Atriz, artista plástica, Stella é uma mulher propensa ao sucesso – próxima dos 40 anos, é realizada profissionalmente. A fratura, no entanto, é emocional: aos poucos, ela se interessa por João, publicitário cinquentão, beleza escassa e dependente de drogas reguladoras do humor que equilibrem suas flutuações emocionais. À primeira vista, uma relação fadada ao fracasso, mas ambos se esforçam, ao menos no início, para que vingue.
“O tema é universal e eterno: os problemas de uma relação amorosa”, comenta Maitê Proença sobre a trama de Todo Vícios (Record), seu quarto livro que será lançado nesta quinta-feira, 27, à noite, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. “Mas, como se passa nos dias atuais, a forma de comunicação é diferente: ao invés do tradicional olho no olho, eles conversam por mensagem de celular.”
A ferramenta fomenta novidades na narrativa, em que Maitê aproveita para exercitar seu estilo – são três narradores: além de João, Stella se divide em dois, passeando entre a primeira e a terceira pessoas. Assim, se Stella se estende nas frases, interligando subordinadas, Pedro é telegráfico, seco, direto. A própria diferença permite o leitor acreditar na dificuldade de realização daquele amor.
Maitê conta que precisou de um ano para escrever o livro, construído a partir de observações e algumas pitadas de histórias pessoais. “Fiquei dois anos em cartaz com minha peça À Beira do Abismo me Cresceram Asas, em que interpreto uma velha, que leva uma vida simples, rural, algo muito distante de mim, que sou mais urbana. Por isso, decidi escrever uma história mais contemporânea sobre um grande desencontro.”
Durante o processo criativo, inspirava-se na obra de duas grandes escritoras, Virginia Woolf e Alice Munro. “Os longos textos de Virginia me encantavam, uma desinibição formal que, hoje em dia, praticamente não é facilmente aceito”, lembra. “Já os contos de Munro revelavam uma aparente simplicidade, quase uma infantilidade, que, na verdade, era enganadora – aquelas palavras simples encobriam muita profundidade.” Maitê conta que precisou interromper a leitura pois o estilo das autoras passou a contaminar sua escrita.
A escritora lembra que sentiu urgência em contar a história em meio às novidades tecnológicas, que vêm mudando as formas de relacionamento. “Eu precisava mostrar a troca de diálogos por meio de SMS, que é tão comum nos dias de hoje”, observa ela, que, aos 56 anos, mantém a beleza intacta. “Se já era complicado quando os namorados se olhavam diretamente, agora, que são só as palavras trocadas por meio de um visor, é mais difícil se entender. No livro, Stella e Pedro têm a ilusão de que se conhecem, mas na verdade não: quando vão para a cama, descobrem que são estranhos. A internet é sedutora, mas não pela facilidade de fazer amigos e sim para desfazer amigos. Antes, era difícil terminar uma relação, hoje é simples: você deleta a pessoa.”
Curiosamente, Maitê não se julga uma pessoa conectada, ainda que não desconheça a importância da internet na rotina atual. “Precisei abrir uma conta no Instagram porque havia outros três falsos em meu nome. Mas não tenho Facebook.”
Maitê é uma artista que gosta de viver em constante fase de criação. Além de encerrar uma temporada de dois anos em cartaz com a peça À Beira do Abismo..., ela ainda mantém um programa de rádio no Rio de Janeiro (com o sugestivo título Hora do Blush), participa do Extra Ordinários, em que fala sobre futebol, no SporTV, e está prestes a iniciar sua participação nas gravações da próxima novela das 21 horas da Globo, Alto Astral. “Eu me sinto motivada ao tratar, ao mesmo tempo, de assuntos tão diversos”, garante.
Na verdade, ela parece não gostar de rotina – mesmo das mais cotidianas. Em entrevista à TV Estadão, Maitê conta que, certo dia, impaciente com os problemas provocados pelos empregados de sua casa, decidiu demitir todos. “Assumi a responsabilidade pela limpeza e, ao fazer, descobri que podia desdobrar a tarefa”, conta. “Ao esfregar o chão, esticava o corpo ao máximo até sentir o mesmo efeito de um exercício abdominal.”
TRECHO
“Stella acordou preocupada com João. Será que se dopava nas caladas, se anestesiava por dias seguidos sem ligar pra nada ou ninguém? Será que odiava o trabalho e para tolerar a rotina se entupia de opiáceos? Será que sofria de dependência e era isso que ele escondia? Impossível competir com as drogas, diante de mínima frustração estica-se mais uma, tomam-se três comprimidos e troca-se um dia a dia comezinho e inglório por delícias extasiantes”
TODO VÍCIOS
Autora: Maitê Proença
Editora: Record (232 págs., R$ 30)
Lançamento Livraria Cultura Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073). Quinta-feira, 27/11, 19 h.
Veja a entrevista com Maitê Proença: