate nacional sobre censura e antissemitismo depois que um distrito escolar do Tennessee baniu Maus, sua história em quadrinhos vencedora do Prêmio Pulitzer, das salas de aula em janeiro.

Art Spiegelman em sua casa no bairro Soho de Nova York Foto: Sara Messinger/The New York Times

Desde então, Spiegelman tem sido chamado para defender sua obra. Deu inúmeras entrevistas, palestras e webinars (seminários online), incluindo uma reunião por Zoom com moradores do condado do Tennessee, onde Maus foi banido depois que pais se opuseram a exemplos dispersos de palavrões e nudez no texto. Ele argumentou repetidas vezes que a proibição vai muito além de Maus, que detalha a experiência de seus pais durante o Holocausto, retratando judeus como ratos e nazistas como gatos. Para Spiegelman, a decisão de banir Maus das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob o pretexto de “proteger” as crianças. “Eles querem um Holocausto mais amável, gentil e nebuloso”, disse ele.

Claro, Spiegelman está acostumado aos holofotes. A fama o acompanha desde que Maus ganhou o Prêmio Pulitzer em 1992 - a primeira história em quadrinhos a fazê-lo - e transformou o meio, provando que os quadrinhos podem ser uma forma de arte e literatura. A obra vendeu 6 milhões de cópias nos EUA, tornando-se um elemento básico dos currículos escolares e um clássico da literatura do Holocausto.

MEDALHA

Ainda assim, no ano passado, Spiegelman teve uma demanda especialmente alta. Em novembro, a National Book Foundation concedeu a Spiegelman uma medalha por sua contribuição às letras americanas. Neste outono, uma nova coleção de ensaios e críticas sobre Maus e sua ressonância duradoura, chamada Maus Now, foi lançada pela Pantheon. E, para grande alegria de Spiegelman, a Pantheon acaba de relançar uma nova edição de Breakdowns, uma antologia de seus primeiros trabalhos, que foi publicada pela primeira vez em 1978 e nunca recebeu muita atenção fora dos círculos acadêmicos e cartunistas radicais.

Decisão de banir ‘Maus’ das escolas reflete uma campanha mais insidiosa para apagar capítulos perturbadores da história, sob pretexto de ‘proteger’ as crianças

Art Spiegelman

“Há um pequeno círculo de pessoas que realmente leem quadrinhos que sabem o que eu faço”, afirmou Spiegelman. “Mas, na maioria das vezes, Maus é como um arranha-céu gigante.”

As imagens coletadas, que apresentam seus quadrinhos da década de 1970 e trabalhos posteriores da década de 2000, oferecem um vislumbre do alcance de Spiegelman como ilustrador e da amplitude de suas influências. Entre os desenhos se encontram charges, uma série de detetives com uma inclinação cubista e algumas imagens que se desviam para a pornografia hard-core. A antologia também apresenta desenhos intimistas que capturam sua devastação após o suicídio da mãe e revelam como ele internalizou o trauma persistente de seus pais. “Foi aqui que encontrei minha voz”, revelou Spiegelman sobre o trabalho em Breakdowns. “Descobri um território que era genuinamente meu.”

A reedição já estava em andamento bem antes da proibição de Maus, mas o momento se mostrou oportuno, explicou Lisa Lucas, editora da Pantheon. “A reedição de Breakdowns coincidiu com um momento em que a importância da extraordinária carreira de Art Spiegelman se fez muito evidente para a cultura”, Lucas escreveu por e-mail. “Dada a crescente atenção ao seu trabalho, é emocionante que tantos novos leitores venham a saber sobre as contribuições de Art.”

Art Spiegelman: 'Descobri um território que era genuinamente meu' Foto: Sara Messinger/The New York Times

Spiegelman, de 74 anos, fala suavemente e com precisão e tem uma atitude reservada e professoral que pode parecer discordante com alguns de seus primeiros quadrinhos transgressores, por vezes hipersexuais ou grotescamente mórbidos.

Ele refletiu sobre sua obra e seu legado por quase duas horas durante uma recente tarde fria de dezembro, passeando pelo apartamento repleto de obras de arte e livros onde vive desde meados da década de 1970 com sua esposa e colaboradora criativa, a editora de arte nova-iorquina Françoise Mouly. Naquela época, eles tinham uma gráfica no meio da sala de estar, onde montavam edições da Raw, uma revista eclética e alternativa de quadrinhos que publicava luminares como Robert Crumb, Richard McGuire, Chris Ware e Green, um dos ídolos de Spiegelman.

Foi Green quem mostrou a ele que “aquele material confessional, autobiográfico, íntimo e indizível é um conteúdo perfeito para quadrinhos”, lembrou Spiegelman. “Não era só contar piada ou fazer uma história de fantasia”, continuou ele. “Era mais ‘O que está acontecendo no cérebro de alguém e como você pode expressar isso?’”

Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura

Art Spiegelman

Em 1972, Spiegelman desenhou uma história em quadrinhos de três páginas que mais tarde evoluiu para Maus. Começa com Spiegelman, como um pequeno rato, na cama, enquanto seu pai o coloca para dormir e conta a história de como os nazistas o haviam capturado na Polônia e mandado para Auschwitz. Usar rostos de animais no lugar de pessoas deu a ele distância suficiente para contar a história. “Para mim, foi poderoso porque me permitiu lidar com o material colocando uma máscara nas pessoas”, analisou ele. “Reviver essa história microscopicamente, da melhor maneira que pude, momento a momento, me permitiu pelo menos enfrentar algo que, de outra forma, seria apenas uma sombra escura.”

RATOS

Maus tem sido um ímã de controvérsias. Os críticos se ofenderam com o uso de imagens de animais para explorar um assunto tão grave, e alguns disseram que era duplamente ofensivo que Spiegelman desenhasse judeus como ratos, já que a propaganda nazista comparava os judeus a vermes - o que era precisamente a ideia de Spiegelman. A obra foi banida na Rússia por causa da imagem da suástica na capa. Quando foi publicado na Polônia em 2001, alguns manifestantes, indignados com o fato de Spiegelman retratar os gentios poloneses como porcos, queimaram cópias do livro. Na Alemanha, um repórter perguntou a Spiegelman se não era de mau gosto fazer uma história em quadrinhos sobre Auschwitz. “Não. Acho que Auschwitz era de mau gosto”, respondeu Spiegelman. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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