Niéde Guidon, criadora do Parque Nacional das Capivaras, ganha biografia aos 90 anos


Livro relata aventuras e percalços da mulher que trouxe luz à arqueologia no País e que trouxe uma nova visão para o mundo sobre a origem do continente americano

Por Kátia Mello
Atualização:

Ao descrever a beleza da caatinga, a arqueóloga Niéde Guidon disse que se fosse um vegetal seria um cacto. A confissão está no livro Niéde Guidón - Uma Arqueóloga no Sertão (Editora Rosa dos Tempos), uma trajetória escrita com boas pitadas de humor pela jornalista Adriana Abujamra, que mergulha no universo árido do sertão piauiense para retratar as várias facetas de uma mulher inteligente, corajosa, arrojada, por vezes autoritária, pronta para soltar alguns espinhos, e completamente apaixonada por suas pinturas rupestres e seus achados arqueológicos que trouxeram uma nova visão para o mundo sobre a origem do continente americano.

Um cacto pode ser mesmo uma boa definição para essa franco-sertaneja, uma mulher baixa, nascida em Jaú (no interior de São Paulo), filha de pai francês e mãe brasileira, que ganha essa biografia ao completar 90 anos. No livro, fica evidente a saga de resistência durante 50 anos de arqueologia até ser reconhecida internacionalmente por seu trabalho no Parque Nacional da Serra da Capivara, fundado em 1979 e que se tornou patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1991, como um dos maiores sítios rupestres do planeta.

Niede Guidon, criadora do Parque Nacional da Serra da Capivara, ganha biografia aos 90 anos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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Niéde Guidon é ainda responsável pela criação da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e mais dois museus: o do Homem Americano e o da Natureza. Foi ela também quem descobriu o esqueleto mais antigo do Brasil, de 13 mil anos.

Mas mais do que isso, Niéde é uma cientista pioneira que jogou luz na arqueologia brasileira e transformou uma região inóspita, sofrida pela seca, ao trazer infraestrutura, com escolas de período integral, postos de saúde, além de ter criado empregos para as comunidades locais com projetos sustentáveis. Isso sem contar o primeiro curso de arqueologia pública no Brasil. “Ela fez com que aquele lugar se tornasse um ponto importante no mapa do Brasil e do mundo”, diz Adriana Abujamra ao Estadão ao se referir ao parque, com seus 55 sítios arqueológicos, que ocupa área de 130 mil hectares e parte dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias, localizados a mais de 500 quilômetros da capital Teresina.

Sertão

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Em 1973, Niéde afundou suas botas no sertão do Piauí com sua Missão Arqueológica Franco-Brasileira, apoiada pelo governo francês, coordenando a equipe na Serra da Capivara, com a colaboração de pesquisadores da USP. Depois disso, ela nunca mais deixou o Piauí, mesmo com suas idas e vindas à Europa. A partir de suas pesquisas, abriu-se uma nova perspectiva do povoamento do continente americano, com a análise de mais de 1,3 mil registros de presença humana pré-histórica.

Na biografia, é feito o percurso de como a arqueóloga contesta a tese predominante de que o homem chegou ao nosso continente desde o Estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, há 15 mil anos e, de lá, migrou em direção ao sul. Por intermédio de seus estudos das pinturas rupestres e restos de carvão encontrados na Serra da Capivara, Niéde argumentou que o homem veio para a América da África, pelo Oceano Atlântico, além de diversos achados arqueológicos que datam de mais de 100 mil anos.

Capa do livro 'Niéde Guidon - Uma Arqueóloga no Sertão', de Adriana Abujamra.  Foto: Editora Rosa dos Tempos
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Os percalços da pesquisadora não foram poucos. Niéde foi infectada pela dengue, zika, chikungunya, e nas escavações detonou a cartilagem das articulações se tornando dependente de uma bengala. “Por muitas vezes na vida, disse que iria largar tudo e voltar aos estudos em Paris”, conta Adriana, ao lembrar que ela se especializou em arqueologia pré-histórica pela Universidade Sorbonne, mesma instituição na qual defendeu seu doutorado em pré-história.

