Maníaco do Parque: ‘Se ele ficar eternamente preso, a sociedade certamente agradecerá’, diz biógrafo


Escritor e jornalista Ullisses Campbell, que também escreveu livros sobre Suzane von Richtofen, Elize Matsunaga e Flordelis, conta detalhes da pesquisa para biografia do serial killer e afirma que possível soltura do assassino é um perigo para a sociedade

Por Ubiratan Brasil

O ano de 2028 está na mira do escritor e jornalista Ullisses Campbell. Em agosto, está prevista a libertação do motoboy Francisco de Assis Pereira que, conhecido por Maníaco do Parque, foi condenado à prisão pela morte de sete mulheres – apesar de ele ter confessado o assassinato de nove – e pelo estupro de mais uma dezena. Sua pena chegou a 268 anos, mas, na época (1998), a legislação brasileira não permitia que uma pessoa passasse mais que 30 anos na cadeia. “Sua soltura pode ser um risco para a sociedade porque ele já admitiu que mataria novamente”, conta Campbell que, depois de pesquisar durante dois anos, concluiu Francisco de Assis, O Maníaco do Parque, livro que acaba de ser lançado pela editora Matrix.

A obra despertou muita curiosidade durante a Bienal do Livro de São Paulo, encerrada em 15 de setembro. Lá, além das sessões de autógrafos, Campbell era reconhecido pelos leitores enquanto circulava pela feira. A biografia não autorizada também logo figurou nas listas dos mais vendidos na categoria de não ficção. O interesse deverá crescer com o lançamento do filme Maníaco do Parque, com Silvero Pereira trazendo uma impressionante caracterização do assassino. O longa do Prime Video, com direção de Maurício Eça, estará no Festival do Rio em 12 de outubro e chegará à plataforma de streaming no dia 18.

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O motoboy Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, foi preso em 1998, acusado de matar nove mulheres no Parque do Estado, em São Paulo Foto: Milton Michida/Estadão

“O fascínio das pessoas é o mesmo que me convenceu a escrever o livro: o fato de Francisco ser um serial killer”, observa o escritor que, com a obra, inicia a Trilogia Homens Assassinos - o próximo vai detalhar a história de Marcelo Costa de Andrade, conhecido como Vampiro de Niterói, acusado de ter matado 14 meninos nas redondezas de Itaboraí, próximo a Niterói, no Rio de Janeiro, entre abril e dezembro de 1991. A alcunha nasceu a partir de um crime hediondo, em que bebeu o sangue de um garoto de 11 anos enquanto o estuprava, e depois quebrou seu pescoço. O terceiro biografado ainda não foi definido. “Só adianto que será sobre alguém que tenha sido condenado, que é minha regra.”

Personalidade assassina

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Ullisses Campbell tem familiaridade com histórias de criminosos, pois é autor da Trilogia Mulheres Assassinas, que inclui os livros Suzane - Assassina e Manipuladora, Elize Matsunaga - A Mulher que Esquartejou o Marido e Flordelis - A Pastora do Diabo. Elas se tornaram conhecidas por conta da perversidade e da repercussão de seus delitos: Suzane von Richtofen participou do plano de assassinato de seus pais, enquanto Elize Matsunaga esquartejou o marido e Flordelis montou uma armação para também para dar cabo do marido.

“Elas cometeram crimes passionais contra membros da própria família, sem risco para a sociedade, enquanto o Maníaco foi mais violento, com vítimas escolhidas ao acaso, o que choca mais as pessoas”, conta o autor, que fez entrevistas com 40 mulheres sobreviventes ao seu ataque, com familiares do assassino, incluindo a mãe, Maria Helena, além da leitura de 20 mil páginas dos processos penais e de execução e também dos laudos de 12 exames feitos em Francisco por psiquiatras e psicólogos dentro da cadeia.

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Traçou, assim, um perfil detalhado do homem que teria sido molestado por uma tia quando criança, o que lhe desenvolveu uma fixação por seios, e, já adulto, foi seduzido por um patrão, despertando seu interesse por relações homossexuais. Ele ainda quase teve o pênis decepado pela mordida de uma mulher, o que explicaria a dor que passou a sentir durante as relações sexuais. Incidentes que moldaram sua personalidade assassina.

