Dan Mallory lutou por 15 anos contra uma depressão até que um novo médico, suspeitando do diagnóstico anterior, propôs outro tratamento. Editor de livros na William Morrow, ele tirou uma licença de seis semanas para experimentar a medicação. Ao final da quarta semana, ele já se sentia outra pessoa e ainda restavam alguns dias até voltar ao trabalho.
Fez o que mais gosta de fazer: releu os livros policiais que o acompanharam em seus 38 anos e reviu filmes antigos. E foi numa dessas noites na frente da televisão que ele teve a ideia da história que, pouco mais de um ano depois, viraria sua vida de cabeça para baixo. No melhor dos sentidos.
Mallory está sentado em seu apartamento, em Manhattan, assistindo, pela enésima vez, a Janela Indiscreta. James Stewart está na tela, olhando para o pátio. De canto de olho, o editor vê uma luz. Olha para a janela e ali está sua vizinha acendendo a lâmpada da sala da casa dela.
Por alguns minutos, olha fixamente para a cena. Tudo é muito nítido. As janelas costumam ficar abertas na cidade. Ela está vendo TV. Atrás dele, de repente, uma voz diz a James Stewart algo como ‘Não espione seu vizinho porque alguma coisa muito ruim pode acontecer’. Quando ele vira de novo, a mulher o está encarando.
E, assim, o editor que nunca tinha pensado em escrever um livro começou a trabalhar em A Mulher na Janela.
A mulher na janela é Anna Fox, uma psicóloga de crianças que já foi muito respeitada, mas que sofreu um trauma e não pode mais deixar a sua casa. Passa os dias à base de remédios e vinho e acompanhando o desenrolar da vida de seus vizinhos do Harlem, em Nova York.
Isso vira um problema quando ela começa a acreditar que testemunhou um crime. Como ela não consegue sair para investigar ou convencer alguém do que viu, incluindo a polícia, ela passa a duvidar se viu mesmo alguma coisa. E isso é tudo o que podemos contar sobre o enredo do que Mallory chama de “a Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock para o século 21”.
O editor terminou o livro, assinou como A. J. Finn, submeteu o original a uma agente literária e, quando se deram conta, os direitos já tinham sido vendidos para quase 40 países – isso, muito antes de ele ter sido lançado. Um recorde para o primeiro livro de um autor desconhecido.
Nas livrarias americanas desde o começo de janeiro e nas britânicas desde o fim daquele mês, A Mulher no Trem já soma cerca de um milhão de exemplares vendidos em língua inglesa – 750 mil só nos EUA. Há 12 anos, o livro de um autor estreante não ficava no topo da lista do New York Times.
A Mulher na Janela ficou. Tem mais: o leilão pelo direito de publicar o livro na América do Norte terminou em US$ 2 milhões e a Fox pagou US$ 1 milhão para poder fazer o filme.
Com o repentino sucesso e a conta bancária como ele jamais viu, 10 dias antes de seu livro sair Mallory deixou a William Morrow, onde era responsável pela edição da obra de Agatha Christie, uma de suas principais referências literárias, e de outros autores de diversos gêneros, sobretudo o policial.
Leva, agora, a vida de um escritor preocupado com a continuação do sucesso. Escreve o segundo título e cuida da divulgação do primeiro, que, neste momento, começa a ser publicado mundo afora.
A obra acaba de chegar às livrarias brasileiras como uma das apostas da Arqueiro para o ano – e a editora sugeriu o nome de Dan Mallory, ou A. J. Finn, à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A organização não confirma sua participação. Nesta entrevista exclusiva ao Caderno 2, por telefone, o autor fala sobre seu livro.
Mallory reconhece que ter sido editor de livros por 10 anos – em Londres e em Nova York – o ajudou na tarefa de escrever seu thriller, que ele descreve como uma história de solidão e luto. Capítulos curtos, história que prende a atenção e flui, um título que remete a outros best-sellers. Mas o que fez diferença, mesmo, ele diz, foi ter passado a infância e a juventude com a cara atrás de um livro. “A leitura é a melhor forma de aprendizagem e o que me ajudou a escrever essa história foi ter vivido como um leitor”, conta o autor.
Sua vontade de escrever, no entanto, só foi despertada depois de ter lido Garota Exemplar, de Gillian Flynn. “Eu não era desses editores que tinham ambição com relação aos seus próprios escritos. E embora eu tenha crescido lendo Agatha Christie e Sherlock Holmes, tenha estudado Patricia Highsmith em Oxford e editado grandes autores, eu não tinha uma história para contar”, diz.
Quando Garota Exemplar saiu, em 2012, e se tornou um enorme sucesso ao redor do mundo, ele pensou: “Esse é o tipo de livro que eu gostaria de escrever, mas não tenho uma história e não vou forçar”. Passaram-se três anos e meio, saiu A Garota no Trem, de Paula Hawkins, que também foi um grande best-seller, e lamentou de novo por não ter uma história. Quase um ano depois, a vizinha acende a luz e uma personagem “gruda no cérebro” do editor: ela estava sofrendo por um luto e trauma. De repente, ele tinha algo a dizer.
“A experiência da escrita foi muito catártica e foi um privilégio poder explorar, de forma segura, o que eu estava vivendo”, conta. Para o autor, escrever ficção é ato de empatia. E ler também. “Quando lemos, experimentamos a vida de outras pessoas e acontece o mesmo quando escrevemos. Pude mergulhar na mente dessa mulher, chorar e afundar ao lado dela, entrar em pânico com ela. Portanto, escrever não foi divertido ou fácil, mas revigorante.”
Anna Fox, sua protagonista, tem 38 anos. “Estou cansado de ler thrillers onde o personagem central, uma mulher, é muito passivo e reativo. Elas praticamente dependem do homem para seu bem-estar. As mulheres têm muitas outras coisas interessantes acontecendo em sua mente que não têm a ver com homens e bebês. Eu quis escrever um livro em que não havia interesse amoroso pela personagem feminina, no qual ela se preocupa com sua família, sim, mas tem outras coisas. Eu quis escrever um livro sobre uma mulher inteligente, sobre uma mulher que se salva sozinha porque mulheres são capazes de fazer isso”, justifica.
Essa é uma das diferenças entre seu livro, Garota Exemplar e A Garota no Trem. Do ponto de vista do estilo, A Mulher na Janela tem mais relação com A Garota no Trem, considera.
Dan Mallory não conhece a mulher que inspirou sua história e nunca lhe ocorreu contar tudo isso para ela. “Estou olhando para a janela dela neste momento. Ela está na porta. Está nevando. Eu poderia abrir a janela e falar, ‘oi, obrigado’. Seria assustador ou ela ia gostar?, brinca.”
Se ele alguma vez pensou que sua vida daria uma guinada dessas? “Nunca, nunca”, ele grita animado. “Meu único objetivo era conseguir escrever a palavra ‘fim’.” E tudo está apenas começando. A Mulher na Janela tem potencial para ser um dos grandes best-sellers do ano. Deve voltar às listas no ano que vem com o filme nos cinemas. Joe Wright acaba de ser escolhido como diretor. Vencedor do Pulitzer pela peça Álbum de Família, depois transformada em filme, Tracy Letts é o roteirista. E Scott Rudin, de Onde os Fracos Não Têm Vez e A Rede Social, e Eli Bush, de Lady Bird, vão produzir o filme.