O escritor Rubem Fonseca morreu nesta quarta-feira, 15, aos 94 anos, vítima de um enfarte, em seu apartamento no Rio de Janeiro. Ele chegou a ser levado para o Hospital Samaritano Botafogo, mas já chegou sem vida. Segundo o hospital, ele morreu em decorrência de uma parada cardíaca.
Autor de romances como Agosto e Feliz Ano Novo, Fonseca foi vencedor do prêmio Camões em 2003 e é considerado um dos principais nomes da literatura brasileira.
Seu mais recente trabalho foi o livro Carne Crua, de 2018, que reuniu contos inéditos. Sua obra é publicada no Brasil pela Nova Fronteira, selo da Ediouro.
Rubem Fonseca na verdade nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, e antes de incursar pela literatura se formou em Direito na UFRJ e construiu uma carreira de seis anos na polícia civil, como comissário, em São Cristóvão. Ele também foi office-boy, escrituário, nadador, revisor de jornal, professor de administração pública na FGV e executivo da Light no Rio.
Ele se aproximou da literatura de forma atípica, devorando primeiro clássicos e vertentes do gênero policial, de nomes como Rafael Sabatini, Edgar Allan Poe, Emilio Salgari, Michel Zévaco, Ponson du Terrail, Karl May, Julio Verne e Edgar Wallace. Mas ainda na adolescência também se aproximou do cânone ocidental (Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare e Cervantes), bem como dos modernos (Dostoiévski, Maupassant, Proust).
Seus primeiros contos publicados apareceram nas revistas O Cruzeiro e Senhor, no início dos anos 1960.
Fonseca estreou em livro em 1963, com a reunião de contos Os Prisioneiros. Gumercindo Rocha Dórea, editor da GRD, que descobriu Fonseca e o publicou pela primeira vez, contou em uma entrevista ao Estado que, na época, como o escritor trabalhava na Light, não queria tornar públicos seus escritos. Quem passou os originais a Dórea, sem que Fonseca soubesse, foi sua secretária. Conhecido por ser extremamente discreto e pouco afeito a aparições públicas, o autor relutou a permitir que o editor lançasse Os Prisioneiros, dando início assim à sua carreira literária.
Depois viriam os seus livros mais conhecidos, que o consagraram como escritor de literatura policial. Lúcia McCartney, O Caso Morel, A Grande Arte e Agosto, que foi adaptado pela TV Globo, em minissérie homônima nos anos 1990.
Entre diversos outros prêmios, Fonseca venceu cinco vezes o Jabuti de contos, pelos livros Lúcia McCartney (1969), O Buraco na Parede (1995), Secreções, Excreções e Desatinos (2001), Pequenas Criaturas (2002) e Amálgama (2014). Na categoria romance, ele venceu apenas uma vez, com A Grande Arte (1983), mas um de seus trabalhos mais reconhecidos é Agosto, narrativa histórica que conta os eventos que culminaram no suicídio do ex-presidente do Getúlio Vargas em agosto de 1954.
Diversos diretores versaram para o cinema outros livros de Fonseca, como: Relatório de Um Homem Casado, de Flávio Tambellini, que também adaptou Bufo & Spallanzani, Lúcia McCartney – Uma Garota de Programa, de David Neves, A Grande Arte, de Walter Salles Jr., e O Cobrador, de Paul Leduc. Além disso, Fonseca fez os roteiros dos longas Stelinha, de Miguel Faria e A Extorsão, de Flávio Tambellini.
Nome fundamental da literatura policial brasileira
A chegada de Rubem Fonseca ao cenário da literatura brasileira introduziu o gênero policial na época contemporânea. Obras como Feliz Ano Novo (1975) e Bufo & Spallanzani (1985) revelam o estilo seco, direto, capaz de construir uma narrativa eficiente e afiada. A desconfiança sempre ronda os personagens de Fonseca: o advogado não confia nos clientes, o juiz não acredita em nenhum dos dois, as amantes desconfiam do advogado que, por sua vez, aceita as evidências contra elas. Não é de se estranhar, portanto, que o crime seja o resultado natural da impossibilidade de convivência entre eles.
