Ziraldo, que morreu neste sábado, 6, aos 91 anos, deu sua última longa entrevista ao Estadão em agosto de 2018, um mês antes de sofrer um AVC.
Criador de um dos personagens mais marcantes da literatura infantil brasileira, o Menino Maluquinho, ele contou que percebeu, lá por abril ou maio daquele ano, que tinha envelhecido. O motivo da entrevista era para falar sobre o lançamento histórico de Mônica e Menino Maluquinho na Montanha Mágica, o primeiro crossover de seu famoso personagem com a mais famosa criação de Mauricio de Sousa.
Ao final da conversa, Ziraldo disse que já chegou a desenhar durante 16 horas por dia, mas que andava “preguiçoso”. “Fiquei velho de repente. Um dia acordei de manhã e me vi velho. Isso tem uns três meses. É assustador”, disse, então, com 85 anos, às vésperas de sua última Bienal do Livro.
Ele, presença obrigatória no evento desde o seu início e responsável por algumas das maiores filas de autógrafos da feira, nunca mais voltou a ter esse tipo de contato com os leitores - e eles se renovam a cada geração. As sessões de autógrafos, aliás, não o cansavam. Ele comentou que ficava feliz com o reencontro com seu público - e por ver que eles já tinham filhos e netos que também tinham se tornado seus leitores.
Ziraldo comentou que nunca tinha pensado nessa hipótese de se sentir velho. “É uma coisa nova e triste. Agora, tenho que trabalhar e produzir porque se eu parar, eu morro.” LEIA AQUI A MATÉRIA NA ÍNTEGRA
Ziraldo em 2020
Ziraldo voltou a falar com o Estadão em 2020, no início da pandemia de covid-19., mas desta vez por e-mail. “O coronavírus é um bom inimigo para uma HQ”, ele disse. Leia abaixo o texto publicado em 25 de abril, pouco mais de um mês depois do início do isolamento social.
Milhares de meninos maluquinhos estão presos em casa e cheios de ideias de traquinagens. O que diria para essas crianças?
Façam uma surpresa para seus pais: comportem-se (risos). Quero só ver!
Sem espaço para brincar livremente, a imaginação corre solta. Qual é a importância da imaginação e da fantasia para a infância?
As crianças têm uma imaginação muito grande e fértil. Elas inventam coisas incríveis com uma rapidez fantástica para encher a cabecinha delas – principalmente os meninos de 8 anos, idade do Menino Maluquinho. Crianças são as veias do mundo.
Como as histórias podem ajudar os pequenos neste momento?
O coronavírus é uma coisa tão misteriosa que dá para gente inventar muitas histórias sobre ele. Eu sei que é pretensioso, mas estou com uma vontade muito grande de fazer uma aventura da Turma do Pererê em torno do coronavírus. Ainda não sei como seria, mas vou dar uma missão para a turma: liquidar o coronavírus. Isso é bastante apetitoso para a criança porque ela fica pensando: se tivesse na minha mão, como é que eu iria acabar com ele? Ela acha que pode vencer o coronavírus e vence, né? Eu acho que é um inimigo bom para uma história em quadrinhos. Mas não sei se vou conseguir fazer essa história, às vezes não sai.
Como imagina que as crianças vão sair desta pandemia?
Essas crianças vão crescer e vão virar, como eu, avós. E então elas vão contar para os netos: meninos, eu estive lá! Vão contar a verdade ou vão inventar porque avô tem essa vantagem: ele conta a história como ele quer (risos). Eu já vou estar velho, muito velho, mas as crianças de hoje, quando estiverem com 87 anos, vão se lembrar dessa pandemia que passa pela vida apenas uma vez. É quase um privilégio você ter vivido essa aventura. Não sei como ela vai terminar, mas vai ser emocionante você se lembrar que estava presente. Como eu ouvia meu avô contar sobre a época da Gripe Espanhola.
Imaginou que viveríamos algo assim?
Sim, imaginei que algo marcante iria acontecer ao longo desse tempo, porque sempre acontece muita coisa que a história registra. Esse é tipicamente um caso que a história vai lembrar para sempre. Sempre vai se falar da pandemia do coronavírus. Então, você que está vivendo presta atenção: você é testemunha de um fato histórico.