“Francisco agia de forma inteligente, com estratégias para atrair as vítimas certas”, conta Campbell. “Ele buscava as mais retraídas, que andavam com os ombros arqueados, olhar baixo, revelando total vulnerabilidade, autoconfiança fragilizada e complexo de inferioridade. Melhor ainda se fossem de outra região do Brasil e vivessem sozinhas em São Paulo, o que indicava não ter parentes que logo dessem falta daquela pessoa.”

Silvero Pereira vai interpretar o Maníaco do Parque em produção do Amazon Prime Video. Foto: Divulgação/Prime Video
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Para elas, apresentava-se como caça talentos da Avon, conhecida empresa de cosméticos, e as convidava para fazer um teste fotográfico. Com a vítima convencida, ele a levava na garupa de sua moto até o Parque do Estado, no bairro da Água Funda, em São Paulo. Lá, a pretexto de pegar um atalho, atravessava a mata até que, totalmente isolado, praticava atrocidades. “Em suas contas, Francisco atraiu pelo menos 200 mulheres ao parque em um período de dois anos. E sempre se orgulhou de nunca ter arrastado nenhuma delas ou mesmo dopado: convencia no diálogo.”

Olhar demoníaco

Um dos aspectos mais malignos - e que o filme da Prime Video explora abertamente - é a radical mudança de comportamento apresentada por Francisco tão logo entrava na mata: seus olhos ficavam fora de órbita, as pupilas dilatavam e uma cor avermelhada tingia a área branca, como se sofresse uma micro hemorragia. Em alguns casos, tal olhar demoníaco era a última imagem vista pela vítima, antes de ser de estrangulada, estuprada, mordida e seu corpo ser deixado no parque da zona sul de São Paulo.

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Segundo o assassino, uma força maligna assumia seu controle - seria o espírito do avô, que fazia rituais e bebia sangue de animais. “Quando estava grávida de Francisco, a mãe ouviu daquele homem que estaria gerando o bebê do diabo”, conta o escritor. “Mas, não acredito nisso, pois, na prisão, ele se tornou católico.”

Com a assessoria da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, que “decodificou” os laudos de exames criminais (como o Teste de Rorschach, que avalia as características da personalidade) aos quais Francisco foi submetido em 1998 na prisão, Ullisses Campbell descobriu uma dissonância entre a identidade de gênero percebida e a almejada, ou seja, o assassino revelava um desejo doentio de querer ser uma mulher. “E, como não conseguia ser, nenhuma outra poderia existir, segundo seu raciocínio. Ao olhar atual, ele seria um transexual.”

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O escritor e jornalista Ullisses Campbell no lançamento do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque' em São Paulo. Foto: Thuani Damaceno/Divulgação

O trabalho de escrita foi elaborado com o autor utilizando técnicas do jornalismo literário, ou seja, um estilo de escrita que combina a estrutura narrativa da ficção com a fidelidade aos fatos do jornalismo tradicional. “Se apenas relatasse os fatos, o livro corria o risco de ficar maçante”, justifica ele, que é roteirista de outra produção da Prime Video, a série Tremembé, sobre Suzane von Richthofen, que será interpretada por Marina Ruy Barbosa.

Liberdade para o Maníaco do Parque

A preocupação sobre a soltura de Francisco em 12 de agosto de 2028 está justificada no livro, na entrevista com o delegado Sérgio Luís da Silva Alves. Questionado pelo policial se continuaria matando mulheres, caso não tivesse sido preso, ele foi incisivo ao afirmar que, se fosse solto a qualquer momento, acabaria matando de novo, pois sente uma crescente força maligna. “E, em 2013, ele tentou morder uma assistente social”, argumenta Campbell. “Por isso, não será um processo simples. Exames psicológicos e laudos de psiquiatras serão analisados pela Justiça, que vai decidir se ele continua disposto a cometer novos crimes.”

Também seu paradeiro será desconhecido porque a família não pretende recebê-lo e já não há mais manicômios judiciais no Brasil. Uma alternativa poderia ser uma das inúmeras mulheres com quem ele se correspondeu durante o período encarcerado. Nas três décadas preso, Francisco, que perdeu todos os dentes devido a uma doença, recebeu mais de mil cartas e teve pelo menos três namoradas. “Mas, se ele ficar eternamente preso, a sociedade certamente agradecerá”, finaliza seu biógrafo.

