Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano


Autor de obras referenciais, como 'As Veias Abertas da América Latina', ele tinha 74 anos

Por Ubiratan Brasil

Atualizada às 9h48

Ensaísta, historiador e ficcionista, o uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira, 13, perto das 9h, em Montevidéu. Estava com 74 anos. Um câncer no mediastino (região da cavidade torácica) entrou em metástase, causando a morte.

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Autor de obras referenciais, como As Veias Abertas da América Latina (1971) e Memória de Fogo (1982-86), Galeano gostava de transcender gêneros ortodoxos, combinando narrativa documental, jornalismo, análise histórica e política. O que os une é sua obsessão pela memória, “sobretudo a dos condenados ao esquecimento”. 

A informação foi confirmada pelo ensaísta e tradutor Eric Nepomuceno, cujo irmão é casado com a filha do uruguaio.

Excelente observador, Galeano, também um apaixonado por futebol, lembrava a doce subversão que guardava de suas viagens: “Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: é proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

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Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano

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Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano

Foto: AP Photo/Eduardo Verdugo
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Foto: AP Photo/Matilde Campodonico
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Foto: ? AFP PHOTO/Pablo Porciuncula
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Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano

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Nascido na capital uruguaia em 3 de setembro de 1940, Galeano era de uma família católica de classe média de ascendência europeia. Menino, sonhava ser jogador de futebol, esporte que inspirou diversos de seus escritos (como O Futebol de Sol a Sombra, de 1995). Sem talento com a bola, foi pintor de letreiros, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco. Aos 14 anos, vendeu seu primeiro trabalho artístico: uma charge política para o jornal El Sol, do Partido Socialista.

A carreira jornalística foi iniciada no início da década de 1960, quando foi editor do Marcha, influente jornal semanal que contava com colaboradores do gabarito de Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Dirigiu também o diário Época e foi editor chefe de um jornal universitário durante dois anos.

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Em 1973, com o golpe militar no Uruguai, Galeano foi preso e, depois, forçado a se exilar na Argentina, onde lançou a revista Crisis, sobre cultura. Em 1976, com o acirramento da violência no governo militar argentino liderado pelo general Jorge Videla, seu nome é colocado na lista dos esquadrões da morte. Assim, temendo pela vida, Galeano exila-se na Espanha, onde deu início à trilogia Memória do Fogo. Só voltou ao Uruguai com a redemocratização, em 1985.

“A morte, muitas vezes, mente - quando se imagina que uma pessoa morreu, ela continua viva na memória, nas conversas, nas decisões” - era dessa forma que Galeano definia a resistência das pessoas que lutaram contra regimes totalitários. Frases de efeito, aliás, eram sua marca registrada. As palavras de Eduardo Galeano sempre surpreendiam, pois ele tanto as usavas para transmitir a mais pura poesia (“O travesseiro é como uma máquina capaz de ler sonhos”) como para causar polêmicas (“O presidente venezuelano Hugo Chávez é bombardeado por suas virtudes”). 

Galeano, no entanto, será principalmente lembrado por sua principal obra, As Veias Abertas da América Latina, que marcou a literatura e a resistência do continente. Ali, ele impunha uma questão primordial naqueles anos 1970: o subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento ou é consequência do desenvolvimento alheio? “Uma criança e um anão se parecem, mas não são a mesma coisa”, disse ele ao Estado em 2005, quando refletiu sobre aquela obra. “Não estamos vivendo a infância do capitalismo, somos um produto deformado do desenvolvimento alheio. Não há nenhuma riqueza que seja inocente da pobreza dos outros. O abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior do que quando eu escrevi o livro.”

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As Veias Abertas... analisa a história da América Latina desde o período colonial até a contemporaneidade, argumentando contra o que considera como exploração econômica e política do povo latino-americano primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. O livro tornou-se um clássico entre os membros da esquerda latino-americana.

Apesar de sempre ser badalado por esse livro, Galeano revelou-se cético diante da própria obra. “Depois de tantos anos, já não me sinto mais ligado a esse texto”, disse o escritor em 2014, em Brasília, durante a 2ª Bienal do Livro e da Leitura. “O tempo passou e descobri diferentes maneiras de conhecer e de me aprofundar na realidade. Considero uma etapa superada. Se eu relesse a obra hoje, cairia desmaiado, não iria aguentar”, completou, em tom de brincadeira. “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera.”

