No novo romance com toques de terror de Knausgaard, uma estrela hipnotizante aparece


'The Morning Star', novo romance apocalíptico do escritor norueguês, é estranho, gótico e obcecado pela Bíblia, costurado com temas soturnos e insinuações de horror

Por Dwight Garner
Atualização:

“Cheep-cheep, seu gordo esquisito”, um pássaro diz a um jornalista, ou então o jornalista pensa, em The Morning Star, o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. “Cheep-cheep, e nada de dormir”.

O pássaro não é o único estranho prenúncio. Uma nova estrela brilhante e misteriosa “tão bela quanto a morte era bela”, nasceu no céu da Noruega. As pessoas estão repletas de terror e fascínio, sobretudo terror.

Os animais começaram a agir de forma estranha. Deslizamentos de caranguejos fazem barulho pelas estradas; pássaros com escamas berram na floresta. O tempo também está estranho. Aquele homem ali, eu não estava agora mesmo em seu funeral? O que essas criaturas humanoides, grandes e semelhantes a bois estão fazendo na floresta?

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“Como podemos ser modernos”, Knausgaard perguntou no segundo volume de seu épico Minha Luta, “quando há morte por toda parte?”. Em The Morning Star, ele pega essa pergunta como se fosse uma bola de rúgbi e corre para fora do campo com ela.

'The Morning Star', o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. Foto: Chester Higgins Jr/The New York Times

Este é um romance estranho, gótico e obcecado pela Bíblia, costurado com temas soturnos e insinuações de horror. Ele ocorre em dois dias no final do verão. Um conjunto de personagens olha para o mesmo céu hipnotizante. Há Arne, um professor de literatura que se preocupa por ter ficado gordo - os homens de Knausgaard odeiam ser vistos como frágeis - e sua esposa, Tove, uma artista.

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Há Kathrine, uma sacerdotisa e tradutora da Bíblia tentada a acabar com seu casamento monótono, e Iselin, um estudante que já fora promissor e agora trabalha em uma loja de conveniência. Há Jostein, um jornalista de artes lascivo, caótico e vacilante, e sua esposa, Turid, uma enfermeira, como Knausgaard já foi, de um hospital psiquiátrico.

(Turid é um desses nomes, como Tito em Shakespeare, para o qual é crucial, ao soletrar, não omitir a segunda vogal)

Os admiradores da série de seis livros Minha Luta - eu estou entre eles, com reservas sobre o último volume - vão querer saber: The Morning Star lança o mesmo tipo de feitiço que esses romances lançaram? A resposta, por muito tempo, é sim.

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Knausgaard tem a habilidade de prendê-lo, como um raio trator, em sua narrativa. Ele pega as coisas mundanas da vida - a necessidade de mijar, o prazer em matar moscas irritantes - e as essencializa. Sobre os detalhes da existência cotidiana, ele consegue ser, sem cair no lirismo, duas vezes mais absorvente que a maioria de outros romances líderes.

Este é um romance sobre pessoas angustiadas, mesmo antes que este novo olho brilhante se abra no céu. Há muitos pais ruins, problemas de saúde e relacionamentos em declínio. Suas personagens ficam, agradavelmente, aborrecidas de forma realista uma boa parte do tempo.

Ray Bradbury disse que uma das formas de começar a escrever um conto ou poema é fazer uma lista de 10 coisas que detesta e começar a destruí-las. Knausgaard é mestre nesse tipo de ataque disperso.

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O autor começa a costurar esse mundo prosaico com toques de terror. Ele acrescenta esses detalhes lentamente, talvez lentamente demais. Embora existam coisas repugnantes no final - os membros de uma banda de death-metal são esfolados por algo pior que a crítica - Knausgaard nunca exagera nesse cenário. A água quente não chega a ferver.

Se este livro fosse O Iluminado, Jack Torrance terminaria seu romance. Ele, Wendy e Danny veriam coisas estranhas pela janela e ocasionalmente um lunático gritando bateria na porta do porão. Scatman Crothers apareceria para que ele e Jack pudessem conversar sobre a natureza essencial do isolamento por algumas centenas de páginas.

The Morning Star torna-se, em outras palavras, um romance de ideias um tanto programático. Knausgaard mastiga noções de fé, livre arbítrio, a transmigração das almas, a natureza dos anjos, o significado e o nada em Kierkegaard, Nietzshe e na poesia de Rilke.

