Autor de ‘A Biblioteca da Meia-Noite’ confronta o que o assombrava depois de anos de depressão


Matt Haig, autor do best-seller que vendeu mais de 9 milhões de cópias, já falou sobre saúde mental em outras obras. Diagnosticado recentemente com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno do espectro autista, ele lança ‘A Vida Impossível’, em que ressignifica um lugar emblemático de sua história

Por Elizabeth A. Harris
Atualização:

Alerta: a reportagem abaixo trata de temas como suicídio e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final do texto onde buscar ajuda.

Quando jovem, sufocado pelo peso da depressão, Matt Haig quase se jogou de um penhasco. Agora, 25 anos depois, Haig é um romancista best-seller internacional e ambientou seu mais novo livro no mesmo lugar onde a depressão quase o venceu: Ibiza, Espanha. O romance, chamado A Vida Impossível, fala sobre encontrar alegria depois de uma perda dolorosa, que ele conta da perspectiva de uma mulher de 72 anos. (O livro será lançado no Brasil pela Bertrand e foi distribuído antecipadamente para assinantes do clube TAG Inéditos em setembro)

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Ao longo de sua carreira ferozmente produtiva, Haig escreveu ficção, não ficção e livros infantis – entre eles, obras sobre alienígenas, histórias de Natal e um romance sobre um homem que vive por séculos. A Biblioteca da Meia-Noite, romance sobre uma biblioteca mágica que permite que uma mulher entre em versões alternativas da própria vida, vendeu quase 9 milhões de cópias desde que foi publicado em 2020.

Haig também publicou um livro de memórias sobre sua luta pela saúde mental em Razões Para Continuar Vivo e, agora, escreveu sobre o lugar que quase o destruiu.

A Vida Impossível é muito pessoal para mim”, disse Haig. “Foi como resgatar um pouco do meu passado – de uma perspectiva muito diferente.”

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O livro acompanha uma aposentada inglesa que perdeu o marido e, muitos anos antes, o filho pequeno. Sua vida pequenina e fechada poderia facilmente ter acabado silenciosamente na sua sala de estar. Em vez disso, ela vai para Ibiza numa aventura de que não vamos dar spoilers aqui, exceto para dizer que envolve telepatia.

O autor Matt Haig,em sua casa em Brighton, na Inglaterra. Foto: Peter Flude/NYT

Haig, 49 anos, mora em Brighton, no sul da Inglaterra, com a esposa, dois filhos adolescentes e dois cachorros, numa casa que ele descreve como “uma caixa de luz”. O térreo é essencialmente um imenso espaço aberto de paredes brancas, e a parte de trás da casa foi substituída por vidro, para deixar entrar a luz do quintal. Ela fica numa colina, numa fileira de casas todas pintadas de branco. Da sala de estar você vê uma lasca do mar pontilhada por turbinas eólicas.

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Ele e a esposa, Andrea Semple, estão juntos desde a adolescência – eles se conheceram na noite em que Semple fez 19 anos – e ela o viu devorar romances e escrever impressionantes 24 livros em 30 anos. Haig disse que não acredita que exista um livro que seja para todo mundo, então escreve pensando em um leitor específico: às vezes, é uma versão mais jovem dele mesmo; muitas vezes, é sua esposa.

“Ele entra no modo hiperfocado quando escreve”, disse Semple. “Você fala, ‘Matt! Matt!’, mas ele está no seu próprio mundo.”

Quando escreve, Haig muitas vezes abre vários documentos do Word – vários romances diferentes – ao mesmo tempo no computador. Ele vai alternando os documentos, trabalhando em talvez cinco ou seis projetos simultaneamente. Por um longo tempo, ele escreveu pelo menos dois livros por ano, às vezes mais. Mas agora seu ritmo está mais relaxado, e quatro anos se passaram desde A Biblioteca da Meia-Noite, seu livro mais recente.

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“É muito lento para mim”, ele disse. “A velocidade das ideias na minha cabeça – nem sempre são boas ideias – mas a velocidade das ideias que tenho que perseguir é bem rápida. Eu sempre penso não nos livros que escrevi, mas sim nos livros que não escrevi.”

Aos 46 anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno do espectro autista, o que o ajudou a entender melhor a si mesmo e os hábitos e estruturas de que ele precisa para viver bem. Exercícios físicos são essenciais, ele disse, mas é preciso encontrar a academia certa. Quando se matriculou numa academia de ponta, cheia de equipamentos estranhos, ele teve problemas para manter o foco e simplesmente foi pulando de uma máquina para outra. Então ele optou por uma academia barata, onde as únicas opções disponíveis eram uns pesos e duas ou três esteiras.