Ainda em Brasília, em entrevista exclusiva ao Estado, Galeano reafirmou sua paixão pelo futebol, apesar da politicagem ter interferido decisivamente na organização do esporte. 

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“Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves”, disse. “Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam - acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro.”

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Ensaísta, historiador e ficcionista, o uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira, 13, perto das 9h, em Montevidéu. Estava com 74 anos. Um câncer no mediastino (região da cavidade torácica) entrou em metástase, causando a morte.

Autor de obras referenciais, como As Veias Abertas da América Latina (1971) e Memória de Fogo (1982-86), Galeano gostava de transcender gêneros ortodoxos, combinando narrativa documental, jornalismo, análise histórica e política. O que os une é sua obsessão pela memória, “sobretudo a dos condenados ao esquecimento”. 

A informação foi confirmada pelo ensaísta e tradutor Eric Nepomuceno, cujo irmão é casado com a filha do uruguaio.

Excelente observador, Galeano, também um apaixonado por futebol, lembrava a doce subversão que guardava de suas viagens: “Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: é proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

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Nascido na capital uruguaia em 3 de setembro de 1940, Galeano era de uma família católica de classe média de ascendência europeia. Menino, sonhava ser jogador de futebol, esporte que inspirou diversos de seus escritos (como O Futebol de Sol a Sombra, de 1995). Sem talento com a bola, foi pintor de letreiros, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco. Aos 14 anos, vendeu seu primeiro trabalho artístico: uma charge política para o jornal El Sol, do Partido Socialista.

A carreira jornalística foi iniciada no início da década de 1960, quando foi editor do Marcha, influente jornal semanal que contava com colaboradores do gabarito de Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Dirigiu também o diário Época e foi editor chefe de um jornal universitário durante dois anos.

Em 1973, com o golpe militar no Uruguai, Galeano foi preso e, depois, forçado a se exilar na Argentina, onde lançou a revista Crisis, sobre cultura. Em 1976, com o acirramento da violência no governo militar argentino liderado pelo general Jorge Videla, seu nome é colocado na lista dos esquadrões da morte. Assim, temendo pela vida, Galeano exila-se na Espanha, onde deu início à trilogia Memória do Fogo. Só voltou ao Uruguai com a redemocratização, em 1985.

“A morte, muitas vezes, mente - quando se imagina que uma pessoa morreu, ela continua viva na memória, nas conversas, nas decisões” - era dessa forma que Galeano definia a resistência das pessoas que lutaram contra regimes totalitários. Frases de efeito, aliás, eram sua marca registrada. As palavras de Eduardo Galeano sempre surpreendiam, pois ele tanto as usavas para transmitir a mais pura poesia (“O travesseiro é como uma máquina capaz de ler sonhos”) como para causar polêmicas (“O presidente venezuelano Hugo Chávez é bombardeado por suas virtudes”). 

Galeano, no entanto, será principalmente lembrado por sua principal obra, As Veias Abertas da América Latina, que marcou a literatura e a resistência do continente. Ali, ele impunha uma questão primordial naqueles anos 1970: o subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento ou é consequência do desenvolvimento alheio? “Uma criança e um anão se parecem, mas não são a mesma coisa”, disse ele ao Estado em 2005, quando refletiu sobre aquela obra. “Não estamos vivendo a infância do capitalismo, somos um produto deformado do desenvolvimento alheio. Não há nenhuma riqueza que seja inocente da pobreza dos outros. O abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior do que quando eu escrevi o livro.”

As Veias Abertas... analisa a história da América Latina desde o período colonial até a contemporaneidade, argumentando contra o que considera como exploração econômica e política do povo latino-americano primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. O livro tornou-se um clássico entre os membros da esquerda latino-americana.

Apesar de sempre ser badalado por esse livro, Galeano revelou-se cético diante da própria obra. “Depois de tantos anos, já não me sinto mais ligado a esse texto”, disse o escritor em 2014, em Brasília, durante a 2ª Bienal do Livro e da Leitura. “O tempo passou e descobri diferentes maneiras de conhecer e de me aprofundar na realidade. Considero uma etapa superada. Se eu relesse a obra hoje, cairia desmaiado, não iria aguentar”, completou, em tom de brincadeira. “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera.”

