Legado de Philip Roth corre risco após polêmica com biografia


Estudiosos e escritores se preocupam de que ninguém mais terá acesso aos documentos pessoais que seu biógrafo teve a chance de ver

Por Alexandra Alter e Jennifer Schuessler
Atualização:

No final da sua vida, Philip Roth às vezes afirmava ter duas calamidades no futuro: a morte e uma biografia. “Espero que a primeira venha primeiro”, ele afirmou em uma entrevista em 2013.

O escritor Philip Roth em foto de 2018 Foto: Philip Montgomery/The New York Times

Roth, autor de Pastoral Americana, O Complexo de Portnoy e 29 outros livros, não viveu para ler a biografia que autorizou Blake Bailey a escrever. Mas aplicou um esforço enorme para criar seu legado literário. Nos anos que antecederam sua morte, em 2018, Roth dedicou centenas de horas a entrevistas e conversas com Bailey. E deu a ele acesso exclusivo a um tesouro de documentos e trabalhos não publicados – um mapa íntimo, rico em detalhes que o escritor esperava informariam a narrativa definitiva da sua vida.

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Mas seus esforços para controlar sua reputação póstuma pode ter tido um efeito indesejado. Em abril, semanas depois da publicação do livro, várias mulheres acusaram Bailey de má conduta e assédio sexual, levando a editora W.W. Norton a suspender as entregas do livro e depois a cancelar a impressão da obra. (Bailey negou as acusações). Em maio, uma editora independente, Skyhorse, comprou os direitos da biografia e anunciou sua publicação em livro de bolso este mês.

Embora Bailey tenha encontrado um novo editor, sua biografia agora está associada inextricavelmente à controvérsia. As acusações que enfrenta intensificaram uma conversa paralela sobre como Roth tratava as mulheres, alimentando dúvidas quanto a se o relato feito por Bailey dos relacionamentos sexuais e românticos do escritor não foi extremamente solidário e simplificado.

Vários amigos de Roth se mostraram consternados quando a controvérsia envolvendo Bailey extrapolou do autor para seu biografado.

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“É uma vergonha para Philip estar associado ao que ocorreu”, disse Joel Conarroe, escritor e amigo de décadas de Roth e seu antigo testamenteiro. “O que nos inquieta é que isso pode afetar a reputação de Philip”.

Outros amigos de Roth ficaram decepcionados com o fato de a sua biografia autorizada ter se concentrado muito na sua vida privada e menos no seu trabalho de ficção.

“Provavelmente, isso vai manchar o seu nome, durante algum tempo no futuro”, disse Claudia Roth Pierpont, amiga da família Roth e autora do livro Roth Unbound, um estudo dos livros do escritor feito em 2013. “Adoraríamos ter uma boa biografia de Philip Roth que fosse responsável e se ativesse a coisas que acho que Blake Bailey não cobriu de modo nenhum”.

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Pessoas próximas do escritor dizem que o livro falhou em aspectos ainda mais específicos. Caro Llewellyn, escritora que se encontrou com Roth em 2009 no funeral de John Updike, disse que Bailey deturpou sua amizade platônica com Roth.

Na biografia, Bailey identifica-a pelo pseudônimo Mona. E descreve como ela e Roth ficaram atraídos um pelo outro e mantiveram um relacionamento físico íntimo, mas nunca sexual porque ele era incapaz, mesmo tomando Viagra. Mas Llewellyn disse que a cena descrita por Bailey jamais ocorreu.

“Philip e eu nunca tivemos um caso”, disse Llewellyn, que escreveu sobre sua relação com Roth em sua biografia de 2009, Diving into Glass.

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Ela disse ter ficado ainda mais consternada pelo que foi omitido na biografia, que dá a impressão de que foi uma figura marginal na vida de Roth, uma aventura que não deu certo.

“Minha intimidade com Philip não combina com a história que Bailey tentou escrever”, disse ela.

Em um e-mail, Bailey afirmou ter baseado a descrição do relacionamento dos dois em informações dadas por Roth, que “tendiam a ser verdadeiras”, acrescentando que elas eram inofensivas e que, além disso, a identidade de Caro foi protegida por um pseudônimo”, E contestou a crítica de que seu livro se concentrou demais nos relacionamentos íntimos de Roth e desvalorizou as mulheres em sua vida.

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O livro de Bailey não será a última palavra. Além de uma biografia não autorizada do crítico literário Ira Nadel que será publicada em março, há outros livros a caminho, incluindo a do professor da universidade de Stanford, Steven Zipperstein e o de Jacques Berlinerblau, professor na universidade de Washington, The Philip Roth We Don’t Know.

Mas estudiosos e escritores se preocupam de que ninguém mais terá acesso aos documentos pessoais que Bailey teve a chance de ver e extrair elementos para seu livro. Em maio, 23 deles divulgaram comunicado implorando para o espólio do escritor não destruir esses papéis, como foi afirmado, e disponibilizá-los para pesquisadores.

“Um escritor da estatura de Roth merece múltiplos relatos da sua vida, em harmonia com as nuances e complexidade da sua arte”, é o teor do comunicado.

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“A obra de Roth fala por si mesma, mas sempre terá notas de rodapé com relatos de Bailey”, afirmou Aimee Pozorski, editora da revista acadêmica Philip Roth Studies, uma das autoras do comunicado, junto com Berlinerblau. “Se o espólio do escritor estiver comprometido em proteger seu legado, então mais pessoas devem ter acesso a esse material para que novos dados sejam adicionados para que acabemos com a ideia de que Roth era um misógino”, disse ela.

