O escritor nigeriano Chigozie Obioma vai completar 30 anos em 2016: tempo suficiente para ele escrever e publicar Os Pescadores, ser traduzido para 24 idiomas e receber resenhas positivas em vários jornais do mundo, incluindo aí o The New York Times e o The Guardian. O livro levou um punhado de prêmios e estava na lista de seis finalistas do Man Booker Prize, um dos mais importantes de língua inglesa, e sai em março no Brasil pela Globo Livros.
“Como você esperaria algo assim?”, diz o estreante, por telefone, de um aeroporto de Michigan, EUA, antes de embarcar em uma viagem profissional – hoje, ele é professor na Universidade de Nebraska-Lincoln, de literatura e escrita criativa.
Os Pescadores mostra como quatro irmãos da família Agwu – pacíficos, unidos e amigos, que começam o livro pescando juntos em um rio da região de Akure (316 km de Lagos) – passam a viver no caos que é instaurado em suas vidas depois da profecia de um “louco” chamado Abulu. Na entrevista a seguir, Obioma explica como sua comovente história é, na verdade, uma grande parábola da Nigéria.
Você nasceu na Nigéria, em meio a uma grande família. Como o livro se refere a esse tempo?
O romance foi feito cheio de nostalgia. Quando escrevi, estava vivendo no Chipre, depois de crescer na Nigéria nos anos 1990. O livro pretendeu capturar esse período, a ideia de laço familiar, irmandade, o que faz cada pessoa que nasceu de minha mãe única, as diferenças entre eles e meus amigos. Por que essas pessoas são especiais, por que acontecem as conexões.
Por que você se mudou para o Chipre?
Literatura. Eu estava na escola na Nigéria, no ensino médio, e lá quando você não quer estudar para se tornar engenheiro, médico ou advogado, as pessoas ficam muito preocupadas. Meus pais estavam assustados quando disse que queria ser escritor. Fui para a faculdade estudar economia, para ser como meu pai. Depois de três anos, infeliz e sem escrever, falei que não ia mais aguentar. Então ele disse para eu ir para algum lugar em que as pessoas realmente se importassem com literatura, fora da África.
O que você acha que aconteceu para as pessoas gostarem tanto do seu livro?
(Risos) Não sei. Acho que elas se apaixonaram pelos garotos. O que é bom para mim.
Você disse uma vez que não tinha escrito para os nigerianos, porque as pessoas na África ocidental não leem. Como é isso?
Fui muito atacado por isso. As coisas estão mudando, mais pessoas estão interessadas. Mas mesmo no momento em que falamos, a maioria dos nigerianos não se importa com ficção. Africanos não leem por prazer, eles veem filmes, fazem outras coisas. Os africanos são muito religiosos, na maioria, então o que lemos é a Bíblia e o Corão. A ideia é que eu não estou escrevendo para ninguém. Não estou escrevendo para o Ocidente. Escrevo para o leitor sem rosto. O livro está sendo traduzido para 24 línguas. O que eu preciso pensar é que quando eu escrevo, quero que o leitor veja, sinta e escute o que estou escrevendo. Se alguém em Cabul pode ver, sentir e escutar o que eu escrevi, então isso está bom para mim. Se um nigeriano não ver, sentir ou escutar, eu não me importo. Se um europeu pode e um nigeriano não, não tem problema. Alcancei meu objetivo.
Mesmo assim, uma geração de escritores parece estar saindo da Nigéria, e o país tem um Prêmio Nobel de Literatura (Wole Soyinka, 1986).
O que acontece é que não tem nada de especial sobre a Nigéria. Acho que temos uma população muito grande. Os Estados Unidos estão produzindo muitos escritores, China, Índia também… A Nigéria vai produzir na mesma proporção. Nós também temos uma tradição de contar histórias. Pessoas que cresceram convivendo com contação de histórias podem criar interesse. Mas não sei a razão.
O que é mais atraente neste livro para você?
