José Xavier Cortez, o sr. Cortez, editor que foi plantador de algodão, marinheiro e lavador de carros até começar a vender livros no estacionamento da PUC, morreu aos 84 anos, em São Paulo, em decorrência de um câncer. Querido no mercado editorial, era conhecido também por sua paixão pelo forró - tanto que era comum, durante as bienais do livro, que as noites terminassem em dança no Restaurante Andrada, em Pinheiros.
Nascido em Currais Novos, no Rio Grande do Norte, em 18 de novembro de 1936, ele trabalhou na agricultura de subsistência com a família, no sítio em que vivia e que ficava a 25 quilômetros da cidade, e estudou, até a 5ª série, em uma escola rural distante 6 quilômetros de casa - percurso que ele fazia a pé ou a cavalo.
Aos 18 anos, ele se mudou para Natal, fez bicos, inclusive vendendo frutas, como contou em uma entrevista, e ficou por lá até 1955. Ingressou na Escola de Aprendizes-Marinheiros de Pernambuco, passou um ano no Recife e, em 1956, foi transferido para o Rio de Janeiro, onde serviu em vários navios da Marinha do Brasil. Ali, voltou a estudar.
Sua vida na Marinha durou até 1964, quando, em plena ditadura militar, ele foi expulso da corporação. O motivo, ele contou, foi ter participado de um movimento organizado pela Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, que ficou conhecido como Rebelião dos Marinheiros.
Em janeiro de 1965, sr. Cortez chegou em São Paulo e foi trabalhar como lavador de carros no estacionamento de um parente. Já era um leitor naquela época e, ainda em 1966, entrou no curso de Economia da PUC. Neste momento, sua trajetória começou a mudar.
A aproximação com o mundo dos livros foi reforçada pela amizade com o gerente de uma editora que publicava obras da sua área e ficava perto de sua casa. Ele começou a vender para os colegas da faculdade os livros que os professores sugeriam. Como tinha desconto na compra desses livros, esse trabalho o ajudou a complementar o pagamento da mensalidade.
Em 1968, ele foi autorizado a usar um pequeno espaço nos corredores da universidade e ampliou a oferta de livros para outros cursos.
"Fiquei conhecido entre os professores porque conseguia para eles qualquer livro, mesmo que fosse proibido (pela ditadura). Sabia das bocas", revelou o editor em uma entrevista ao Estadão em 2010. Entre a sua clientela, ele contou, estavam intelectuais como Florestan Fernandes, Paulo Freire e Maurício Tragtenberg.
Nessa época, começou a flertar com a edição, trabalho que tocou com um colega de classe até inaugurar, em 1980, a Livraria Cortez e a Cortez Editora. Começou assim: o professor Antônio Joaquim Severino fez uma apostila em mimeógrafo e depois numa pequena gráfica para seus alunos. "Sempre vinha algum aluno me perguntar se eu não vendia aquela apostila", contou Cortez na mesma entrevista ao Estadão. Foi atrás do professor, que lhe entregou cerca de 20 exemplares - vendidos num piscar de olhos.
Cortez, que não sabia nada sobre os processos editoriais, se ofereceu para transformar a apostila em livro. E ela virou Metodologia do Trabalho Científico, primeira obra da Cortez que é um sucesso comercial até hoje.
A editora publicaria, ao longo de sua história, obras acadêmicas e livros infantis. "Publicar livros para trazer ensinamentos é tão importante quanto plantar o tomate que vai servir de alimento", disse o editor.
Sr. Cortez, que foi diretor da Câmara Brasileira do Livro, virou nome de escola e foi homenageado, em 2005, com o título de cidadão, pela Câmara Municipal, teve sua história contada no documentário O Semeador de Livros. Em 2016, a Livraria Cortez, em Perdizes, deixou de comercializar livros de outras editoras e passou a ser apenas um ponto de venda das obras da Cortez.
Durante a quarentena, em outubro de 2020, ele lançou o livro Tempos de Isolamento, escrito com a jornalista Goimar Dantas.