Matt Haig enfrenta há anos questões de saúde mental e aborda o assunto em sua literatura; ele está lançando, agora, 'A Vida Impossível'  Foto: Peter Flude/NYT
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Haig também tenta pegar leve socialmente, disse sua esposa, não aceitando todos os convites para festivais ou pedidos de entrevista e não vendo muitas pessoas nos feriados.

“Por que você fica tão exausto só de ter uma hora de bate-papo com alguém?”, Semple se lembra de ter se perguntado.

“Entender isso foi muito útil”, ela continuou. “De certa forma, deixou a vida muito mais fácil, porque sabemos o que funciona e o que não funciona”.

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O sucesso de Haig nem sempre pareceu garantido. Quando jovem, ele tinha dificuldades de parar no mesmo emprego por mais de um mês. Muitas vezes, na marca de três semanas, ele ficava sobrecarregado e pedia demissão. Ou simplesmente ia embora sem avisar.

A escrita melhorou. Seu primeiro romance, que ele publicou quando tinha 28 anos, foi best-seller, e desde então sua fortuna cresceu. A Biblioteca da Meia-Noite estourou nos Estados Unidos, escolha do Good Morning America Book Club. No Reino Unido, o sucesso veio com Razões Para Continuar Vivo, livro que era parte testemunho e parte autoajuda, contado em pequenos fragmentos.

“Daquele momento em diante, o nome Matt Haig ganhou uma outra importância”, disse sua agente, Clare Conville. “Seu nome virou o motivo pelo qual você queria comprar o livro.”

Francis Bickmore, editor de Haig na Canongate Books por 15 anos, descreveu Haig como um escritor muito incomum. Para começar, ele é rápido. Quando está focado em um romance, Bickmore disse que ele o entrega mais rapidamente do que qualquer outro autor com quem trabalhou. Haig também é extremamente receptivo a edições.

Bickmore disse que muitos escritores têm medo de fazer mudanças nos manuscritos, porque acham que não vão encontrar novas ideias para substituir as que removeram. Não é o caso de Haig. Em Os Humanos (2013), ele cortou algo como 40 mil palavras durante o processo de edição, disse Bickmore, e adicionou mais 45 mil.

“Metade do livro foi cortada, mas Matt não tinha essa ansiedade de que o espaço não seria preenchido”, disse Bickmore. “Essa confiança significa que ele defende suas ideias com total convicção, mas também tem uma pegada meio leve.”

Bickmore descreveu A Vida Impossível como a carta de amor de Haig para Ibiza, cenário de uma crise profunda em sua vida, mas lugar com o qual ele fez as pazes. Agora que não é mais uma ilha que o assombra, Haig pode passar as férias lá.

E conforme o livro se espalha pelo mundo, Haig pode sentar e relaxar.

“Acho que o sucesso relativo de A Biblioteca da Meia-Noite significa que, na minha cabeça, a pressão diminuiu um pouco”, ele disse, sentado num restaurante de Brighton com o mar estendido atrás dele. “Eu provei algo para mim mesmo, então posso simplesmente escrever o que eu quero escrever.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Onde buscar ajuda

Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.

Canal Pode Falar

Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.

SUS

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível buscar os endereços das unidades nesta página.

Mapa da Saúde Mental

O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

Alerta: a reportagem abaixo trata de temas como suicídio e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final do texto onde buscar ajuda.

Quando jovem, sufocado pelo peso da depressão, Matt Haig quase se jogou de um penhasco. Agora, 25 anos depois, Haig é um romancista best-seller internacional e ambientou seu mais novo livro no mesmo lugar onde a depressão quase o venceu: Ibiza, Espanha. O romance, chamado A Vida Impossível, fala sobre encontrar alegria depois de uma perda dolorosa, que ele conta da perspectiva de uma mulher de 72 anos. (O livro será lançado no Brasil pela Bertrand e foi distribuído antecipadamente para assinantes do clube TAG Inéditos em setembro)

Ao longo de sua carreira ferozmente produtiva, Haig escreveu ficção, não ficção e livros infantis – entre eles, obras sobre alienígenas, histórias de Natal e um romance sobre um homem que vive por séculos. A Biblioteca da Meia-Noite, romance sobre uma biblioteca mágica que permite que uma mulher entre em versões alternativas da própria vida, vendeu quase 9 milhões de cópias desde que foi publicado em 2020.

Haig também publicou um livro de memórias sobre sua luta pela saúde mental em Razões Para Continuar Vivo e, agora, escreveu sobre o lugar que quase o destruiu.

A Vida Impossível é muito pessoal para mim”, disse Haig. “Foi como resgatar um pouco do meu passado – de uma perspectiva muito diferente.”

