Marina Colasanti lança o fascinante livro ‘Mais Longa Vida’


Poesia para relembrar e valorizar o passado traz o raro diálogo com a vida

Por Ubiratan Brasil

Marina Colasanti precisou ter paciência - em 2016, quando entregou um livro de poemas inéditos, Mais Longa Vida, à editora Record, a crise do mercado editorial enxugou a lista de lançamentos e a obra, uma poderosa viagem em versos, aguardou outro momento. Que seria justamente agora, novamente sob novo infortúnio - desta vez, a pandemia do coronavírus. Mas o livro, resistente como sua autora de 82 anos, pode ser encomendado pela internet, tanto impresso como digital.

O esforço é válido, pois Mais Longa Vida é um dos mais fascinantes trabalhos de Marina Colasanti, cuja escrita delicada trata de temas como família, amor, perdas, viagens, saudade. Na verdade, como já fizera em outras obras (como Minha Guerra Alheia), a poeta usa lembranças pessoais para construir uma poesia que tanto enaltece como convida o leitor a pensar.

“Esse é exatamente o mesmo livro que finalizei em 2016, quando originalmente seria editado”, conta Marina ao Estado, em uma conversa telefônica, desde sua casa, no Rio, onde passa o momento de reclusão pelo coronavírus ao lado do marido, o também poeta e crítico Affonso Romano de Sant’Anna. “Não mudei nada, pois, quando sai da minha mesa, está pronto. Há pintores que refazem suas telas, mas eu não quero refazer meus passos.”

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O ponto final, no entanto, não chega sem antes que se trilhe um longo caminho. “Poesia é um trabalho de decantação, necessita de tempo, de material guardado na gaveta”, ensina. “O que é ótimo em um dia, é ruim três dias depois.”

A escritora Marina Colasanti. Foto: Fabio Motta/ Estadao

De fato, em Mais Longa Vida, Marina aposta no lirismo e nas recordações mistas, visões distintas que só alimentam um baú já repleto de imagens múltiplas que seria sua obra. E, ainda que seja um livro de poesia, cuja leitura poderia ser aleatória, o recomendado é seguir a ordem das páginas, pois os versos assim colocados incentivam o leitor a criar imagens, uma sequência de belas imagens que produz o efeito encantador de mostrar fragmentos de uma vida.

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“Parece que faço coisas diferentes, mas, se alguém comparar, há uma linha que une todos meus trabalhos”, reconhece a poeta, que rejeita o saudosismo. “Não tenho saudades de nada - nunca quis me manter jovem. Olho para o passado com o olhar do presente.” Desponta aí mais uma qualidade de Mais Longa Vida e sua poesia sem lirismo exagerado. “A obra guarda o mistério de um livro sem mistério. A simplicidade do que é altamente complexo. O mais no menos, a luz nas trevas, o princípio no fim”, observa, no texto de apresentação, o crítico e poeta Marco Lucchesi.

Não é indispensável, mas ajuda na leitura conhecer um pouco da trajetória de Marina Colasanti. Seus primeiros dez anos começaram e terminaram envolvidos por climas de guerra - a poeta nasceu em Asmara, na Etiópia (então Eritreia). Seu pai, que nutria uma simpatia pelo fascismo, ajudava o regime estimulando investimentos italianos na colônia africana. Foi seguindo tal ideal que a família viveu ainda em Trípoli, na Líbia, antes de voltar para a Itália, quando eclodiu a Segunda Guerra, em 1939. 

A vinda para o Brasil só aconteceu em 1948, quando uma Europa destroçada buscava se reerguer. Essa fase da existência é lembrada em Minha Guerra Alheia (Record), em que Marina tentou evitar a simples reprodução de um clima de guerra - segundo ela, mesmo durante um conflito tão terrível como aquele, o ser humano precisava sobreviver, o que é notado na deliciosa descrição do cotidiano, mantido à risca ainda que sob chuva de bombas: “A guerra bafejava no nosso cangote. A vida, porém, teimava em continuar. Entre cuidar das crianças e cozinhar almoço e jantar (...), minha mãe, sem nenhum gosto pela culinária, ia ao cinema”.

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Além do dom da escrita, Marina desenvolveu o gosto pelas artes plásticas, aprimorado ao lado de seu marido, Affonso, um dos grandes críticos de visuais do País. “Sempre incluo um poema sobre pintura em meus livros”, conta ela. “É uma das minhas paixões. A pintura é parte integrante do meu olhar.”

