Mauro Beting mostra biblioteca com centenas de livros de futebol: ‘O melhor é uma ficção’; veja qual


Autor de 25 títulos, jornalista dá dicas de obras relacionadas ao esporte, revela para qual time torceria se não fosse palmeirense e diz que futebol e política se misturam: ‘Sou assumidamente de esquerda’

Por João Abel

A biblioteca de Mauro Beting é um enorme estádio. Nas cadeiras superiores, estão as biografias sobre grandes nomes do futebol brasileiro e internacional. Nas numeradas, um espaço para obras que misturam o esporte à sociologia, política e cultura. Na geral, seus xodós: livros para os quais Mauro escreveu o prefácio ou a quarta capa. “São meu maior orgulho”, diz o jornalista esportivo, que já publicou 25 títulos e segue escrevendo sem parar. “Toda semana chegam projetos novos, só nesta foram três convites.”

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Mauro recebeu a reportagem do Estadão em dois locais onde guarda seu acervo. Na própria casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, e em uma das lojas Retrô Gol, marca da qual é sócio, no Itaim Bibi. Ao longo da conversa, falou das memórias com o pai (e também jornalista), Joelmir Beting, da música como segunda paixão ao lado do futebol, de seu processo de escrita e dos livros preferidos.

Eu sempre fui ‘CDF’. E o futebol me ensinou geografia, história, política. Me ensinou a ganhar, a perder, e a empatar.

Mauro Beting

Na ficção, a genialidade

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Mauro não lê só sobre futebol, ainda que seja seu grande filão de livros. “Machado de Assis é meu autor brasileiro favorito e John Steinbeck talvez o preferido fora do Brasil”, afirma. No entanto, por falta de espaço e desapego, o comentarista do SBT, TNT Sports e Rádio Bandeirantes se desfez de muitos exemplares da coleção, para montar uma biblioteca dedicada ao esporte.

Nas prateleiras de Mauro, quase tudo é não-ficção. Partidas, estatísticas, curiosidades, clubes, carreira de atletas: são livros calcados na história da bola. Mas o melhor deles - pelo menos em língua portuguesa, segundo o jornalista - é uma obra inventada. O Drible, de Sérgio Rodrigues, lançado em 2014.

“Esse aqui é o quinto ou sexto que eu tenho, porque fui comprando e dei pra duas amigas que não gostam de futebol e falei: agora vocês vão começar a gostar ou pelo menos respeitar quem gosta”, diz Mauro, mostrando um exemplar da obra lançada pela Companhia das Letras. A cena inicial, que descreve o espetacular drible de Pelé no goleiro uruguaio Mazurkiewicz, o ‘Mazurka’, na Copa do Mundo 1970, é um dos pontos altos da obra.

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Capa de 'O Drible', de Sérgio Rodrigues Foto: Companhia das Letras/Divulgação

Outros títulos destacados por Mauro ao longo do tour por sua estante são:

  • Futebol, a Dança do Diabo (1965)
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“Um dos livros mais disruptivos do futebol brasileiro” nas palavras de Mauro. A autoria é de Francisco Sarno, ex-jogador e treinador de futebol, que relata os bastidores do futebol nos anos 1950 e 1960. “Esse livro conta tantas coisas, de forma implícita e explícita, que encerrou a carreira dele. Sarno nunca mais trabalhou em nenhum clube.”

  • O Negro no Futebol Brasileiro (1947)

Obra maior de Mário Filho, jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã, e fundamental para compreender o racismo no país do futebol. Mauro guarda na estante a 5ª edição, uma das mais vendidas do livro, publicada em 2010 pela MAUAD Editora.

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  • Klopp (2019)

É a biografia de Jürgen Klopp, treinador recém-aposentado, com o enorme subtítulo o técnico heavy metal que transformou Borussia Dortmund e Liverpool - e está mudando o panorama do futebol na Europa, escrito pelo jornalista alemão Raphael Honigstein e publicado no Brasil pela editora Grande Área.

  • Estrela Solitária (1995)
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Do “cracaço das biografias” Ruy Castro, a história de vida de Mané Garrincha, o craque brasileiro dos anos 1960.

  • Futebol ao Sol e à Sombra (1995)

“Tenho uns três ou quatro do [Eduardo] Galeano perdidos por aqui. É um gênio até quando fala besteira sobre futebol”, brinca Mauro. O escritor uruguaio que morreu em 2015 é reconhecidamente um dos autores de literatura latino-americana mais apaixonados pelo esporte.

  • Veneno remédio (2008)

José Miguel Wisnik é absolutamente genial em tudo o que se propõe”, elogia Mauro. Neste livro, aprofunda as conexões entre o futebol e a realidade social do Brasil ao longo do último século.

O livro de Wisnik está em um pedaço da estante que Mauro dedica aos livros sobre história, cultura, sociologia e política. Sempre com o futebol como pano de fundo. “Futebol e política se misturam completamente. Não precisam se misturar o tempo todo, mas de vez em quando é importante”.

Sou assumidamente de esquerda, como sou assumidamente palmeirense. Mas eu subo no muro muitas vezes para olhar todos os lados e muita gente me chama de isentão. Que bom. É preciso ser isento no jornalismo.

Mauro Beting

O gene de Joelmir

Mauro é filho de Joelmir Beting. Uma conexão hereditária que ajuda a explicar muitas de suas paixões: o Palmeiras, o jornalismo, a leitura. “Meu pai tinha um olhar muito técnico. Ele falava que não conseguia ler um Steinbeck, por exemplo, uma obra de ficção, porque ele parava às vezes no primeiro parágrafo e ficava analisando o estilo. ‘Olha como ele construiu essa frase, olha essa pontuação’. Ele ia se perdendo...”

Um registro do palestrino Joelmir Beting antes da final do Brasileirão de 1993, entre Palmeiras e Vitória Foto: Silvio Ricardo Ribeiro/Estadão

Formado em sociologia, Joelmir foi jornalista de canais como Globo, Record e Band, e se especializou na cobertura econômica. Tornou-se colunista do Estadão nos anos 1990 e escreveu dois livros: Na prática a teoria é outra: os fatos e as versões da Economia e Varig: eterna pioneira. “Chupa, pai. Você só escreveu dois e eu escrevi 25″, debocha Mauro.

