Menalton Braff retrata um Rio Grande do Sul sem heroísmos


Inspirado por uma região onde a vida "é muito difícil", escritor fala de seu premiado livro ‘Além do Rio dos Sinos’

Por Paula Sperb
Atualização:

Eleito o melhor romance brasileiro em 2020 pelo prêmio da Biblioteca Nacional, uma das principais premiações do País, Além do Rio dos Sinos (Editora Reformatório), do escritor Menalton Braff, trata de um Rio Grande do Sul sem heroísmo, onde a pobreza predomina.  “Li muito a literatura do sul. Até meus 20 e poucos anos, vivi em Porto Alegre. Com exceções como o escritor Dyonelio Machado, era um negócio meio épico. A maioria das obras tratava do pampa, das lutas, dos estancieiros. Era uma coisa que me incomodava um pouco. Porque eu conheço um Rio Grande do Sul que não é nada disso, onde a vida é muito difícil”, explica Braff, de 83 anos, ao Estadão. O livro é semifinalista do Prêmio Oceanos.

Escritor Menalton Braff Foto: CELIO MESSIAS/ESTADÃO

Inspirado pelas paisagens dos vales da nascente do Rio dos Sinos, que dá nome ao romance, Braff situou seus personagens no Morro do Caipora. Seja pela altura, onde o carro de boi não consegue subir, seja pelo solo repleto de pedras, a família que ali vive pouco consegue extrair da terra. Cada palmo de terreno sem as pedras características do morro é celebrado pela família por possibilitar algum plantio e dele retirar a fonte para sua subsistência. Os habitantes das faixas da várzea, aos pés dos vales, são mais prósperos do que aqueles isolados nas alturas. 

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“Havia uma diferença entre quem mora no morro e quem mora na várzea. O pessoal da várzea, não digo que era rico, mas é mais bem aquinhoado, com mais recursos. Quem mora no morro, derrubando pedra mato, é levado a uma pobreza bastante grande”, conta Braff sobre a paisagem que revisitou em 2018, durante uma viagem à região onde passava a infância na casa dos avós. Natural de Taquara, o gaúcho mudou-se para São Paulo ainda durante a ditadura militar, para escapar da repressão. 

“Fiquei impressionado com a topografia. São muitos morros na região, cobertos de rocha, de mata. Há muito tempo não via uma paisagem tão agreste”, conta. O escritor revela que o lugar “não saiu da sua cabeça”. “Para me livrar daquilo, precisava ficcionalizar. Primeiro, descrevendo a região e recriando alguns retalhos ouvidos na viagem. Era um modo de me aliviar daquela paisagem inóspita”, explica.

O morro pedregoso, aliás, permite uma comparação com o autor conterrâneo citado por Braff como exceção ao tom épico que marcou a literatura gaúcha no passado: Dyonelio Machado. Em Fada (Zouk, 2020), republicado quase 40 anos depois de sua primeira edição, as personagens de Dyonelio também convivem com um monte, “produto de rochas vulcânicas” e “inacessível”. No romance de Dyonelio, o “cerro” fascina tanto que inspira teorias místicas, estudos científicos e até um livro escrito pelo protagonista. “Aquele pesado bloco irrompe a campina macia com a consciência tranquila de quem domina. O basalto, o arenito, alternando-se na sua composição geológica, dá-lhe, ao sol, fulgurações de aço”, descreve o narrador de Fada.

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Em ambos os livros, os acidentes geográficos são importantes para as narrativas, cada um ao seu modo. Mas as comparações possíveis entre Fada e Além do Rio dos Sinos param por aí. O diálogo mais pertinente entre obras de ficção é justamente com o fenômeno do momento, Torto Arado (Todavia, 2019), do baiano Itamar Vieira Júnior

Assim como em Torto Arado, vemos em Além do Rio dos Sinos a questão da terra que impõe dificuldades para seu cultivo. Nos dois livros, o relacionamento de irmãs também está presente. Em Torto Arado, as irmãs quilombolas Belonísia e Bibiana narram suas histórias. Por sua vez, em Além do Rio dos Sinos, o narrador em terceira pessoa contará a história de Florinda e Marialva. Braff concorda com a aproximação entre seu livro e Torto Arado. “Não só no plano do conteúdo, mas no plano da expressão também cabe o diálogo entre os dois romances”, afirma. 