As artes pictóricas são tradição de família, uma vez que o avô era crítico e historiador de arte e um tio trabalhou como cenógrafo. O olhar arguto, aliás, logo se transformou em ação e Marina começou a pintar - com o tempo, seus quadros começaram a estampar a capa de seus livros, como acontece em Mais Longa Vida, ilustrado por um óleo sobre tela que retrata um belo perfil de mulher.

“Não faço uma arte moderna, não adoto a textura - meu perfil é mais renascentista, gosto de pintar com bico de pena”, observa Marina, que se tornou uma pintora bissexta depois que um marchand mal-intencionado prometeu vender suas telas e se mandou para a Bahia.

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Mágoa ficou, não nega. Mas a poeta não se perde em lamúrias. “Depois dos 80 anos, o tempo fica mais curto, há um limite que condiciona a ação. Outro dia, achei um caderno em que, décadas atrás, comecei a fazer uma tradução de O Leopardo, do Lampedusa. Escrevi a mão. Hoje não faria isso.”

POEMAS

“Três vezes minha vida foi tirada do... ...trilho em que seguia e posta em outro. Três vezes  me adaptei não sem esforço. Agora, minha casa me basta e seus gerânios mas sangra em mim um difuso desejo de mudança que me leva a buscar atrás dos vidros de alheias casas em alheios países a sombra da mulher que seria eu vivendo uma das vidas que perdi” (Difuso Desejo)

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*

“Herbívoro não sou. Cabeça baixa e de macia boca acostumada a mastigar palavras rumino o tempo meu na mó dos dentes e abrigo nos desvãos o sangue quente.” (Como se Fosse, Sem que)

Marina Colasanti precisou ter paciência - em 2016, quando entregou um livro de poemas inéditos, Mais Longa Vida, à editora Record, a crise do mercado editorial enxugou a lista de lançamentos e a obra, uma poderosa viagem em versos, aguardou outro momento. Que seria justamente agora, novamente sob novo infortúnio - desta vez, a pandemia do coronavírus. Mas o livro, resistente como sua autora de 82 anos, pode ser encomendado pela internet, tanto impresso como digital.

O esforço é válido, pois Mais Longa Vida é um dos mais fascinantes trabalhos de Marina Colasanti, cuja escrita delicada trata de temas como família, amor, perdas, viagens, saudade. Na verdade, como já fizera em outras obras (como Minha Guerra Alheia), a poeta usa lembranças pessoais para construir uma poesia que tanto enaltece como convida o leitor a pensar.

“Esse é exatamente o mesmo livro que finalizei em 2016, quando originalmente seria editado”, conta Marina ao Estado, em uma conversa telefônica, desde sua casa, no Rio, onde passa o momento de reclusão pelo coronavírus ao lado do marido, o também poeta e crítico Affonso Romano de Sant’Anna. “Não mudei nada, pois, quando sai da minha mesa, está pronto. Há pintores que refazem suas telas, mas eu não quero refazer meus passos.”

O ponto final, no entanto, não chega sem antes que se trilhe um longo caminho. “Poesia é um trabalho de decantação, necessita de tempo, de material guardado na gaveta”, ensina. “O que é ótimo em um dia, é ruim três dias depois.”

A escritora Marina Colasanti. Foto: Fabio Motta/ Estadao

De fato, em Mais Longa Vida, Marina aposta no lirismo e nas recordações mistas, visões distintas que só alimentam um baú já repleto de imagens múltiplas que seria sua obra. E, ainda que seja um livro de poesia, cuja leitura poderia ser aleatória, o recomendado é seguir a ordem das páginas, pois os versos assim colocados incentivam o leitor a criar imagens, uma sequência de belas imagens que produz o efeito encantador de mostrar fragmentos de uma vida.

“Parece que faço coisas diferentes, mas, se alguém comparar, há uma linha que une todos meus trabalhos”, reconhece a poeta, que rejeita o saudosismo. “Não tenho saudades de nada - nunca quis me manter jovem. Olho para o passado com o olhar do presente.” Desponta aí mais uma qualidade de Mais Longa Vida e sua poesia sem lirismo exagerado. “A obra guarda o mistério de um livro sem mistério. A simplicidade do que é altamente complexo. O mais no menos, a luz nas trevas, o princípio no fim”, observa, no texto de apresentação, o crítico e poeta Marco Lucchesi.