A família é recheada de nomes na área da comunicação. O irmão de Mauro, Gianfranco, é publicitário e cofundador da companhia aérea Azul. O primo, Erich, também é jornalista especializado em negócios do esporte. E o filho, Gabriel Beting, se formou recentemente em jornalismo. Mauro não esconde o orgulho do caçula. “Ele escreve muito bem e fez um puta livro-reportagem como trabalho de conclusão de curso sobre o trabalho dos engraxates. Nem consigo falar muito, porque começo a chorar.”

Um livro para cada gigante paulista

Quer começar a ler sobre futebol e não sabe por onde? Talvez o clubismo ajude. Pedimos a Mauro que indicasse um livro relacionado a cada um dos grandes clubes do Estado de São Paulo.

  • CORINTHIANS: Centenário de gols: 100 gols que marcaram a história do Timão, de Denis Tassitano e Thiago de Rose

“São cem gols por cem pessoas, então não é só o título, pode ser gol de derrota, pode ser gol de vitória. Tem várias histórias e é um livro é muito divertido. Uma baita ideia que poderia até ser copiada por outros clubes. Eu fico muito honrado que são 99 corintianos e eu, falando de um gol do Corinthians.”

  • PALMEIRAS: Coadjuvantes, de Gustavo Piqueira (2006)

“É um livro que trata da infância dele, como ele vira palmeirense, e ele passa todo o período sem títulos de 1976 até 1993. E é fantástico, é o melhor livro sobre a fila, é o melhor livro sobre o ‘palmeirismo’.”

  • SÃO PAULO: Maioridade penal, 18 anos de histórias inéditas, de André Plihal (2009)

“Foi publicado quando o Rogério Ceni completou 18 anos de São Paulo e eu nunca vou esquecer o evento de lançamento ali na Livraria Saraiva, do Morumbi. Foram mais de 2 mil pessoas aqui, autógrafo de livros até uma da manhã, e eu era um dos poucos, talvez o único que não era são-paulino ali. O Rogério é um dos melhores amigos que eu tenho no futebol, um craque absoluto, um mito.”

  • SANTOS: Zito, o líder essencial, de Odir Cunha (2023)

“É sobre o capitão do Santos, bicampeão mundial pelo clube, e com quem eu tive a honra de trabalhar na Band durante a Copa de 1998, na França.”

O Santos é um time pelo qual eu tenho muito carinho, até porque, sem entrar em muitos detalhes, eu fui concebido na cidade santista. Se não existisse o distintivo do Palmeiras, eu certamente poderia ser Santos.

Mauro Beting

Mauro Beting com o livro do pai, Joelmir Beting Foto: Bruno Nogueirão/Estadão

Paixão pela música

Antes de ser comentarista esportivo, Mauro chegou a trabalhar como crítico musical. “Eu diria que eu sei mais de música do que de futebol. E eu faço tudo ouvindo música, escrevo ouvindo música, faço transmissão de jogo ouvindo música.” É de autoria do jornalista a biografia de Nasi, vocalista do Ira, e de Luiz Thunderbird, músico e ex-VJ da MTV.

O convite para escrever a história de Nasi, em 2012, veio enquanto Mauro produzia outra biografia, a do goleiro Marcos. “O Nasi ficou meu amigo e foi engraçado porque ele só queria falar comigo de São Paulo e eu só queria falar de rock com ele. Um dia, ele me liga às três da manhã e eu não atendo. Achei que ele tinha sido preso, sei lá. Depois, ele liga de novo às oito e eu resolvo atender. ‘Mauro, quero que você escreva minha bio...’ e eu completei: ‘grafia’. Topei na hora.”

Sou um sortudo de trabalhar com as coisas que o melhor fez o Brasil na história, desde 1500: música e futebol.

Mauro Beting

A biblioteca de Mauro Beting é um enorme estádio. Nas cadeiras superiores, estão as biografias sobre grandes nomes do futebol brasileiro e internacional. Nas numeradas, um espaço para obras que misturam o esporte à sociologia, política e cultura. Na geral, seus xodós: livros para os quais Mauro escreveu o prefácio ou a quarta capa. “São meu maior orgulho”, diz o jornalista esportivo, que já publicou 25 títulos e segue escrevendo sem parar. “Toda semana chegam projetos novos, só nesta foram três convites.”

Mauro recebeu a reportagem do Estadão em dois locais onde guarda seu acervo. Na própria casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, e em uma das lojas Retrô Gol, marca da qual é sócio, no Itaim Bibi. Ao longo da conversa, falou das memórias com o pai (e também jornalista), Joelmir Beting, da música como segunda paixão ao lado do futebol, de seu processo de escrita e dos livros preferidos.

Eu sempre fui ‘CDF’. E o futebol me ensinou geografia, história, política. Me ensinou a ganhar, a perder, e a empatar.

Mauro Beting

Na ficção, a genialidade

Mauro não lê só sobre futebol, ainda que seja seu grande filão de livros. “Machado de Assis é meu autor brasileiro favorito e John Steinbeck talvez o preferido fora do Brasil”, afirma. No entanto, por falta de espaço e desapego, o comentarista do SBT, TNT Sports e Rádio Bandeirantes se desfez de muitos exemplares da coleção, para montar uma biblioteca dedicada ao esporte.

Nas prateleiras de Mauro, quase tudo é não-ficção. Partidas, estatísticas, curiosidades, clubes, carreira de atletas: são livros calcados na história da bola. Mas o melhor deles - pelo menos em língua portuguesa, segundo o jornalista - é uma obra inventada. O Drible, de Sérgio Rodrigues, lançado em 2014.

“Esse aqui é o quinto ou sexto que eu tenho, porque fui comprando e dei pra duas amigas que não gostam de futebol e falei: agora vocês vão começar a gostar ou pelo menos respeitar quem gosta”, diz Mauro, mostrando um exemplar da obra lançada pela Companhia das Letras. A cena inicial, que descreve o espetacular drible de Pelé no goleiro uruguaio Mazurkiewicz, o ‘Mazurka’, na Copa do Mundo 1970, é um dos pontos altos da obra.