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Uma mulher chamada Sigrid diz isso, e certamente é verdade: “São as pessoas erradas falando sobre Deus. Então, não surpreende que ninguém mais acredite”

Knausgaard continua assombrado pela morte. Um personagem diz: “Nossa percepção da morte não mudou. Einstein sabia tão pouco sobre a morte quanto os primeiros habitantes das cavernas”.

Knausgaard está entre os melhores escritores vivos, mas há algo confuso em seu trabalho quando ele aborda as ideias de forma direta, ao invés de oblíqua. Sua luta com Mein Kampf por centenas de páginas, lentamente se tornou o volume final da série Minha Luta.

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Aqui, a luta sincera é com o modo que lidamos com a mortalidade. Em determinados momentos, percebe-se que ele está muito próximo da sabedoria mais antiga e profunda, em outros momentos, navega em águas rasas.

TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

“Cheep-cheep, seu gordo esquisito”, um pássaro diz a um jornalista, ou então o jornalista pensa, em The Morning Star, o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. “Cheep-cheep, e nada de dormir”.

O pássaro não é o único estranho prenúncio. Uma nova estrela brilhante e misteriosa “tão bela quanto a morte era bela”, nasceu no céu da Noruega. As pessoas estão repletas de terror e fascínio, sobretudo terror.

Os animais começaram a agir de forma estranha. Deslizamentos de caranguejos fazem barulho pelas estradas; pássaros com escamas berram na floresta. O tempo também está estranho. Aquele homem ali, eu não estava agora mesmo em seu funeral? O que essas criaturas humanoides, grandes e semelhantes a bois estão fazendo na floresta?

“Como podemos ser modernos”, Knausgaard perguntou no segundo volume de seu épico Minha Luta, “quando há morte por toda parte?”. Em The Morning Star, ele pega essa pergunta como se fosse uma bola de rúgbi e corre para fora do campo com ela.

'The Morning Star', o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. Foto: Chester Higgins Jr/The New York Times

Este é um romance estranho, gótico e obcecado pela Bíblia, costurado com temas soturnos e insinuações de horror. Ele ocorre em dois dias no final do verão. Um conjunto de personagens olha para o mesmo céu hipnotizante. Há Arne, um professor de literatura que se preocupa por ter ficado gordo - os homens de Knausgaard odeiam ser vistos como frágeis - e sua esposa, Tove, uma artista.

Há Kathrine, uma sacerdotisa e tradutora da Bíblia tentada a acabar com seu casamento monótono, e Iselin, um estudante que já fora promissor e agora trabalha em uma loja de conveniência. Há Jostein, um jornalista de artes lascivo, caótico e vacilante, e sua esposa, Turid, uma enfermeira, como Knausgaard já foi, de um hospital psiquiátrico.

(Turid é um desses nomes, como Tito em Shakespeare, para o qual é crucial, ao soletrar, não omitir a segunda vogal)

Os admiradores da série de seis livros Minha Luta - eu estou entre eles, com reservas sobre o último volume - vão querer saber: The Morning Star lança o mesmo tipo de feitiço que esses romances lançaram? A resposta, por muito tempo, é sim.

Knausgaard tem a habilidade de prendê-lo, como um raio trator, em sua narrativa. Ele pega as coisas mundanas da vida - a necessidade de mijar, o prazer em matar moscas irritantes - e as essencializa. Sobre os detalhes da existência cotidiana, ele consegue ser, sem cair no lirismo, duas vezes mais absorvente que a maioria de outros romances líderes.

Este é um romance sobre pessoas angustiadas, mesmo antes que este novo olho brilhante se abra no céu. Há muitos pais ruins, problemas de saúde e relacionamentos em declínio. Suas personagens ficam, agradavelmente, aborrecidas de forma realista uma boa parte do tempo.

Ray Bradbury disse que uma das formas de começar a escrever um conto ou poema é fazer uma lista de 10 coisas que detesta e começar a destruí-las. Knausgaard é mestre nesse tipo de ataque disperso.

O autor começa a costurar esse mundo prosaico com toques de terror. Ele acrescenta esses detalhes lentamente, talvez lentamente demais. Embora existam coisas repugnantes no final - os membros de uma banda de death-metal são esfolados por algo pior que a crítica - Knausgaard nunca exagera nesse cenário. A água quente não chega a ferver.

Se este livro fosse O Iluminado, Jack Torrance terminaria seu romance. Ele, Wendy e Danny veriam coisas estranhas pela janela e ocasionalmente um lunático gritando bateria na porta do porão. Scatman Crothers apareceria para que ele e Jack pudessem conversar sobre a natureza essencial do isolamento por algumas centenas de páginas.

