O escritor Milan Kundera, autor de ‘A Insustentável Leveza do Ser’, que morreu aos 94 anos nesta terça-feira, 11, chegou a ser filiado ao Partido Comunista Checo. Ele ingressou em 1948, mas foi expulso dois anos depois.
Readmitido em 1958, voltou a ser expulso em 1970, após a invasão soviética do final dos anos 1960. Kundera não era um crítico do comunismo ou do socialismo propriamente ditos, mas do regime totalitário soviético. O qual, inclusive, ele não considerava como monopolizador do totalitalismo.
“Civilização alguma nem ideologia alguma tem o monopólio do totalitarismo. Suas raízes são antropológicas. Cada um de nós conhece a prática totalitária nos microcosmos sociais (na família, no Exército), cada um de nós conhece a tentação totalitária. Desaprovo, na crítica do totalitarismo, o maniqueísmo fácil, como se o totalitarismo fosse apenas o mal”, declarou em entrevista à revista francesa L’Express, republicada pelo Estadão em 1980.
Da mesma forma, ele questiona a dominação política como principal força de autoritarismo dos soviéticos sobre a, então, Checoslováquia. O texto aponta que para o escritor e os intelectuais checos da geração dele, a grandeza da década de 60 e da Primavera de Praga reside não na política mas sim na cultura.
Para eles, a época permitiu um florescimento extraordinário das artes, letras e ciências. Sendo este o motivo da invasão soviética de 1968 ter imediatamente esmagado a cultura Checoslováquia.
“Não se esmagou a cultura oposicionista, mas simplesmente a cultura. Tudo o que era importante e autêntico deveria ser anulado. Meio milhão de checos foram demitidos. Cerca de 200 escritores, entre eles os mais famosos, não só foram impedidos de publicar suas obras, como também seus livros foram retirados de todas as bibliotecas e seus nomes apagados dos manuais de história. Em lugar de 40 revistas literárias e culturais, há agora apenas uma. O grande cinema checo já não existe. Os melhores teatrólogos foram banidos do país. A história política e cultural foi reescrita: nela não se encontram nem Franz Kafka, nem Tomas Masaryk (que fundou, em 1918, a República Checolosvaca), nada que o totalitarismo russo não possa digerir”, disse a Alain Finkielkrautl, a quem concedeu a entrevista.
Na ocasião, ele já era refugiado na França desde 1976, onde dava aulas na Faculdade de Rennes, e tivera a nacionalidade cassada pelo governo de Praga. Ainda sobre a tomada cultural de seu país, ele afirmou:
“Se se pode qualificar a década de 60 como uma ocidentalização progressiva do socialismo importado do Leste, a invasão russa de 1968 significa a colonização cultural definitiva de um país ocidental. Tudo o que formou o Ocidente a partir da Renascença (sim, essa Renascença tão desprezada por Solzhenitsyn), a tolerância, a dúvida metódica, o pluralismo de pensamento, o caráter pessoal da arte (e do homem, certamente), tudo isso é não uma medida provisória, mas uma parte de uma longa, paciente e conseqüente estratégia que deve deslocar um país na esfera de uma outra civilização”, disse.
Leia a entrevista completa no Acervo Estadão.