Capa de 'O Drible', de Sérgio Rodrigues Foto: Companhia das Letras/Divulgação

Outros títulos destacados por Mauro ao longo do tour por sua estante são:

  • Futebol, a Dança do Diabo (1965)

“Um dos livros mais disruptivos do futebol brasileiro” nas palavras de Mauro. A autoria é de Francisco Sarno, ex-jogador e treinador de futebol, que relata os bastidores do futebol nos anos 1950 e 1960. “Esse livro conta tantas coisas, de forma implícita e explícita, que encerrou a carreira dele. Sarno nunca mais trabalhou em nenhum clube.”

  • O Negro no Futebol Brasileiro (1947)

Obra maior de Mário Filho, jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã, e fundamental para compreender o racismo no país do futebol. Mauro guarda na estante a 5ª edição, uma das mais vendidas do livro, publicada em 2010 pela MAUAD Editora.

  • Klopp (2019)

É a biografia de Jürgen Klopp, treinador recém-aposentado, com o enorme subtítulo o técnico heavy metal que transformou Borussia Dortmund e Liverpool - e está mudando o panorama do futebol na Europa, escrito pelo jornalista alemão Raphael Honigstein e publicado no Brasil pela editora Grande Área.

  • Estrela Solitária (1995)

Do “cracaço das biografias” Ruy Castro, a história de vida de Mané Garrincha, o craque brasileiro dos anos 1960.

  • Futebol ao Sol e à Sombra (1995)

“Tenho uns três ou quatro do [Eduardo] Galeano perdidos por aqui. É um gênio até quando fala besteira sobre futebol”, brinca Mauro. O escritor uruguaio que morreu em 2015 é reconhecidamente um dos autores de literatura latino-americana mais apaixonados pelo esporte.

  • Veneno remédio (2008)

José Miguel Wisnik é absolutamente genial em tudo o que se propõe”, elogia Mauro. Neste livro, aprofunda as conexões entre o futebol e a realidade social do Brasil ao longo do último século.

O livro de Wisnik está em um pedaço da estante que Mauro dedica aos livros sobre história, cultura, sociologia e política. Sempre com o futebol como pano de fundo. “Futebol e política se misturam completamente. Não precisam se misturar o tempo todo, mas de vez em quando é importante”.

Sou assumidamente de esquerda, como sou assumidamente palmeirense. Mas eu subo no muro muitas vezes para olhar todos os lados e muita gente me chama de isentão. Que bom. É preciso ser isento no jornalismo.

Mauro Beting

O gene de Joelmir

Mauro é filho de Joelmir Beting. Uma conexão hereditária que ajuda a explicar muitas de suas paixões: o Palmeiras, o jornalismo, a leitura. “Meu pai tinha um olhar muito técnico. Ele falava que não conseguia ler um Steinbeck, por exemplo, uma obra de ficção, porque ele parava às vezes no primeiro parágrafo e ficava analisando o estilo. ‘Olha como ele construiu essa frase, olha essa pontuação’. Ele ia se perdendo...”

Um registro do palestrino Joelmir Beting antes da final do Brasileirão de 1993, entre Palmeiras e Vitória Foto: Silvio Ricardo Ribeiro/Estadão

Formado em sociologia, Joelmir foi jornalista de canais como Globo, Record e Band, e se especializou na cobertura econômica. Tornou-se colunista do Estadão nos anos 1990 e escreveu dois livros: Na prática a teoria é outra: os fatos e as versões da Economia e Varig: eterna pioneira. “Chupa, pai. Você só escreveu dois e eu escrevi 25″, debocha Mauro.

A família é recheada de nomes na área da comunicação. O irmão de Mauro, Gianfranco, é publicitário e cofundador da companhia aérea Azul. O primo, Erich, também é jornalista especializado em negócios do esporte. E o filho, Gabriel Beting, se formou recentemente em jornalismo. Mauro não esconde o orgulho do caçula. “Ele escreve muito bem e fez um puta livro-reportagem como trabalho de conclusão de curso sobre o trabalho dos engraxates. Nem consigo falar muito, porque começo a chorar.”

Um livro para cada gigante paulista

Quer começar a ler sobre futebol e não sabe por onde? Talvez o clubismo ajude. Pedimos a Mauro que indicasse um livro relacionado a cada um dos grandes clubes do Estado de São Paulo.

  • CORINTHIANS: Centenário de gols: 100 gols que marcaram a história do Timão, de Denis Tassitano e Thiago de Rose

“São cem gols por cem pessoas, então não é só o título, pode ser gol de derrota, pode ser gol de vitória. Tem várias histórias e é um livro é muito divertido. Uma baita ideia que poderia até ser copiada por outros clubes. Eu fico muito honrado que são 99 corintianos e eu, falando de um gol do Corinthians.”

  • PALMEIRAS: Coadjuvantes, de Gustavo Piqueira (2006)

“É um livro que trata da infância dele, como ele vira palmeirense, e ele passa todo o período sem títulos de 1976 até 1993. E é fantástico, é o melhor livro sobre a fila, é o melhor livro sobre o ‘palmeirismo’.”

  • SÃO PAULO: Maioridade penal, 18 anos de histórias inéditas, de André Plihal (2009)

“Foi publicado quando o Rogério Ceni completou 18 anos de São Paulo e eu nunca vou esquecer o evento de lançamento ali na Livraria Saraiva, do Morumbi. Foram mais de 2 mil pessoas aqui, autógrafo de livros até uma da manhã, e eu era um dos poucos, talvez o único que não era são-paulino ali. O Rogério é um dos melhores amigos que eu tenho no futebol, um craque absoluto, um mito.”

  • SANTOS: Zito, o líder essencial, de Odir Cunha (2023)

“É sobre o capitão do Santos, bicampeão mundial pelo clube, e com quem eu tive a honra de trabalhar na Band durante a Copa de 1998, na França.”