The Morning Star torna-se, em outras palavras, um romance de ideias um tanto programático. Knausgaard mastiga noções de fé, livre arbítrio, a transmigração das almas, a natureza dos anjos, o significado e o nada em Kierkegaard, Nietzshe e na poesia de Rilke.

Uma mulher chamada Sigrid diz isso, e certamente é verdade: “São as pessoas erradas falando sobre Deus. Então, não surpreende que ninguém mais acredite”

Knausgaard continua assombrado pela morte. Um personagem diz: “Nossa percepção da morte não mudou. Einstein sabia tão pouco sobre a morte quanto os primeiros habitantes das cavernas”.

Knausgaard está entre os melhores escritores vivos, mas há algo confuso em seu trabalho quando ele aborda as ideias de forma direta, ao invés de oblíqua. Sua luta com Mein Kampf por centenas de páginas, lentamente se tornou o volume final da série Minha Luta.

Aqui, a luta sincera é com o modo que lidamos com a mortalidade. Em determinados momentos, percebe-se que ele está muito próximo da sabedoria mais antiga e profunda, em outros momentos, navega em águas rasas.

TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

“Cheep-cheep, seu gordo esquisito”, um pássaro diz a um jornalista, ou então o jornalista pensa, em The Morning Star, o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. “Cheep-cheep, e nada de dormir”.

O pássaro não é o único estranho prenúncio. Uma nova estrela brilhante e misteriosa “tão bela quanto a morte era bela”, nasceu no céu da Noruega. As pessoas estão repletas de terror e fascínio, sobretudo terror.

Os animais começaram a agir de forma estranha. Deslizamentos de caranguejos fazem barulho pelas estradas; pássaros com escamas berram na floresta. O tempo também está estranho. Aquele homem ali, eu não estava agora mesmo em seu funeral? O que essas criaturas humanoides, grandes e semelhantes a bois estão fazendo na floresta?

“Como podemos ser modernos”, Knausgaard perguntou no segundo volume de seu épico Minha Luta, “quando há morte por toda parte?”. Em The Morning Star, ele pega essa pergunta como se fosse uma bola de rúgbi e corre para fora do campo com ela.

'The Morning Star', o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. Foto: Chester Higgins Jr/The New York Times

Este é um romance estranho, gótico e obcecado pela Bíblia, costurado com temas soturnos e insinuações de horror. Ele ocorre em dois dias no final do verão. Um conjunto de personagens olha para o mesmo céu hipnotizante. Há Arne, um professor de literatura que se preocupa por ter ficado gordo - os homens de Knausgaard odeiam ser vistos como frágeis - e sua esposa, Tove, uma artista.

Há Kathrine, uma sacerdotisa e tradutora da Bíblia tentada a acabar com seu casamento monótono, e Iselin, um estudante que já fora promissor e agora trabalha em uma loja de conveniência. Há Jostein, um jornalista de artes lascivo, caótico e vacilante, e sua esposa, Turid, uma enfermeira, como Knausgaard já foi, de um hospital psiquiátrico.

(Turid é um desses nomes, como Tito em Shakespeare, para o qual é crucial, ao soletrar, não omitir a segunda vogal)

Os admiradores da série de seis livros Minha Luta - eu estou entre eles, com reservas sobre o último volume - vão querer saber: The Morning Star lança o mesmo tipo de feitiço que esses romances lançaram? A resposta, por muito tempo, é sim.

Knausgaard tem a habilidade de prendê-lo, como um raio trator, em sua narrativa. Ele pega as coisas mundanas da vida - a necessidade de mijar, o prazer em matar moscas irritantes - e as essencializa. Sobre os detalhes da existência cotidiana, ele consegue ser, sem cair no lirismo, duas vezes mais absorvente que a maioria de outros romances líderes.

Este é um romance sobre pessoas angustiadas, mesmo antes que este novo olho brilhante se abra no céu. Há muitos pais ruins, problemas de saúde e relacionamentos em declínio. Suas personagens ficam, agradavelmente, aborrecidas de forma realista uma boa parte do tempo.

Ray Bradbury disse que uma das formas de começar a escrever um conto ou poema é fazer uma lista de 10 coisas que detesta e começar a destruí-las. Knausgaard é mestre nesse tipo de ataque disperso.

