No verão passado, quando Mae Tingstrom teve a ideia de abrir uma livraria de livros românticos em Ventura, Califórnia, a primeira coisa que ela fez foi pesquisar online para ver se já havia alguma na região. Ela encontrou a Ripped Bodice - uma livraria em Culver City que estava indo tão bem que tinha até se expandido para uma filial no Brooklyn, em Nova York.
“Foi intimidador”, disse ela.
Mas, ainda que o sucesso das concorrentes fosse assustador, também sugeria que talvez houvesse espaço para mais uma loja do gênero. Assim, em fevereiro, ela abriu a Smitten numa faixa movimentada da Main Street, a uns 100 quilômetros da concorrência.
Nos meses seguintes, a Smitten virou um centro vibrante para quem gosta de romances românticos, com sessões de autógrafos, leituras de tarô, clubes do livro e noites de quiz e artesanato.
Às vezes, as pessoas chegam para ela com pedidos muito específicos. “Alguém chegou e disse: ‘Gosto de fantasia, quero que seja queer, quero que tenha representação de uma cultura diferente e quero que seja o mais obsceno possível’”, disse Tingstrom.
E os pedidos chegam com frequência. “Tenho clientes regulares que vêm duas vezes por semana”, disse Tingstrom. “Eu digo: ‘Você não acabou de comprar dois livros outro dia?’”
Antes um nicho que os livreiros independentes praticamente ignoravam, o romance romântico agora é a coisa mais quente no mundo dos livros. É, de longe, o gênero de ficção mais vendido, e seu sucesso está remodelando não apenas o setor editorial, mas também o cenário do varejo.
Nos últimos dois anos, os Estados Unidos passaram de duas livrarias dedicadas aos romances românticos - The Ripped Bodice e Love’s Sweet Arrow, em Chicago - para uma rede nacional com mais de vinte. Entre elas: Tropes & Trifles, em Minneapolis; Grump and Sunshine, em Belfast, Maine; Beauty and the Book, em Anchorage, Alasca; Lovebound Library, em Salt Lake City; e Blush Bookstore, em Wichita, Kansas.
Outras estão a caminho, como a Kiss & Tale, em Collingswood, Nova Jersey; a The New Romantics, em Orlando, Flórida; e a Grand Gesture Books, em Portland, Oregon, uma loja online que está ganhando uma unidade física.
A maioria dessas livrarias tem mulheres como donas e gerentes. E as mulheres constituem a maioria dos leitores que fizeram as vendas de romances românticos dispararem: de 18 milhões de cópias impressas em 2020 para mais de 39 milhões em 2023, de acordo com a Circana BookScan.
“Houve uma mudança cultural na maneira como pensamos e falamos sobre esse gênero escrito principalmente por mulheres e para mulheres”, disse Becca Title, ex-advogada de imigração e proprietária da Meet Cute, livraria de romances românticos em San Diego. “Mais pessoas estão percebendo não apenas que esses livros vendem bem e têm valor comercial, mas também que têm valor artístico e de entretenimento”.
Autoras de romances românticos como Sarah J. Maas, Emily Henry, Colleen Hoover e Rebecca Yarros dominam as listas dos mais vendidos: seis dos dez autores de ficção mais vendidos nos Estados Unidos até o momento este ano são de romances românticos.
As editoras estão expandindo suas listas de ofertas, cortejando autores autopublicados com grandes adiantamentos e criando novos selos.
(No Brasil, a tendência também começa a aparecer, com a literatura romântica crescendo nas listas de best-sellers e com alguns grupos editoriais lançando ou reestruturando selos com foco exclusivo nos romances românticos. É o caso, por exemplo, da Verus, selo da editora Record, e da Harlequin, selo da HarperCollins Brasil. Este último, aliás, é o organizador do Festival de Literatura Romântica (Flir), que já teve duas edições em São Paulo.)
A mudança é enorme em relação aos dias em que o romance romântico era visto como “literatura de mulherzinha” ou como pornô soft. Mesmo poucos anos atrás, muitas livrarias independentes tinham só uma pequena seleção de romances românticos, muitas vezes relegada a uma prateleira no fundo da loja.
Leah Koch, coproprietária da Ripped Bodice, a primeira livraria especializada em romances românticos aberta nos Estados Unidos, em 2016, se lembra de procurar em vão por obras do gênero nas livrarias quando era adolescente. A sensação de ser negligenciada foi parte do que motivou Koch e sua irmã, Bea Hodges-Koch, a abrir suas lojas.
“Muitas pessoas que trabalham em editoras e livrarias independentes achavam que romance romântico era perda de tempo”, disse Koch. “Aí eu falava: ‘O que vocês estão perdendo é dinheiro. Mas tudo bem, vou ganhar essa grana”.
As vendas de obras do gênero começaram a disparar durante a pandemia, à medida que as pessoas redescobriram a leitura e muitas se voltaram para a ficção romântica como uma espécie de fuga (uma das regras do gênero é que as histórias quase sempre terminam com um felizes-para-sempre).
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A chegada do BookTok também ajudou a impulsionar essa onda, com influenciadores de TikTok atraindo leitores mais jovens com vídeos que louvam seus livros favoritos.