O Santos é um time pelo qual eu tenho muito carinho, até porque, sem entrar em muitos detalhes, eu fui concebido na cidade santista. Se não existisse o distintivo do Palmeiras, eu certamente poderia ser Santos.

Mauro Beting

Mauro Beting com o livro do pai, Joelmir Beting Foto: Bruno Nogueirão/Estadão

Paixão pela música

Antes de ser comentarista esportivo, Mauro chegou a trabalhar como crítico musical. “Eu diria que eu sei mais de música do que de futebol. E eu faço tudo ouvindo música, escrevo ouvindo música, faço transmissão de jogo ouvindo música.” É de autoria do jornalista a biografia de Nasi, vocalista do Ira, e de Luiz Thunderbird, músico e ex-VJ da MTV.

O convite para escrever a história de Nasi, em 2012, veio enquanto Mauro produzia outra biografia, a do goleiro Marcos. “O Nasi ficou meu amigo e foi engraçado porque ele só queria falar comigo de São Paulo e eu só queria falar de rock com ele. Um dia, ele me liga às três da manhã e eu não atendo. Achei que ele tinha sido preso, sei lá. Depois, ele liga de novo às oito e eu resolvo atender. ‘Mauro, quero que você escreva minha bio...’ e eu completei: ‘grafia’. Topei na hora.”

Sou um sortudo de trabalhar com as coisas que o melhor fez o Brasil na história, desde 1500: música e futebol.

Mauro Beting

A biblioteca de Mauro Beting é um enorme estádio. Nas cadeiras superiores, estão as biografias sobre grandes nomes do futebol brasileiro e internacional. Nas numeradas, um espaço para obras que misturam o esporte à sociologia, política e cultura. Na geral, seus xodós: livros para os quais Mauro escreveu o prefácio ou a quarta capa. “São meu maior orgulho”, diz o jornalista esportivo, que já publicou 25 títulos e segue escrevendo sem parar. “Toda semana chegam projetos novos, só nesta foram três convites.”

Mauro recebeu a reportagem do Estadão em dois locais onde guarda seu acervo. Na própria casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, e em uma das lojas Retrô Gol, marca da qual é sócio, no Itaim Bibi. Ao longo da conversa, falou das memórias com o pai (e também jornalista), Joelmir Beting, da música como segunda paixão ao lado do futebol, de seu processo de escrita e dos livros preferidos.

Eu sempre fui ‘CDF’. E o futebol me ensinou geografia, história, política. Me ensinou a ganhar, a perder, e a empatar.

Mauro Beting

Na ficção, a genialidade

Mauro não lê só sobre futebol, ainda que seja seu grande filão de livros. “Machado de Assis é meu autor brasileiro favorito e John Steinbeck talvez o preferido fora do Brasil”, afirma. No entanto, por falta de espaço e desapego, o comentarista do SBT, TNT Sports e Rádio Bandeirantes se desfez de muitos exemplares da coleção, para montar uma biblioteca dedicada ao esporte.

Nas prateleiras de Mauro, quase tudo é não-ficção. Partidas, estatísticas, curiosidades, clubes, carreira de atletas: são livros calcados na história da bola. Mas o melhor deles - pelo menos em língua portuguesa, segundo o jornalista - é uma obra inventada. O Drible, de Sérgio Rodrigues, lançado em 2014.

“Esse aqui é o quinto ou sexto que eu tenho, porque fui comprando e dei pra duas amigas que não gostam de futebol e falei: agora vocês vão começar a gostar ou pelo menos respeitar quem gosta”, diz Mauro, mostrando um exemplar da obra lançada pela Companhia das Letras. A cena inicial, que descreve o espetacular drible de Pelé no goleiro uruguaio Mazurkiewicz, o ‘Mazurka’, na Copa do Mundo 1970, é um dos pontos altos da obra.

Capa de 'O Drible', de Sérgio Rodrigues Foto: Companhia das Letras/Divulgação

Outros títulos destacados por Mauro ao longo do tour por sua estante são:

  • Futebol, a Dança do Diabo (1965)

“Um dos livros mais disruptivos do futebol brasileiro” nas palavras de Mauro. A autoria é de Francisco Sarno, ex-jogador e treinador de futebol, que relata os bastidores do futebol nos anos 1950 e 1960. “Esse livro conta tantas coisas, de forma implícita e explícita, que encerrou a carreira dele. Sarno nunca mais trabalhou em nenhum clube.”

  • O Negro no Futebol Brasileiro (1947)

Obra maior de Mário Filho, jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã, e fundamental para compreender o racismo no país do futebol. Mauro guarda na estante a 5ª edição, uma das mais vendidas do livro, publicada em 2010 pela MAUAD Editora.

  • Klopp (2019)

É a biografia de Jürgen Klopp, treinador recém-aposentado, com o enorme subtítulo o técnico heavy metal que transformou Borussia Dortmund e Liverpool - e está mudando o panorama do futebol na Europa, escrito pelo jornalista alemão Raphael Honigstein e publicado no Brasil pela editora Grande Área.

  • Estrela Solitária (1995)

Do “cracaço das biografias” Ruy Castro, a história de vida de Mané Garrincha, o craque brasileiro dos anos 1960.

  • Futebol ao Sol e à Sombra (1995)

“Tenho uns três ou quatro do [Eduardo] Galeano perdidos por aqui. É um gênio até quando fala besteira sobre futebol”, brinca Mauro. O escritor uruguaio que morreu em 2015 é reconhecidamente um dos autores de literatura latino-americana mais apaixonados pelo esporte.

  • Veneno remédio (2008)

José Miguel Wisnik é absolutamente genial em tudo o que se propõe”, elogia Mauro. Neste livro, aprofunda as conexões entre o futebol e a realidade social do Brasil ao longo do último século.

O livro de Wisnik está em um pedaço da estante que Mauro dedica aos livros sobre história, cultura, sociologia e política. Sempre com o futebol como pano de fundo. “Futebol e política se misturam completamente. Não precisam se misturar o tempo todo, mas de vez em quando é importante”.

Sou assumidamente de esquerda, como sou assumidamente palmeirense. Mas eu subo no muro muitas vezes para olhar todos os lados e muita gente me chama de isentão. Que bom. É preciso ser isento no jornalismo.

Mauro Beting

O gene de Joelmir

Mauro é filho de Joelmir Beting. Uma conexão hereditária que ajuda a explicar muitas de suas paixões: o Palmeiras, o jornalismo, a leitura. “Meu pai tinha um olhar muito técnico. Ele falava que não conseguia ler um Steinbeck, por exemplo, uma obra de ficção, porque ele parava às vezes no primeiro parágrafo e ficava analisando o estilo. ‘Olha como ele construiu essa frase, olha essa pontuação’. Ele ia se perdendo...”

Um registro do palestrino Joelmir Beting antes da final do Brasileirão de 1993, entre Palmeiras e Vitória Foto: Silvio Ricardo Ribeiro/Estadão

Formado em sociologia, Joelmir foi jornalista de canais como Globo, Record e Band, e se especializou na cobertura econômica. Tornou-se colunista do Estadão nos anos 1990 e escreveu dois livros: Na prática a teoria é outra: os fatos e as versões da Economia e Varig: eterna pioneira. “Chupa, pai. Você só escreveu dois e eu escrevi 25″, debocha Mauro.

A família é recheada de nomes na área da comunicação. O irmão de Mauro, Gianfranco, é publicitário e cofundador da companhia aérea Azul. O primo, Erich, também é jornalista especializado em negócios do esporte. E o filho, Gabriel Beting, se formou recentemente em jornalismo. Mauro não esconde o orgulho do caçula. “Ele escreve muito bem e fez um puta livro-reportagem como trabalho de conclusão de curso sobre o trabalho dos engraxates. Nem consigo falar muito, porque começo a chorar.”

Um livro para cada gigante paulista

Quer começar a ler sobre futebol e não sabe por onde? Talvez o clubismo ajude. Pedimos a Mauro que indicasse um livro relacionado a cada um dos grandes clubes do Estado de São Paulo.

  • CORINTHIANS: Centenário de gols: 100 gols que marcaram a história do Timão, de Denis Tassitano e Thiago de Rose

“São cem gols por cem pessoas, então não é só o título, pode ser gol de derrota, pode ser gol de vitória. Tem várias histórias e é um livro é muito divertido. Uma baita ideia que poderia até ser copiada por outros clubes. Eu fico muito honrado que são 99 corintianos e eu, falando de um gol do Corinthians.”

  • PALMEIRAS: Coadjuvantes, de Gustavo Piqueira (2006)

“É um livro que trata da infância dele, como ele vira palmeirense, e ele passa todo o período sem títulos de 1976 até 1993. E é fantástico, é o melhor livro sobre a fila, é o melhor livro sobre o ‘palmeirismo’.”

  • SÃO PAULO: Maioridade penal, 18 anos de histórias inéditas, de André Plihal (2009)

“Foi publicado quando o Rogério Ceni completou 18 anos de São Paulo e eu nunca vou esquecer o evento de lançamento ali na Livraria Saraiva, do Morumbi. Foram mais de 2 mil pessoas aqui, autógrafo de livros até uma da manhã, e eu era um dos poucos, talvez o único que não era são-paulino ali. O Rogério é um dos melhores amigos que eu tenho no futebol, um craque absoluto, um mito.”

  • SANTOS: Zito, o líder essencial, de Odir Cunha (2023)

“É sobre o capitão do Santos, bicampeão mundial pelo clube, e com quem eu tive a honra de trabalhar na Band durante a Copa de 1998, na França.”

O Santos é um time pelo qual eu tenho muito carinho, até porque, sem entrar em muitos detalhes, eu fui concebido na cidade santista. Se não existisse o distintivo do Palmeiras, eu certamente poderia ser Santos.

Mauro Beting

Mauro Beting com o livro do pai, Joelmir Beting Foto: Bruno Nogueirão/Estadão

Paixão pela música

Antes de ser comentarista esportivo, Mauro chegou a trabalhar como crítico musical. “Eu diria que eu sei mais de música do que de futebol. E eu faço tudo ouvindo música, escrevo ouvindo música, faço transmissão de jogo ouvindo música.” É de autoria do jornalista a biografia de Nasi, vocalista do Ira, e de Luiz Thunderbird, músico e ex-VJ da MTV.

O convite para escrever a história de Nasi, em 2012, veio enquanto Mauro produzia outra biografia, a do goleiro Marcos. “O Nasi ficou meu amigo e foi engraçado porque ele só queria falar comigo de São Paulo e eu só queria falar de rock com ele. Um dia, ele me liga às três da manhã e eu não atendo. Achei que ele tinha sido preso, sei lá. Depois, ele liga de novo às oito e eu resolvo atender. ‘Mauro, quero que você escreva minha bio...’ e eu completei: ‘grafia’. Topei na hora.”

Sou um sortudo de trabalhar com as coisas que o melhor fez o Brasil na história, desde 1500: música e futebol.

Mauro Beting

A biblioteca de Mauro Beting é um enorme estádio. Nas cadeiras superiores, estão as biografias sobre grandes nomes do futebol brasileiro e internacional. Nas numeradas, um espaço para obras que misturam o esporte à sociologia, política e cultura. Na geral, seus xodós: livros para os quais Mauro escreveu o prefácio ou a quarta capa. “São meu maior orgulho”, diz o jornalista esportivo, que já publicou 25 títulos e segue escrevendo sem parar. “Toda semana chegam projetos novos, só nesta foram três convites.”

Mauro recebeu a reportagem do Estadão em dois locais onde guarda seu acervo. Na própria casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, e em uma das lojas Retrô Gol, marca da qual é sócio, no Itaim Bibi. Ao longo da conversa, falou das memórias com o pai (e também jornalista), Joelmir Beting, da música como segunda paixão ao lado do futebol, de seu processo de escrita e dos livros preferidos.

Eu sempre fui ‘CDF’. E o futebol me ensinou geografia, história, política. Me ensinou a ganhar, a perder, e a empatar.