O livro acompanha uma aposentada inglesa que perdeu o marido e, muitos anos antes, o filho pequeno. Sua vida pequenina e fechada poderia facilmente ter acabado silenciosamente na sua sala de estar. Em vez disso, ela vai para Ibiza numa aventura de que não vamos dar spoilers aqui, exceto para dizer que envolve telepatia.

O autor Matt Haig,em sua casa em Brighton, na Inglaterra. Foto: Peter Flude/NYT

Haig, 49 anos, mora em Brighton, no sul da Inglaterra, com a esposa, dois filhos adolescentes e dois cachorros, numa casa que ele descreve como “uma caixa de luz”. O térreo é essencialmente um imenso espaço aberto de paredes brancas, e a parte de trás da casa foi substituída por vidro, para deixar entrar a luz do quintal. Ela fica numa colina, numa fileira de casas todas pintadas de branco. Da sala de estar você vê uma lasca do mar pontilhada por turbinas eólicas.

Ele e a esposa, Andrea Semple, estão juntos desde a adolescência – eles se conheceram na noite em que Semple fez 19 anos – e ela o viu devorar romances e escrever impressionantes 24 livros em 30 anos. Haig disse que não acredita que exista um livro que seja para todo mundo, então escreve pensando em um leitor específico: às vezes, é uma versão mais jovem dele mesmo; muitas vezes, é sua esposa.

“Ele entra no modo hiperfocado quando escreve”, disse Semple. “Você fala, ‘Matt! Matt!’, mas ele está no seu próprio mundo.”

Quando escreve, Haig muitas vezes abre vários documentos do Word – vários romances diferentes – ao mesmo tempo no computador. Ele vai alternando os documentos, trabalhando em talvez cinco ou seis projetos simultaneamente. Por um longo tempo, ele escreveu pelo menos dois livros por ano, às vezes mais. Mas agora seu ritmo está mais relaxado, e quatro anos se passaram desde A Biblioteca da Meia-Noite, seu livro mais recente.

“É muito lento para mim”, ele disse. “A velocidade das ideias na minha cabeça – nem sempre são boas ideias – mas a velocidade das ideias que tenho que perseguir é bem rápida. Eu sempre penso não nos livros que escrevi, mas sim nos livros que não escrevi.”

Aos 46 anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno do espectro autista, o que o ajudou a entender melhor a si mesmo e os hábitos e estruturas de que ele precisa para viver bem. Exercícios físicos são essenciais, ele disse, mas é preciso encontrar a academia certa. Quando se matriculou numa academia de ponta, cheia de equipamentos estranhos, ele teve problemas para manter o foco e simplesmente foi pulando de uma máquina para outra. Então ele optou por uma academia barata, onde as únicas opções disponíveis eram uns pesos e duas ou três esteiras.

Matt Haig enfrenta há anos questões de saúde mental e aborda o assunto em sua literatura; ele está lançando, agora, 'A Vida Impossível'  Foto: Peter Flude/NYT

Haig também tenta pegar leve socialmente, disse sua esposa, não aceitando todos os convites para festivais ou pedidos de entrevista e não vendo muitas pessoas nos feriados.

“Por que você fica tão exausto só de ter uma hora de bate-papo com alguém?”, Semple se lembra de ter se perguntado.

“Entender isso foi muito útil”, ela continuou. “De certa forma, deixou a vida muito mais fácil, porque sabemos o que funciona e o que não funciona”.

O sucesso de Haig nem sempre pareceu garantido. Quando jovem, ele tinha dificuldades de parar no mesmo emprego por mais de um mês. Muitas vezes, na marca de três semanas, ele ficava sobrecarregado e pedia demissão. Ou simplesmente ia embora sem avisar.

A escrita melhorou. Seu primeiro romance, que ele publicou quando tinha 28 anos, foi best-seller, e desde então sua fortuna cresceu. A Biblioteca da Meia-Noite estourou nos Estados Unidos, escolha do Good Morning America Book Club. No Reino Unido, o sucesso veio com Razões Para Continuar Vivo, livro que era parte testemunho e parte autoajuda, contado em pequenos fragmentos.

“Daquele momento em diante, o nome Matt Haig ganhou uma outra importância”, disse sua agente, Clare Conville. “Seu nome virou o motivo pelo qual você queria comprar o livro.”

Francis Bickmore, editor de Haig na Canongate Books por 15 anos, descreveu Haig como um escritor muito incomum. Para começar, ele é rápido. Quando está focado em um romance, Bickmore disse que ele o entrega mais rapidamente do que qualquer outro autor com quem trabalhou. Haig também é extremamente receptivo a edições.