Capa do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque'. Foto: Matrix/Divulgação

Francisco de Assis - O Maníaco do Parque

  • Autor: Ullisses Campbell
  • Editora: Matrix (352 págs.; R$ 85,90/ R$ 59 o e-book)

O ano de 2028 está na mira do escritor e jornalista Ullisses Campbell. Em agosto, está prevista a libertação do motoboy Francisco de Assis Pereira que, conhecido por Maníaco do Parque, foi condenado à prisão pela morte de sete mulheres – apesar de ele ter confessado o assassinato de nove – e pelo estupro de mais uma dezena. Sua pena chegou a 268 anos, mas, na época (1998), a legislação brasileira não permitia que uma pessoa passasse mais que 30 anos na cadeia. “Sua soltura pode ser um risco para a sociedade porque ele já admitiu que mataria novamente”, conta Campbell que, depois de pesquisar durante dois anos, concluiu Francisco de Assis, O Maníaco do Parque, livro que acaba de ser lançado pela editora Matrix.

A obra despertou muita curiosidade durante a Bienal do Livro de São Paulo, encerrada em 15 de setembro. Lá, além das sessões de autógrafos, Campbell era reconhecido pelos leitores enquanto circulava pela feira. A biografia não autorizada também logo figurou nas listas dos mais vendidos na categoria de não ficção. O interesse deverá crescer com o lançamento do filme Maníaco do Parque, com Silvero Pereira trazendo uma impressionante caracterização do assassino. O longa do Prime Video, com direção de Maurício Eça, estará no Festival do Rio em 12 de outubro e chegará à plataforma de streaming no dia 18.

O motoboy Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, foi preso em 1998, acusado de matar nove mulheres no Parque do Estado, em São Paulo Foto: Milton Michida/Estadão

“O fascínio das pessoas é o mesmo que me convenceu a escrever o livro: o fato de Francisco ser um serial killer”, observa o escritor que, com a obra, inicia a Trilogia Homens Assassinos - o próximo vai detalhar a história de Marcelo Costa de Andrade, conhecido como Vampiro de Niterói, acusado de ter matado 14 meninos nas redondezas de Itaboraí, próximo a Niterói, no Rio de Janeiro, entre abril e dezembro de 1991. A alcunha nasceu a partir de um crime hediondo, em que bebeu o sangue de um garoto de 11 anos enquanto o estuprava, e depois quebrou seu pescoço. O terceiro biografado ainda não foi definido. “Só adianto que será sobre alguém que tenha sido condenado, que é minha regra.”

Personalidade assassina

Ullisses Campbell tem familiaridade com histórias de criminosos, pois é autor da Trilogia Mulheres Assassinas, que inclui os livros Suzane - Assassina e Manipuladora, Elize Matsunaga - A Mulher que Esquartejou o Marido e Flordelis - A Pastora do Diabo. Elas se tornaram conhecidas por conta da perversidade e da repercussão de seus delitos: Suzane von Richtofen participou do plano de assassinato de seus pais, enquanto Elize Matsunaga esquartejou o marido e Flordelis montou uma armação para também para dar cabo do marido.

“Elas cometeram crimes passionais contra membros da própria família, sem risco para a sociedade, enquanto o Maníaco foi mais violento, com vítimas escolhidas ao acaso, o que choca mais as pessoas”, conta o autor, que fez entrevistas com 40 mulheres sobreviventes ao seu ataque, com familiares do assassino, incluindo a mãe, Maria Helena, além da leitura de 20 mil páginas dos processos penais e de execução e também dos laudos de 12 exames feitos em Francisco por psiquiatras e psicólogos dentro da cadeia.

Traçou, assim, um perfil detalhado do homem que teria sido molestado por uma tia quando criança, o que lhe desenvolveu uma fixação por seios, e, já adulto, foi seduzido por um patrão, despertando seu interesse por relações homossexuais. Ele ainda quase teve o pênis decepado pela mordida de uma mulher, o que explicaria a dor que passou a sentir durante as relações sexuais. Incidentes que moldaram sua personalidade assassina.