Mauro Beting

Na ficção, a genialidade

Mauro não lê só sobre futebol, ainda que seja seu grande filão de livros. “Machado de Assis é meu autor brasileiro favorito e John Steinbeck talvez o preferido fora do Brasil”, afirma. No entanto, por falta de espaço e desapego, o comentarista do SBT, TNT Sports e Rádio Bandeirantes se desfez de muitos exemplares da coleção, para montar uma biblioteca dedicada ao esporte.

Nas prateleiras de Mauro, quase tudo é não-ficção. Partidas, estatísticas, curiosidades, clubes, carreira de atletas: são livros calcados na história da bola. Mas o melhor deles - pelo menos em língua portuguesa, segundo o jornalista - é uma obra inventada. O Drible, de Sérgio Rodrigues, lançado em 2014.

“Esse aqui é o quinto ou sexto que eu tenho, porque fui comprando e dei pra duas amigas que não gostam de futebol e falei: agora vocês vão começar a gostar ou pelo menos respeitar quem gosta”, diz Mauro, mostrando um exemplar da obra lançada pela Companhia das Letras. A cena inicial, que descreve o espetacular drible de Pelé no goleiro uruguaio Mazurkiewicz, o ‘Mazurka’, na Copa do Mundo 1970, é um dos pontos altos da obra.

Capa de 'O Drible', de Sérgio Rodrigues Foto: Companhia das Letras/Divulgação

Outros títulos destacados por Mauro ao longo do tour por sua estante são:

  • Futebol, a Dança do Diabo (1965)

“Um dos livros mais disruptivos do futebol brasileiro” nas palavras de Mauro. A autoria é de Francisco Sarno, ex-jogador e treinador de futebol, que relata os bastidores do futebol nos anos 1950 e 1960. “Esse livro conta tantas coisas, de forma implícita e explícita, que encerrou a carreira dele. Sarno nunca mais trabalhou em nenhum clube.”

  • O Negro no Futebol Brasileiro (1947)

Obra maior de Mário Filho, jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã, e fundamental para compreender o racismo no país do futebol. Mauro guarda na estante a 5ª edição, uma das mais vendidas do livro, publicada em 2010 pela MAUAD Editora.

  • Klopp (2019)

É a biografia de Jürgen Klopp, treinador recém-aposentado, com o enorme subtítulo o técnico heavy metal que transformou Borussia Dortmund e Liverpool - e está mudando o panorama do futebol na Europa, escrito pelo jornalista alemão Raphael Honigstein e publicado no Brasil pela editora Grande Área.

  • Estrela Solitária (1995)

Do “cracaço das biografias” Ruy Castro, a história de vida de Mané Garrincha, o craque brasileiro dos anos 1960.

  • Futebol ao Sol e à Sombra (1995)

“Tenho uns três ou quatro do [Eduardo] Galeano perdidos por aqui. É um gênio até quando fala besteira sobre futebol”, brinca Mauro. O escritor uruguaio que morreu em 2015 é reconhecidamente um dos autores de literatura latino-americana mais apaixonados pelo esporte.

  • Veneno remédio (2008)

José Miguel Wisnik é absolutamente genial em tudo o que se propõe”, elogia Mauro. Neste livro, aprofunda as conexões entre o futebol e a realidade social do Brasil ao longo do último século.

O livro de Wisnik está em um pedaço da estante que Mauro dedica aos livros sobre história, cultura, sociologia e política. Sempre com o futebol como pano de fundo. “Futebol e política se misturam completamente. Não precisam se misturar o tempo todo, mas de vez em quando é importante”.

Sou assumidamente de esquerda, como sou assumidamente palmeirense. Mas eu subo no muro muitas vezes para olhar todos os lados e muita gente me chama de isentão. Que bom. É preciso ser isento no jornalismo.

Mauro Beting

O gene de Joelmir

Mauro é filho de Joelmir Beting. Uma conexão hereditária que ajuda a explicar muitas de suas paixões: o Palmeiras, o jornalismo, a leitura. “Meu pai tinha um olhar muito técnico. Ele falava que não conseguia ler um Steinbeck, por exemplo, uma obra de ficção, porque ele parava às vezes no primeiro parágrafo e ficava analisando o estilo. ‘Olha como ele construiu essa frase, olha essa pontuação’. Ele ia se perdendo...”

Um registro do palestrino Joelmir Beting antes da final do Brasileirão de 1993, entre Palmeiras e Vitória Foto: Silvio Ricardo Ribeiro/Estadão

Formado em sociologia, Joelmir foi jornalista de canais como Globo, Record e Band, e se especializou na cobertura econômica. Tornou-se colunista do Estadão nos anos 1990 e escreveu dois livros: Na prática a teoria é outra: os fatos e as versões da Economia e Varig: eterna pioneira. “Chupa, pai. Você só escreveu dois e eu escrevi 25″, debocha Mauro.

A família é recheada de nomes na área da comunicação. O irmão de Mauro, Gianfranco, é publicitário e cofundador da companhia aérea Azul. O primo, Erich, também é jornalista especializado em negócios do esporte. E o filho, Gabriel Beting, se formou recentemente em jornalismo. Mauro não esconde o orgulho do caçula. “Ele escreve muito bem e fez um puta livro-reportagem como trabalho de conclusão de curso sobre o trabalho dos engraxates. Nem consigo falar muito, porque começo a chorar.”

Um livro para cada gigante paulista

Quer começar a ler sobre futebol e não sabe por onde? Talvez o clubismo ajude. Pedimos a Mauro que indicasse um livro relacionado a cada um dos grandes clubes do Estado de São Paulo.

  • CORINTHIANS: Centenário de gols: 100 gols que marcaram a história do Timão, de Denis Tassitano e Thiago de Rose

“São cem gols por cem pessoas, então não é só o título, pode ser gol de derrota, pode ser gol de vitória. Tem várias histórias e é um livro é muito divertido. Uma baita ideia que poderia até ser copiada por outros clubes. Eu fico muito honrado que são 99 corintianos e eu, falando de um gol do Corinthians.”