Bickmore disse que muitos escritores têm medo de fazer mudanças nos manuscritos, porque acham que não vão encontrar novas ideias para substituir as que removeram. Não é o caso de Haig. Em Os Humanos (2013), ele cortou algo como 40 mil palavras durante o processo de edição, disse Bickmore, e adicionou mais 45 mil.

“Metade do livro foi cortada, mas Matt não tinha essa ansiedade de que o espaço não seria preenchido”, disse Bickmore. “Essa confiança significa que ele defende suas ideias com total convicção, mas também tem uma pegada meio leve.”

Bickmore descreveu A Vida Impossível como a carta de amor de Haig para Ibiza, cenário de uma crise profunda em sua vida, mas lugar com o qual ele fez as pazes. Agora que não é mais uma ilha que o assombra, Haig pode passar as férias lá.

E conforme o livro se espalha pelo mundo, Haig pode sentar e relaxar.

“Acho que o sucesso relativo de A Biblioteca da Meia-Noite significa que, na minha cabeça, a pressão diminuiu um pouco”, ele disse, sentado num restaurante de Brighton com o mar estendido atrás dele. “Eu provei algo para mim mesmo, então posso simplesmente escrever o que eu quero escrever.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Onde buscar ajuda

Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.

Canal Pode Falar

Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.

SUS

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível buscar os endereços das unidades nesta página.

Mapa da Saúde Mental

O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

Alerta: a reportagem abaixo trata de temas como suicídio e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final do texto onde buscar ajuda.

Quando jovem, sufocado pelo peso da depressão, Matt Haig quase se jogou de um penhasco. Agora, 25 anos depois, Haig é um romancista best-seller internacional e ambientou seu mais novo livro no mesmo lugar onde a depressão quase o venceu: Ibiza, Espanha. O romance, chamado A Vida Impossível, fala sobre encontrar alegria depois de uma perda dolorosa, que ele conta da perspectiva de uma mulher de 72 anos. (O livro será lançado no Brasil pela Bertrand e foi distribuído antecipadamente para assinantes do clube TAG Inéditos em setembro)

Ao longo de sua carreira ferozmente produtiva, Haig escreveu ficção, não ficção e livros infantis – entre eles, obras sobre alienígenas, histórias de Natal e um romance sobre um homem que vive por séculos. A Biblioteca da Meia-Noite, romance sobre uma biblioteca mágica que permite que uma mulher entre em versões alternativas da própria vida, vendeu quase 9 milhões de cópias desde que foi publicado em 2020.

Haig também publicou um livro de memórias sobre sua luta pela saúde mental em Razões Para Continuar Vivo e, agora, escreveu sobre o lugar que quase o destruiu.

A Vida Impossível é muito pessoal para mim”, disse Haig. “Foi como resgatar um pouco do meu passado – de uma perspectiva muito diferente.”

O livro acompanha uma aposentada inglesa que perdeu o marido e, muitos anos antes, o filho pequeno. Sua vida pequenina e fechada poderia facilmente ter acabado silenciosamente na sua sala de estar. Em vez disso, ela vai para Ibiza numa aventura de que não vamos dar spoilers aqui, exceto para dizer que envolve telepatia.

O autor Matt Haig,em sua casa em Brighton, na Inglaterra. Foto: Peter Flude/NYT

Haig, 49 anos, mora em Brighton, no sul da Inglaterra, com a esposa, dois filhos adolescentes e dois cachorros, numa casa que ele descreve como “uma caixa de luz”. O térreo é essencialmente um imenso espaço aberto de paredes brancas, e a parte de trás da casa foi substituída por vidro, para deixar entrar a luz do quintal. Ela fica numa colina, numa fileira de casas todas pintadas de branco. Da sala de estar você vê uma lasca do mar pontilhada por turbinas eólicas.

Ele e a esposa, Andrea Semple, estão juntos desde a adolescência – eles se conheceram na noite em que Semple fez 19 anos – e ela o viu devorar romances e escrever impressionantes 24 livros em 30 anos. Haig disse que não acredita que exista um livro que seja para todo mundo, então escreve pensando em um leitor específico: às vezes, é uma versão mais jovem dele mesmo; muitas vezes, é sua esposa.

“Ele entra no modo hiperfocado quando escreve”, disse Semple. “Você fala, ‘Matt! Matt!’, mas ele está no seu próprio mundo.”

Quando escreve, Haig muitas vezes abre vários documentos do Word – vários romances diferentes – ao mesmo tempo no computador. Ele vai alternando os documentos, trabalhando em talvez cinco ou seis projetos simultaneamente. Por um longo tempo, ele escreveu pelo menos dois livros por ano, às vezes mais. Mas agora seu ritmo está mais relaxado, e quatro anos se passaram desde A Biblioteca da Meia-Noite, seu livro mais recente.