Não se sabe qual será o destino do material que Roth forneceu a Bailey. Foram centenas de documentos com memorandos detalhados anexados explicando o significado de cada arquivo. Ele também forneceu fitas e CDs de entrevistas realizadas por amigos próximos, como Judith Thurman, Janet Malcom e Ross Miller, o primeiro biógrafo autorizado do escritor que trabalhou em um livro durante anos até que Roth o excluiu do projeto porque estava demorando muito e não havia realizado entrevistas que ele considerava importantes.

Roth também deu a Bailey cópias de dois manuscritos não publicados, Notes for My Biographer, onde, em 295 páginas, refuta o livro de memórias de sua ex-mulher Claire Bloom, de 1996, e Notes on a Slander-Monger, uma resposta às notas e entrevistas que Miller compilou.

Parte do material provavelmente irá para a Biblioteca do Congresso, onde a grande maioria dos arquivos de Roth já está reunida. Outros, incluindo Notes for my Biographer talvez nunca mais sejam vistos.

Numa entrevista em 2012, Roth disse ter pedido aos encarregados do seu espólio literário para destruírem seus documentos privados depois de Bailey concluir o livro.

Julia Golier, um desses encarregados, disse ao The New York Times Magazine, em março, que o espólio poderia realmente destruir os papéis. Desde o lançamento da biografia e do escândalo que a acompanhou, contudo, os administradores estão silenciosos. Golier e o agente literário Andrew Wylie, se recusaram a comentar seus planos a respeito.

Aqueles que insistem no acesso ao material concedido a Bailey afirmam que, nas mãos de uma outra pessoa, os insights seriam muito diferentes no tocante à relação de Roth com o judaísmo, a política, o dinheiro, ou a doença.

“É um material fundamental relacionado com um dos maiores escritores americanos”, disse Nadel.

O escândalo sobre a suposta má conduta de Bailey envolve um emaranhado de problemas de caráter ético, incluindo, por exemplo, se a Norton teve razão em retirar o livro. Mas as questões mais inquietantes sobre o quanto os escritores, ou seu espólio, querem que outros saibam, são tão antigas quanto a biografia em si.

Todos os escritores e seus espólios decidem o que colocar nos arquivos, manter para si próprios ou destruir. Não é incomum que cartas e outros materiais pessoais sejam colocados em arquivos e lacrados por décadas após a morte de uma pessoa para proteger sua privacidade ou a de uma outra pessoa.

Mas a história literária também está repleta de momentos de traição, quando pessoas de confiança do escritor desafiam seus desejos. Max Brod desconsiderou a ordem de Franz Kafka para queimar seus manuscritos e diários não publicados. As ordens de Vladimir Nabokov e Philip Larkin para que fossem destruídos manuscritos não publicados foram ignoradas pelos seus herdeiros e testamenteiros, que não só os preservaram como também os publicaram.

Não sabemos quais foram as ordens de fato de Roth. E amigos têm opiniões diferentes quanto a se o resultado da publicação da sua biografia as teria mudado, mas alguns dizem duvidar que ele teria apoiado esse tipo de acesso imediato e aberto que alguns têm reclamado.

“Seria algo muito estressante para Philip pensar em alguém inspecionando suas coisas para pegar o que desejar”, disse um dos seus amigos, Bernard Avishai.

Para Judith Thurman, biógrafa e articulista da The New Yorker, o espólio de Roth se depara com uma opção impossível.

“Não sabemos se darão a uma outra pessoa uma segunda chance e tampouco quem eles escolheriam”, disse ela, acrescentando ser contrária à destruição de documentos pessoais. “Sou contra a destruição de qualquer coisa”, afirmou.

Tradução de Terezinha Martino

No final da sua vida, Philip Roth às vezes afirmava ter duas calamidades no futuro: a morte e uma biografia. “Espero que a primeira venha primeiro”, ele afirmou em uma entrevista em 2013.

O escritor Philip Roth em foto de 2018 Foto: Philip Montgomery/The New York Times

Roth, autor de Pastoral Americana, O Complexo de Portnoy e 29 outros livros, não viveu para ler a biografia que autorizou Blake Bailey a escrever. Mas aplicou um esforço enorme para criar seu legado literário. Nos anos que antecederam sua morte, em 2018, Roth dedicou centenas de horas a entrevistas e conversas com Bailey. E deu a ele acesso exclusivo a um tesouro de documentos e trabalhos não publicados – um mapa íntimo, rico em detalhes que o escritor esperava informariam a narrativa definitiva da sua vida.

Mas seus esforços para controlar sua reputação póstuma pode ter tido um efeito indesejado. Em abril, semanas depois da publicação do livro, várias mulheres acusaram Bailey de má conduta e assédio sexual, levando a editora W.W. Norton a suspender as entregas do livro e depois a cancelar a impressão da obra. (Bailey negou as acusações). Em maio, uma editora independente, Skyhorse, comprou os direitos da biografia e anunciou sua publicação em livro de bolso este mês.

Embora Bailey tenha encontrado um novo editor, sua biografia agora está associada inextricavelmente à controvérsia. As acusações que enfrenta intensificaram uma conversa paralela sobre como Roth tratava as mulheres, alimentando dúvidas quanto a se o relato feito por Bailey dos relacionamentos sexuais e românticos do escritor não foi extremamente solidário e simplificado.

Vários amigos de Roth se mostraram consternados quando a controvérsia envolvendo Bailey extrapolou do autor para seu biografado.

“É uma vergonha para Philip estar associado ao que ocorreu”, disse Joel Conarroe, escritor e amigo de décadas de Roth e seu antigo testamenteiro. “O que nos inquieta é que isso pode afetar a reputação de Philip”.