Entre seus grandes baques, esteve a contestação de suas teses por acadêmicos americanos, em 1993, que fizeram uma visita ao sítio e, em artigo publicado na revista Antiquity colocaram em dúvida a origem antrópica dos carvões encontrados por Niéde e sua equipe. Como bem levantou a autora da biografia, “nas ciências é possível fazer um experimento em laboratório e checar os dados, o que não acontece na arqueologia”. A irritação de Niéde com os americanos teria seus motivos: o parque sofreu perdas de investimentos na época.

Como em toda boa biografia, a jornalista traz as contradições da arqueóloga ilustre. Em sua empreitada para formar um parque, que levou anos a fio, Niéde foi amada pelos habitantes de Mocó e odiada pelos da Vila Zebelê, principalmente os moradores mais antigos, obrigados a deixar suas casas para a construção do parque. Na relação com os sertanejos, ela estabeleceu amizades sólidas como a com dona Sebastiana, que foi presenteada com uma sanfona. Aliás, a generosidade de Niéde inclui o financiamento de estudos de algumas crianças da região.

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Ao ler a biografia da arqueóloga, é possível compreender como uma mulher solteira e sem filhos, apaixonada pela pré-história, esteve à frente de seu tempo e defendeu com unhas e dentes um patrimônio que pertence à humanidade.

Ao descrever a beleza da caatinga, a arqueóloga Niéde Guidon disse que se fosse um vegetal seria um cacto. A confissão está no livro Niéde Guidón - Uma Arqueóloga no Sertão (Editora Rosa dos Tempos), uma trajetória escrita com boas pitadas de humor pela jornalista Adriana Abujamra, que mergulha no universo árido do sertão piauiense para retratar as várias facetas de uma mulher inteligente, corajosa, arrojada, por vezes autoritária, pronta para soltar alguns espinhos, e completamente apaixonada por suas pinturas rupestres e seus achados arqueológicos que trouxeram uma nova visão para o mundo sobre a origem do continente americano.

Um cacto pode ser mesmo uma boa definição para essa franco-sertaneja, uma mulher baixa, nascida em Jaú (no interior de São Paulo), filha de pai francês e mãe brasileira, que ganha essa biografia ao completar 90 anos. No livro, fica evidente a saga de resistência durante 50 anos de arqueologia até ser reconhecida internacionalmente por seu trabalho no Parque Nacional da Serra da Capivara, fundado em 1979 e que se tornou patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1991, como um dos maiores sítios rupestres do planeta.

Niede Guidon, criadora do Parque Nacional da Serra da Capivara, ganha biografia aos 90 anos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Niéde Guidon é ainda responsável pela criação da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e mais dois museus: o do Homem Americano e o da Natureza. Foi ela também quem descobriu o esqueleto mais antigo do Brasil, de 13 mil anos.

Mas mais do que isso, Niéde é uma cientista pioneira que jogou luz na arqueologia brasileira e transformou uma região inóspita, sofrida pela seca, ao trazer infraestrutura, com escolas de período integral, postos de saúde, além de ter criado empregos para as comunidades locais com projetos sustentáveis. Isso sem contar o primeiro curso de arqueologia pública no Brasil. “Ela fez com que aquele lugar se tornasse um ponto importante no mapa do Brasil e do mundo”, diz Adriana Abujamra ao Estadão ao se referir ao parque, com seus 55 sítios arqueológicos, que ocupa área de 130 mil hectares e parte dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias, localizados a mais de 500 quilômetros da capital Teresina.

Sertão

Em 1973, Niéde afundou suas botas no sertão do Piauí com sua Missão Arqueológica Franco-Brasileira, apoiada pelo governo francês, coordenando a equipe na Serra da Capivara, com a colaboração de pesquisadores da USP. Depois disso, ela nunca mais deixou o Piauí, mesmo com suas idas e vindas à Europa. A partir de suas pesquisas, abriu-se uma nova perspectiva do povoamento do continente americano, com a análise de mais de 1,3 mil registros de presença humana pré-histórica.

Na biografia, é feito o percurso de como a arqueóloga contesta a tese predominante de que o homem chegou ao nosso continente desde o Estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, há 15 mil anos e, de lá, migrou em direção ao sul. Por intermédio de seus estudos das pinturas rupestres e restos de carvão encontrados na Serra da Capivara, Niéde argumentou que o homem veio para a América da África, pelo Oceano Atlântico, além de diversos achados arqueológicos que datam de mais de 100 mil anos.

