Março de 2020. No mesmo dia em que a Organização Mundial da Saúde decretou o início da pandemia do coronavírus, a Feira do Livro Infantil de Bolonha, que por precaução, mas ainda otimista, havia adiado de março para abril aquela edição, cancelou definitivamente o evento. A Itália estava se tornando o epicentro da covid-19 no Ocidente e o que se seguiu foi um confinamento radical para tentar controlar a doença que estava devastando o país. Em 2021, a situação era melhor – mas não no mundo todo e nem o suficiente para que a feira acontecesse presencialmente –, e então ela virou digital. Hoje, dois anos depois, a maior feira de livros voltada para a infância, abre suas portas.
Mais de 1.000 expositores de 85 países, além de profissionais do mercado editorial de quase todo o mundo, estão na Itália para comprar e vender direitos autorais de livros, licenciar produtos, aprender mais e conhecer as novidades deste segmento do mercado editorial. Trata-se de uma feira de negócios, de encontros e reencontros, onde são realizadas, ainda, conferências, debates, exposição de ilustradores e encontros com autores.
Tendência
A editora Mariana Warth, da Pallas, conta que no ano passado as obras sobre coronavírus estavam em evidência. “Recebi livros em que os personagens usavam máscaras ou que explicavam sobre a covid para crianças. Já não vejo mais isso e ainda não vi nenhuma tendência para este ano, só algumas pessoas falando sobre os livros de guerra já publicados. Tenho a impressão de que há uma tendência à ‘normalidade’. Até quando, a gente não sabe.”
A Pallas é uma das 10 editoras do estande coletivo do projeto Brazilian Publishers, uma parceria da Câmara Brasileira do Livro e Apex. Outras, mais interessadas em comprar do que vender, participam de forma independente, como por exemplo a WMF Martins Fontes e a novata Pingo de Ouro.
Mas é difícil pensar em normalidade quando há uma guerra acontecendo ali ao lado, e livros sobre o tema devem ganhar destaque na feira, que segue até quinta, 24. “A guerra é um assunto recorrente em livros infantis e a própria Ucrânia tem um lindo sobre isso, que ganhou nosso prêmio em 2015. Talvez essa seja sim uma tendência, mas ainda não quero pensar nisso. É tudo assustador”, diz Elena Pasoli, diretora da feira, que prepara ações em prol da Ucrânia e vetou o estande russo patrocinado por Putin.
Como Mariana, e porque os negócios começam antes mesmo da feira, Luciana Veit, da WMF Martins Fontes, conta que nos últimos dias recebeu muitos e-mails com livros sobre guerra e também de autores e ilustradores ucranianos. Ainda com receio de viajar, o que fez com que muitos outros editores adiassem mais sua volta a Bolonha, a editora comemora a possibilidade de “ver e conversar e mexer nos livros, nos bonecos, nos projetos. Nos dois últimos anos os encontros onlines durante as feiras foram bem cansativos”. Para quem não pôde viajar, uma parte da programação será online durante o evento, outra, depois.
“Acredito que livros relacionados a refugiados, imigração, guerra e autoritarismos continuarão em pauta, como já estava nos últimos anos”, comenta Daniela Padilha, que não veio a Bolonha, mas que pode terminar a noite com uma boa notícia. Sua editora Jujuba é uma das cinco finalistas do prêmio de editora do ano da Feira de Bolonha, na categoria América Central e do Sul. “Foi uma grande surpresa a indicação de uma editora pequena brasileira ao prêmio, num momento de tanto desmonte da área da cultura e de enfraquecimento das instituições do livro infantil”, comenta a editora. Daniela não veio, mas mandou seus livros para o estande coletivo.
Além da Jujuba e da Pallas, estão no espaço de 96 m² Callis, Girassol Brasil, Melhoramentos, Carochinha, Editora do Brasil, Todolivro, Ateliê da Escrita e Ôzé. Em 2019, foram 18 editoras. Ali há espaço para exposição dos livros, reuniões e uma mostra dos livros selecionados pelo Clube de Leitura ODS em Língua Portuguesa, baseado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
O que atrai
Fernanda Dantas, gerente de relações internacionais do Brazilian Publishers, conta que temas relacionados à cultura brasileira e suas particularidades costumam despertar interesse dos estrangeiros. “Mas existem peculiaridades, como a procura por livros com temáticas relacionadas ao futebol por parte de editoras árabes, por exemplo.” A feira deve gerar US$ 200 mil em negócios para o mercado nacional.
Zeco Montes desembarca em Bolonha pela segunda vez – mas é como se fosse a primeira. Com 44 anos de mercado editorial, principalmente como livreiro, e há 10 tocando a Ôzé, ele veio como editora convidada em 2019 e ficou num cantinho pouco movimentado. Hoje ele volta e vai marcar ponto no estande do Brasil, onde vai apresentar seus livros para editores internacionais, e chega com dois títulos premiados na mala: A Avó Amarela, melhor livro infantil do Jabuti 2019, e Sagatrissuinorana, Livro do Ano na mesma premiação em 2021. Para ajudar a vender os direitos autorais da delicada obra de João Luiz Guimarães ilustrada por Nelson Cruz, que presta homenagem a Guimarães Rosa e reconta a história dos Três Porquinhos tendo como pano de fundo o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, o editor até encomendou uma tradução da obra para o inglês.
*A repórter viajou a convite da Feira do Livro Infantil de Bolonha