Outros amigos de Roth ficaram decepcionados com o fato de a sua biografia autorizada ter se concentrado muito na sua vida privada e menos no seu trabalho de ficção.

“Provavelmente, isso vai manchar o seu nome, durante algum tempo no futuro”, disse Claudia Roth Pierpont, amiga da família Roth e autora do livro Roth Unbound, um estudo dos livros do escritor feito em 2013. “Adoraríamos ter uma boa biografia de Philip Roth que fosse responsável e se ativesse a coisas que acho que Blake Bailey não cobriu de modo nenhum”.

Pessoas próximas do escritor dizem que o livro falhou em aspectos ainda mais específicos. Caro Llewellyn, escritora que se encontrou com Roth em 2009 no funeral de John Updike, disse que Bailey deturpou sua amizade platônica com Roth.

Na biografia, Bailey identifica-a pelo pseudônimo Mona. E descreve como ela e Roth ficaram atraídos um pelo outro e mantiveram um relacionamento físico íntimo, mas nunca sexual porque ele era incapaz, mesmo tomando Viagra. Mas Llewellyn disse que a cena descrita por Bailey jamais ocorreu.

“Philip e eu nunca tivemos um caso”, disse Llewellyn, que escreveu sobre sua relação com Roth em sua biografia de 2009, Diving into Glass.

Ela disse ter ficado ainda mais consternada pelo que foi omitido na biografia, que dá a impressão de que foi uma figura marginal na vida de Roth, uma aventura que não deu certo.

“Minha intimidade com Philip não combina com a história que Bailey tentou escrever”, disse ela.

Em um e-mail, Bailey afirmou ter baseado a descrição do relacionamento dos dois em informações dadas por Roth, que “tendiam a ser verdadeiras”, acrescentando que elas eram inofensivas e que, além disso, a identidade de Caro foi protegida por um pseudônimo”, E contestou a crítica de que seu livro se concentrou demais nos relacionamentos íntimos de Roth e desvalorizou as mulheres em sua vida.

O livro de Bailey não será a última palavra. Além de uma biografia não autorizada do crítico literário Ira Nadel que será publicada em março, há outros livros a caminho, incluindo a do professor da universidade de Stanford, Steven Zipperstein e o de Jacques Berlinerblau, professor na universidade de Washington, The Philip Roth We Don’t Know.

Mas estudiosos e escritores se preocupam de que ninguém mais terá acesso aos documentos pessoais que Bailey teve a chance de ver e extrair elementos para seu livro. Em maio, 23 deles divulgaram comunicado implorando para o espólio do escritor não destruir esses papéis, como foi afirmado, e disponibilizá-los para pesquisadores.

“Um escritor da estatura de Roth merece múltiplos relatos da sua vida, em harmonia com as nuances e complexidade da sua arte”, é o teor do comunicado.

“A obra de Roth fala por si mesma, mas sempre terá notas de rodapé com relatos de Bailey”, afirmou Aimee Pozorski, editora da revista acadêmica Philip Roth Studies, uma das autoras do comunicado, junto com Berlinerblau. “Se o espólio do escritor estiver comprometido em proteger seu legado, então mais pessoas devem ter acesso a esse material para que novos dados sejam adicionados para que acabemos com a ideia de que Roth era um misógino”, disse ela.

Não se sabe qual será o destino do material que Roth forneceu a Bailey. Foram centenas de documentos com memorandos detalhados anexados explicando o significado de cada arquivo. Ele também forneceu fitas e CDs de entrevistas realizadas por amigos próximos, como Judith Thurman, Janet Malcom e Ross Miller, o primeiro biógrafo autorizado do escritor que trabalhou em um livro durante anos até que Roth o excluiu do projeto porque estava demorando muito e não havia realizado entrevistas que ele considerava importantes.

Roth também deu a Bailey cópias de dois manuscritos não publicados, Notes for My Biographer, onde, em 295 páginas, refuta o livro de memórias de sua ex-mulher Claire Bloom, de 1996, e Notes on a Slander-Monger, uma resposta às notas e entrevistas que Miller compilou.

Parte do material provavelmente irá para a Biblioteca do Congresso, onde a grande maioria dos arquivos de Roth já está reunida. Outros, incluindo Notes for my Biographer talvez nunca mais sejam vistos.

Numa entrevista em 2012, Roth disse ter pedido aos encarregados do seu espólio literário para destruírem seus documentos privados depois de Bailey concluir o livro.

Julia Golier, um desses encarregados, disse ao The New York Times Magazine, em março, que o espólio poderia realmente destruir os papéis. Desde o lançamento da biografia e do escândalo que a acompanhou, contudo, os administradores estão silenciosos. Golier e o agente literário Andrew Wylie, se recusaram a comentar seus planos a respeito.

Aqueles que insistem no acesso ao material concedido a Bailey afirmam que, nas mãos de uma outra pessoa, os insights seriam muito diferentes no tocante à relação de Roth com o judaísmo, a política, o dinheiro, ou a doença.

“É um material fundamental relacionado com um dos maiores escritores americanos”, disse Nadel.

O escândalo sobre a suposta má conduta de Bailey envolve um emaranhado de problemas de caráter ético, incluindo, por exemplo, se a Norton teve razão em retirar o livro. Mas as questões mais inquietantes sobre o quanto os escritores, ou seu espólio, querem que outros saibam, são tão antigas quanto a biografia em si.

Todos os escritores e seus espólios decidem o que colocar nos arquivos, manter para si próprios ou destruir. Não é incomum que cartas e outros materiais pessoais sejam colocados em arquivos e lacrados por décadas após a morte de uma pessoa para proteger sua privacidade ou a de uma outra pessoa.