Capa do livro 'Niéde Guidon - Uma Arqueóloga no Sertão', de Adriana Abujamra.  Foto: Editora Rosa dos Tempos

Os percalços da pesquisadora não foram poucos. Niéde foi infectada pela dengue, zika, chikungunya, e nas escavações detonou a cartilagem das articulações se tornando dependente de uma bengala. “Por muitas vezes na vida, disse que iria largar tudo e voltar aos estudos em Paris”, conta Adriana, ao lembrar que ela se especializou em arqueologia pré-histórica pela Universidade Sorbonne, mesma instituição na qual defendeu seu doutorado em pré-história.

Entre seus grandes baques, esteve a contestação de suas teses por acadêmicos americanos, em 1993, que fizeram uma visita ao sítio e, em artigo publicado na revista Antiquity colocaram em dúvida a origem antrópica dos carvões encontrados por Niéde e sua equipe. Como bem levantou a autora da biografia, “nas ciências é possível fazer um experimento em laboratório e checar os dados, o que não acontece na arqueologia”. A irritação de Niéde com os americanos teria seus motivos: o parque sofreu perdas de investimentos na época.

Como em toda boa biografia, a jornalista traz as contradições da arqueóloga ilustre. Em sua empreitada para formar um parque, que levou anos a fio, Niéde foi amada pelos habitantes de Mocó e odiada pelos da Vila Zebelê, principalmente os moradores mais antigos, obrigados a deixar suas casas para a construção do parque. Na relação com os sertanejos, ela estabeleceu amizades sólidas como a com dona Sebastiana, que foi presenteada com uma sanfona. Aliás, a generosidade de Niéde inclui o financiamento de estudos de algumas crianças da região.

Ao ler a biografia da arqueóloga, é possível compreender como uma mulher solteira e sem filhos, apaixonada pela pré-história, esteve à frente de seu tempo e defendeu com unhas e dentes um patrimônio que pertence à humanidade.

Ao descrever a beleza da caatinga, a arqueóloga Niéde Guidon disse que se fosse um vegetal seria um cacto. A confissão está no livro Niéde Guidón - Uma Arqueóloga no Sertão (Editora Rosa dos Tempos), uma trajetória escrita com boas pitadas de humor pela jornalista Adriana Abujamra, que mergulha no universo árido do sertão piauiense para retratar as várias facetas de uma mulher inteligente, corajosa, arrojada, por vezes autoritária, pronta para soltar alguns espinhos, e completamente apaixonada por suas pinturas rupestres e seus achados arqueológicos que trouxeram uma nova visão para o mundo sobre a origem do continente americano.

Um cacto pode ser mesmo uma boa definição para essa franco-sertaneja, uma mulher baixa, nascida em Jaú (no interior de São Paulo), filha de pai francês e mãe brasileira, que ganha essa biografia ao completar 90 anos. No livro, fica evidente a saga de resistência durante 50 anos de arqueologia até ser reconhecida internacionalmente por seu trabalho no Parque Nacional da Serra da Capivara, fundado em 1979 e que se tornou patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1991, como um dos maiores sítios rupestres do planeta.

Niede Guidon, criadora do Parque Nacional da Serra da Capivara, ganha biografia aos 90 anos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Niéde Guidon é ainda responsável pela criação da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e mais dois museus: o do Homem Americano e o da Natureza. Foi ela também quem descobriu o esqueleto mais antigo do Brasil, de 13 mil anos.

Mas mais do que isso, Niéde é uma cientista pioneira que jogou luz na arqueologia brasileira e transformou uma região inóspita, sofrida pela seca, ao trazer infraestrutura, com escolas de período integral, postos de saúde, além de ter criado empregos para as comunidades locais com projetos sustentáveis. Isso sem contar o primeiro curso de arqueologia pública no Brasil. “Ela fez com que aquele lugar se tornasse um ponto importante no mapa do Brasil e do mundo”, diz Adriana Abujamra ao Estadão ao se referir ao parque, com seus 55 sítios arqueológicos, que ocupa área de 130 mil hectares e parte dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias, localizados a mais de 500 quilômetros da capital Teresina.