Em um primeiro momento, o narrador de Além do Rio dos Sinos leva a crer que o protagonista é Nicanor, o jovem que se vê órfão e proprietário do Morro do Caipora. Sozinho, ele sai em busca da prosperidade na várzea. Lá, conhece Marialva, com quem noivará. Com a evolução do convívio familiar, porém, revela-se a verdadeira protagonista: Florinda. Ela é a irmã mais nova de Marialva e se apaixonará por Nicanor. 

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“Sempre gostei de uma narrativa em que as coisas são sugeridas, não são explicitadas, cheia de elipses. Isso dá oportunidade ao leitor de ele também criar. A maior satisfação de quem lê, no meu caso, é ajudar a criar a história. Se não tenho nada a acrescentar, isso me emburrece, não gosto de autor que diz tudo. Como leitor, quero preencher lacunas. Como escritor, gosto de deixar lacunas para que o leitor preencha”, explica. 

As elipses são uma marca de outro romance de Braff, O Casarão da Rua do Rosário (Bertrand Brasil, 2012). Nele, Braff conta a história de uma família cujos conflitos são acentuados com a chegada da irmã mais nova e seus três filhos para morar no casarão da família, ocupado pelas irmãs mais velhas e “solteironas”. A chegada dos novos moradores ocorre porque Bernardo, o pai das crianças, fora levado pela ditadura militar, permanecendo desaparecido. A prisão, a possível tortura e morte são a grande elipse presente no livro. A ausência paterna, consequência devastadora da ditadura militar em famílias brasileiras, ecoa também no romance Só os Diamantes São Eternos (Folhas de Relva, 2020), de outro escritor gaúcho, Tailor Diniz. “Se vivesse cem anos, viveria sempre à espera de alguém que jamais iria voltar”, reflete o menino narrador da obra de Diniz. 

Aos 83 anos, Braff não é mais um novato nas letras. Já venceu o Jabuti na categoria de melhor obra de ficção, em 2000, com À Sombra do Cipreste, e foi finalista tanto do Jabuti como dos prêmios São Paulo e Portugal Telecom inúmeras vezes.  O escritor reserva todas as noites para leitura de livros literários, escreve todas as manhãs para seu novo romance e costuma ler teoria às tardes, acompanhado de sua mulher, Roseli Deienno Braff. Doutora em Letras, ela foi a responsável por inscrever Além do Rio do Sinos no prêmio da Biblioteca Nacional. “Agora estamos lendo Tzvetan Todorov”, conta sobre os estudos em dupla. Nas terças, quartas e quintas-feiras, o autor costuma assistir à televisão. São os dias de transmissão da CPI da Covid-19. “Esta CPI é a minha esperança”, diz sobre o atual momento do País. 

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Para manter a saúde, Braff caminha diariamente ao menos uma hora em um parque de Serrana, cidade no interior de São Paulo, onde vive. Ele está vacinado contra a covid-19, com as duas doses, desde março deste ano, e se orgulha da vacinação em massa promovida por Serrana em toda a população adulta. Porém, lamenta a situação política nacional. “O Brasil nunca foi governado por gente tão fraca. O Brasil não merecia isso. É o riso do mundo, estamos fazendo um papel ridículo”, desabafa. 

Eleito o melhor romance brasileiro em 2020 pelo prêmio da Biblioteca Nacional, uma das principais premiações do País, Além do Rio dos Sinos (Editora Reformatório), do escritor Menalton Braff, trata de um Rio Grande do Sul sem heroísmo, onde a pobreza predomina.  “Li muito a literatura do sul. Até meus 20 e poucos anos, vivi em Porto Alegre. Com exceções como o escritor Dyonelio Machado, era um negócio meio épico. A maioria das obras tratava do pampa, das lutas, dos estancieiros. Era uma coisa que me incomodava um pouco. Porque eu conheço um Rio Grande do Sul que não é nada disso, onde a vida é muito difícil”, explica Braff, de 83 anos, ao Estadão. O livro é semifinalista do Prêmio Oceanos.

Escritor Menalton Braff Foto: CELIO MESSIAS/ESTADÃO

Inspirado pelas paisagens dos vales da nascente do Rio dos Sinos, que dá nome ao romance, Braff situou seus personagens no Morro do Caipora. Seja pela altura, onde o carro de boi não consegue subir, seja pelo solo repleto de pedras, a família que ali vive pouco consegue extrair da terra. Cada palmo de terreno sem as pedras características do morro é celebrado pela família por possibilitar algum plantio e dele retirar a fonte para sua subsistência. Os habitantes das faixas da várzea, aos pés dos vales, são mais prósperos do que aqueles isolados nas alturas. 