Mas a história literária também está repleta de momentos de traição, quando pessoas de confiança do escritor desafiam seus desejos. Max Brod desconsiderou a ordem de Franz Kafka para queimar seus manuscritos e diários não publicados. As ordens de Vladimir Nabokov e Philip Larkin para que fossem destruídos manuscritos não publicados foram ignoradas pelos seus herdeiros e testamenteiros, que não só os preservaram como também os publicaram.

Não sabemos quais foram as ordens de fato de Roth. E amigos têm opiniões diferentes quanto a se o resultado da publicação da sua biografia as teria mudado, mas alguns dizem duvidar que ele teria apoiado esse tipo de acesso imediato e aberto que alguns têm reclamado.

“Seria algo muito estressante para Philip pensar em alguém inspecionando suas coisas para pegar o que desejar”, disse um dos seus amigos, Bernard Avishai.

Para Judith Thurman, biógrafa e articulista da The New Yorker, o espólio de Roth se depara com uma opção impossível.

“Não sabemos se darão a uma outra pessoa uma segunda chance e tampouco quem eles escolheriam”, disse ela, acrescentando ser contrária à destruição de documentos pessoais. “Sou contra a destruição de qualquer coisa”, afirmou.

Tradução de Terezinha Martino

No final da sua vida, Philip Roth às vezes afirmava ter duas calamidades no futuro: a morte e uma biografia. “Espero que a primeira venha primeiro”, ele afirmou em uma entrevista em 2013.

O escritor Philip Roth em foto de 2018 Foto: Philip Montgomery/The New York Times

Roth, autor de Pastoral Americana, O Complexo de Portnoy e 29 outros livros, não viveu para ler a biografia que autorizou Blake Bailey a escrever. Mas aplicou um esforço enorme para criar seu legado literário. Nos anos que antecederam sua morte, em 2018, Roth dedicou centenas de horas a entrevistas e conversas com Bailey. E deu a ele acesso exclusivo a um tesouro de documentos e trabalhos não publicados – um mapa íntimo, rico em detalhes que o escritor esperava informariam a narrativa definitiva da sua vida.

Mas seus esforços para controlar sua reputação póstuma pode ter tido um efeito indesejado. Em abril, semanas depois da publicação do livro, várias mulheres acusaram Bailey de má conduta e assédio sexual, levando a editora W.W. Norton a suspender as entregas do livro e depois a cancelar a impressão da obra. (Bailey negou as acusações). Em maio, uma editora independente, Skyhorse, comprou os direitos da biografia e anunciou sua publicação em livro de bolso este mês.

Embora Bailey tenha encontrado um novo editor, sua biografia agora está associada inextricavelmente à controvérsia. As acusações que enfrenta intensificaram uma conversa paralela sobre como Roth tratava as mulheres, alimentando dúvidas quanto a se o relato feito por Bailey dos relacionamentos sexuais e românticos do escritor não foi extremamente solidário e simplificado.

Vários amigos de Roth se mostraram consternados quando a controvérsia envolvendo Bailey extrapolou do autor para seu biografado.

“É uma vergonha para Philip estar associado ao que ocorreu”, disse Joel Conarroe, escritor e amigo de décadas de Roth e seu antigo testamenteiro. “O que nos inquieta é que isso pode afetar a reputação de Philip”.

Outros amigos de Roth ficaram decepcionados com o fato de a sua biografia autorizada ter se concentrado muito na sua vida privada e menos no seu trabalho de ficção.

“Provavelmente, isso vai manchar o seu nome, durante algum tempo no futuro”, disse Claudia Roth Pierpont, amiga da família Roth e autora do livro Roth Unbound, um estudo dos livros do escritor feito em 2013. “Adoraríamos ter uma boa biografia de Philip Roth que fosse responsável e se ativesse a coisas que acho que Blake Bailey não cobriu de modo nenhum”.

Pessoas próximas do escritor dizem que o livro falhou em aspectos ainda mais específicos. Caro Llewellyn, escritora que se encontrou com Roth em 2009 no funeral de John Updike, disse que Bailey deturpou sua amizade platônica com Roth.

Na biografia, Bailey identifica-a pelo pseudônimo Mona. E descreve como ela e Roth ficaram atraídos um pelo outro e mantiveram um relacionamento físico íntimo, mas nunca sexual porque ele era incapaz, mesmo tomando Viagra. Mas Llewellyn disse que a cena descrita por Bailey jamais ocorreu.

“Philip e eu nunca tivemos um caso”, disse Llewellyn, que escreveu sobre sua relação com Roth em sua biografia de 2009, Diving into Glass.

Ela disse ter ficado ainda mais consternada pelo que foi omitido na biografia, que dá a impressão de que foi uma figura marginal na vida de Roth, uma aventura que não deu certo.

“Minha intimidade com Philip não combina com a história que Bailey tentou escrever”, disse ela.

Em um e-mail, Bailey afirmou ter baseado a descrição do relacionamento dos dois em informações dadas por Roth, que “tendiam a ser verdadeiras”, acrescentando que elas eram inofensivas e que, além disso, a identidade de Caro foi protegida por um pseudônimo”, E contestou a crítica de que seu livro se concentrou demais nos relacionamentos íntimos de Roth e desvalorizou as mulheres em sua vida.

O livro de Bailey não será a última palavra. Além de uma biografia não autorizada do crítico literário Ira Nadel que será publicada em março, há outros livros a caminho, incluindo a do professor da universidade de Stanford, Steven Zipperstein e o de Jacques Berlinerblau, professor na universidade de Washington, The Philip Roth We Don’t Know.