“Francisco agia de forma inteligente, com estratégias para atrair as vítimas certas”, conta Campbell. “Ele buscava as mais retraídas, que andavam com os ombros arqueados, olhar baixo, revelando total vulnerabilidade, autoconfiança fragilizada e complexo de inferioridade. Melhor ainda se fossem de outra região do Brasil e vivessem sozinhas em São Paulo, o que indicava não ter parentes que logo dessem falta daquela pessoa.”

Silvero Pereira vai interpretar o Maníaco do Parque em produção do Amazon Prime Video. Foto: Divulgação/Prime Video

Para elas, apresentava-se como caça talentos da Avon, conhecida empresa de cosméticos, e as convidava para fazer um teste fotográfico. Com a vítima convencida, ele a levava na garupa de sua moto até o Parque do Estado, no bairro da Água Funda, em São Paulo. Lá, a pretexto de pegar um atalho, atravessava a mata até que, totalmente isolado, praticava atrocidades. “Em suas contas, Francisco atraiu pelo menos 200 mulheres ao parque em um período de dois anos. E sempre se orgulhou de nunca ter arrastado nenhuma delas ou mesmo dopado: convencia no diálogo.”

Olhar demoníaco

Um dos aspectos mais malignos - e que o filme da Prime Video explora abertamente - é a radical mudança de comportamento apresentada por Francisco tão logo entrava na mata: seus olhos ficavam fora de órbita, as pupilas dilatavam e uma cor avermelhada tingia a área branca, como se sofresse uma micro hemorragia. Em alguns casos, tal olhar demoníaco era a última imagem vista pela vítima, antes de ser de estrangulada, estuprada, mordida e seu corpo ser deixado no parque da zona sul de São Paulo.

Segundo o assassino, uma força maligna assumia seu controle - seria o espírito do avô, que fazia rituais e bebia sangue de animais. “Quando estava grávida de Francisco, a mãe ouviu daquele homem que estaria gerando o bebê do diabo”, conta o escritor. “Mas, não acredito nisso, pois, na prisão, ele se tornou católico.”

Com a assessoria da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, que “decodificou” os laudos de exames criminais (como o Teste de Rorschach, que avalia as características da personalidade) aos quais Francisco foi submetido em 1998 na prisão, Ullisses Campbell descobriu uma dissonância entre a identidade de gênero percebida e a almejada, ou seja, o assassino revelava um desejo doentio de querer ser uma mulher. “E, como não conseguia ser, nenhuma outra poderia existir, segundo seu raciocínio. Ao olhar atual, ele seria um transexual.”

O escritor e jornalista Ullisses Campbell no lançamento do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque' em São Paulo. Foto: Thuani Damaceno/Divulgação

O trabalho de escrita foi elaborado com o autor utilizando técnicas do jornalismo literário, ou seja, um estilo de escrita que combina a estrutura narrativa da ficção com a fidelidade aos fatos do jornalismo tradicional. “Se apenas relatasse os fatos, o livro corria o risco de ficar maçante”, justifica ele, que é roteirista de outra produção da Prime Video, a série Tremembé, sobre Suzane von Richthofen, que será interpretada por Marina Ruy Barbosa.

Liberdade para o Maníaco do Parque

A preocupação sobre a soltura de Francisco em 12 de agosto de 2028 está justificada no livro, na entrevista com o delegado Sérgio Luís da Silva Alves. Questionado pelo policial se continuaria matando mulheres, caso não tivesse sido preso, ele foi incisivo ao afirmar que, se fosse solto a qualquer momento, acabaria matando de novo, pois sente uma crescente força maligna. “E, em 2013, ele tentou morder uma assistente social”, argumenta Campbell. “Por isso, não será um processo simples. Exames psicológicos e laudos de psiquiatras serão analisados pela Justiça, que vai decidir se ele continua disposto a cometer novos crimes.”

Também seu paradeiro será desconhecido porque a família não pretende recebê-lo e já não há mais manicômios judiciais no Brasil. Uma alternativa poderia ser uma das inúmeras mulheres com quem ele se correspondeu durante o período encarcerado. Nas três décadas preso, Francisco, que perdeu todos os dentes devido a uma doença, recebeu mais de mil cartas e teve pelo menos três namoradas. “Mas, se ele ficar eternamente preso, a sociedade certamente agradecerá”, finaliza seu biógrafo.