Sertão

Em 1973, Niéde afundou suas botas no sertão do Piauí com sua Missão Arqueológica Franco-Brasileira, apoiada pelo governo francês, coordenando a equipe na Serra da Capivara, com a colaboração de pesquisadores da USP. Depois disso, ela nunca mais deixou o Piauí, mesmo com suas idas e vindas à Europa. A partir de suas pesquisas, abriu-se uma nova perspectiva do povoamento do continente americano, com a análise de mais de 1,3 mil registros de presença humana pré-histórica.

Na biografia, é feito o percurso de como a arqueóloga contesta a tese predominante de que o homem chegou ao nosso continente desde o Estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, há 15 mil anos e, de lá, migrou em direção ao sul. Por intermédio de seus estudos das pinturas rupestres e restos de carvão encontrados na Serra da Capivara, Niéde argumentou que o homem veio para a América da África, pelo Oceano Atlântico, além de diversos achados arqueológicos que datam de mais de 100 mil anos.

Capa do livro 'Niéde Guidon - Uma Arqueóloga no Sertão', de Adriana Abujamra.  Foto: Editora Rosa dos Tempos

Os percalços da pesquisadora não foram poucos. Niéde foi infectada pela dengue, zika, chikungunya, e nas escavações detonou a cartilagem das articulações se tornando dependente de uma bengala. “Por muitas vezes na vida, disse que iria largar tudo e voltar aos estudos em Paris”, conta Adriana, ao lembrar que ela se especializou em arqueologia pré-histórica pela Universidade Sorbonne, mesma instituição na qual defendeu seu doutorado em pré-história.

Entre seus grandes baques, esteve a contestação de suas teses por acadêmicos americanos, em 1993, que fizeram uma visita ao sítio e, em artigo publicado na revista Antiquity colocaram em dúvida a origem antrópica dos carvões encontrados por Niéde e sua equipe. Como bem levantou a autora da biografia, “nas ciências é possível fazer um experimento em laboratório e checar os dados, o que não acontece na arqueologia”. A irritação de Niéde com os americanos teria seus motivos: o parque sofreu perdas de investimentos na época.

Como em toda boa biografia, a jornalista traz as contradições da arqueóloga ilustre. Em sua empreitada para formar um parque, que levou anos a fio, Niéde foi amada pelos habitantes de Mocó e odiada pelos da Vila Zebelê, principalmente os moradores mais antigos, obrigados a deixar suas casas para a construção do parque. Na relação com os sertanejos, ela estabeleceu amizades sólidas como a com dona Sebastiana, que foi presenteada com uma sanfona. Aliás, a generosidade de Niéde inclui o financiamento de estudos de algumas crianças da região.

Ao ler a biografia da arqueóloga, é possível compreender como uma mulher solteira e sem filhos, apaixonada pela pré-história, esteve à frente de seu tempo e defendeu com unhas e dentes um patrimônio que pertence à humanidade.

Ao descrever a beleza da caatinga, a arqueóloga Niéde Guidon disse que se fosse um vegetal seria um cacto. A confissão está no livro Niéde Guidón - Uma Arqueóloga no Sertão (Editora Rosa dos Tempos), uma trajetória escrita com boas pitadas de humor pela jornalista Adriana Abujamra, que mergulha no universo árido do sertão piauiense para retratar as várias facetas de uma mulher inteligente, corajosa, arrojada, por vezes autoritária, pronta para soltar alguns espinhos, e completamente apaixonada por suas pinturas rupestres e seus achados arqueológicos que trouxeram uma nova visão para o mundo sobre a origem do continente americano.

Um cacto pode ser mesmo uma boa definição para essa franco-sertaneja, uma mulher baixa, nascida em Jaú (no interior de São Paulo), filha de pai francês e mãe brasileira, que ganha essa biografia ao completar 90 anos. No livro, fica evidente a saga de resistência durante 50 anos de arqueologia até ser reconhecida internacionalmente por seu trabalho no Parque Nacional da Serra da Capivara, fundado em 1979 e que se tornou patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1991, como um dos maiores sítios rupestres do planeta.

Niede Guidon, criadora do Parque Nacional da Serra da Capivara, ganha biografia aos 90 anos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Niéde Guidon é ainda responsável pela criação da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e mais dois museus: o do Homem Americano e o da Natureza. Foi ela também quem descobriu o esqueleto mais antigo do Brasil, de 13 mil anos.