Mas estudiosos e escritores se preocupam de que ninguém mais terá acesso aos documentos pessoais que Bailey teve a chance de ver e extrair elementos para seu livro. Em maio, 23 deles divulgaram comunicado implorando para o espólio do escritor não destruir esses papéis, como foi afirmado, e disponibilizá-los para pesquisadores.

“Um escritor da estatura de Roth merece múltiplos relatos da sua vida, em harmonia com as nuances e complexidade da sua arte”, é o teor do comunicado.

“A obra de Roth fala por si mesma, mas sempre terá notas de rodapé com relatos de Bailey”, afirmou Aimee Pozorski, editora da revista acadêmica Philip Roth Studies, uma das autoras do comunicado, junto com Berlinerblau. “Se o espólio do escritor estiver comprometido em proteger seu legado, então mais pessoas devem ter acesso a esse material para que novos dados sejam adicionados para que acabemos com a ideia de que Roth era um misógino”, disse ela.

Não se sabe qual será o destino do material que Roth forneceu a Bailey. Foram centenas de documentos com memorandos detalhados anexados explicando o significado de cada arquivo. Ele também forneceu fitas e CDs de entrevistas realizadas por amigos próximos, como Judith Thurman, Janet Malcom e Ross Miller, o primeiro biógrafo autorizado do escritor que trabalhou em um livro durante anos até que Roth o excluiu do projeto porque estava demorando muito e não havia realizado entrevistas que ele considerava importantes.

Roth também deu a Bailey cópias de dois manuscritos não publicados, Notes for My Biographer, onde, em 295 páginas, refuta o livro de memórias de sua ex-mulher Claire Bloom, de 1996, e Notes on a Slander-Monger, uma resposta às notas e entrevistas que Miller compilou.

Parte do material provavelmente irá para a Biblioteca do Congresso, onde a grande maioria dos arquivos de Roth já está reunida. Outros, incluindo Notes for my Biographer talvez nunca mais sejam vistos.

Numa entrevista em 2012, Roth disse ter pedido aos encarregados do seu espólio literário para destruírem seus documentos privados depois de Bailey concluir o livro.

Julia Golier, um desses encarregados, disse ao The New York Times Magazine, em março, que o espólio poderia realmente destruir os papéis. Desde o lançamento da biografia e do escândalo que a acompanhou, contudo, os administradores estão silenciosos. Golier e o agente literário Andrew Wylie, se recusaram a comentar seus planos a respeito.

Aqueles que insistem no acesso ao material concedido a Bailey afirmam que, nas mãos de uma outra pessoa, os insights seriam muito diferentes no tocante à relação de Roth com o judaísmo, a política, o dinheiro, ou a doença.

“É um material fundamental relacionado com um dos maiores escritores americanos”, disse Nadel.

O escândalo sobre a suposta má conduta de Bailey envolve um emaranhado de problemas de caráter ético, incluindo, por exemplo, se a Norton teve razão em retirar o livro. Mas as questões mais inquietantes sobre o quanto os escritores, ou seu espólio, querem que outros saibam, são tão antigas quanto a biografia em si.

Todos os escritores e seus espólios decidem o que colocar nos arquivos, manter para si próprios ou destruir. Não é incomum que cartas e outros materiais pessoais sejam colocados em arquivos e lacrados por décadas após a morte de uma pessoa para proteger sua privacidade ou a de uma outra pessoa.

Mas a história literária também está repleta de momentos de traição, quando pessoas de confiança do escritor desafiam seus desejos. Max Brod desconsiderou a ordem de Franz Kafka para queimar seus manuscritos e diários não publicados. As ordens de Vladimir Nabokov e Philip Larkin para que fossem destruídos manuscritos não publicados foram ignoradas pelos seus herdeiros e testamenteiros, que não só os preservaram como também os publicaram.

Não sabemos quais foram as ordens de fato de Roth. E amigos têm opiniões diferentes quanto a se o resultado da publicação da sua biografia as teria mudado, mas alguns dizem duvidar que ele teria apoiado esse tipo de acesso imediato e aberto que alguns têm reclamado.

“Seria algo muito estressante para Philip pensar em alguém inspecionando suas coisas para pegar o que desejar”, disse um dos seus amigos, Bernard Avishai.

Para Judith Thurman, biógrafa e articulista da The New Yorker, o espólio de Roth se depara com uma opção impossível.

“Não sabemos se darão a uma outra pessoa uma segunda chance e tampouco quem eles escolheriam”, disse ela, acrescentando ser contrária à destruição de documentos pessoais. “Sou contra a destruição de qualquer coisa”, afirmou.

Tradução de Terezinha Martino

No final da sua vida, Philip Roth às vezes afirmava ter duas calamidades no futuro: a morte e uma biografia. “Espero que a primeira venha primeiro”, ele afirmou em uma entrevista em 2013.

O escritor Philip Roth em foto de 2018 Foto: Philip Montgomery/The New York Times

Roth, autor de Pastoral Americana, O Complexo de Portnoy e 29 outros livros, não viveu para ler a biografia que autorizou Blake Bailey a escrever. Mas aplicou um esforço enorme para criar seu legado literário. Nos anos que antecederam sua morte, em 2018, Roth dedicou centenas de horas a entrevistas e conversas com Bailey. E deu a ele acesso exclusivo a um tesouro de documentos e trabalhos não publicados – um mapa íntimo, rico em detalhes que o escritor esperava informariam a narrativa definitiva da sua vida.