Capa do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque'. Foto: Matrix/Divulgação

Francisco de Assis - O Maníaco do Parque

  • Autor: Ullisses Campbell
  • Editora: Matrix (352 págs.; R$ 85,90/ R$ 59 o e-book)

O ano de 2028 está na mira do escritor e jornalista Ullisses Campbell. Em agosto, está prevista a libertação do motoboy Francisco de Assis Pereira que, conhecido por Maníaco do Parque, foi condenado à prisão pela morte de sete mulheres – apesar de ele ter confessado o assassinato de nove – e pelo estupro de mais uma dezena. Sua pena chegou a 268 anos, mas, na época (1998), a legislação brasileira não permitia que uma pessoa passasse mais que 30 anos na cadeia. “Sua soltura pode ser um risco para a sociedade porque ele já admitiu que mataria novamente”, conta Campbell que, depois de pesquisar durante dois anos, concluiu Francisco de Assis, O Maníaco do Parque, livro que acaba de ser lançado pela editora Matrix.

A obra despertou muita curiosidade durante a Bienal do Livro de São Paulo, encerrada em 15 de setembro. Lá, além das sessões de autógrafos, Campbell era reconhecido pelos leitores enquanto circulava pela feira. A biografia não autorizada também logo figurou nas listas dos mais vendidos na categoria de não ficção. O interesse deverá crescer com o lançamento do filme Maníaco do Parque, com Silvero Pereira trazendo uma impressionante caracterização do assassino. O longa do Prime Video, com direção de Maurício Eça, estará no Festival do Rio em 12 de outubro e chegará à plataforma de streaming no dia 18.

O motoboy Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, foi preso em 1998, acusado de matar nove mulheres no Parque do Estado, em São Paulo Foto: Milton Michida/Estadão

“O fascínio das pessoas é o mesmo que me convenceu a escrever o livro: o fato de Francisco ser um serial killer”, observa o escritor que, com a obra, inicia a Trilogia Homens Assassinos - o próximo vai detalhar a história de Marcelo Costa de Andrade, conhecido como Vampiro de Niterói, acusado de ter matado 14 meninos nas redondezas de Itaboraí, próximo a Niterói, no Rio de Janeiro, entre abril e dezembro de 1991. A alcunha nasceu a partir de um crime hediondo, em que bebeu o sangue de um garoto de 11 anos enquanto o estuprava, e depois quebrou seu pescoço. O terceiro biografado ainda não foi definido. “Só adianto que será sobre alguém que tenha sido condenado, que é minha regra.”

Personalidade assassina

Ullisses Campbell tem familiaridade com histórias de criminosos, pois é autor da Trilogia Mulheres Assassinas, que inclui os livros Suzane - Assassina e Manipuladora, Elize Matsunaga - A Mulher que Esquartejou o Marido e Flordelis - A Pastora do Diabo. Elas se tornaram conhecidas por conta da perversidade e da repercussão de seus delitos: Suzane von Richtofen participou do plano de assassinato de seus pais, enquanto Elize Matsunaga esquartejou o marido e Flordelis montou uma armação para também para dar cabo do marido.

“Elas cometeram crimes passionais contra membros da própria família, sem risco para a sociedade, enquanto o Maníaco foi mais violento, com vítimas escolhidas ao acaso, o que choca mais as pessoas”, conta o autor, que fez entrevistas com 40 mulheres sobreviventes ao seu ataque, com familiares do assassino, incluindo a mãe, Maria Helena, além da leitura de 20 mil páginas dos processos penais e de execução e também dos laudos de 12 exames feitos em Francisco por psiquiatras e psicólogos dentro da cadeia.

Traçou, assim, um perfil detalhado do homem que teria sido molestado por uma tia quando criança, o que lhe desenvolveu uma fixação por seios, e, já adulto, foi seduzido por um patrão, despertando seu interesse por relações homossexuais. Ele ainda quase teve o pênis decepado pela mordida de uma mulher, o que explicaria a dor que passou a sentir durante as relações sexuais. Incidentes que moldaram sua personalidade assassina.

“Francisco agia de forma inteligente, com estratégias para atrair as vítimas certas”, conta Campbell. “Ele buscava as mais retraídas, que andavam com os ombros arqueados, olhar baixo, revelando total vulnerabilidade, autoconfiança fragilizada e complexo de inferioridade. Melhor ainda se fossem de outra região do Brasil e vivessem sozinhas em São Paulo, o que indicava não ter parentes que logo dessem falta daquela pessoa.”