Não é indispensável, mas ajuda na leitura conhecer um pouco da trajetória de Marina Colasanti. Seus primeiros dez anos começaram e terminaram envolvidos por climas de guerra - a poeta nasceu em Asmara, na Etiópia (então Eritreia). Seu pai, que nutria uma simpatia pelo fascismo, ajudava o regime estimulando investimentos italianos na colônia africana. Foi seguindo tal ideal que a família viveu ainda em Trípoli, na Líbia, antes de voltar para a Itália, quando eclodiu a Segunda Guerra, em 1939. 

A vinda para o Brasil só aconteceu em 1948, quando uma Europa destroçada buscava se reerguer. Essa fase da existência é lembrada em Minha Guerra Alheia (Record), em que Marina tentou evitar a simples reprodução de um clima de guerra - segundo ela, mesmo durante um conflito tão terrível como aquele, o ser humano precisava sobreviver, o que é notado na deliciosa descrição do cotidiano, mantido à risca ainda que sob chuva de bombas: “A guerra bafejava no nosso cangote. A vida, porém, teimava em continuar. Entre cuidar das crianças e cozinhar almoço e jantar (...), minha mãe, sem nenhum gosto pela culinária, ia ao cinema”.

Além do dom da escrita, Marina desenvolveu o gosto pelas artes plásticas, aprimorado ao lado de seu marido, Affonso, um dos grandes críticos de visuais do País. “Sempre incluo um poema sobre pintura em meus livros”, conta ela. “É uma das minhas paixões. A pintura é parte integrante do meu olhar.”

As artes pictóricas são tradição de família, uma vez que o avô era crítico e historiador de arte e um tio trabalhou como cenógrafo. O olhar arguto, aliás, logo se transformou em ação e Marina começou a pintar - com o tempo, seus quadros começaram a estampar a capa de seus livros, como acontece em Mais Longa Vida, ilustrado por um óleo sobre tela que retrata um belo perfil de mulher.

“Não faço uma arte moderna, não adoto a textura - meu perfil é mais renascentista, gosto de pintar com bico de pena”, observa Marina, que se tornou uma pintora bissexta depois que um marchand mal-intencionado prometeu vender suas telas e se mandou para a Bahia.

Mágoa ficou, não nega. Mas a poeta não se perde em lamúrias. “Depois dos 80 anos, o tempo fica mais curto, há um limite que condiciona a ação. Outro dia, achei um caderno em que, décadas atrás, comecei a fazer uma tradução de O Leopardo, do Lampedusa. Escrevi a mão. Hoje não faria isso.”

POEMAS

“Três vezes minha vida foi tirada do... ...trilho em que seguia e posta em outro. Três vezes  me adaptei não sem esforço. Agora, minha casa me basta e seus gerânios mas sangra em mim um difuso desejo de mudança que me leva a buscar atrás dos vidros de alheias casas em alheios países a sombra da mulher que seria eu vivendo uma das vidas que perdi” (Difuso Desejo)

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“Herbívoro não sou. Cabeça baixa e de macia boca acostumada a mastigar palavras rumino o tempo meu na mó dos dentes e abrigo nos desvãos o sangue quente.” (Como se Fosse, Sem que)

Marina Colasanti precisou ter paciência - em 2016, quando entregou um livro de poemas inéditos, Mais Longa Vida, à editora Record, a crise do mercado editorial enxugou a lista de lançamentos e a obra, uma poderosa viagem em versos, aguardou outro momento. Que seria justamente agora, novamente sob novo infortúnio - desta vez, a pandemia do coronavírus. Mas o livro, resistente como sua autora de 82 anos, pode ser encomendado pela internet, tanto impresso como digital.

O esforço é válido, pois Mais Longa Vida é um dos mais fascinantes trabalhos de Marina Colasanti, cuja escrita delicada trata de temas como família, amor, perdas, viagens, saudade. Na verdade, como já fizera em outras obras (como Minha Guerra Alheia), a poeta usa lembranças pessoais para construir uma poesia que tanto enaltece como convida o leitor a pensar.

“Esse é exatamente o mesmo livro que finalizei em 2016, quando originalmente seria editado”, conta Marina ao Estado, em uma conversa telefônica, desde sua casa, no Rio, onde passa o momento de reclusão pelo coronavírus ao lado do marido, o também poeta e crítico Affonso Romano de Sant’Anna. “Não mudei nada, pois, quando sai da minha mesa, está pronto. Há pintores que refazem suas telas, mas eu não quero refazer meus passos.”