  • PALMEIRAS: Coadjuvantes, de Gustavo Piqueira (2006)

“É um livro que trata da infância dele, como ele vira palmeirense, e ele passa todo o período sem títulos de 1976 até 1993. E é fantástico, é o melhor livro sobre a fila, é o melhor livro sobre o ‘palmeirismo’.”

  • SÃO PAULO: Maioridade penal, 18 anos de histórias inéditas, de André Plihal (2009)

“Foi publicado quando o Rogério Ceni completou 18 anos de São Paulo e eu nunca vou esquecer o evento de lançamento ali na Livraria Saraiva, do Morumbi. Foram mais de 2 mil pessoas aqui, autógrafo de livros até uma da manhã, e eu era um dos poucos, talvez o único que não era são-paulino ali. O Rogério é um dos melhores amigos que eu tenho no futebol, um craque absoluto, um mito.”

  • SANTOS: Zito, o líder essencial, de Odir Cunha (2023)

“É sobre o capitão do Santos, bicampeão mundial pelo clube, e com quem eu tive a honra de trabalhar na Band durante a Copa de 1998, na França.”

O Santos é um time pelo qual eu tenho muito carinho, até porque, sem entrar em muitos detalhes, eu fui concebido na cidade santista. Se não existisse o distintivo do Palmeiras, eu certamente poderia ser Santos.

Mauro Beting

Mauro Beting com o livro do pai, Joelmir Beting Foto: Bruno Nogueirão/Estadão

Paixão pela música

Antes de ser comentarista esportivo, Mauro chegou a trabalhar como crítico musical. “Eu diria que eu sei mais de música do que de futebol. E eu faço tudo ouvindo música, escrevo ouvindo música, faço transmissão de jogo ouvindo música.” É de autoria do jornalista a biografia de Nasi, vocalista do Ira, e de Luiz Thunderbird, músico e ex-VJ da MTV.

O convite para escrever a história de Nasi, em 2012, veio enquanto Mauro produzia outra biografia, a do goleiro Marcos. “O Nasi ficou meu amigo e foi engraçado porque ele só queria falar comigo de São Paulo e eu só queria falar de rock com ele. Um dia, ele me liga às três da manhã e eu não atendo. Achei que ele tinha sido preso, sei lá. Depois, ele liga de novo às oito e eu resolvo atender. ‘Mauro, quero que você escreva minha bio...’ e eu completei: ‘grafia’. Topei na hora.”

Sou um sortudo de trabalhar com as coisas que o melhor fez o Brasil na história, desde 1500: música e futebol.

Mauro Beting

A biblioteca de Mauro Beting é um enorme estádio. Nas cadeiras superiores, estão as biografias sobre grandes nomes do futebol brasileiro e internacional. Nas numeradas, um espaço para obras que misturam o esporte à sociologia, política e cultura. Na geral, seus xodós: livros para os quais Mauro escreveu o prefácio ou a quarta capa. “São meu maior orgulho”, diz o jornalista esportivo, que já publicou 25 títulos e segue escrevendo sem parar. “Toda semana chegam projetos novos, só nesta foram três convites.”

Mauro recebeu a reportagem do Estadão em dois locais onde guarda seu acervo. Na própria casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, e em uma das lojas Retrô Gol, marca da qual é sócio, no Itaim Bibi. Ao longo da conversa, falou das memórias com o pai (e também jornalista), Joelmir Beting, da música como segunda paixão ao lado do futebol, de seu processo de escrita e dos livros preferidos.

Eu sempre fui ‘CDF’. E o futebol me ensinou geografia, história, política. Me ensinou a ganhar, a perder, e a empatar.

Mauro Beting

Na ficção, a genialidade

Mauro não lê só sobre futebol, ainda que seja seu grande filão de livros. “Machado de Assis é meu autor brasileiro favorito e John Steinbeck talvez o preferido fora do Brasil”, afirma. No entanto, por falta de espaço e desapego, o comentarista do SBT, TNT Sports e Rádio Bandeirantes se desfez de muitos exemplares da coleção, para montar uma biblioteca dedicada ao esporte.

Nas prateleiras de Mauro, quase tudo é não-ficção. Partidas, estatísticas, curiosidades, clubes, carreira de atletas: são livros calcados na história da bola. Mas o melhor deles - pelo menos em língua portuguesa, segundo o jornalista - é uma obra inventada. O Drible, de Sérgio Rodrigues, lançado em 2014.

“Esse aqui é o quinto ou sexto que eu tenho, porque fui comprando e dei pra duas amigas que não gostam de futebol e falei: agora vocês vão começar a gostar ou pelo menos respeitar quem gosta”, diz Mauro, mostrando um exemplar da obra lançada pela Companhia das Letras. A cena inicial, que descreve o espetacular drible de Pelé no goleiro uruguaio Mazurkiewicz, o ‘Mazurka’, na Copa do Mundo 1970, é um dos pontos altos da obra.

Capa de 'O Drible', de Sérgio Rodrigues Foto: Companhia das Letras/Divulgação

Outros títulos destacados por Mauro ao longo do tour por sua estante são:

  • Futebol, a Dança do Diabo (1965)

“Um dos livros mais disruptivos do futebol brasileiro” nas palavras de Mauro. A autoria é de Francisco Sarno, ex-jogador e treinador de futebol, que relata os bastidores do futebol nos anos 1950 e 1960. “Esse livro conta tantas coisas, de forma implícita e explícita, que encerrou a carreira dele. Sarno nunca mais trabalhou em nenhum clube.”

  • O Negro no Futebol Brasileiro (1947)

Obra maior de Mário Filho, jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã, e fundamental para compreender o racismo no país do futebol. Mauro guarda na estante a 5ª edição, uma das mais vendidas do livro, publicada em 2010 pela MAUAD Editora.

  • Klopp (2019)

É a biografia de Jürgen Klopp, treinador recém-aposentado, com o enorme subtítulo o técnico heavy metal que transformou Borussia Dortmund e Liverpool - e está mudando o panorama do futebol na Europa, escrito pelo jornalista alemão Raphael Honigstein e publicado no Brasil pela editora Grande Área.