Silvero Pereira vai interpretar o Maníaco do Parque em produção do Amazon Prime Video. Foto: Divulgação/Prime Video

Para elas, apresentava-se como caça talentos da Avon, conhecida empresa de cosméticos, e as convidava para fazer um teste fotográfico. Com a vítima convencida, ele a levava na garupa de sua moto até o Parque do Estado, no bairro da Água Funda, em São Paulo. Lá, a pretexto de pegar um atalho, atravessava a mata até que, totalmente isolado, praticava atrocidades. “Em suas contas, Francisco atraiu pelo menos 200 mulheres ao parque em um período de dois anos. E sempre se orgulhou de nunca ter arrastado nenhuma delas ou mesmo dopado: convencia no diálogo.”

Olhar demoníaco

Um dos aspectos mais malignos - e que o filme da Prime Video explora abertamente - é a radical mudança de comportamento apresentada por Francisco tão logo entrava na mata: seus olhos ficavam fora de órbita, as pupilas dilatavam e uma cor avermelhada tingia a área branca, como se sofresse uma micro hemorragia. Em alguns casos, tal olhar demoníaco era a última imagem vista pela vítima, antes de ser de estrangulada, estuprada, mordida e seu corpo ser deixado no parque da zona sul de São Paulo.

Segundo o assassino, uma força maligna assumia seu controle - seria o espírito do avô, que fazia rituais e bebia sangue de animais. “Quando estava grávida de Francisco, a mãe ouviu daquele homem que estaria gerando o bebê do diabo”, conta o escritor. “Mas, não acredito nisso, pois, na prisão, ele se tornou católico.”

Com a assessoria da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, que “decodificou” os laudos de exames criminais (como o Teste de Rorschach, que avalia as características da personalidade) aos quais Francisco foi submetido em 1998 na prisão, Ullisses Campbell descobriu uma dissonância entre a identidade de gênero percebida e a almejada, ou seja, o assassino revelava um desejo doentio de querer ser uma mulher. “E, como não conseguia ser, nenhuma outra poderia existir, segundo seu raciocínio. Ao olhar atual, ele seria um transexual.”

O escritor e jornalista Ullisses Campbell no lançamento do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque' em São Paulo. Foto: Thuani Damaceno/Divulgação

O trabalho de escrita foi elaborado com o autor utilizando técnicas do jornalismo literário, ou seja, um estilo de escrita que combina a estrutura narrativa da ficção com a fidelidade aos fatos do jornalismo tradicional. “Se apenas relatasse os fatos, o livro corria o risco de ficar maçante”, justifica ele, que é roteirista de outra produção da Prime Video, a série Tremembé, sobre Suzane von Richthofen, que será interpretada por Marina Ruy Barbosa.

Liberdade para o Maníaco do Parque

A preocupação sobre a soltura de Francisco em 12 de agosto de 2028 está justificada no livro, na entrevista com o delegado Sérgio Luís da Silva Alves. Questionado pelo policial se continuaria matando mulheres, caso não tivesse sido preso, ele foi incisivo ao afirmar que, se fosse solto a qualquer momento, acabaria matando de novo, pois sente uma crescente força maligna. “E, em 2013, ele tentou morder uma assistente social”, argumenta Campbell. “Por isso, não será um processo simples. Exames psicológicos e laudos de psiquiatras serão analisados pela Justiça, que vai decidir se ele continua disposto a cometer novos crimes.”

Também seu paradeiro será desconhecido porque a família não pretende recebê-lo e já não há mais manicômios judiciais no Brasil. Uma alternativa poderia ser uma das inúmeras mulheres com quem ele se correspondeu durante o período encarcerado. Nas três décadas preso, Francisco, que perdeu todos os dentes devido a uma doença, recebeu mais de mil cartas e teve pelo menos três namoradas. “Mas, se ele ficar eternamente preso, a sociedade certamente agradecerá”, finaliza seu biógrafo.