“Havia uma diferença entre quem mora no morro e quem mora na várzea. O pessoal da várzea, não digo que era rico, mas é mais bem aquinhoado, com mais recursos. Quem mora no morro, derrubando pedra mato, é levado a uma pobreza bastante grande”, conta Braff sobre a paisagem que revisitou em 2018, durante uma viagem à região onde passava a infância na casa dos avós. Natural de Taquara, o gaúcho mudou-se para São Paulo ainda durante a ditadura militar, para escapar da repressão. 

“Fiquei impressionado com a topografia. São muitos morros na região, cobertos de rocha, de mata. Há muito tempo não via uma paisagem tão agreste”, conta. O escritor revela que o lugar “não saiu da sua cabeça”. “Para me livrar daquilo, precisava ficcionalizar. Primeiro, descrevendo a região e recriando alguns retalhos ouvidos na viagem. Era um modo de me aliviar daquela paisagem inóspita”, explica.

O morro pedregoso, aliás, permite uma comparação com o autor conterrâneo citado por Braff como exceção ao tom épico que marcou a literatura gaúcha no passado: Dyonelio Machado. Em Fada (Zouk, 2020), republicado quase 40 anos depois de sua primeira edição, as personagens de Dyonelio também convivem com um monte, “produto de rochas vulcânicas” e “inacessível”. No romance de Dyonelio, o “cerro” fascina tanto que inspira teorias místicas, estudos científicos e até um livro escrito pelo protagonista. “Aquele pesado bloco irrompe a campina macia com a consciência tranquila de quem domina. O basalto, o arenito, alternando-se na sua composição geológica, dá-lhe, ao sol, fulgurações de aço”, descreve o narrador de Fada.

Em ambos os livros, os acidentes geográficos são importantes para as narrativas, cada um ao seu modo. Mas as comparações possíveis entre Fada e Além do Rio dos Sinos param por aí. O diálogo mais pertinente entre obras de ficção é justamente com o fenômeno do momento, Torto Arado (Todavia, 2019), do baiano Itamar Vieira Júnior

Assim como em Torto Arado, vemos em Além do Rio dos Sinos a questão da terra que impõe dificuldades para seu cultivo. Nos dois livros, o relacionamento de irmãs também está presente. Em Torto Arado, as irmãs quilombolas Belonísia e Bibiana narram suas histórias. Por sua vez, em Além do Rio dos Sinos, o narrador em terceira pessoa contará a história de Florinda e Marialva. Braff concorda com a aproximação entre seu livro e Torto Arado. “Não só no plano do conteúdo, mas no plano da expressão também cabe o diálogo entre os dois romances”, afirma. 

Em um primeiro momento, o narrador de Além do Rio dos Sinos leva a crer que o protagonista é Nicanor, o jovem que se vê órfão e proprietário do Morro do Caipora. Sozinho, ele sai em busca da prosperidade na várzea. Lá, conhece Marialva, com quem noivará. Com a evolução do convívio familiar, porém, revela-se a verdadeira protagonista: Florinda. Ela é a irmã mais nova de Marialva e se apaixonará por Nicanor. 

“Sempre gostei de uma narrativa em que as coisas são sugeridas, não são explicitadas, cheia de elipses. Isso dá oportunidade ao leitor de ele também criar. A maior satisfação de quem lê, no meu caso, é ajudar a criar a história. Se não tenho nada a acrescentar, isso me emburrece, não gosto de autor que diz tudo. Como leitor, quero preencher lacunas. Como escritor, gosto de deixar lacunas para que o leitor preencha”, explica. 

As elipses são uma marca de outro romance de Braff, O Casarão da Rua do Rosário (Bertrand Brasil, 2012). Nele, Braff conta a história de uma família cujos conflitos são acentuados com a chegada da irmã mais nova e seus três filhos para morar no casarão da família, ocupado pelas irmãs mais velhas e “solteironas”. A chegada dos novos moradores ocorre porque Bernardo, o pai das crianças, fora levado pela ditadura militar, permanecendo desaparecido. A prisão, a possível tortura e morte são a grande elipse presente no livro. A ausência paterna, consequência devastadora da ditadura militar em famílias brasileiras, ecoa também no romance Só os Diamantes São Eternos (Folhas de Relva, 2020), de outro escritor gaúcho, Tailor Diniz. “Se vivesse cem anos, viveria sempre à espera de alguém que jamais iria voltar”, reflete o menino narrador da obra de Diniz. 