O ponto final, no entanto, não chega sem antes que se trilhe um longo caminho. “Poesia é um trabalho de decantação, necessita de tempo, de material guardado na gaveta”, ensina. “O que é ótimo em um dia, é ruim três dias depois.”

A escritora Marina Colasanti. Foto: Fabio Motta/ Estadao

De fato, em Mais Longa Vida, Marina aposta no lirismo e nas recordações mistas, visões distintas que só alimentam um baú já repleto de imagens múltiplas que seria sua obra. E, ainda que seja um livro de poesia, cuja leitura poderia ser aleatória, o recomendado é seguir a ordem das páginas, pois os versos assim colocados incentivam o leitor a criar imagens, uma sequência de belas imagens que produz o efeito encantador de mostrar fragmentos de uma vida.

“Parece que faço coisas diferentes, mas, se alguém comparar, há uma linha que une todos meus trabalhos”, reconhece a poeta, que rejeita o saudosismo. “Não tenho saudades de nada - nunca quis me manter jovem. Olho para o passado com o olhar do presente.” Desponta aí mais uma qualidade de Mais Longa Vida e sua poesia sem lirismo exagerado. “A obra guarda o mistério de um livro sem mistério. A simplicidade do que é altamente complexo. O mais no menos, a luz nas trevas, o princípio no fim”, observa, no texto de apresentação, o crítico e poeta Marco Lucchesi.

Não é indispensável, mas ajuda na leitura conhecer um pouco da trajetória de Marina Colasanti. Seus primeiros dez anos começaram e terminaram envolvidos por climas de guerra - a poeta nasceu em Asmara, na Etiópia (então Eritreia). Seu pai, que nutria uma simpatia pelo fascismo, ajudava o regime estimulando investimentos italianos na colônia africana. Foi seguindo tal ideal que a família viveu ainda em Trípoli, na Líbia, antes de voltar para a Itália, quando eclodiu a Segunda Guerra, em 1939. 

A vinda para o Brasil só aconteceu em 1948, quando uma Europa destroçada buscava se reerguer. Essa fase da existência é lembrada em Minha Guerra Alheia (Record), em que Marina tentou evitar a simples reprodução de um clima de guerra - segundo ela, mesmo durante um conflito tão terrível como aquele, o ser humano precisava sobreviver, o que é notado na deliciosa descrição do cotidiano, mantido à risca ainda que sob chuva de bombas: “A guerra bafejava no nosso cangote. A vida, porém, teimava em continuar. Entre cuidar das crianças e cozinhar almoço e jantar (...), minha mãe, sem nenhum gosto pela culinária, ia ao cinema”.

Além do dom da escrita, Marina desenvolveu o gosto pelas artes plásticas, aprimorado ao lado de seu marido, Affonso, um dos grandes críticos de visuais do País. “Sempre incluo um poema sobre pintura em meus livros”, conta ela. “É uma das minhas paixões. A pintura é parte integrante do meu olhar.”

As artes pictóricas são tradição de família, uma vez que o avô era crítico e historiador de arte e um tio trabalhou como cenógrafo. O olhar arguto, aliás, logo se transformou em ação e Marina começou a pintar - com o tempo, seus quadros começaram a estampar a capa de seus livros, como acontece em Mais Longa Vida, ilustrado por um óleo sobre tela que retrata um belo perfil de mulher.

“Não faço uma arte moderna, não adoto a textura - meu perfil é mais renascentista, gosto de pintar com bico de pena”, observa Marina, que se tornou uma pintora bissexta depois que um marchand mal-intencionado prometeu vender suas telas e se mandou para a Bahia.

Mágoa ficou, não nega. Mas a poeta não se perde em lamúrias. “Depois dos 80 anos, o tempo fica mais curto, há um limite que condiciona a ação. Outro dia, achei um caderno em que, décadas atrás, comecei a fazer uma tradução de O Leopardo, do Lampedusa. Escrevi a mão. Hoje não faria isso.”

POEMAS

“Três vezes minha vida foi tirada do... ...trilho em que seguia e posta em outro. Três vezes  me adaptei não sem esforço. Agora, minha casa me basta e seus gerânios mas sangra em mim um difuso desejo de mudança que me leva a buscar atrás dos vidros de alheias casas em alheios países a sombra da mulher que seria eu vivendo uma das vidas que perdi” (Difuso Desejo)

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“Herbívoro não sou. Cabeça baixa e de macia boca acostumada a mastigar palavras rumino o tempo meu na mó dos dentes e abrigo nos desvãos o sangue quente.” (Como se Fosse, Sem que)

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