  • Estrela Solitária (1995)

Do “cracaço das biografias” Ruy Castro, a história de vida de Mané Garrincha, o craque brasileiro dos anos 1960.

  • Futebol ao Sol e à Sombra (1995)

“Tenho uns três ou quatro do [Eduardo] Galeano perdidos por aqui. É um gênio até quando fala besteira sobre futebol”, brinca Mauro. O escritor uruguaio que morreu em 2015 é reconhecidamente um dos autores de literatura latino-americana mais apaixonados pelo esporte.

  • Veneno remédio (2008)

José Miguel Wisnik é absolutamente genial em tudo o que se propõe”, elogia Mauro. Neste livro, aprofunda as conexões entre o futebol e a realidade social do Brasil ao longo do último século.

O livro de Wisnik está em um pedaço da estante que Mauro dedica aos livros sobre história, cultura, sociologia e política. Sempre com o futebol como pano de fundo. “Futebol e política se misturam completamente. Não precisam se misturar o tempo todo, mas de vez em quando é importante”.

Sou assumidamente de esquerda, como sou assumidamente palmeirense. Mas eu subo no muro muitas vezes para olhar todos os lados e muita gente me chama de isentão. Que bom. É preciso ser isento no jornalismo.

Mauro Beting

O gene de Joelmir

Mauro é filho de Joelmir Beting. Uma conexão hereditária que ajuda a explicar muitas de suas paixões: o Palmeiras, o jornalismo, a leitura. “Meu pai tinha um olhar muito técnico. Ele falava que não conseguia ler um Steinbeck, por exemplo, uma obra de ficção, porque ele parava às vezes no primeiro parágrafo e ficava analisando o estilo. ‘Olha como ele construiu essa frase, olha essa pontuação’. Ele ia se perdendo...”

Um registro do palestrino Joelmir Beting antes da final do Brasileirão de 1993, entre Palmeiras e Vitória Foto: Silvio Ricardo Ribeiro/Estadão

Formado em sociologia, Joelmir foi jornalista de canais como Globo, Record e Band, e se especializou na cobertura econômica. Tornou-se colunista do Estadão nos anos 1990 e escreveu dois livros: Na prática a teoria é outra: os fatos e as versões da Economia e Varig: eterna pioneira. “Chupa, pai. Você só escreveu dois e eu escrevi 25″, debocha Mauro.

A família é recheada de nomes na área da comunicação. O irmão de Mauro, Gianfranco, é publicitário e cofundador da companhia aérea Azul. O primo, Erich, também é jornalista especializado em negócios do esporte. E o filho, Gabriel Beting, se formou recentemente em jornalismo. Mauro não esconde o orgulho do caçula. “Ele escreve muito bem e fez um puta livro-reportagem como trabalho de conclusão de curso sobre o trabalho dos engraxates. Nem consigo falar muito, porque começo a chorar.”

Um livro para cada gigante paulista

Quer começar a ler sobre futebol e não sabe por onde? Talvez o clubismo ajude. Pedimos a Mauro que indicasse um livro relacionado a cada um dos grandes clubes do Estado de São Paulo.

  • CORINTHIANS: Centenário de gols: 100 gols que marcaram a história do Timão, de Denis Tassitano e Thiago de Rose

“São cem gols por cem pessoas, então não é só o título, pode ser gol de derrota, pode ser gol de vitória. Tem várias histórias e é um livro é muito divertido. Uma baita ideia que poderia até ser copiada por outros clubes. Eu fico muito honrado que são 99 corintianos e eu, falando de um gol do Corinthians.”

  • PALMEIRAS: Coadjuvantes, de Gustavo Piqueira (2006)

“É um livro que trata da infância dele, como ele vira palmeirense, e ele passa todo o período sem títulos de 1976 até 1993. E é fantástico, é o melhor livro sobre a fila, é o melhor livro sobre o ‘palmeirismo’.”

  • SÃO PAULO: Maioridade penal, 18 anos de histórias inéditas, de André Plihal (2009)

“Foi publicado quando o Rogério Ceni completou 18 anos de São Paulo e eu nunca vou esquecer o evento de lançamento ali na Livraria Saraiva, do Morumbi. Foram mais de 2 mil pessoas aqui, autógrafo de livros até uma da manhã, e eu era um dos poucos, talvez o único que não era são-paulino ali. O Rogério é um dos melhores amigos que eu tenho no futebol, um craque absoluto, um mito.”

  • SANTOS: Zito, o líder essencial, de Odir Cunha (2023)

“É sobre o capitão do Santos, bicampeão mundial pelo clube, e com quem eu tive a honra de trabalhar na Band durante a Copa de 1998, na França.”

O Santos é um time pelo qual eu tenho muito carinho, até porque, sem entrar em muitos detalhes, eu fui concebido na cidade santista. Se não existisse o distintivo do Palmeiras, eu certamente poderia ser Santos.

Mauro Beting

Mauro Beting com o livro do pai, Joelmir Beting Foto: Bruno Nogueirão/Estadão

Paixão pela música

Antes de ser comentarista esportivo, Mauro chegou a trabalhar como crítico musical. “Eu diria que eu sei mais de música do que de futebol. E eu faço tudo ouvindo música, escrevo ouvindo música, faço transmissão de jogo ouvindo música.” É de autoria do jornalista a biografia de Nasi, vocalista do Ira, e de Luiz Thunderbird, músico e ex-VJ da MTV.

O convite para escrever a história de Nasi, em 2012, veio enquanto Mauro produzia outra biografia, a do goleiro Marcos. “O Nasi ficou meu amigo e foi engraçado porque ele só queria falar comigo de São Paulo e eu só queria falar de rock com ele. Um dia, ele me liga às três da manhã e eu não atendo. Achei que ele tinha sido preso, sei lá. Depois, ele liga de novo às oito e eu resolvo atender. ‘Mauro, quero que você escreva minha bio...’ e eu completei: ‘grafia’. Topei na hora.”

Sou um sortudo de trabalhar com as coisas que o melhor fez o Brasil na história, desde 1500: música e futebol.

Mauro Beting

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