Ainda em Brasília, em entrevista exclusiva ao Estado, Galeano reafirmou sua paixão pelo futebol, apesar da politicagem ter interferido decisivamente na organização do esporte. 

“Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves”, disse. “Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam - acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro.”

Atualizada às 9h48

Ensaísta, historiador e ficcionista, o uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira, 13, perto das 9h, em Montevidéu. Estava com 74 anos. Um câncer no mediastino (região da cavidade torácica) entrou em metástase, causando a morte.

Autor de obras referenciais, como As Veias Abertas da América Latina (1971) e Memória de Fogo (1982-86), Galeano gostava de transcender gêneros ortodoxos, combinando narrativa documental, jornalismo, análise histórica e política. O que os une é sua obsessão pela memória, “sobretudo a dos condenados ao esquecimento”. 

A informação foi confirmada pelo ensaísta e tradutor Eric Nepomuceno, cujo irmão é casado com a filha do uruguaio.

Excelente observador, Galeano, também um apaixonado por futebol, lembrava a doce subversão que guardava de suas viagens: “Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: é proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

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Nascido na capital uruguaia em 3 de setembro de 1940, Galeano era de uma família católica de classe média de ascendência europeia. Menino, sonhava ser jogador de futebol, esporte que inspirou diversos de seus escritos (como O Futebol de Sol a Sombra, de 1995). Sem talento com a bola, foi pintor de letreiros, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco. Aos 14 anos, vendeu seu primeiro trabalho artístico: uma charge política para o jornal El Sol, do Partido Socialista.

A carreira jornalística foi iniciada no início da década de 1960, quando foi editor do Marcha, influente jornal semanal que contava com colaboradores do gabarito de Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Dirigiu também o diário Época e foi editor chefe de um jornal universitário durante dois anos.

Em 1973, com o golpe militar no Uruguai, Galeano foi preso e, depois, forçado a se exilar na Argentina, onde lançou a revista Crisis, sobre cultura. Em 1976, com o acirramento da violência no governo militar argentino liderado pelo general Jorge Videla, seu nome é colocado na lista dos esquadrões da morte. Assim, temendo pela vida, Galeano exila-se na Espanha, onde deu início à trilogia Memória do Fogo. Só voltou ao Uruguai com a redemocratização, em 1985.

“A morte, muitas vezes, mente - quando se imagina que uma pessoa morreu, ela continua viva na memória, nas conversas, nas decisões” - era dessa forma que Galeano definia a resistência das pessoas que lutaram contra regimes totalitários. Frases de efeito, aliás, eram sua marca registrada. As palavras de Eduardo Galeano sempre surpreendiam, pois ele tanto as usavas para transmitir a mais pura poesia (“O travesseiro é como uma máquina capaz de ler sonhos”) como para causar polêmicas (“O presidente venezuelano Hugo Chávez é bombardeado por suas virtudes”). 

Galeano, no entanto, será principalmente lembrado por sua principal obra, As Veias Abertas da América Latina, que marcou a literatura e a resistência do continente. Ali, ele impunha uma questão primordial naqueles anos 1970: o subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento ou é consequência do desenvolvimento alheio? “Uma criança e um anão se parecem, mas não são a mesma coisa”, disse ele ao Estado em 2005, quando refletiu sobre aquela obra. “Não estamos vivendo a infância do capitalismo, somos um produto deformado do desenvolvimento alheio. Não há nenhuma riqueza que seja inocente da pobreza dos outros. O abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior do que quando eu escrevi o livro.”

As Veias Abertas... analisa a história da América Latina desde o período colonial até a contemporaneidade, argumentando contra o que considera como exploração econômica e política do povo latino-americano primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. O livro tornou-se um clássico entre os membros da esquerda latino-americana.

Apesar de sempre ser badalado por esse livro, Galeano revelou-se cético diante da própria obra. “Depois de tantos anos, já não me sinto mais ligado a esse texto”, disse o escritor em 2014, em Brasília, durante a 2ª Bienal do Livro e da Leitura. “O tempo passou e descobri diferentes maneiras de conhecer e de me aprofundar na realidade. Considero uma etapa superada. Se eu relesse a obra hoje, cairia desmaiado, não iria aguentar”, completou, em tom de brincadeira. “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera.”

Ainda em Brasília, em entrevista exclusiva ao Estado, Galeano reafirmou sua paixão pelo futebol, apesar da politicagem ter interferido decisivamente na organização do esporte. 

“Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves”, disse. “Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam - acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro.”

Atualizada às 9h48

Ensaísta, historiador e ficcionista, o uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira, 13, perto das 9h, em Montevidéu. Estava com 74 anos. Um câncer no mediastino (região da cavidade torácica) entrou em metástase, causando a morte.

Autor de obras referenciais, como As Veias Abertas da América Latina (1971) e Memória de Fogo (1982-86), Galeano gostava de transcender gêneros ortodoxos, combinando narrativa documental, jornalismo, análise histórica e política. O que os une é sua obsessão pela memória, “sobretudo a dos condenados ao esquecimento”. 

A informação foi confirmada pelo ensaísta e tradutor Eric Nepomuceno, cujo irmão é casado com a filha do uruguaio.

Excelente observador, Galeano, também um apaixonado por futebol, lembrava a doce subversão que guardava de suas viagens: “Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: é proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

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Nascido na capital uruguaia em 3 de setembro de 1940, Galeano era de uma família católica de classe média de ascendência europeia. Menino, sonhava ser jogador de futebol, esporte que inspirou diversos de seus escritos (como O Futebol de Sol a Sombra, de 1995). Sem talento com a bola, foi pintor de letreiros, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco. Aos 14 anos, vendeu seu primeiro trabalho artístico: uma charge política para o jornal El Sol, do Partido Socialista.

A carreira jornalística foi iniciada no início da década de 1960, quando foi editor do Marcha, influente jornal semanal que contava com colaboradores do gabarito de Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Dirigiu também o diário Época e foi editor chefe de um jornal universitário durante dois anos.

Em 1973, com o golpe militar no Uruguai, Galeano foi preso e, depois, forçado a se exilar na Argentina, onde lançou a revista Crisis, sobre cultura. Em 1976, com o acirramento da violência no governo militar argentino liderado pelo general Jorge Videla, seu nome é colocado na lista dos esquadrões da morte. Assim, temendo pela vida, Galeano exila-se na Espanha, onde deu início à trilogia Memória do Fogo. Só voltou ao Uruguai com a redemocratização, em 1985.

“A morte, muitas vezes, mente - quando se imagina que uma pessoa morreu, ela continua viva na memória, nas conversas, nas decisões” - era dessa forma que Galeano definia a resistência das pessoas que lutaram contra regimes totalitários. Frases de efeito, aliás, eram sua marca registrada. As palavras de Eduardo Galeano sempre surpreendiam, pois ele tanto as usavas para transmitir a mais pura poesia (“O travesseiro é como uma máquina capaz de ler sonhos”) como para causar polêmicas (“O presidente venezuelano Hugo Chávez é bombardeado por suas virtudes”). 

Galeano, no entanto, será principalmente lembrado por sua principal obra, As Veias Abertas da América Latina, que marcou a literatura e a resistência do continente. Ali, ele impunha uma questão primordial naqueles anos 1970: o subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento ou é consequência do desenvolvimento alheio? “Uma criança e um anão se parecem, mas não são a mesma coisa”, disse ele ao Estado em 2005, quando refletiu sobre aquela obra. “Não estamos vivendo a infância do capitalismo, somos um produto deformado do desenvolvimento alheio. Não há nenhuma riqueza que seja inocente da pobreza dos outros. O abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior do que quando eu escrevi o livro.”

As Veias Abertas... analisa a história da América Latina desde o período colonial até a contemporaneidade, argumentando contra o que considera como exploração econômica e política do povo latino-americano primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. O livro tornou-se um clássico entre os membros da esquerda latino-americana.

Apesar de sempre ser badalado por esse livro, Galeano revelou-se cético diante da própria obra. “Depois de tantos anos, já não me sinto mais ligado a esse texto”, disse o escritor em 2014, em Brasília, durante a 2ª Bienal do Livro e da Leitura. “O tempo passou e descobri diferentes maneiras de conhecer e de me aprofundar na realidade. Considero uma etapa superada. Se eu relesse a obra hoje, cairia desmaiado, não iria aguentar”, completou, em tom de brincadeira. “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera.”

Ainda em Brasília, em entrevista exclusiva ao Estado, Galeano reafirmou sua paixão pelo futebol, apesar da politicagem ter interferido decisivamente na organização do esporte. 

“Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves”, disse. “Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam - acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro.”

Atualizada às 9h48

Ensaísta, historiador e ficcionista, o uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira, 13, perto das 9h, em Montevidéu. Estava com 74 anos. Um câncer no mediastino (região da cavidade torácica) entrou em metástase, causando a morte.

Autor de obras referenciais, como As Veias Abertas da América Latina (1971) e Memória de Fogo (1982-86), Galeano gostava de transcender gêneros ortodoxos, combinando narrativa documental, jornalismo, análise histórica e política. O que os une é sua obsessão pela memória, “sobretudo a dos condenados ao esquecimento”. 

A informação foi confirmada pelo ensaísta e tradutor Eric Nepomuceno, cujo irmão é casado com a filha do uruguaio.

Excelente observador, Galeano, também um apaixonado por futebol, lembrava a doce subversão que guardava de suas viagens: “Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: é proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano

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Nascido na capital uruguaia em 3 de setembro de 1940, Galeano era de uma família católica de classe média de ascendência europeia. Menino, sonhava ser jogador de futebol, esporte que inspirou diversos de seus escritos (como O Futebol de Sol a Sombra, de 1995). Sem talento com a bola, foi pintor de letreiros, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco. Aos 14 anos, vendeu seu primeiro trabalho artístico: uma charge política para o jornal El Sol, do Partido Socialista.

A carreira jornalística foi iniciada no início da década de 1960, quando foi editor do Marcha, influente jornal semanal que contava com colaboradores do gabarito de Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Dirigiu também o diário Época e foi editor chefe de um jornal universitário durante dois anos.

Em 1973, com o golpe militar no Uruguai, Galeano foi preso e, depois, forçado a se exilar na Argentina, onde lançou a revista Crisis, sobre cultura. Em 1976, com o acirramento da violência no governo militar argentino liderado pelo general Jorge Videla, seu nome é colocado na lista dos esquadrões da morte. Assim, temendo pela vida, Galeano exila-se na Espanha, onde deu início à trilogia Memória do Fogo. Só voltou ao Uruguai com a redemocratização, em 1985.

“A morte, muitas vezes, mente - quando se imagina que uma pessoa morreu, ela continua viva na memória, nas conversas, nas decisões” - era dessa forma que Galeano definia a resistência das pessoas que lutaram contra regimes totalitários. Frases de efeito, aliás, eram sua marca registrada. As palavras de Eduardo Galeano sempre surpreendiam, pois ele tanto as usavas para transmitir a mais pura poesia (“O travesseiro é como uma máquina capaz de ler sonhos”) como para causar polêmicas (“O presidente venezuelano Hugo Chávez é bombardeado por suas virtudes”). 

Galeano, no entanto, será principalmente lembrado por sua principal obra, As Veias Abertas da América Latina, que marcou a literatura e a resistência do continente. Ali, ele impunha uma questão primordial naqueles anos 1970: o subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento ou é consequência do desenvolvimento alheio? “Uma criança e um anão se parecem, mas não são a mesma coisa”, disse ele ao Estado em 2005, quando refletiu sobre aquela obra. “Não estamos vivendo a infância do capitalismo, somos um produto deformado do desenvolvimento alheio. Não há nenhuma riqueza que seja inocente da pobreza dos outros. O abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior do que quando eu escrevi o livro.”

As Veias Abertas... analisa a história da América Latina desde o período colonial até a contemporaneidade, argumentando contra o que considera como exploração econômica e política do povo latino-americano primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. O livro tornou-se um clássico entre os membros da esquerda latino-americana.

Apesar de sempre ser badalado por esse livro, Galeano revelou-se cético diante da própria obra. “Depois de tantos anos, já não me sinto mais ligado a esse texto”, disse o escritor em 2014, em Brasília, durante a 2ª Bienal do Livro e da Leitura. “O tempo passou e descobri diferentes maneiras de conhecer e de me aprofundar na realidade. Considero uma etapa superada. Se eu relesse a obra hoje, cairia desmaiado, não iria aguentar”, completou, em tom de brincadeira. “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera.”

Ainda em Brasília, em entrevista exclusiva ao Estado, Galeano reafirmou sua paixão pelo futebol, apesar da politicagem ter interferido decisivamente na organização do esporte. 

“Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves”, disse. “Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam - acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro.”

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