Fonseca inspirou a obra de outros autores como Patrícia Melo, Joaquim Nogueira, Tony Bellotto e, principalmente, Luiz Alfredo Garcia-Roza, um dos grandes nomes da atualidade.
Em 2016, seu filho, o diretor José Henrique Fonseca, adaptou Lúcia McCartney para uma minissério da HBO, e o personagem Mandrake também ganhou uma versão em vídeo na emissora.
“É um conto muito importante para a literatura brasileira. Quebrou uma série de paradigmas”, disse José Henrique ao Estado, na ocasião do lançamento da série Lúcia McCartney. “Não me lembrava, especificamente, da riqueza da escrita. Rubem trabalha muito com elipses e eu fui viajando nelas, pensando que seria muito cinematográfico transformar em imagem e som essa narrativa inquietante”, resumiu, numa frase que poderia se aplicar sem injustiças à obra completa de Rubem.
Avesso a aparições públicas em espaços de literatura e a entrevistas, em 2015 ele foi até a Academia Brasileira de Letras receber o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. “Sou um homem idiossincrático e idiossincrasias não se explicam”, disse na ocasião. Em seu discurso de pouco mais de 10 minutos, ele falou sobre sua relação com a literatura. Dispensou o púlpito e falou sobre o pequeno palco, agradecendo a presença de todos. Na saída, fez selfies.
Dois anos antes, ele apareceu em alguns vídeos divulgados, sim, pelo Metrô do Rio, que havia criado uma biblioteca em sua homenagem. “Ler nos tornar melhores, permite que a gente entenda melhor o outro e entenda melhor a nós mesmos”, disse, na ocasião da inauguração, para um grupo de operários.
Em 2010, ele participou em São Paulo de uma performance na Livraria da Vila. O autor pegou a ponte aérea para entregar uma bandeja com comida para sua "discípula literária" Paula Parisot, que estava há dias confinada numa caixa de acrílico no mezanino da loja. Na ocasião, Fonseca chegou na livraria pela manhã, revezou-se entre o café e o mezanino e, sobre a performance, comentou para pessoas próximas: "É um trabalho sério. Podem pensar que é jogada de marketing, mas não é nada disso."
Um revolucionário do conto
Especialmente nos anos 1960 e 1970, o conto foi utilizado por diversos escritores brasileiros para retratar a realidade urbana, convulsiva e fragmentada, e a linguagem dinâmica e veloz era, na literatura, o veículo dos dramas cotidianos vivenciados pelos habitantes das grandes metrópoles. Rubem Fonseca foi um dos grandes expoentes desse gênero literário. O escritor desenvolvia sua narrativa com fluidez precisa, adequando formas de expressão e aos tipos selecionados para fazer parte de seus contos. E que tipos — personagens antológicos que moldaram gerações ao expor as feridas de uma sociedade cada vez mais corrompida pelas hipocrisias cotidianas.
Dono de uma narrativa ácida e bem humorada, situada no Rio de Janeiro ao largo dos últimos 80 anos, Fonseca não tinha receio de empregar no texto elementos de extrema violência – componente utilizado como mecanismo desencadeador, em sua literatura, de todas as relações humanas, fossem elas humorísticas, eróticas, reflexivas ou trágicas.
Rubem Fonseca e a ditadura militar
O Cobrador (1979) e Feliz Ano Novo (1975) foram livros censurados pela ditadura militar. O conto que dá nome ao segundo livro faz uma alusão a dois extremos de vida que propiciam um choque e, portanto, a violência, apresentando-a como componente subversivo em resposta ao sem-número de leis que, inflexíveis, tornariam impossíveis as relações humanas.
Anos antes, antes do golpe militar, o escritor foi recrutado para integrar o Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), entidade apontada como responsável pela base ideológica da criação da ditadura. Mais tarde, Rubem refutaria as referências a um suposto apoio ao golpe.