Aos 83 anos, Braff não é mais um novato nas letras. Já venceu o Jabuti na categoria de melhor obra de ficção, em 2000, com À Sombra do Cipreste, e foi finalista tanto do Jabuti como dos prêmios São Paulo e Portugal Telecom inúmeras vezes.  O escritor reserva todas as noites para leitura de livros literários, escreve todas as manhãs para seu novo romance e costuma ler teoria às tardes, acompanhado de sua mulher, Roseli Deienno Braff. Doutora em Letras, ela foi a responsável por inscrever Além do Rio do Sinos no prêmio da Biblioteca Nacional. “Agora estamos lendo Tzvetan Todorov”, conta sobre os estudos em dupla. Nas terças, quartas e quintas-feiras, o autor costuma assistir à televisão. São os dias de transmissão da CPI da Covid-19. “Esta CPI é a minha esperança”, diz sobre o atual momento do País. 

Para manter a saúde, Braff caminha diariamente ao menos uma hora em um parque de Serrana, cidade no interior de São Paulo, onde vive. Ele está vacinado contra a covid-19, com as duas doses, desde março deste ano, e se orgulha da vacinação em massa promovida por Serrana em toda a população adulta. Porém, lamenta a situação política nacional. “O Brasil nunca foi governado por gente tão fraca. O Brasil não merecia isso. É o riso do mundo, estamos fazendo um papel ridículo”, desabafa. 

Eleito o melhor romance brasileiro em 2020 pelo prêmio da Biblioteca Nacional, uma das principais premiações do País, Além do Rio dos Sinos (Editora Reformatório), do escritor Menalton Braff, trata de um Rio Grande do Sul sem heroísmo, onde a pobreza predomina.  “Li muito a literatura do sul. Até meus 20 e poucos anos, vivi em Porto Alegre. Com exceções como o escritor Dyonelio Machado, era um negócio meio épico. A maioria das obras tratava do pampa, das lutas, dos estancieiros. Era uma coisa que me incomodava um pouco. Porque eu conheço um Rio Grande do Sul que não é nada disso, onde a vida é muito difícil”, explica Braff, de 83 anos, ao Estadão. O livro é semifinalista do Prêmio Oceanos.

Escritor Menalton Braff Foto: CELIO MESSIAS/ESTADÃO

Inspirado pelas paisagens dos vales da nascente do Rio dos Sinos, que dá nome ao romance, Braff situou seus personagens no Morro do Caipora. Seja pela altura, onde o carro de boi não consegue subir, seja pelo solo repleto de pedras, a família que ali vive pouco consegue extrair da terra. Cada palmo de terreno sem as pedras características do morro é celebrado pela família por possibilitar algum plantio e dele retirar a fonte para sua subsistência. Os habitantes das faixas da várzea, aos pés dos vales, são mais prósperos do que aqueles isolados nas alturas. 

“Havia uma diferença entre quem mora no morro e quem mora na várzea. O pessoal da várzea, não digo que era rico, mas é mais bem aquinhoado, com mais recursos. Quem mora no morro, derrubando pedra mato, é levado a uma pobreza bastante grande”, conta Braff sobre a paisagem que revisitou em 2018, durante uma viagem à região onde passava a infância na casa dos avós. Natural de Taquara, o gaúcho mudou-se para São Paulo ainda durante a ditadura militar, para escapar da repressão. 

“Fiquei impressionado com a topografia. São muitos morros na região, cobertos de rocha, de mata. Há muito tempo não via uma paisagem tão agreste”, conta. O escritor revela que o lugar “não saiu da sua cabeça”. “Para me livrar daquilo, precisava ficcionalizar. Primeiro, descrevendo a região e recriando alguns retalhos ouvidos na viagem. Era um modo de me aliviar daquela paisagem inóspita”, explica.

O morro pedregoso, aliás, permite uma comparação com o autor conterrâneo citado por Braff como exceção ao tom épico que marcou a literatura gaúcha no passado: Dyonelio Machado. Em Fada (Zouk, 2020), republicado quase 40 anos depois de sua primeira edição, as personagens de Dyonelio também convivem com um monte, “produto de rochas vulcânicas” e “inacessível”. No romance de Dyonelio, o “cerro” fascina tanto que inspira teorias místicas, estudos científicos e até um livro escrito pelo protagonista. “Aquele pesado bloco irrompe a campina macia com a consciência tranquila de quem domina. O basalto, o arenito, alternando-se na sua composição geológica, dá-lhe, ao sol, fulgurações de aço”, descreve o narrador de Fada.

