Há um ano sendo lançada em coedição brasileira e portuguesa, simultaneamente nos dois países, a nova edição da revista Granta terá um evento de apresentação nesta sexta-feira, 14, em São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade, às 19h. O editor Gustavo Pacheco conversa com os escritores Marçal Aquino e Veronica Stigger. A Granta Em Língua Portuguesa 4 – Cinema parte da associação entre literatura e cinema para explorar o mundo criado a partir dessa intersecção.
E a escalação impressiona: textos inéditos em português de Roberto Bolaño e Colson Whitehead, ficções dos dois autores citados no primeiro parágrafo (a primeira ficção publicada de Marçal Aquino desde Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, de 2005), um ensaio de Jonathan Lethem sobre John Cassavetes, um roteiro do cineasta português João Rosas – entre outros.
“A Granta em Língua Portuguesa busca publicar textos que tenham qualidade literária, abarcando o maior espectro possível de gêneros e estilos”, explica o editor brasileiro da publicação, o escritor Gustavo Pacheco (o português Pedro Mexia comanda as operações do outro lado do Atlântico). “Publicamos não só ficção, mas também ensaio, testemunho, reportagem, textos híbridos. Tem de tudo. Por exemplo: na edição mais recente, cujo tema é cinema, publicamos, além de vários contos inéditos, um diário da cineasta Letícia Simões, que acompanha a preparação do roteiro de seu último longa-metragem, durante uma residência artística que ela fez na Bahia.”
A ideia da revista é também conciliar textos de autores consagrados com escritores mais jovens e mesmo estreantes.
Nesta edição, o texto inédito de Roberto Bolaño é O Filho do Coronel, traduzido por Antonio Xerxenesky – que se encaixa na tradição particular do artista chileno em reproduzir em palavras filmes reais ou imaginários e que faz parte do seu livro póstumo El Secreto Del Mal.
Já Marçal Aquino situa o conto Na Tua Relva, ou a Greta Garbo da Rua do Triunfo na Boca do Lixo, reduto paulistano do cinema independente entre os anos 1960 e 80. Veronica Stigger, por sua vez, reinventa a máquina de Morel para lançar o leitor num futuro em que o aquecimento global já transformou. Os dois autores falaram com o Estado sobre seus textos (leia abaixo).
Pacheco explica que a edição da revista é dividida meio a meio com Mexia, mas evita classificar entre “português do Brasil” e “português de Portugal”.
“Primeiro, porque acho que não existe apenas um ‘português do Brasil’ nem apenas um ‘português de Portugal’; segundo, porque é comum que essas expressões sejam usadas para ressaltar a distância e a estranheza entre dois universos linguísticos diferentes, e não a diversidade e riqueza que existem dentro de um mesmo universo linguístico, que é o que me interessa destacar e valorizar; terceiro, porque pensar nesses termos não dá conta de todo o universo lusófono”, comenta o editor da Granta.
Edição binacional entre Brasil e Portugal completa um ano
Gustavo Pacheco e Pedro Mexia dividem o processo editorial da ‘Granta em Língua Portuguesa’, um bom espaço para autores
A Granta já teve duas edições diferentes em português: a Granta Brasil, publicada entre 2012 e 2015, e a Granta Portugal, entre 2013 e 2017, segundo explica um dos novos editores da Granta em Língua Portuguesa, Gustavo Pacheco.
“Em 2018, a Bárbara Bulhosa, editora da Granta Portugal, decidiu transformar a edição portuguesa em uma revista binacional, e assim surgiu essa nova publicação. Os primeiros dois números ficaram a cargo do Carlos Vaz Marques, jornalista português que tinha dirigido a edição; só em 2019, a partir do número 3, é que a revista passou a funcionar com um codiretor português (o poeta, cronista e crítico literário Pedro Mexia) e um codiretor brasileiro (eu). Foi uma mudança importante, pois consolidou e aprofundou o projeto de fazer uma revista realmente binacional.”
Para ele, o balanço desse primeiro ano transatlântico é “excelente”. “Publicamos vários textos brasileiros interessantíssimos, entre eles um conto da Ana Paula Maia (coisa rara, já que ela é essencialmente romancista) e um conto do Joca Reiners Terron que acabou dando origem a seu romance mais recente, A Morte e o Meteoro. Entre os estrangeiros, publicamos textos de Philip K. Dick e Roberto Bolaño que estavam inéditos em português, e também contos de autores mais jovens e ainda desconhecidos no Brasil e em Portugal, como a Aoko Matsuda (traduzida diretamente do japonês).”
Em Portugal, segundo Pacheco, a revista é bem conhecida, tem cerca de 800 assinantes e vende alguns milhares de exemplares. “No Brasil, pouco a pouco tem crescido o número de assinantes.” Uma nova edição está prevista para maio.
Entrevista — Veronica Stigger, escritora
Sua produção literária constantemente viaja entre gêneros e modalidades. Como é que o cinema entra nessa mistura?
Veronica Stigger: Não foi a primeira vez que tive o cinema como norte em meus textos literários. O grande desafio com o convite da Granta era o que fazer diferente com relação ao que eu já tinha feito. Foi aí que pensei na descrição da preparação de uma cena que seria filmada.
O conto faz uma ponte entre o futuro (formulando consequências do aquecimento global) com o passado, aqui em forma de ficção (a “máquina” de Morel). Existe um caminho claro para você para equilibrar preocupações sociais com apuro estético?
Veronica Stigger: É curioso que o que você indica como uma imagem de futuro seja, na verdade, também uma imagem de passado: o dia em que o lago do Parque da Aclimação secou em 2009. Usei imagens de passado como imagens de um futuro muito próximo, ou até imagens de um presente que talvez relutemos em reconhecer. Quando escrevo, a preocupação que domina é a artística, sempre. Por mais que eu acredite que a literatura deva ser antes de tudo uma experiência de alteridade e não de identidade (como quer o credo estético-político atual), infelizmente não tenho como deixar de ser de todo eu mesma e, portanto, minhas preocupações socioambientais acabam penetrando aqui e ali.
Entrevista — Marçal Aquino, escritor
São 15 anos sem publicar ficção, é isso mesmo?
Marçal Aquino: Este ano pretendo publicar um livro novo. Um policial existencial que estou terminando. Chama-se Baixo Esplendor, deve chegar no segundo semestre. Além dos roteiros, fiquei 15 anos trabalhando em quatro livros diferentes, todos ficaram inacabados.
Muita coisa mudou na maneira como a arte é recebida, tanto pelo público quanto pela crítica. É uma preocupação para você?
Marçal Aquino: Houve um incidente que me fez ficar um ano sem tocar num texto em que trabalhava há seis, e quando retornei, ao reler o material, constatei que já havia muita diferença no panorama, várias mudanças de comportamento, políticas. Temi que o livro fosse malcompreendido. É uma farsa, um livro erótico e humorístico, e entendi que não deveria terminar naquele momento, porque teria que dar muitas explicações sobre o livro. Acho detestável ter de publicar um livro com bula.
Você se sente melhor como roteirista ou escritor?
Marçal Aquino: Gosto de roteiro, tenho ficado feliz com as oportunidades de fazer coisas na televisão que seriam impossíveis no cinema. Mas sempre brinco: no juízo final, quero estar na fila dos escritores.
GRANTA EM LÍNGUA PORTUGUESA 4 – CINEMA
Org.: Gustavo Pacheco e Pedro Mexia
Editora: Tinta da China (248 págs., R$ 59)
Lançamento: 14/2, 19h, na Biblioteca Mário de Andrade