“É muito lento para mim”, ele disse. “A velocidade das ideias na minha cabeça – nem sempre são boas ideias – mas a velocidade das ideias que tenho que perseguir é bem rápida. Eu sempre penso não nos livros que escrevi, mas sim nos livros que não escrevi.”

Aos 46 anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno do espectro autista, o que o ajudou a entender melhor a si mesmo e os hábitos e estruturas de que ele precisa para viver bem. Exercícios físicos são essenciais, ele disse, mas é preciso encontrar a academia certa. Quando se matriculou numa academia de ponta, cheia de equipamentos estranhos, ele teve problemas para manter o foco e simplesmente foi pulando de uma máquina para outra. Então ele optou por uma academia barata, onde as únicas opções disponíveis eram uns pesos e duas ou três esteiras.

Matt Haig enfrenta há anos questões de saúde mental e aborda o assunto em sua literatura; ele está lançando, agora, 'A Vida Impossível'  Foto: Peter Flude/NYT

Haig também tenta pegar leve socialmente, disse sua esposa, não aceitando todos os convites para festivais ou pedidos de entrevista e não vendo muitas pessoas nos feriados.

“Por que você fica tão exausto só de ter uma hora de bate-papo com alguém?”, Semple se lembra de ter se perguntado.

“Entender isso foi muito útil”, ela continuou. “De certa forma, deixou a vida muito mais fácil, porque sabemos o que funciona e o que não funciona”.

O sucesso de Haig nem sempre pareceu garantido. Quando jovem, ele tinha dificuldades de parar no mesmo emprego por mais de um mês. Muitas vezes, na marca de três semanas, ele ficava sobrecarregado e pedia demissão. Ou simplesmente ia embora sem avisar.

A escrita melhorou. Seu primeiro romance, que ele publicou quando tinha 28 anos, foi best-seller, e desde então sua fortuna cresceu. A Biblioteca da Meia-Noite estourou nos Estados Unidos, escolha do Good Morning America Book Club. No Reino Unido, o sucesso veio com Razões Para Continuar Vivo, livro que era parte testemunho e parte autoajuda, contado em pequenos fragmentos.

“Daquele momento em diante, o nome Matt Haig ganhou uma outra importância”, disse sua agente, Clare Conville. “Seu nome virou o motivo pelo qual você queria comprar o livro.”

Francis Bickmore, editor de Haig na Canongate Books por 15 anos, descreveu Haig como um escritor muito incomum. Para começar, ele é rápido. Quando está focado em um romance, Bickmore disse que ele o entrega mais rapidamente do que qualquer outro autor com quem trabalhou. Haig também é extremamente receptivo a edições.

Bickmore disse que muitos escritores têm medo de fazer mudanças nos manuscritos, porque acham que não vão encontrar novas ideias para substituir as que removeram. Não é o caso de Haig. Em Os Humanos (2013), ele cortou algo como 40 mil palavras durante o processo de edição, disse Bickmore, e adicionou mais 45 mil.

“Metade do livro foi cortada, mas Matt não tinha essa ansiedade de que o espaço não seria preenchido”, disse Bickmore. “Essa confiança significa que ele defende suas ideias com total convicção, mas também tem uma pegada meio leve.”

Bickmore descreveu A Vida Impossível como a carta de amor de Haig para Ibiza, cenário de uma crise profunda em sua vida, mas lugar com o qual ele fez as pazes. Agora que não é mais uma ilha que o assombra, Haig pode passar as férias lá.

E conforme o livro se espalha pelo mundo, Haig pode sentar e relaxar.

“Acho que o sucesso relativo de A Biblioteca da Meia-Noite significa que, na minha cabeça, a pressão diminuiu um pouco”, ele disse, sentado num restaurante de Brighton com o mar estendido atrás dele. “Eu provei algo para mim mesmo, então posso simplesmente escrever o que eu quero escrever.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Onde buscar ajuda

Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.

Canal Pode Falar

Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.

SUS

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível buscar os endereços das unidades nesta página.

Mapa da Saúde Mental

O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

Alerta: a reportagem abaixo trata de temas como suicídio e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final do texto onde buscar ajuda.

Quando jovem, sufocado pelo peso da depressão, Matt Haig quase se jogou de um penhasco. Agora, 25 anos depois, Haig é um romancista best-seller internacional e ambientou seu mais novo livro no mesmo lugar onde a depressão quase o venceu: Ibiza, Espanha. O romance, chamado A Vida Impossível, fala sobre encontrar alegria depois de uma perda dolorosa, que ele conta da perspectiva de uma mulher de 72 anos. (O livro será lançado no Brasil pela Bertrand e foi distribuído antecipadamente para assinantes do clube TAG Inéditos em setembro)

Ao longo de sua carreira ferozmente produtiva, Haig escreveu ficção, não ficção e livros infantis – entre eles, obras sobre alienígenas, histórias de Natal e um romance sobre um homem que vive por séculos. A Biblioteca da Meia-Noite, romance sobre uma biblioteca mágica que permite que uma mulher entre em versões alternativas da própria vida, vendeu quase 9 milhões de cópias desde que foi publicado em 2020.