Em ambos os livros, os acidentes geográficos são importantes para as narrativas, cada um ao seu modo. Mas as comparações possíveis entre Fada e Além do Rio dos Sinos param por aí. O diálogo mais pertinente entre obras de ficção é justamente com o fenômeno do momento, Torto Arado (Todavia, 2019), do baiano Itamar Vieira Júnior

Assim como em Torto Arado, vemos em Além do Rio dos Sinos a questão da terra que impõe dificuldades para seu cultivo. Nos dois livros, o relacionamento de irmãs também está presente. Em Torto Arado, as irmãs quilombolas Belonísia e Bibiana narram suas histórias. Por sua vez, em Além do Rio dos Sinos, o narrador em terceira pessoa contará a história de Florinda e Marialva. Braff concorda com a aproximação entre seu livro e Torto Arado. “Não só no plano do conteúdo, mas no plano da expressão também cabe o diálogo entre os dois romances”, afirma. 

Em um primeiro momento, o narrador de Além do Rio dos Sinos leva a crer que o protagonista é Nicanor, o jovem que se vê órfão e proprietário do Morro do Caipora. Sozinho, ele sai em busca da prosperidade na várzea. Lá, conhece Marialva, com quem noivará. Com a evolução do convívio familiar, porém, revela-se a verdadeira protagonista: Florinda. Ela é a irmã mais nova de Marialva e se apaixonará por Nicanor. 

“Sempre gostei de uma narrativa em que as coisas são sugeridas, não são explicitadas, cheia de elipses. Isso dá oportunidade ao leitor de ele também criar. A maior satisfação de quem lê, no meu caso, é ajudar a criar a história. Se não tenho nada a acrescentar, isso me emburrece, não gosto de autor que diz tudo. Como leitor, quero preencher lacunas. Como escritor, gosto de deixar lacunas para que o leitor preencha”, explica. 

As elipses são uma marca de outro romance de Braff, O Casarão da Rua do Rosário (Bertrand Brasil, 2012). Nele, Braff conta a história de uma família cujos conflitos são acentuados com a chegada da irmã mais nova e seus três filhos para morar no casarão da família, ocupado pelas irmãs mais velhas e “solteironas”. A chegada dos novos moradores ocorre porque Bernardo, o pai das crianças, fora levado pela ditadura militar, permanecendo desaparecido. A prisão, a possível tortura e morte são a grande elipse presente no livro. A ausência paterna, consequência devastadora da ditadura militar em famílias brasileiras, ecoa também no romance Só os Diamantes São Eternos (Folhas de Relva, 2020), de outro escritor gaúcho, Tailor Diniz. “Se vivesse cem anos, viveria sempre à espera de alguém que jamais iria voltar”, reflete o menino narrador da obra de Diniz. 

Aos 83 anos, Braff não é mais um novato nas letras. Já venceu o Jabuti na categoria de melhor obra de ficção, em 2000, com À Sombra do Cipreste, e foi finalista tanto do Jabuti como dos prêmios São Paulo e Portugal Telecom inúmeras vezes.  O escritor reserva todas as noites para leitura de livros literários, escreve todas as manhãs para seu novo romance e costuma ler teoria às tardes, acompanhado de sua mulher, Roseli Deienno Braff. Doutora em Letras, ela foi a responsável por inscrever Além do Rio do Sinos no prêmio da Biblioteca Nacional. “Agora estamos lendo Tzvetan Todorov”, conta sobre os estudos em dupla. Nas terças, quartas e quintas-feiras, o autor costuma assistir à televisão. São os dias de transmissão da CPI da Covid-19. “Esta CPI é a minha esperança”, diz sobre o atual momento do País. 

Para manter a saúde, Braff caminha diariamente ao menos uma hora em um parque de Serrana, cidade no interior de São Paulo, onde vive. Ele está vacinado contra a covid-19, com as duas doses, desde março deste ano, e se orgulha da vacinação em massa promovida por Serrana em toda a população adulta. Porém, lamenta a situação política nacional. “O Brasil nunca foi governado por gente tão fraca. O Brasil não merecia isso. É o riso do mundo, estamos fazendo um papel ridículo”, desabafa. 

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