Capa do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque'. Foto: Matrix/Divulgação

Francisco de Assis - O Maníaco do Parque

  • Autor: Ullisses Campbell
  • Editora: Matrix (352 págs.; R$ 85,90/ R$ 59 o e-book)

O ano de 2028 está na mira do escritor e jornalista Ullisses Campbell. Em agosto, está prevista a libertação do motoboy Francisco de Assis Pereira que, conhecido por Maníaco do Parque, foi condenado à prisão pela morte de sete mulheres – apesar de ele ter confessado o assassinato de nove – e pelo estupro de mais uma dezena. Sua pena chegou a 268 anos, mas, na época (1998), a legislação brasileira não permitia que uma pessoa passasse mais que 30 anos na cadeia. “Sua soltura pode ser um risco para a sociedade porque ele já admitiu que mataria novamente”, conta Campbell que, depois de pesquisar durante dois anos, concluiu Francisco de Assis, O Maníaco do Parque, livro que acaba de ser lançado pela editora Matrix.

A obra despertou muita curiosidade durante a Bienal do Livro de São Paulo, encerrada em 15 de setembro. Lá, além das sessões de autógrafos, Campbell era reconhecido pelos leitores enquanto circulava pela feira. A biografia não autorizada também logo figurou nas listas dos mais vendidos na categoria de não ficção. O interesse deverá crescer com o lançamento do filme Maníaco do Parque, com Silvero Pereira trazendo uma impressionante caracterização do assassino. O longa do Prime Video, com direção de Maurício Eça, estará no Festival do Rio em 12 de outubro e chegará à plataforma de streaming no dia 18.

O motoboy Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, foi preso em 1998, acusado de matar nove mulheres no Parque do Estado, em São Paulo Foto: Milton Michida/Estadão

“O fascínio das pessoas é o mesmo que me convenceu a escrever o livro: o fato de Francisco ser um serial killer”, observa o escritor que, com a obra, inicia a Trilogia Homens Assassinos - o próximo vai detalhar a história de Marcelo Costa de Andrade, conhecido como Vampiro de Niterói, acusado de ter matado 14 meninos nas redondezas de Itaboraí, próximo a Niterói, no Rio de Janeiro, entre abril e dezembro de 1991. A alcunha nasceu a partir de um crime hediondo, em que bebeu o sangue de um garoto de 11 anos enquanto o estuprava, e depois quebrou seu pescoço. O terceiro biografado ainda não foi definido. “Só adianto que será sobre alguém que tenha sido condenado, que é minha regra.”

Personalidade assassina

Ullisses Campbell tem familiaridade com histórias de criminosos, pois é autor da Trilogia Mulheres Assassinas, que inclui os livros Suzane - Assassina e Manipuladora, Elize Matsunaga - A Mulher que Esquartejou o Marido e Flordelis - A Pastora do Diabo. Elas se tornaram conhecidas por conta da perversidade e da repercussão de seus delitos: Suzane von Richtofen participou do plano de assassinato de seus pais, enquanto Elize Matsunaga esquartejou o marido e Flordelis montou uma armação para também para dar cabo do marido.

“Elas cometeram crimes passionais contra membros da própria família, sem risco para a sociedade, enquanto o Maníaco foi mais violento, com vítimas escolhidas ao acaso, o que choca mais as pessoas”, conta o autor, que fez entrevistas com 40 mulheres sobreviventes ao seu ataque, com familiares do assassino, incluindo a mãe, Maria Helena, além da leitura de 20 mil páginas dos processos penais e de execução e também dos laudos de 12 exames feitos em Francisco por psiquiatras e psicólogos dentro da cadeia.

Traçou, assim, um perfil detalhado do homem que teria sido molestado por uma tia quando criança, o que lhe desenvolveu uma fixação por seios, e, já adulto, foi seduzido por um patrão, despertando seu interesse por relações homossexuais. Ele ainda quase teve o pênis decepado pela mordida de uma mulher, o que explicaria a dor que passou a sentir durante as relações sexuais. Incidentes que moldaram sua personalidade assassina.

“Francisco agia de forma inteligente, com estratégias para atrair as vítimas certas”, conta Campbell. “Ele buscava as mais retraídas, que andavam com os ombros arqueados, olhar baixo, revelando total vulnerabilidade, autoconfiança fragilizada e complexo de inferioridade. Melhor ainda se fossem de outra região do Brasil e vivessem sozinhas em São Paulo, o que indicava não ter parentes que logo dessem falta daquela pessoa.”

