Entrar na biblioteca da casa de Ilana Casoy é como entrar na cena de um crime. Não só um. Vários. Criminóloga e escritora, ela se especializou no gênero true crime e produziu obras - livros e audiovisuais - sobre os casos Suzane von Richthofen e Isabela Nardoni, entre os exemplos mais famosos. Mas a vasta coleção de livros de Ilana também se estende pela fantasia, política, religião e literatura.
“Tudo que está aqui, eu li”, ela garante. Mas também ressalta que não se prende a qualquer leitura.
Ilana Casoy
Os favoritos de Ilana
Ao falar das referências, a escritora paulistana logo busca o exemplar mais antigo de Mindhunter: O Primeiro Caçador de Serial Killers Americano, de John Douglas e Mark Olshaker, que tem em seu acervo. É um pocket da primeira edição, de capa amarela, comprado nos Estados Unidos. “Foi uma Bíblia para mim”, diz Ilana. A obra, que traz os bastidores de casos do FBI, virou série da Netflix, de duas temporadas, em 2019.
“Eu já conhecia tanto a história [de Mindhunter], que quando fui assistir à adaptação da Netflix, eu dormi”, ela confessa.
Para Ilana, as plataformas de streaming estão descobrindo livros antigos. Ainda sobre os ‘queridinhos’ de sua estante, ela destaca Xógum: A Gloriosa Saga do Japão, que também ganhou uma adaptação recente, disponível no Disney+. A escritora tem uma rara edição em português, com quase 600 páginas, publicada em 1975.
Outras leituras que estão entre as favoritas de Ilana são:
1. Igbadu a Cabaça da Existência: Mitos Nagôs Revelados, de Adilson de Oxalá (2006)
“É um livro que me trouxe um entendimento incrível, que fala sobre como foram criados os destinos, e que quase ninguém conhece”, destaca Ilana. A obra ressalta a origem ao culto dos orixás, presente em religiões de matriz africana.
2. Eram os Deuses Astronautas?, de Erich von Däniken (1968)
No livro, o autor suíço defende a existência de seres inteligentes em outras partes do universo e o conhecimento que eles podem ter trazido à Terra, a partir de achados arqueológicos. “Maravilhoso”, resume Ilana.
3. Dicionário dos Demônios, de Michelle Belanger (2020)
Acredite: este é um livro que Ilana usa como ‘objeto de estudo’. “É importante porque já houve casos de assassinos que nominaram seus demônios para mim. E eu preciso saber do que eles estão falando, que tipo de demônio ele acredita que é o responsável por aquela ação que ele cometeu”, explica a escritora. “Demônio tem costas bem largas, cabe tudo.”
Ficção vs. realidade
“O que eu mais gosto na ficção é como posso modificar a história, colocar uma prova no local do crime. É um jogo de imaginação. No true crime, é o processo que comanda, você tem que ter cuidado com boatos, com a mídia, com as fontes”, explica a autora.
Formada em administração, Ilana já escrevia alguns roteiros para vídeos institucionais antes de mergulhar de cabeça no mundo do crime. “Decidi parar e pensar mesmo sobre escrever um assunto que eu gostasse. E eu gostava muito de crime policial, mistério, suspense, thrillers, casos reais.”
O início da carreira de escritora concentrou seus esforços em traduzir ao público brasileiro casos de assassinos em série já conhecidos no exterior, como Ted Bundy, Jeffrey Dahmer e Andrei Chikatilo. Sua primeira publicação, Serial Killers: Louco ou Cruel?, de 2008, traz o perfil de 16 criminosos.
Depois, em O Quinto Mandamento (2009), Ilana se debruça sobre o caso Suzane Von Richthofen, do qual participou de reproduções assistidas e análises forenses do crime. E em Made in Brazil (2010), uma nova coletânea sobre maníacos, desta vez da cena nacional, como Pedro Rodrigues Filho, o Pedrinho Matador, Marcelo Costa de Andrade, o vampiro de Niterói, e Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho. Todos os três entrevistados pessoalmente por Ilana.
Entre os trabalhos em andamento da autora, está um livro sobre o caso Gil Rugai. “É um inquérito policial no qual trabalhei pela defesa. E que sou convicta da inocência dele”, afirma Ilana. Rugai foi condenado a mais de 30 anos de prisão pelos assassinatos do pai e da madrasta, em 2004, em São Paulo. Relembre o episódio aqui.
O fenômeno ‘Bom Dia, Verônica’
A transição para o universo ficcional veio em 2016, com Bom Dia, Verônica, thriller em coautoria com Raphael Montes. “Para lançar o livro assinávamos com um pseudônimo. Eu e Rapha éramos Andrea Killmore”, explica Ilana ao mostrar a capa da primeira edição do livro, que guarda numa prateleira especial dedicada apenas às suas obras.
Foi o Estadão que, em 2019, revelou a identidade da dupla pouco antes da Bienal do Rio daquele ano. Leia a matéria aqui. “Bom Dia, Verônica nasceu do encontro maluco de dois escritores com 30 anos de diferença”, brinca Ilana. A ideia da colaboração surgiu durante uma conversa de bar em Extrema, Minas Gerais, em 2015, onde os dois participavam de um festival literário. Foi uma conexão imediata, “apesar de termos pouco em comum”, segundo Ilana.
Com os nomes revelados, o texto se transpôs às telas em 2020. A Netflix lançou uma adaptação da obra, com Tainá Müller no papel da policial Verônica Torres, protagonista da criação de Ilana e Montes. O sucesso levou à renovação para segunda temporada, lançada em 2022, e a uma terceira, com três episódios, divulgada neste ano.
Na estante, Ilana guarda com orgulho edições de Bom Dia, Verônica em diferentes idiomas aos quais a obra foi traduzida. Do alemão Tot Ist Sie Dein ao francês Bonjour, Verônica.
True crimes brasileiros: o que ler?
Apesar do ‘boom’ do true crime em produtos audiovisuais, Ilana Casoy crê que ainda falta valorização do gênero nas livrarias do País.
Ilana Casoy
Em contraposição, nos Estados Unidos, desde a década de 1990, já existem subdivisões específicas para livros nesta linha.
O Brasil já produziu e produz uma série de obras sobre crimes, sejam reais ou ficcionais, das quais Ilana destaca algumas leituras interessantes:
- O Boato, de Eneas Barros
- Suicidas, de Raphael Montes
- O Crime do Restaurante Chinês, de Boris Fausto
- O Caso Evandro, de Ivan Mizanzuk
- O Crime no Edifício Giallo, de Luiz Biajoni
- O Homem de Palha, Paulo Zorzi
- Inferno, de Patrícia Melo
- Modus Operandi: Guia de True Crime, de Carol Moreira e Mabê Bonafé