Haig também publicou um livro de memórias sobre sua luta pela saúde mental em Razões Para Continuar Vivo e, agora, escreveu sobre o lugar que quase o destruiu.

A Vida Impossível é muito pessoal para mim”, disse Haig. “Foi como resgatar um pouco do meu passado – de uma perspectiva muito diferente.”

O livro acompanha uma aposentada inglesa que perdeu o marido e, muitos anos antes, o filho pequeno. Sua vida pequenina e fechada poderia facilmente ter acabado silenciosamente na sua sala de estar. Em vez disso, ela vai para Ibiza numa aventura de que não vamos dar spoilers aqui, exceto para dizer que envolve telepatia.

O autor Matt Haig,em sua casa em Brighton, na Inglaterra. Foto: Peter Flude/NYT

Haig, 49 anos, mora em Brighton, no sul da Inglaterra, com a esposa, dois filhos adolescentes e dois cachorros, numa casa que ele descreve como “uma caixa de luz”. O térreo é essencialmente um imenso espaço aberto de paredes brancas, e a parte de trás da casa foi substituída por vidro, para deixar entrar a luz do quintal. Ela fica numa colina, numa fileira de casas todas pintadas de branco. Da sala de estar você vê uma lasca do mar pontilhada por turbinas eólicas.

Ele e a esposa, Andrea Semple, estão juntos desde a adolescência – eles se conheceram na noite em que Semple fez 19 anos – e ela o viu devorar romances e escrever impressionantes 24 livros em 30 anos. Haig disse que não acredita que exista um livro que seja para todo mundo, então escreve pensando em um leitor específico: às vezes, é uma versão mais jovem dele mesmo; muitas vezes, é sua esposa.

“Ele entra no modo hiperfocado quando escreve”, disse Semple. “Você fala, ‘Matt! Matt!’, mas ele está no seu próprio mundo.”

Quando escreve, Haig muitas vezes abre vários documentos do Word – vários romances diferentes – ao mesmo tempo no computador. Ele vai alternando os documentos, trabalhando em talvez cinco ou seis projetos simultaneamente. Por um longo tempo, ele escreveu pelo menos dois livros por ano, às vezes mais. Mas agora seu ritmo está mais relaxado, e quatro anos se passaram desde A Biblioteca da Meia-Noite, seu livro mais recente.

“É muito lento para mim”, ele disse. “A velocidade das ideias na minha cabeça – nem sempre são boas ideias – mas a velocidade das ideias que tenho que perseguir é bem rápida. Eu sempre penso não nos livros que escrevi, mas sim nos livros que não escrevi.”

Aos 46 anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno do espectro autista, o que o ajudou a entender melhor a si mesmo e os hábitos e estruturas de que ele precisa para viver bem. Exercícios físicos são essenciais, ele disse, mas é preciso encontrar a academia certa. Quando se matriculou numa academia de ponta, cheia de equipamentos estranhos, ele teve problemas para manter o foco e simplesmente foi pulando de uma máquina para outra. Então ele optou por uma academia barata, onde as únicas opções disponíveis eram uns pesos e duas ou três esteiras.

Matt Haig enfrenta há anos questões de saúde mental e aborda o assunto em sua literatura; ele está lançando, agora, 'A Vida Impossível'  Foto: Peter Flude/NYT

Haig também tenta pegar leve socialmente, disse sua esposa, não aceitando todos os convites para festivais ou pedidos de entrevista e não vendo muitas pessoas nos feriados.

“Por que você fica tão exausto só de ter uma hora de bate-papo com alguém?”, Semple se lembra de ter se perguntado.

“Entender isso foi muito útil”, ela continuou. “De certa forma, deixou a vida muito mais fácil, porque sabemos o que funciona e o que não funciona”.

O sucesso de Haig nem sempre pareceu garantido. Quando jovem, ele tinha dificuldades de parar no mesmo emprego por mais de um mês. Muitas vezes, na marca de três semanas, ele ficava sobrecarregado e pedia demissão. Ou simplesmente ia embora sem avisar.