O livro é uma exploração radical de duas questões. Ele anda no drama familiar, na briga entre irmãos e no que acontece quando sentimentos infantis são feridos. Ele é também um tipo de comentário sobre o Estado da Nigéria e da maioria dos países da África. Na África, descrevemos qualquer intruso como um ‘louco’. Se a pessoa entra na sua casa sem autorização, sua primeira reação é ‘seu louco’. É assim que Abulu (o profeta ‘louco’ da história do livro) representa os britânicos que vieram sem convite e causaram problemas. O fato de que os garotos, pacíficos, foram afetados por isso. Essa parte da história, esse simbolismo, para mim é muito rico.
É possível fazer uma comparação entre o pai da família e os governos problemáticos da Nigéria na época?
Eu não tinha essa pretensão, mas acho que poderia ser lido desse jeito. O que eu estava tentando representar é que as tribos da Nigéria estavam vivendo em harmonia e em paz. Sem relações entre elas. Então os britânicos vieram e lançaram o caos ao tentar juntar o que não deveria ser juntado. E foi daí que os problemas vieram. Tentaram mudar o curso das coisas. Eles destruíram nações independentes. O pai representa essas tradições africanas que foram abandonadas, suplantadas por costumes ocidentais, como o cristianismo.
Os personagens falam pelo menos três línguas no livro (inglês, igbo e iorubá). Como você pretende explorar essa diversidade nos seus próximos trabalhos?
Se você nasceu em um país pós-colonial como a Nigéria, você fala pelo menos duas línguas. Esse foi meu caso, eu falava três. O próximo livro se passa em parte no Chipre, então o turco também vai estar envolvido (risos). Ainda estou escrevendo, mas chegando perto do fim. É uma história sobre alguém cuja vida é transformada quando tudo o que ele tem é tomado dele. Mas também sobre amor, porque ele também perde seu amor. Cobre quase uma década, como Os Pescadores. Talvez saia em 2018.
Você pretende tratar da questão racial nesse trabalho?
Na Nigéria, a não ser nas cidades grandes, num lugar como Akure, claro que a raça não é uma questão, porque todo mundo, 99%, é negro. Para descrever o vizinho, você nunca diria ‘branco loiro’, ou ‘negro’. Isso é só na TV. Eles parecem estrangeiros, não há nenhum tipo de competição. Mas quando você vai à China e percebe ser diferente de todas as pessoas na rua, a questão o atinge. É só quando se percebe algo diferente, se torna consciente desse fato. Você não pensa nisso quando está vivendo na Nigéria. No próximo livro, há essa questão, sim.
OS PESCADORES
Autor: Chigozie Obioma
Tradutor: Claudio Carina
Editora: Globo Livros (270 págs., R$ 39,90)
QUEM É
Chigozie Obioma
Escritor e professor
Nascido na Nigéria, em 1986, estudou literatura no Chipre antes de se tornar professor universitário de escrita criativa nos EUA. Seu primeiro livro, ‘Os Pescadores’, lhe rendeu uma posição na shortlist do Man Booker Prize.
A GERAÇÃO NIGERIANA:
* Chimamanda N. Adichie A escritora de 38 anos (acima) chegou a ser cotada nas casas de apostas para o Prêmio Nobel de Literatura em 2015 após a publicação de ‘Americanah’. * Helon Habila Nascido em 1967, o autor é colaborador frequente do ‘The Guardian’ e membro do conselho do African Writers Trust, entidade que pretende coordenar o trabalho de escritores do continente. * Chika Unigwe Escrevendo em inglês e holandês, a autora de 41 anos foi eleita pelo projeto britânico Africa39 como uma dos 39 escritores jovens que vão definir o futuro da literatura africana. * Teju Cole Apesar de ter nascido nos EUA em 1975, ele cresceu e se formou na Nigéria, país de seus pais. Seu livro ‘Cidade Aberta’ foi bem recebido pela crítica, inclusive no Brasil.