O jornalista britânico Ioan Grillo, que vive há 15 anos no México e cobre o tráfico de drogas e o crime organizado para diversas publicações, tem algumas ideias sobre como amenizar, já que resolver é praticamente impossível, a questão das drogas. Primeiro, ele pensa, é preciso legalizar a maconha. Depois, olhar com mais cuidado para a cocaína e discutir, também, a discriminação de seu uso. Duas iniciativas que já começariam a desestabilizar os cartéis. O terceiro passo seria oferecer tratamento adequado a todos os usuários. Escalado de última hora para a Festa Literária Internacional de Paraty, ele e o também jornalista Diego Enrique Osorno, que chega hoje à cidade, debatem essas e outras questões no sábado à noite, na mesa que contaria com o italiano Roberto Saviano, autor de Zero Zero Zero, sobre o tráfico internacional de cocaína.
Os dois convidados têm livros sobre o tema, mas nunca foram publicados no Brasil. Grillo prepara o lançamento de seu segundo título, que terá uma relação próxima com o País. Em Gangster Warlords: Drug Dollars, Killing Fields and the New Politics of Latin America, previsto para janeiro, ele analisa as facções criminosas Los Caballeros Templarios (México), Shower Posse (Jamaica), Mara Salvatrucha (Honduras) e Comando Vermelho (Brasil). Por causa desse livro, já veio outras três vezes ao País – e encontrou “dos donos das favelas aos soldados do tráfico”.
Em entrevista no final da tarde de ontem, em Paraty, ele falou sobre o Comando Vermelho, sua “retórica de classe”, ou seja, “o discurso de que ‘lutamos pelos pobres e contra os ricos’” e sua fundação, na ditadura militar, e falou também sobre o PCC. “O PCC é uma organização muito perigosa e tem quase o monopólio do crime. Eles estão controlando mais a periferia, os presídios e o tráfico de drogas, mas e se no futuro eles começarem a extorquir, a sequestrar, como facções fizeram no México? O Brasil vive uma situação precária e difícil”, diz.
Ele, no entanto, é positivo com relação a um ponto: nossos traficantes são menos sociopatas do que os mexicanos. Mas há algo muito preocupante, Grillo completa, na acomodação do brasileiro. “O Brasil aprendeu a viver com o crime organizado, aprendeu a viver com o índice de 50 mil homicídios por ano. É um jeito muito perigoso de se viver, é uma situação muito instável.”
Fascinado pela América Latina, ele se mudou para o México um pouco antes dos 30. Não pensava em escrever sobre esses temas, mas, chegando lá, soube que não teria como escapar. “Era tudo um grande mistério. Quem eram esses traficantes? Como eles estavam ganhando US$ 30 bilhões por ano? Não os vemos, são como uma força invisível. Quis entender isso e também a relação entre países que consomem, como o meu, e os que produzem”, explica. E a escalada da violência o assustou. “Em sete anos, 80 mil pessoas foram mortas pelos cartéis ou polícia. Famílias foram destruídas, inocentes morreram. Não foi uma violência local, como acho que tem no Brasil, mas pública, atingiu a classe média. Por isso chocou tanto o México. No Brasil, vejo uma violência menos impactante porque ela está mais dentro das favelas.”
As histórias sobre as quais escreve o afetam, como afetariam qualquer um, diz o jornalista de 42 anos. “Como um repórter no campo, é preciso criar um distanciamento emocional para poder fazer o trabalho. Você é como um observador, então as histórias não têm o impacto que teriam se você fosse parte dela.” Mesmo assim, lembra com pesar da cobertura que fez do terremoto do Haiti – ele escreve sobre outros temas, também –, onde viu pessoas enterrarem a família inteira. “Mas as histórias mais tristes são as das mães que perderam suas crianças por causa do tráfico”, comenta. Ele finaliza dizendo que acredita que mudanças radicais em comunidades pobres podem salvar vidas e tirar as pessoas do crime.