A escrita melhorou. Seu primeiro romance, que ele publicou quando tinha 28 anos, foi best-seller, e desde então sua fortuna cresceu. A Biblioteca da Meia-Noite estourou nos Estados Unidos, escolha do Good Morning America Book Club. No Reino Unido, o sucesso veio com Razões Para Continuar Vivo, livro que era parte testemunho e parte autoajuda, contado em pequenos fragmentos.

“Daquele momento em diante, o nome Matt Haig ganhou uma outra importância”, disse sua agente, Clare Conville. “Seu nome virou o motivo pelo qual você queria comprar o livro.”

Francis Bickmore, editor de Haig na Canongate Books por 15 anos, descreveu Haig como um escritor muito incomum. Para começar, ele é rápido. Quando está focado em um romance, Bickmore disse que ele o entrega mais rapidamente do que qualquer outro autor com quem trabalhou. Haig também é extremamente receptivo a edições.

Bickmore disse que muitos escritores têm medo de fazer mudanças nos manuscritos, porque acham que não vão encontrar novas ideias para substituir as que removeram. Não é o caso de Haig. Em Os Humanos (2013), ele cortou algo como 40 mil palavras durante o processo de edição, disse Bickmore, e adicionou mais 45 mil.

“Metade do livro foi cortada, mas Matt não tinha essa ansiedade de que o espaço não seria preenchido”, disse Bickmore. “Essa confiança significa que ele defende suas ideias com total convicção, mas também tem uma pegada meio leve.”

Bickmore descreveu A Vida Impossível como a carta de amor de Haig para Ibiza, cenário de uma crise profunda em sua vida, mas lugar com o qual ele fez as pazes. Agora que não é mais uma ilha que o assombra, Haig pode passar as férias lá.

E conforme o livro se espalha pelo mundo, Haig pode sentar e relaxar.

“Acho que o sucesso relativo de A Biblioteca da Meia-Noite significa que, na minha cabeça, a pressão diminuiu um pouco”, ele disse, sentado num restaurante de Brighton com o mar estendido atrás dele. “Eu provei algo para mim mesmo, então posso simplesmente escrever o que eu quero escrever.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Onde buscar ajuda

Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:

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Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.

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Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.

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Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível buscar os endereços das unidades nesta página.

Mapa da Saúde Mental

O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

Alerta: a reportagem abaixo trata de temas como suicídio e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final do texto onde buscar ajuda.

Quando jovem, sufocado pelo peso da depressão, Matt Haig quase se jogou de um penhasco. Agora, 25 anos depois, Haig é um romancista best-seller internacional e ambientou seu mais novo livro no mesmo lugar onde a depressão quase o venceu: Ibiza, Espanha. O romance, chamado A Vida Impossível, fala sobre encontrar alegria depois de uma perda dolorosa, que ele conta da perspectiva de uma mulher de 72 anos. (O livro será lançado no Brasil pela Bertrand e foi distribuído antecipadamente para assinantes do clube TAG Inéditos em setembro)

Ao longo de sua carreira ferozmente produtiva, Haig escreveu ficção, não ficção e livros infantis – entre eles, obras sobre alienígenas, histórias de Natal e um romance sobre um homem que vive por séculos. A Biblioteca da Meia-Noite, romance sobre uma biblioteca mágica que permite que uma mulher entre em versões alternativas da própria vida, vendeu quase 9 milhões de cópias desde que foi publicado em 2020.

Haig também publicou um livro de memórias sobre sua luta pela saúde mental em Razões Para Continuar Vivo e, agora, escreveu sobre o lugar que quase o destruiu.

A Vida Impossível é muito pessoal para mim”, disse Haig. “Foi como resgatar um pouco do meu passado – de uma perspectiva muito diferente.”

O livro acompanha uma aposentada inglesa que perdeu o marido e, muitos anos antes, o filho pequeno. Sua vida pequenina e fechada poderia facilmente ter acabado silenciosamente na sua sala de estar. Em vez disso, ela vai para Ibiza numa aventura de que não vamos dar spoilers aqui, exceto para dizer que envolve telepatia.

O autor Matt Haig,em sua casa em Brighton, na Inglaterra. Foto: Peter Flude/NYT

Haig, 49 anos, mora em Brighton, no sul da Inglaterra, com a esposa, dois filhos adolescentes e dois cachorros, numa casa que ele descreve como “uma caixa de luz”. O térreo é essencialmente um imenso espaço aberto de paredes brancas, e a parte de trás da casa foi substituída por vidro, para deixar entrar a luz do quintal. Ela fica numa colina, numa fileira de casas todas pintadas de branco. Da sala de estar você vê uma lasca do mar pontilhada por turbinas eólicas.