Mas mais do que isso, Niéde é uma cientista pioneira que jogou luz na arqueologia brasileira e transformou uma região inóspita, sofrida pela seca, ao trazer infraestrutura, com escolas de período integral, postos de saúde, além de ter criado empregos para as comunidades locais com projetos sustentáveis. Isso sem contar o primeiro curso de arqueologia pública no Brasil. “Ela fez com que aquele lugar se tornasse um ponto importante no mapa do Brasil e do mundo”, diz Adriana Abujamra ao Estadão ao se referir ao parque, com seus 55 sítios arqueológicos, que ocupa área de 130 mil hectares e parte dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias, localizados a mais de 500 quilômetros da capital Teresina.

Sertão

Em 1973, Niéde afundou suas botas no sertão do Piauí com sua Missão Arqueológica Franco-Brasileira, apoiada pelo governo francês, coordenando a equipe na Serra da Capivara, com a colaboração de pesquisadores da USP. Depois disso, ela nunca mais deixou o Piauí, mesmo com suas idas e vindas à Europa. A partir de suas pesquisas, abriu-se uma nova perspectiva do povoamento do continente americano, com a análise de mais de 1,3 mil registros de presença humana pré-histórica.

Na biografia, é feito o percurso de como a arqueóloga contesta a tese predominante de que o homem chegou ao nosso continente desde o Estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, há 15 mil anos e, de lá, migrou em direção ao sul. Por intermédio de seus estudos das pinturas rupestres e restos de carvão encontrados na Serra da Capivara, Niéde argumentou que o homem veio para a América da África, pelo Oceano Atlântico, além de diversos achados arqueológicos que datam de mais de 100 mil anos.

Capa do livro 'Niéde Guidon - Uma Arqueóloga no Sertão', de Adriana Abujamra.  Foto: Editora Rosa dos Tempos

Os percalços da pesquisadora não foram poucos. Niéde foi infectada pela dengue, zika, chikungunya, e nas escavações detonou a cartilagem das articulações se tornando dependente de uma bengala. “Por muitas vezes na vida, disse que iria largar tudo e voltar aos estudos em Paris”, conta Adriana, ao lembrar que ela se especializou em arqueologia pré-histórica pela Universidade Sorbonne, mesma instituição na qual defendeu seu doutorado em pré-história.

Entre seus grandes baques, esteve a contestação de suas teses por acadêmicos americanos, em 1993, que fizeram uma visita ao sítio e, em artigo publicado na revista Antiquity colocaram em dúvida a origem antrópica dos carvões encontrados por Niéde e sua equipe. Como bem levantou a autora da biografia, “nas ciências é possível fazer um experimento em laboratório e checar os dados, o que não acontece na arqueologia”. A irritação de Niéde com os americanos teria seus motivos: o parque sofreu perdas de investimentos na época.

Como em toda boa biografia, a jornalista traz as contradições da arqueóloga ilustre. Em sua empreitada para formar um parque, que levou anos a fio, Niéde foi amada pelos habitantes de Mocó e odiada pelos da Vila Zebelê, principalmente os moradores mais antigos, obrigados a deixar suas casas para a construção do parque. Na relação com os sertanejos, ela estabeleceu amizades sólidas como a com dona Sebastiana, que foi presenteada com uma sanfona. Aliás, a generosidade de Niéde inclui o financiamento de estudos de algumas crianças da região.

Ao ler a biografia da arqueóloga, é possível compreender como uma mulher solteira e sem filhos, apaixonada pela pré-história, esteve à frente de seu tempo e defendeu com unhas e dentes um patrimônio que pertence à humanidade.

Ao descrever a beleza da caatinga, a arqueóloga Niéde Guidon disse que se fosse um vegetal seria um cacto. A confissão está no livro Niéde Guidón - Uma Arqueóloga no Sertão (Editora Rosa dos Tempos), uma trajetória escrita com boas pitadas de humor pela jornalista Adriana Abujamra, que mergulha no universo árido do sertão piauiense para retratar as várias facetas de uma mulher inteligente, corajosa, arrojada, por vezes autoritária, pronta para soltar alguns espinhos, e completamente apaixonada por suas pinturas rupestres e seus achados arqueológicos que trouxeram uma nova visão para o mundo sobre a origem do continente americano.