Mas seus esforços para controlar sua reputação póstuma pode ter tido um efeito indesejado. Em abril, semanas depois da publicação do livro, várias mulheres acusaram Bailey de má conduta e assédio sexual, levando a editora W.W. Norton a suspender as entregas do livro e depois a cancelar a impressão da obra. (Bailey negou as acusações). Em maio, uma editora independente, Skyhorse, comprou os direitos da biografia e anunciou sua publicação em livro de bolso este mês.

Embora Bailey tenha encontrado um novo editor, sua biografia agora está associada inextricavelmente à controvérsia. As acusações que enfrenta intensificaram uma conversa paralela sobre como Roth tratava as mulheres, alimentando dúvidas quanto a se o relato feito por Bailey dos relacionamentos sexuais e românticos do escritor não foi extremamente solidário e simplificado.

Vários amigos de Roth se mostraram consternados quando a controvérsia envolvendo Bailey extrapolou do autor para seu biografado.

“É uma vergonha para Philip estar associado ao que ocorreu”, disse Joel Conarroe, escritor e amigo de décadas de Roth e seu antigo testamenteiro. “O que nos inquieta é que isso pode afetar a reputação de Philip”.

Outros amigos de Roth ficaram decepcionados com o fato de a sua biografia autorizada ter se concentrado muito na sua vida privada e menos no seu trabalho de ficção.

“Provavelmente, isso vai manchar o seu nome, durante algum tempo no futuro”, disse Claudia Roth Pierpont, amiga da família Roth e autora do livro Roth Unbound, um estudo dos livros do escritor feito em 2013. “Adoraríamos ter uma boa biografia de Philip Roth que fosse responsável e se ativesse a coisas que acho que Blake Bailey não cobriu de modo nenhum”.

Pessoas próximas do escritor dizem que o livro falhou em aspectos ainda mais específicos. Caro Llewellyn, escritora que se encontrou com Roth em 2009 no funeral de John Updike, disse que Bailey deturpou sua amizade platônica com Roth.

Na biografia, Bailey identifica-a pelo pseudônimo Mona. E descreve como ela e Roth ficaram atraídos um pelo outro e mantiveram um relacionamento físico íntimo, mas nunca sexual porque ele era incapaz, mesmo tomando Viagra. Mas Llewellyn disse que a cena descrita por Bailey jamais ocorreu.

“Philip e eu nunca tivemos um caso”, disse Llewellyn, que escreveu sobre sua relação com Roth em sua biografia de 2009, Diving into Glass.

Ela disse ter ficado ainda mais consternada pelo que foi omitido na biografia, que dá a impressão de que foi uma figura marginal na vida de Roth, uma aventura que não deu certo.

“Minha intimidade com Philip não combina com a história que Bailey tentou escrever”, disse ela.

Em um e-mail, Bailey afirmou ter baseado a descrição do relacionamento dos dois em informações dadas por Roth, que “tendiam a ser verdadeiras”, acrescentando que elas eram inofensivas e que, além disso, a identidade de Caro foi protegida por um pseudônimo”, E contestou a crítica de que seu livro se concentrou demais nos relacionamentos íntimos de Roth e desvalorizou as mulheres em sua vida.

O livro de Bailey não será a última palavra. Além de uma biografia não autorizada do crítico literário Ira Nadel que será publicada em março, há outros livros a caminho, incluindo a do professor da universidade de Stanford, Steven Zipperstein e o de Jacques Berlinerblau, professor na universidade de Washington, The Philip Roth We Don’t Know.

Mas estudiosos e escritores se preocupam de que ninguém mais terá acesso aos documentos pessoais que Bailey teve a chance de ver e extrair elementos para seu livro. Em maio, 23 deles divulgaram comunicado implorando para o espólio do escritor não destruir esses papéis, como foi afirmado, e disponibilizá-los para pesquisadores.

“Um escritor da estatura de Roth merece múltiplos relatos da sua vida, em harmonia com as nuances e complexidade da sua arte”, é o teor do comunicado.

“A obra de Roth fala por si mesma, mas sempre terá notas de rodapé com relatos de Bailey”, afirmou Aimee Pozorski, editora da revista acadêmica Philip Roth Studies, uma das autoras do comunicado, junto com Berlinerblau. “Se o espólio do escritor estiver comprometido em proteger seu legado, então mais pessoas devem ter acesso a esse material para que novos dados sejam adicionados para que acabemos com a ideia de que Roth era um misógino”, disse ela.

Não se sabe qual será o destino do material que Roth forneceu a Bailey. Foram centenas de documentos com memorandos detalhados anexados explicando o significado de cada arquivo. Ele também forneceu fitas e CDs de entrevistas realizadas por amigos próximos, como Judith Thurman, Janet Malcom e Ross Miller, o primeiro biógrafo autorizado do escritor que trabalhou em um livro durante anos até que Roth o excluiu do projeto porque estava demorando muito e não havia realizado entrevistas que ele considerava importantes.

Roth também deu a Bailey cópias de dois manuscritos não publicados, Notes for My Biographer, onde, em 295 páginas, refuta o livro de memórias de sua ex-mulher Claire Bloom, de 1996, e Notes on a Slander-Monger, uma resposta às notas e entrevistas que Miller compilou.

Parte do material provavelmente irá para a Biblioteca do Congresso, onde a grande maioria dos arquivos de Roth já está reunida. Outros, incluindo Notes for my Biographer talvez nunca mais sejam vistos.

Numa entrevista em 2012, Roth disse ter pedido aos encarregados do seu espólio literário para destruírem seus documentos privados depois de Bailey concluir o livro.

Julia Golier, um desses encarregados, disse ao The New York Times Magazine, em março, que o espólio poderia realmente destruir os papéis. Desde o lançamento da biografia e do escândalo que a acompanhou, contudo, os administradores estão silenciosos. Golier e o agente literário Andrew Wylie, se recusaram a comentar seus planos a respeito.