Silvero Pereira vai interpretar o Maníaco do Parque em produção do Amazon Prime Video. Foto: Divulgação/Prime Video

Para elas, apresentava-se como caça talentos da Avon, conhecida empresa de cosméticos, e as convidava para fazer um teste fotográfico. Com a vítima convencida, ele a levava na garupa de sua moto até o Parque do Estado, no bairro da Água Funda, em São Paulo. Lá, a pretexto de pegar um atalho, atravessava a mata até que, totalmente isolado, praticava atrocidades. “Em suas contas, Francisco atraiu pelo menos 200 mulheres ao parque em um período de dois anos. E sempre se orgulhou de nunca ter arrastado nenhuma delas ou mesmo dopado: convencia no diálogo.”

Olhar demoníaco

Um dos aspectos mais malignos - e que o filme da Prime Video explora abertamente - é a radical mudança de comportamento apresentada por Francisco tão logo entrava na mata: seus olhos ficavam fora de órbita, as pupilas dilatavam e uma cor avermelhada tingia a área branca, como se sofresse uma micro hemorragia. Em alguns casos, tal olhar demoníaco era a última imagem vista pela vítima, antes de ser de estrangulada, estuprada, mordida e seu corpo ser deixado no parque da zona sul de São Paulo.

Segundo o assassino, uma força maligna assumia seu controle - seria o espírito do avô, que fazia rituais e bebia sangue de animais. “Quando estava grávida de Francisco, a mãe ouviu daquele homem que estaria gerando o bebê do diabo”, conta o escritor. “Mas, não acredito nisso, pois, na prisão, ele se tornou católico.”

Com a assessoria da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, que “decodificou” os laudos de exames criminais (como o Teste de Rorschach, que avalia as características da personalidade) aos quais Francisco foi submetido em 1998 na prisão, Ullisses Campbell descobriu uma dissonância entre a identidade de gênero percebida e a almejada, ou seja, o assassino revelava um desejo doentio de querer ser uma mulher. “E, como não conseguia ser, nenhuma outra poderia existir, segundo seu raciocínio. Ao olhar atual, ele seria um transexual.”

O escritor e jornalista Ullisses Campbell no lançamento do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque' em São Paulo. Foto: Thuani Damaceno/Divulgação

O trabalho de escrita foi elaborado com o autor utilizando técnicas do jornalismo literário, ou seja, um estilo de escrita que combina a estrutura narrativa da ficção com a fidelidade aos fatos do jornalismo tradicional. “Se apenas relatasse os fatos, o livro corria o risco de ficar maçante”, justifica ele, que é roteirista de outra produção da Prime Video, a série Tremembé, sobre Suzane von Richthofen, que será interpretada por Marina Ruy Barbosa.

Liberdade para o Maníaco do Parque

A preocupação sobre a soltura de Francisco em 12 de agosto de 2028 está justificada no livro, na entrevista com o delegado Sérgio Luís da Silva Alves. Questionado pelo policial se continuaria matando mulheres, caso não tivesse sido preso, ele foi incisivo ao afirmar que, se fosse solto a qualquer momento, acabaria matando de novo, pois sente uma crescente força maligna. “E, em 2013, ele tentou morder uma assistente social”, argumenta Campbell. “Por isso, não será um processo simples. Exames psicológicos e laudos de psiquiatras serão analisados pela Justiça, que vai decidir se ele continua disposto a cometer novos crimes.”

Também seu paradeiro será desconhecido porque a família não pretende recebê-lo e já não há mais manicômios judiciais no Brasil. Uma alternativa poderia ser uma das inúmeras mulheres com quem ele se correspondeu durante o período encarcerado. Nas três décadas preso, Francisco, que perdeu todos os dentes devido a uma doença, recebeu mais de mil cartas e teve pelo menos três namoradas. “Mas, se ele ficar eternamente preso, a sociedade certamente agradecerá”, finaliza seu biógrafo.

Capa do livro 'Francisco de Assis, O Maníaco do Parque'. Foto: Matrix/Divulgação

Francisco de Assis - O Maníaco do Parque

  • Autor: Ullisses Campbell
  • Editora: Matrix (352 págs.; R$ 85,90/ R$ 59 o e-book)

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