Um cacto pode ser mesmo uma boa definição para essa franco-sertaneja, uma mulher baixa, nascida em Jaú (no interior de São Paulo), filha de pai francês e mãe brasileira, que ganha essa biografia ao completar 90 anos. No livro, fica evidente a saga de resistência durante 50 anos de arqueologia até ser reconhecida internacionalmente por seu trabalho no Parque Nacional da Serra da Capivara, fundado em 1979 e que se tornou patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1991, como um dos maiores sítios rupestres do planeta.

Niede Guidon, criadora do Parque Nacional da Serra da Capivara, ganha biografia aos 90 anos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Niéde Guidon é ainda responsável pela criação da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e mais dois museus: o do Homem Americano e o da Natureza. Foi ela também quem descobriu o esqueleto mais antigo do Brasil, de 13 mil anos.

Mas mais do que isso, Niéde é uma cientista pioneira que jogou luz na arqueologia brasileira e transformou uma região inóspita, sofrida pela seca, ao trazer infraestrutura, com escolas de período integral, postos de saúde, além de ter criado empregos para as comunidades locais com projetos sustentáveis. Isso sem contar o primeiro curso de arqueologia pública no Brasil. “Ela fez com que aquele lugar se tornasse um ponto importante no mapa do Brasil e do mundo”, diz Adriana Abujamra ao Estadão ao se referir ao parque, com seus 55 sítios arqueológicos, que ocupa área de 130 mil hectares e parte dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias, localizados a mais de 500 quilômetros da capital Teresina.

Sertão

Em 1973, Niéde afundou suas botas no sertão do Piauí com sua Missão Arqueológica Franco-Brasileira, apoiada pelo governo francês, coordenando a equipe na Serra da Capivara, com a colaboração de pesquisadores da USP. Depois disso, ela nunca mais deixou o Piauí, mesmo com suas idas e vindas à Europa. A partir de suas pesquisas, abriu-se uma nova perspectiva do povoamento do continente americano, com a análise de mais de 1,3 mil registros de presença humana pré-histórica.

Na biografia, é feito o percurso de como a arqueóloga contesta a tese predominante de que o homem chegou ao nosso continente desde o Estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, há 15 mil anos e, de lá, migrou em direção ao sul. Por intermédio de seus estudos das pinturas rupestres e restos de carvão encontrados na Serra da Capivara, Niéde argumentou que o homem veio para a América da África, pelo Oceano Atlântico, além de diversos achados arqueológicos que datam de mais de 100 mil anos.

Capa do livro 'Niéde Guidon - Uma Arqueóloga no Sertão', de Adriana Abujamra.  Foto: Editora Rosa dos Tempos

Os percalços da pesquisadora não foram poucos. Niéde foi infectada pela dengue, zika, chikungunya, e nas escavações detonou a cartilagem das articulações se tornando dependente de uma bengala. “Por muitas vezes na vida, disse que iria largar tudo e voltar aos estudos em Paris”, conta Adriana, ao lembrar que ela se especializou em arqueologia pré-histórica pela Universidade Sorbonne, mesma instituição na qual defendeu seu doutorado em pré-história.

Entre seus grandes baques, esteve a contestação de suas teses por acadêmicos americanos, em 1993, que fizeram uma visita ao sítio e, em artigo publicado na revista Antiquity colocaram em dúvida a origem antrópica dos carvões encontrados por Niéde e sua equipe. Como bem levantou a autora da biografia, “nas ciências é possível fazer um experimento em laboratório e checar os dados, o que não acontece na arqueologia”. A irritação de Niéde com os americanos teria seus motivos: o parque sofreu perdas de investimentos na época.

Como em toda boa biografia, a jornalista traz as contradições da arqueóloga ilustre. Em sua empreitada para formar um parque, que levou anos a fio, Niéde foi amada pelos habitantes de Mocó e odiada pelos da Vila Zebelê, principalmente os moradores mais antigos, obrigados a deixar suas casas para a construção do parque. Na relação com os sertanejos, ela estabeleceu amizades sólidas como a com dona Sebastiana, que foi presenteada com uma sanfona. Aliás, a generosidade de Niéde inclui o financiamento de estudos de algumas crianças da região.

Ao ler a biografia da arqueóloga, é possível compreender como uma mulher solteira e sem filhos, apaixonada pela pré-história, esteve à frente de seu tempo e defendeu com unhas e dentes um patrimônio que pertence à humanidade.

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