Genocídio em Ruanda transformou Scholastique Mukasonga em escritora


Autora está em Paraty para lançar dois de seus livros; ela também dividiu uma mesa da programação principal com Noemi Jaffy, cuja mãe sobreviveu a Auschwitz

Por Guilherme Sobota

PARATY - Scholastique Mukasonga – nascida em 1956 em Ruanda e hoje escritora francófona respeitada mundo afora – passou à força pela provação de ver 27 membros de sua família mortos no genocídio naquele país em 1994. Centenas de milhares de tutsi, sua etnia, foram dizimados pelo exército de maioria Hutu, numa guerra civil que ainda desabrigou outros dois milhões de pessoas. Esse trauma, e a necessidade de salvar a memória da família, Scholastique transformou em literatura, que ela apresentou nesta quinta-feira, 27, como convidada da 15.ª Flip.

A Editora Nós publica dois de seus livros por aqui: Nossa Senhora do Nilo e A Mulher dos Pés Descalços, este muito marcado pela história real de sua mãe. 

Scholastique Mukasonga e Noemi Jaffe na Flip, nesta quinta, 27 Foto: Walter Craveiro/Divulgação
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Scholastique dividiu uma mesa da programação principal com Noemi Jaffe, cuja mãe foi sobrevivente de Auschwitz. “São casos completamente diferentes. Scholastique escreve a guerra, eu escrevo sobre a guerra. As missões são distintas. Além de eu saber que tenho uma mãe que passou por aquilo, tenho uma culpa sem sentido de eu mesmo não ter passado. Minha mãe preferiu esquecer para sobreviver. Eu, como escritora, preciso lembrar o que ela precisa esquecer”, disse Noemi no debate no fim da noite de quinta-feira. Noemi é autora e organizadora de O Que os Cegos Estão Sonhando? (Editora 34), inspirado nos diários de sua mãe.

“Escolhi abordar esse assunto tão duro porque na verdade ‘mãe’ significa força, mas também amor, afeição, ternura e doçura”, comentou Scholastique, mais cedo, numa entrevista coletiva. “Tive grande dificuldade, me senti como se lanças atravessassem o meu corpo enquanto escrevia, mas A Mulher... é o livro ao qual eu me sinto mais vinculada como autora”, comentou a escritora, que já publicou cinco outras obras na França, onde vive desde 1992.

Antes disso, ainda nos anos 1960, ela e a família foram forçados a viver numa área subdesenvolvida de Ruanda. Mukasonga depois fugiu para o Burundi e se estabeleceu na França em 1992, dois anos antes do massacre. O sofrimento pós-1994 só começou a cicatrizar doze anos depois, quando a Gallimard publicou seu primeiro livro, Inyenzi ou les Cafards (Inyenzi ou as Baratas), relato autobiográfico que faz alusão à maneira como seu povo era tratado. 

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Apesar de toda dor, Scholastique dá valor à responsabilidade de contar essas histórias a partir de um país sem tradição escrita. “Em tudo isso existe algo de muito positivo, porque eu convivi com a minha família e tive tempo de guardar os costumes. O fato de poder me lembrar dessas coisas e hoje ser considerada uma guardiã dessa tradição”, comentou na Flip.

Os livros também foram bem recebidos em Ruanda, segundo a autora. “A impressão que eu ainda tenho, quando vou para lá, é a de encontrar minha verdadeira identidade”, afirmou. “Eles me dizem que estavam esperando essas histórias. Agora, cada vez que vou, tenho até que me esconder porque as pessoas começam a cobrar pelo próximo livro”, disse, bem humorada.

Os destaques da Flip 2017, que homenageia Lima Barreto

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PARATY - Scholastique Mukasonga – nascida em 1956 em Ruanda e hoje escritora francófona respeitada mundo afora – passou à força pela provação de ver 27 membros de sua família mortos no genocídio naquele país em 1994. Centenas de milhares de tutsi, sua etnia, foram dizimados pelo exército de maioria Hutu, numa guerra civil que ainda desabrigou outros dois milhões de pessoas. Esse trauma, e a necessidade de salvar a memória da família, Scholastique transformou em literatura, que ela apresentou nesta quinta-feira, 27, como convidada da 15.ª Flip.

A Editora Nós publica dois de seus livros por aqui: Nossa Senhora do Nilo e A Mulher dos Pés Descalços, este muito marcado pela história real de sua mãe. 