Agora, os romances românticos aparecem com destaque na frente de livrarias tradicionais como a Target e a Barnes & Noble. Quem antes comprava seus livros nos formatos de e-books - que são mais baratos e mais fáceis de acessar, além de mais fáceis de esconder - agora ostenta seus exemplares como se fossem troféus.
O rápido crescimento dessas livrarias especializadas deu aos fãs do gênero um novo lugar acolhedor para fazer compras e se apaixonar por seus livros favoritos com um entusiasmo desavergonhado.
“Você entrar na loja e o livreiro já pergunta: “Você gosta de histórias picantes? Ou prefere algo mais histórico?”, disse Jane Nutter, gerente de comunicações e marketing da Kensington, uma editora de romances românticos. “Eles vão saber o que você quer e não vão julgar você por isso”.
Muitas dessas lojas têm uma estética glamourosa e extravagantemente feminina: com muito rosa, cheias de corações e motivos florais, enfeitadas com letreiros e mercadorias que brincam com motivos clássicos das histórias românticas: de inimigos a amantes, proximidade forçada, amor proibido, identidade secreta. E têm todos os subgêneros imagináveis: juvenil, histórico, LGBTQ+, sobrenatural e fantasia, temas esportivos. Muitas também oferecem romances autopublicados, que as livrarias tradicionais normalmente não vendem.
Melissa Saavedra, proprietária da Steamy Lit, livraria especializada em Deerfield Beach, Flórida, descobriu o romance romântico há pouco mais de uma década, quando estava servindo como suboficial na Marinha dos Estados Unidas. Sua porta de entrada foi a série erótica Cinquenta tons de cinza, de E.L. James, que ela leu no tablet quando estava no seu beliche no USS America, um navio de assalto anfíbio.
“Comecei a trabalhar na minha cara de ‘não estou lendo uma cena de sexo em público’”, lembrou Saavedra. “Agora ninguém percebe”.
Depois de sair da Marinha em 2017, ela trabalhou como agente de viagens de equipes esportivas. Quando o trabalho deu uma parada durante a pandemia, ela teve a ideia da Steam Box, uma caixa de assinatura trimestral que combina livros e vibradores. A coisa decolou bem rápido.
A Steam Box também foi uma forma de erodir o estigma persistente em torno do romance erótico e do prazer sexual das mulheres. “Ainda temos que lutar com unhas e dentes para que as pessoas respeitem o gênero”, disse ela.
Saavedra, que nasceu em Lima, Peru, e se mudou para o sul da Flórida quando tinha 10 anos, também assumiu como missão promover autores e autoras de origens diversas.
Ela decidiu abrir uma livraria quando percebeu que sua comunidade em Deerfield Beach era um deserto de livros românticos, principalmente quando se tratava de histórias com diversidade.
No fim de semana de inauguração da Steamy Lit, em fevereiro, 500 pessoas compareceram e a loja vendeu 900 livros. Desde então, a loja teve sessões de autógrafos com mais de 30 escritores, entre eles Kennedy Ryan, Ali Hazelwood e Abby Jimenez, que realizaram um evento em maio que contou com cabritinhos de pijama, numa adorável alusão a uma cena de seu romance Part of Your World.
Numa ensolarada tarde de domingo meses atrás, a Steamy Lit estava cheia de leitores circulando, bebendo prosecco e recebendo livros autografados por A.H. Cunningham, escritora que promovia seu novo romance, Out of Office.
“É deste tipo de espaço que precisamos”, disse Cunningham enquanto conversas estridentes em inglês e espanhol ricocheteavam pela sala.
Clientes tiravam fotos em frente a letreiros de neon rosa (um deles dizia “Mais Amor Por Favor”). Outras pessoas folheavam a seleção de traduções em espanhol, uma mesa de histórias que fazem jorrar lágrimas sob a plaquinha “meus tempos de choro” e estantes de livros rotulados como “moralmente questionável” e “romance sombrio”.
“Essas prateleiras nunca ficam cheias”, disse Saavedra.
Rosen Fulmore, compradora frequente da Steamy Lit, carregava uma pilha de livros já lidos para Cunningham autografar.
“Espero que você não se importe com as manchas de água”, ela disse a Cunningham.
“Adoro que os livros sejam tão amados assim”, respondeu Cunningham.
Fulmore ouviu falar da loja quando Ryan, uma de suas autoras favoritas, postou nas redes sociais que faria um evento lá e, desde então, ela virou cliente constante. “Tem todas as coisas quentes que você pode imaginar no mesmo lugar”, disse ela.
Outra cliente, Angela Thayer, que trabalha no Departamento de Assuntos de Veteranos da Flórida, disse que geralmente aparece a cada duas semanas, quando recebe o salário. Naquele domingo, ela trouxe a filha, Ashley Watkins, que ficou animada ao ver tantas obras de autores negros. “É muito bom ver livros com pessoas que se parecem comigo em situações românticas”, disse Watkins.
A Steamy Lit também oferece um pouco de ficção geral e não ficção para os raros clientes que não gostam dos livros românticos, numa estante chamada “me arrastaram até aqui”. Fica escondida nos fundos da loja. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU