Martin Amis trata do holocausto e provoca polêmica


‘A Zona de Interesse’ enfrentou problemas na França e Alemanha por mostrar nazistas sob um outro olhar

Por Ubiratan Brasil

Em 1991, o escritor inglês Martin Amis publicou A Seta do Tempo, romance em que as atrocidades nazistas serviram como ponto de partida para um belo exercício estilístico: com um médico alemão como protagonista, Amis construiu uma história em que o personagem inicia uma viagem no tempo em direção ao seu passado, sem caminho de volta, finalizando dentro do útero da mãe. Apesar dos ingredientes da literatura fantástica, o autor refletia ali sobre culpa, moral e ética.

Amis decidira não mais adotar o holocausto como tema para seus romances, até ficar impressionado quando, recentemente, descobriu a história de um oficial nazista que se apaixona pela mulher de seu comandante. Detalhe: ambos trabalhavam no setor que decretava quais judeus poderiam continuar vivos. “Fiquei tão tocado que imediatamente comecei a escrever e aquela cena inspirou o início da história”, disse Amis ao Estado, em entrevista por telefone. “Acreditei que seria um conto ou uma novela, mas as ideias foram aparecendo até se transformar em um romance.” Essa é a gênese de A Zona de Interesse, lançado agora pela Companhia das Letras. E, daquele turbilhão de ideias, nasceu uma obra provocadora, uma sátira envolvendo o holocausto, tema para o qual criou uma ambientação recheada de significados históricos dolorosos. 

O autor. Para ele, o holocausto é fruto de violência masculina Foto: REUTERS/Isabel Fonseca/Alfred A. Knopf Publicity/Handout
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A Zona de Interesse era um local, no campo de concentração de Auschwitz, onde os judeus recém-chegados eram submetidos a uma triagem que determinava quem seguiria para os trabalhos forçados e quem morreria na câmara de gás. Ambientado em agosto de 1942, o romance é dominado por três personagens – Golo Thomsen é o oficial nazista interessado em Hanna Doll, mulher de seu comandante; Paul Doll é quem decide o destino dos prisioneiros; e Szmul chefia a equipe dos presos que ajudam os nazistas na logística do genocídio. Todos se alternam como narradores da trama.

Logo que foi lançado, no ano passado, o livro provocou discussões. Críticos reclamaram, por exemplo, que o personagem Golo Thomsen era simpático demais ao nazismo. Amis rebate: “Basta uma leitura mais apurada do romance para se constatar que ele não se revela um servo do destino, mas, ao contrário, torna-se um sabotador ativo do regime”.

O pior, no entanto, aconteceu quando as editoras da Alemanha e França que habitualmente publicam as obras do escritor inglês se recusaram a lançar A Zona de Interesse – os alemães, por exemplo, alegaram que Thomsen é um personagem inconvincente. Na verdade, eram desculpas evasivas para fugir do verdadeiro incômodo: uma história trivial, até de amor, ambientada em um local onde acontecia diariamente um genocídio. A obra foi publicada naqueles países, mas por outras casas editoriais.

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Amis trata o assunto de forma diplomática. Acredita que, como os editores sempre pensaram em publicar o que há de melhor para seus leitores, recusaram o livro justamente por lhe faltar qualidades. “Fico relutante em pensar em algo diferente disso”, observa.

O escritor é cuidadoso ao enquadrar a própria história, que não vê como uma sátira absoluta tampouco como uma comédia desbragada. “Eu diria que escrevi um romance histórico com muita gravidade, e que tanto faz o uso da zombaria como da repulsa”, disse. “Não foi uma tarefa fácil, pois o que mais persegui foi a coerência, algo que não notei em outros livros sobre o holocausto. E, para que isso acontecesse, trabalhei com muito cuidado na criação das falas e dos pensamentos daquelas pessoas dos anos 1940.”

Apesar de contar com três narradores masculinos, o último capítulo é dominado pelas impressões das mulheres. Amis alega que a história necessitava ter protagonistas homens, pois o holocausto é fruto de agressão masculina, ainda que muitas mulheres, durante a guerra, tiveram função ativa na destruição, mesmo em campos de concentração. “Seria um romance muito diferente se fosse um ponto de vista feminino”, alega.

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O escritor, que se aproximou dos temas judaicos depois que se casou com a também autora Isabel Fonseca, não gosta de comparações entre seu romance e o filme A Vida É Bela (1997), do italiano Roberto Benigni, que mostra um pai amoroso buscando disfarçar o horror da guerra para o filho, enquanto ambos estão em um campo de concentração. “Trata-se de uma comédia leve, espirituosa, muito distante do devido tratamento ao tema.”

Martin Amis é um homem que nunca considerou criar uma carreira que não envolvesse a escrita. E isso não apenas por ser filho de um dos mais prestigiados autores britânicos, Kingsley Amis, morto em 1995, mas pelo conteúdo e pela forma de seus livros. “Escrever é um ato de liberdade”, justifica. 

A ZONA DE INTERESSE

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Autor: Martin Amis

Tradução: Donaldson M. Garschagen

Editora: Companhia das Letras (392 págs., papel: R$ 54,90, e-book: R$ 37,90)

Em 1991, o escritor inglês Martin Amis publicou A Seta do Tempo, romance em que as atrocidades nazistas serviram como ponto de partida para um belo exercício estilístico: com um médico alemão como protagonista, Amis construiu uma história em que o personagem inicia uma viagem no tempo em direção ao seu passado, sem caminho de volta, finalizando dentro do útero da mãe. Apesar dos ingredientes da literatura fantástica, o autor refletia ali sobre culpa, moral e ética.

Amis decidira não mais adotar o holocausto como tema para seus romances, até ficar impressionado quando, recentemente, descobriu a história de um oficial nazista que se apaixona pela mulher de seu comandante. Detalhe: ambos trabalhavam no setor que decretava quais judeus poderiam continuar vivos. “Fiquei tão tocado que imediatamente comecei a escrever e aquela cena inspirou o início da história”, disse Amis ao Estado, em entrevista por telefone. “Acreditei que seria um conto ou uma novela, mas as ideias foram aparecendo até se transformar em um romance.” Essa é a gênese de A Zona de Interesse, lançado agora pela Companhia das Letras. E, daquele turbilhão de ideias, nasceu uma obra provocadora, uma sátira envolvendo o holocausto, tema para o qual criou uma ambientação recheada de significados históricos dolorosos. 

O autor. Para ele, o holocausto é fruto de violência masculina Foto: REUTERS/Isabel Fonseca/Alfred A. Knopf Publicity/Handout

A Zona de Interesse era um local, no campo de concentração de Auschwitz, onde os judeus recém-chegados eram submetidos a uma triagem que determinava quem seguiria para os trabalhos forçados e quem morreria na câmara de gás. Ambientado em agosto de 1942, o romance é dominado por três personagens – Golo Thomsen é o oficial nazista interessado em Hanna Doll, mulher de seu comandante; Paul Doll é quem decide o destino dos prisioneiros; e Szmul chefia a equipe dos presos que ajudam os nazistas na logística do genocídio. Todos se alternam como narradores da trama.

Logo que foi lançado, no ano passado, o livro provocou discussões. Críticos reclamaram, por exemplo, que o personagem Golo Thomsen era simpático demais ao nazismo. Amis rebate: “Basta uma leitura mais apurada do romance para se constatar que ele não se revela um servo do destino, mas, ao contrário, torna-se um sabotador ativo do regime”.

O pior, no entanto, aconteceu quando as editoras da Alemanha e França que habitualmente publicam as obras do escritor inglês se recusaram a lançar A Zona de Interesse – os alemães, por exemplo, alegaram que Thomsen é um personagem inconvincente. Na verdade, eram desculpas evasivas para fugir do verdadeiro incômodo: uma história trivial, até de amor, ambientada em um local onde acontecia diariamente um genocídio. A obra foi publicada naqueles países, mas por outras casas editoriais.

Amis trata o assunto de forma diplomática. Acredita que, como os editores sempre pensaram em publicar o que há de melhor para seus leitores, recusaram o livro justamente por lhe faltar qualidades. “Fico relutante em pensar em algo diferente disso”, observa.

O escritor é cuidadoso ao enquadrar a própria história, que não vê como uma sátira absoluta tampouco como uma comédia desbragada. “Eu diria que escrevi um romance histórico com muita gravidade, e que tanto faz o uso da zombaria como da repulsa”, disse. “Não foi uma tarefa fácil, pois o que mais persegui foi a coerência, algo que não notei em outros livros sobre o holocausto. E, para que isso acontecesse, trabalhei com muito cuidado na criação das falas e dos pensamentos daquelas pessoas dos anos 1940.”

Apesar de contar com três narradores masculinos, o último capítulo é dominado pelas impressões das mulheres. Amis alega que a história necessitava ter protagonistas homens, pois o holocausto é fruto de agressão masculina, ainda que muitas mulheres, durante a guerra, tiveram função ativa na destruição, mesmo em campos de concentração. “Seria um romance muito diferente se fosse um ponto de vista feminino”, alega.

O escritor, que se aproximou dos temas judaicos depois que se casou com a também autora Isabel Fonseca, não gosta de comparações entre seu romance e o filme A Vida É Bela (1997), do italiano Roberto Benigni, que mostra um pai amoroso buscando disfarçar o horror da guerra para o filho, enquanto ambos estão em um campo de concentração. “Trata-se de uma comédia leve, espirituosa, muito distante do devido tratamento ao tema.”

Martin Amis é um homem que nunca considerou criar uma carreira que não envolvesse a escrita. E isso não apenas por ser filho de um dos mais prestigiados autores britânicos, Kingsley Amis, morto em 1995, mas pelo conteúdo e pela forma de seus livros. “Escrever é um ato de liberdade”, justifica. 

A ZONA DE INTERESSE

Autor: Martin Amis

Tradução: Donaldson M. Garschagen

Editora: Companhia das Letras (392 págs., papel: R$ 54,90, e-book: R$ 37,90)

Em 1991, o escritor inglês Martin Amis publicou A Seta do Tempo, romance em que as atrocidades nazistas serviram como ponto de partida para um belo exercício estilístico: com um médico alemão como protagonista, Amis construiu uma história em que o personagem inicia uma viagem no tempo em direção ao seu passado, sem caminho de volta, finalizando dentro do útero da mãe. Apesar dos ingredientes da literatura fantástica, o autor refletia ali sobre culpa, moral e ética.

Amis decidira não mais adotar o holocausto como tema para seus romances, até ficar impressionado quando, recentemente, descobriu a história de um oficial nazista que se apaixona pela mulher de seu comandante. Detalhe: ambos trabalhavam no setor que decretava quais judeus poderiam continuar vivos. “Fiquei tão tocado que imediatamente comecei a escrever e aquela cena inspirou o início da história”, disse Amis ao Estado, em entrevista por telefone. “Acreditei que seria um conto ou uma novela, mas as ideias foram aparecendo até se transformar em um romance.” Essa é a gênese de A Zona de Interesse, lançado agora pela Companhia das Letras. E, daquele turbilhão de ideias, nasceu uma obra provocadora, uma sátira envolvendo o holocausto, tema para o qual criou uma ambientação recheada de significados históricos dolorosos. 

O autor. Para ele, o holocausto é fruto de violência masculina Foto: REUTERS/Isabel Fonseca/Alfred A. Knopf Publicity/Handout

A Zona de Interesse era um local, no campo de concentração de Auschwitz, onde os judeus recém-chegados eram submetidos a uma triagem que determinava quem seguiria para os trabalhos forçados e quem morreria na câmara de gás. Ambientado em agosto de 1942, o romance é dominado por três personagens – Golo Thomsen é o oficial nazista interessado em Hanna Doll, mulher de seu comandante; Paul Doll é quem decide o destino dos prisioneiros; e Szmul chefia a equipe dos presos que ajudam os nazistas na logística do genocídio. Todos se alternam como narradores da trama.

Logo que foi lançado, no ano passado, o livro provocou discussões. Críticos reclamaram, por exemplo, que o personagem Golo Thomsen era simpático demais ao nazismo. Amis rebate: “Basta uma leitura mais apurada do romance para se constatar que ele não se revela um servo do destino, mas, ao contrário, torna-se um sabotador ativo do regime”.

O pior, no entanto, aconteceu quando as editoras da Alemanha e França que habitualmente publicam as obras do escritor inglês se recusaram a lançar A Zona de Interesse – os alemães, por exemplo, alegaram que Thomsen é um personagem inconvincente. Na verdade, eram desculpas evasivas para fugir do verdadeiro incômodo: uma história trivial, até de amor, ambientada em um local onde acontecia diariamente um genocídio. A obra foi publicada naqueles países, mas por outras casas editoriais.

Amis trata o assunto de forma diplomática. Acredita que, como os editores sempre pensaram em publicar o que há de melhor para seus leitores, recusaram o livro justamente por lhe faltar qualidades. “Fico relutante em pensar em algo diferente disso”, observa.

O escritor é cuidadoso ao enquadrar a própria história, que não vê como uma sátira absoluta tampouco como uma comédia desbragada. “Eu diria que escrevi um romance histórico com muita gravidade, e que tanto faz o uso da zombaria como da repulsa”, disse. “Não foi uma tarefa fácil, pois o que mais persegui foi a coerência, algo que não notei em outros livros sobre o holocausto. E, para que isso acontecesse, trabalhei com muito cuidado na criação das falas e dos pensamentos daquelas pessoas dos anos 1940.”

Apesar de contar com três narradores masculinos, o último capítulo é dominado pelas impressões das mulheres. Amis alega que a história necessitava ter protagonistas homens, pois o holocausto é fruto de agressão masculina, ainda que muitas mulheres, durante a guerra, tiveram função ativa na destruição, mesmo em campos de concentração. “Seria um romance muito diferente se fosse um ponto de vista feminino”, alega.

O escritor, que se aproximou dos temas judaicos depois que se casou com a também autora Isabel Fonseca, não gosta de comparações entre seu romance e o filme A Vida É Bela (1997), do italiano Roberto Benigni, que mostra um pai amoroso buscando disfarçar o horror da guerra para o filho, enquanto ambos estão em um campo de concentração. “Trata-se de uma comédia leve, espirituosa, muito distante do devido tratamento ao tema.”

Martin Amis é um homem que nunca considerou criar uma carreira que não envolvesse a escrita. E isso não apenas por ser filho de um dos mais prestigiados autores britânicos, Kingsley Amis, morto em 1995, mas pelo conteúdo e pela forma de seus livros. “Escrever é um ato de liberdade”, justifica. 

A ZONA DE INTERESSE

Autor: Martin Amis

Tradução: Donaldson M. Garschagen

Editora: Companhia das Letras (392 págs., papel: R$ 54,90, e-book: R$ 37,90)

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