Ele e a esposa, Andrea Semple, estão juntos desde a adolescência – eles se conheceram na noite em que Semple fez 19 anos – e ela o viu devorar romances e escrever impressionantes 24 livros em 30 anos. Haig disse que não acredita que exista um livro que seja para todo mundo, então escreve pensando em um leitor específico: às vezes, é uma versão mais jovem dele mesmo; muitas vezes, é sua esposa.

“Ele entra no modo hiperfocado quando escreve”, disse Semple. “Você fala, ‘Matt! Matt!’, mas ele está no seu próprio mundo.”

Quando escreve, Haig muitas vezes abre vários documentos do Word – vários romances diferentes – ao mesmo tempo no computador. Ele vai alternando os documentos, trabalhando em talvez cinco ou seis projetos simultaneamente. Por um longo tempo, ele escreveu pelo menos dois livros por ano, às vezes mais. Mas agora seu ritmo está mais relaxado, e quatro anos se passaram desde A Biblioteca da Meia-Noite, seu livro mais recente.

“É muito lento para mim”, ele disse. “A velocidade das ideias na minha cabeça – nem sempre são boas ideias – mas a velocidade das ideias que tenho que perseguir é bem rápida. Eu sempre penso não nos livros que escrevi, mas sim nos livros que não escrevi.”

Aos 46 anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno do espectro autista, o que o ajudou a entender melhor a si mesmo e os hábitos e estruturas de que ele precisa para viver bem. Exercícios físicos são essenciais, ele disse, mas é preciso encontrar a academia certa. Quando se matriculou numa academia de ponta, cheia de equipamentos estranhos, ele teve problemas para manter o foco e simplesmente foi pulando de uma máquina para outra. Então ele optou por uma academia barata, onde as únicas opções disponíveis eram uns pesos e duas ou três esteiras.

Matt Haig enfrenta há anos questões de saúde mental e aborda o assunto em sua literatura; ele está lançando, agora, 'A Vida Impossível'  Foto: Peter Flude/NYT

Haig também tenta pegar leve socialmente, disse sua esposa, não aceitando todos os convites para festivais ou pedidos de entrevista e não vendo muitas pessoas nos feriados.

“Por que você fica tão exausto só de ter uma hora de bate-papo com alguém?”, Semple se lembra de ter se perguntado.

“Entender isso foi muito útil”, ela continuou. “De certa forma, deixou a vida muito mais fácil, porque sabemos o que funciona e o que não funciona”.

O sucesso de Haig nem sempre pareceu garantido. Quando jovem, ele tinha dificuldades de parar no mesmo emprego por mais de um mês. Muitas vezes, na marca de três semanas, ele ficava sobrecarregado e pedia demissão. Ou simplesmente ia embora sem avisar.

A escrita melhorou. Seu primeiro romance, que ele publicou quando tinha 28 anos, foi best-seller, e desde então sua fortuna cresceu. A Biblioteca da Meia-Noite estourou nos Estados Unidos, escolha do Good Morning America Book Club. No Reino Unido, o sucesso veio com Razões Para Continuar Vivo, livro que era parte testemunho e parte autoajuda, contado em pequenos fragmentos.

“Daquele momento em diante, o nome Matt Haig ganhou uma outra importância”, disse sua agente, Clare Conville. “Seu nome virou o motivo pelo qual você queria comprar o livro.”

Francis Bickmore, editor de Haig na Canongate Books por 15 anos, descreveu Haig como um escritor muito incomum. Para começar, ele é rápido. Quando está focado em um romance, Bickmore disse que ele o entrega mais rapidamente do que qualquer outro autor com quem trabalhou. Haig também é extremamente receptivo a edições.

Bickmore disse que muitos escritores têm medo de fazer mudanças nos manuscritos, porque acham que não vão encontrar novas ideias para substituir as que removeram. Não é o caso de Haig. Em Os Humanos (2013), ele cortou algo como 40 mil palavras durante o processo de edição, disse Bickmore, e adicionou mais 45 mil.

“Metade do livro foi cortada, mas Matt não tinha essa ansiedade de que o espaço não seria preenchido”, disse Bickmore. “Essa confiança significa que ele defende suas ideias com total convicção, mas também tem uma pegada meio leve.”

Bickmore descreveu A Vida Impossível como a carta de amor de Haig para Ibiza, cenário de uma crise profunda em sua vida, mas lugar com o qual ele fez as pazes. Agora que não é mais uma ilha que o assombra, Haig pode passar as férias lá.

E conforme o livro se espalha pelo mundo, Haig pode sentar e relaxar.

“Acho que o sucesso relativo de A Biblioteca da Meia-Noite significa que, na minha cabeça, a pressão diminuiu um pouco”, ele disse, sentado num restaurante de Brighton com o mar estendido atrás dele. “Eu provei algo para mim mesmo, então posso simplesmente escrever o que eu quero escrever.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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