Aqueles que insistem no acesso ao material concedido a Bailey afirmam que, nas mãos de uma outra pessoa, os insights seriam muito diferentes no tocante à relação de Roth com o judaísmo, a política, o dinheiro, ou a doença.

“É um material fundamental relacionado com um dos maiores escritores americanos”, disse Nadel.

O escândalo sobre a suposta má conduta de Bailey envolve um emaranhado de problemas de caráter ético, incluindo, por exemplo, se a Norton teve razão em retirar o livro. Mas as questões mais inquietantes sobre o quanto os escritores, ou seu espólio, querem que outros saibam, são tão antigas quanto a biografia em si.

Todos os escritores e seus espólios decidem o que colocar nos arquivos, manter para si próprios ou destruir. Não é incomum que cartas e outros materiais pessoais sejam colocados em arquivos e lacrados por décadas após a morte de uma pessoa para proteger sua privacidade ou a de uma outra pessoa.

Mas a história literária também está repleta de momentos de traição, quando pessoas de confiança do escritor desafiam seus desejos. Max Brod desconsiderou a ordem de Franz Kafka para queimar seus manuscritos e diários não publicados. As ordens de Vladimir Nabokov e Philip Larkin para que fossem destruídos manuscritos não publicados foram ignoradas pelos seus herdeiros e testamenteiros, que não só os preservaram como também os publicaram.

Não sabemos quais foram as ordens de fato de Roth. E amigos têm opiniões diferentes quanto a se o resultado da publicação da sua biografia as teria mudado, mas alguns dizem duvidar que ele teria apoiado esse tipo de acesso imediato e aberto que alguns têm reclamado.

“Seria algo muito estressante para Philip pensar em alguém inspecionando suas coisas para pegar o que desejar”, disse um dos seus amigos, Bernard Avishai.

Para Judith Thurman, biógrafa e articulista da The New Yorker, o espólio de Roth se depara com uma opção impossível.

“Não sabemos se darão a uma outra pessoa uma segunda chance e tampouco quem eles escolheriam”, disse ela, acrescentando ser contrária à destruição de documentos pessoais. “Sou contra a destruição de qualquer coisa”, afirmou.

Tradução de Terezinha Martino

No final da sua vida, Philip Roth às vezes afirmava ter duas calamidades no futuro: a morte e uma biografia. “Espero que a primeira venha primeiro”, ele afirmou em uma entrevista em 2013.

O escritor Philip Roth em foto de 2018 Foto: Philip Montgomery/The New York Times

Roth, autor de Pastoral Americana, O Complexo de Portnoy e 29 outros livros, não viveu para ler a biografia que autorizou Blake Bailey a escrever. Mas aplicou um esforço enorme para criar seu legado literário. Nos anos que antecederam sua morte, em 2018, Roth dedicou centenas de horas a entrevistas e conversas com Bailey. E deu a ele acesso exclusivo a um tesouro de documentos e trabalhos não publicados – um mapa íntimo, rico em detalhes que o escritor esperava informariam a narrativa definitiva da sua vida.

Mas seus esforços para controlar sua reputação póstuma pode ter tido um efeito indesejado. Em abril, semanas depois da publicação do livro, várias mulheres acusaram Bailey de má conduta e assédio sexual, levando a editora W.W. Norton a suspender as entregas do livro e depois a cancelar a impressão da obra. (Bailey negou as acusações). Em maio, uma editora independente, Skyhorse, comprou os direitos da biografia e anunciou sua publicação em livro de bolso este mês.

Embora Bailey tenha encontrado um novo editor, sua biografia agora está associada inextricavelmente à controvérsia. As acusações que enfrenta intensificaram uma conversa paralela sobre como Roth tratava as mulheres, alimentando dúvidas quanto a se o relato feito por Bailey dos relacionamentos sexuais e românticos do escritor não foi extremamente solidário e simplificado.

Vários amigos de Roth se mostraram consternados quando a controvérsia envolvendo Bailey extrapolou do autor para seu biografado.

“É uma vergonha para Philip estar associado ao que ocorreu”, disse Joel Conarroe, escritor e amigo de décadas de Roth e seu antigo testamenteiro. “O que nos inquieta é que isso pode afetar a reputação de Philip”.

Outros amigos de Roth ficaram decepcionados com o fato de a sua biografia autorizada ter se concentrado muito na sua vida privada e menos no seu trabalho de ficção.

“Provavelmente, isso vai manchar o seu nome, durante algum tempo no futuro”, disse Claudia Roth Pierpont, amiga da família Roth e autora do livro Roth Unbound, um estudo dos livros do escritor feito em 2013. “Adoraríamos ter uma boa biografia de Philip Roth que fosse responsável e se ativesse a coisas que acho que Blake Bailey não cobriu de modo nenhum”.

Pessoas próximas do escritor dizem que o livro falhou em aspectos ainda mais específicos. Caro Llewellyn, escritora que se encontrou com Roth em 2009 no funeral de John Updike, disse que Bailey deturpou sua amizade platônica com Roth.

Na biografia, Bailey identifica-a pelo pseudônimo Mona. E descreve como ela e Roth ficaram atraídos um pelo outro e mantiveram um relacionamento físico íntimo, mas nunca sexual porque ele era incapaz, mesmo tomando Viagra. Mas Llewellyn disse que a cena descrita por Bailey jamais ocorreu.

“Philip e eu nunca tivemos um caso”, disse Llewellyn, que escreveu sobre sua relação com Roth em sua biografia de 2009, Diving into Glass.