Scholastique Mukasonga e Noemi Jaffe na Flip, nesta quinta, 27 Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Scholastique dividiu uma mesa da programação principal com Noemi Jaffe, cuja mãe foi sobrevivente de Auschwitz. “São casos completamente diferentes. Scholastique escreve a guerra, eu escrevo sobre a guerra. As missões são distintas. Além de eu saber que tenho uma mãe que passou por aquilo, tenho uma culpa sem sentido de eu mesmo não ter passado. Minha mãe preferiu esquecer para sobreviver. Eu, como escritora, preciso lembrar o que ela precisa esquecer”, disse Noemi no debate no fim da noite de quinta-feira. Noemi é autora e organizadora de O Que os Cegos Estão Sonhando? (Editora 34), inspirado nos diários de sua mãe.

“Escolhi abordar esse assunto tão duro porque na verdade ‘mãe’ significa força, mas também amor, afeição, ternura e doçura”, comentou Scholastique, mais cedo, numa entrevista coletiva. “Tive grande dificuldade, me senti como se lanças atravessassem o meu corpo enquanto escrevia, mas A Mulher... é o livro ao qual eu me sinto mais vinculada como autora”, comentou a escritora, que já publicou cinco outras obras na França, onde vive desde 1992.

Antes disso, ainda nos anos 1960, ela e a família foram forçados a viver numa área subdesenvolvida de Ruanda. Mukasonga depois fugiu para o Burundi e se estabeleceu na França em 1992, dois anos antes do massacre. O sofrimento pós-1994 só começou a cicatrizar doze anos depois, quando a Gallimard publicou seu primeiro livro, Inyenzi ou les Cafards (Inyenzi ou as Baratas), relato autobiográfico que faz alusão à maneira como seu povo era tratado. 

Apesar de toda dor, Scholastique dá valor à responsabilidade de contar essas histórias a partir de um país sem tradição escrita. “Em tudo isso existe algo de muito positivo, porque eu convivi com a minha família e tive tempo de guardar os costumes. O fato de poder me lembrar dessas coisas e hoje ser considerada uma guardiã dessa tradição”, comentou na Flip.

Os livros também foram bem recebidos em Ruanda, segundo a autora. “A impressão que eu ainda tenho, quando vou para lá, é a de encontrar minha verdadeira identidade”, afirmou. “Eles me dizem que estavam esperando essas histórias. Agora, cada vez que vou, tenho até que me esconder porque as pessoas começam a cobrar pelo próximo livro”, disse, bem humorada.

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A Editora Nós publica dois de seus livros por aqui: Nossa Senhora do Nilo e A Mulher dos Pés Descalços, este muito marcado pela história real de sua mãe. 

Scholastique Mukasonga e Noemi Jaffe na Flip, nesta quinta, 27 Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Scholastique dividiu uma mesa da programação principal com Noemi Jaffe, cuja mãe foi sobrevivente de Auschwitz. “São casos completamente diferentes. Scholastique escreve a guerra, eu escrevo sobre a guerra. As missões são distintas. Além de eu saber que tenho uma mãe que passou por aquilo, tenho uma culpa sem sentido de eu mesmo não ter passado. Minha mãe preferiu esquecer para sobreviver. Eu, como escritora, preciso lembrar o que ela precisa esquecer”, disse Noemi no debate no fim da noite de quinta-feira. Noemi é autora e organizadora de O Que os Cegos Estão Sonhando? (Editora 34), inspirado nos diários de sua mãe.

“Escolhi abordar esse assunto tão duro porque na verdade ‘mãe’ significa força, mas também amor, afeição, ternura e doçura”, comentou Scholastique, mais cedo, numa entrevista coletiva. “Tive grande dificuldade, me senti como se lanças atravessassem o meu corpo enquanto escrevia, mas A Mulher... é o livro ao qual eu me sinto mais vinculada como autora”, comentou a escritora, que já publicou cinco outras obras na França, onde vive desde 1992.

Antes disso, ainda nos anos 1960, ela e a família foram forçados a viver numa área subdesenvolvida de Ruanda. Mukasonga depois fugiu para o Burundi e se estabeleceu na França em 1992, dois anos antes do massacre. O sofrimento pós-1994 só começou a cicatrizar doze anos depois, quando a Gallimard publicou seu primeiro livro, Inyenzi ou les Cafards (Inyenzi ou as Baratas), relato autobiográfico que faz alusão à maneira como seu povo era tratado. 

Apesar de toda dor, Scholastique dá valor à responsabilidade de contar essas histórias a partir de um país sem tradição escrita. “Em tudo isso existe algo de muito positivo, porque eu convivi com a minha família e tive tempo de guardar os costumes. O fato de poder me lembrar dessas coisas e hoje ser considerada uma guardiã dessa tradição”, comentou na Flip.

Os livros também foram bem recebidos em Ruanda, segundo a autora. “A impressão que eu ainda tenho, quando vou para lá, é a de encontrar minha verdadeira identidade”, afirmou. “Eles me dizem que estavam esperando essas histórias. Agora, cada vez que vou, tenho até que me esconder porque as pessoas começam a cobrar pelo próximo livro”, disse, bem humorada.

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