Ela disse ter ficado ainda mais consternada pelo que foi omitido na biografia, que dá a impressão de que foi uma figura marginal na vida de Roth, uma aventura que não deu certo.

“Minha intimidade com Philip não combina com a história que Bailey tentou escrever”, disse ela.

Em um e-mail, Bailey afirmou ter baseado a descrição do relacionamento dos dois em informações dadas por Roth, que “tendiam a ser verdadeiras”, acrescentando que elas eram inofensivas e que, além disso, a identidade de Caro foi protegida por um pseudônimo”, E contestou a crítica de que seu livro se concentrou demais nos relacionamentos íntimos de Roth e desvalorizou as mulheres em sua vida.

O livro de Bailey não será a última palavra. Além de uma biografia não autorizada do crítico literário Ira Nadel que será publicada em março, há outros livros a caminho, incluindo a do professor da universidade de Stanford, Steven Zipperstein e o de Jacques Berlinerblau, professor na universidade de Washington, The Philip Roth We Don’t Know.

Mas estudiosos e escritores se preocupam de que ninguém mais terá acesso aos documentos pessoais que Bailey teve a chance de ver e extrair elementos para seu livro. Em maio, 23 deles divulgaram comunicado implorando para o espólio do escritor não destruir esses papéis, como foi afirmado, e disponibilizá-los para pesquisadores.

“Um escritor da estatura de Roth merece múltiplos relatos da sua vida, em harmonia com as nuances e complexidade da sua arte”, é o teor do comunicado.

“A obra de Roth fala por si mesma, mas sempre terá notas de rodapé com relatos de Bailey”, afirmou Aimee Pozorski, editora da revista acadêmica Philip Roth Studies, uma das autoras do comunicado, junto com Berlinerblau. “Se o espólio do escritor estiver comprometido em proteger seu legado, então mais pessoas devem ter acesso a esse material para que novos dados sejam adicionados para que acabemos com a ideia de que Roth era um misógino”, disse ela.

Não se sabe qual será o destino do material que Roth forneceu a Bailey. Foram centenas de documentos com memorandos detalhados anexados explicando o significado de cada arquivo. Ele também forneceu fitas e CDs de entrevistas realizadas por amigos próximos, como Judith Thurman, Janet Malcom e Ross Miller, o primeiro biógrafo autorizado do escritor que trabalhou em um livro durante anos até que Roth o excluiu do projeto porque estava demorando muito e não havia realizado entrevistas que ele considerava importantes.

Roth também deu a Bailey cópias de dois manuscritos não publicados, Notes for My Biographer, onde, em 295 páginas, refuta o livro de memórias de sua ex-mulher Claire Bloom, de 1996, e Notes on a Slander-Monger, uma resposta às notas e entrevistas que Miller compilou.

Parte do material provavelmente irá para a Biblioteca do Congresso, onde a grande maioria dos arquivos de Roth já está reunida. Outros, incluindo Notes for my Biographer talvez nunca mais sejam vistos.

Numa entrevista em 2012, Roth disse ter pedido aos encarregados do seu espólio literário para destruírem seus documentos privados depois de Bailey concluir o livro.

Julia Golier, um desses encarregados, disse ao The New York Times Magazine, em março, que o espólio poderia realmente destruir os papéis. Desde o lançamento da biografia e do escândalo que a acompanhou, contudo, os administradores estão silenciosos. Golier e o agente literário Andrew Wylie, se recusaram a comentar seus planos a respeito.

Aqueles que insistem no acesso ao material concedido a Bailey afirmam que, nas mãos de uma outra pessoa, os insights seriam muito diferentes no tocante à relação de Roth com o judaísmo, a política, o dinheiro, ou a doença.

“É um material fundamental relacionado com um dos maiores escritores americanos”, disse Nadel.

O escândalo sobre a suposta má conduta de Bailey envolve um emaranhado de problemas de caráter ético, incluindo, por exemplo, se a Norton teve razão em retirar o livro. Mas as questões mais inquietantes sobre o quanto os escritores, ou seu espólio, querem que outros saibam, são tão antigas quanto a biografia em si.

Todos os escritores e seus espólios decidem o que colocar nos arquivos, manter para si próprios ou destruir. Não é incomum que cartas e outros materiais pessoais sejam colocados em arquivos e lacrados por décadas após a morte de uma pessoa para proteger sua privacidade ou a de uma outra pessoa.

Mas a história literária também está repleta de momentos de traição, quando pessoas de confiança do escritor desafiam seus desejos. Max Brod desconsiderou a ordem de Franz Kafka para queimar seus manuscritos e diários não publicados. As ordens de Vladimir Nabokov e Philip Larkin para que fossem destruídos manuscritos não publicados foram ignoradas pelos seus herdeiros e testamenteiros, que não só os preservaram como também os publicaram.

Não sabemos quais foram as ordens de fato de Roth. E amigos têm opiniões diferentes quanto a se o resultado da publicação da sua biografia as teria mudado, mas alguns dizem duvidar que ele teria apoiado esse tipo de acesso imediato e aberto que alguns têm reclamado.

“Seria algo muito estressante para Philip pensar em alguém inspecionando suas coisas para pegar o que desejar”, disse um dos seus amigos, Bernard Avishai.

Para Judith Thurman, biógrafa e articulista da The New Yorker, o espólio de Roth se depara com uma opção impossível.

“Não sabemos se darão a uma outra pessoa uma segunda chance e tampouco quem eles escolheriam”, disse ela, acrescentando ser contrária à destruição de documentos pessoais. “Sou contra a destruição de qualquer coisa”, afirmou.

Tradução de Terezinha Martino

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