O autor começa a costurar esse mundo prosaico com toques de terror. Ele acrescenta esses detalhes lentamente, talvez lentamente demais. Embora existam coisas repugnantes no final - os membros de uma banda de death-metal são esfolados por algo pior que a crítica - Knausgaard nunca exagera nesse cenário. A água quente não chega a ferver.

Se este livro fosse O Iluminado, Jack Torrance terminaria seu romance. Ele, Wendy e Danny veriam coisas estranhas pela janela e ocasionalmente um lunático gritando bateria na porta do porão. Scatman Crothers apareceria para que ele e Jack pudessem conversar sobre a natureza essencial do isolamento por algumas centenas de páginas.

The Morning Star torna-se, em outras palavras, um romance de ideias um tanto programático. Knausgaard mastiga noções de fé, livre arbítrio, a transmigração das almas, a natureza dos anjos, o significado e o nada em Kierkegaard, Nietzshe e na poesia de Rilke.

Uma mulher chamada Sigrid diz isso, e certamente é verdade: “São as pessoas erradas falando sobre Deus. Então, não surpreende que ninguém mais acredite”

Knausgaard continua assombrado pela morte. Um personagem diz: “Nossa percepção da morte não mudou. Einstein sabia tão pouco sobre a morte quanto os primeiros habitantes das cavernas”.

Knausgaard está entre os melhores escritores vivos, mas há algo confuso em seu trabalho quando ele aborda as ideias de forma direta, ao invés de oblíqua. Sua luta com Mein Kampf por centenas de páginas, lentamente se tornou o volume final da série Minha Luta.

Aqui, a luta sincera é com o modo que lidamos com a mortalidade. Em determinados momentos, percebe-se que ele está muito próximo da sabedoria mais antiga e profunda, em outros momentos, navega em águas rasas.

TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

“Cheep-cheep, seu gordo esquisito”, um pássaro diz a um jornalista, ou então o jornalista pensa, em The Morning Star, o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. “Cheep-cheep, e nada de dormir”.

O pássaro não é o único estranho prenúncio. Uma nova estrela brilhante e misteriosa “tão bela quanto a morte era bela”, nasceu no céu da Noruega. As pessoas estão repletas de terror e fascínio, sobretudo terror.

Os animais começaram a agir de forma estranha. Deslizamentos de caranguejos fazem barulho pelas estradas; pássaros com escamas berram na floresta. O tempo também está estranho. Aquele homem ali, eu não estava agora mesmo em seu funeral? O que essas criaturas humanoides, grandes e semelhantes a bois estão fazendo na floresta?

“Como podemos ser modernos”, Knausgaard perguntou no segundo volume de seu épico Minha Luta, “quando há morte por toda parte?”. Em The Morning Star, ele pega essa pergunta como se fosse uma bola de rúgbi e corre para fora do campo com ela.

'The Morning Star', o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. Foto: Chester Higgins Jr/The New York Times

Este é um romance estranho, gótico e obcecado pela Bíblia, costurado com temas soturnos e insinuações de horror. Ele ocorre em dois dias no final do verão. Um conjunto de personagens olha para o mesmo céu hipnotizante. Há Arne, um professor de literatura que se preocupa por ter ficado gordo - os homens de Knausgaard odeiam ser vistos como frágeis - e sua esposa, Tove, uma artista.

Há Kathrine, uma sacerdotisa e tradutora da Bíblia tentada a acabar com seu casamento monótono, e Iselin, um estudante que já fora promissor e agora trabalha em uma loja de conveniência. Há Jostein, um jornalista de artes lascivo, caótico e vacilante, e sua esposa, Turid, uma enfermeira, como Knausgaard já foi, de um hospital psiquiátrico.

(Turid é um desses nomes, como Tito em Shakespeare, para o qual é crucial, ao soletrar, não omitir a segunda vogal)

Os admiradores da série de seis livros Minha Luta - eu estou entre eles, com reservas sobre o último volume - vão querer saber: The Morning Star lança o mesmo tipo de feitiço que esses romances lançaram? A resposta, por muito tempo, é sim.

Knausgaard tem a habilidade de prendê-lo, como um raio trator, em sua narrativa. Ele pega as coisas mundanas da vida - a necessidade de mijar, o prazer em matar moscas irritantes - e as essencializa. Sobre os detalhes da existência cotidiana, ele consegue ser, sem cair no lirismo, duas vezes mais absorvente que a maioria de outros romances líderes.

Este é um romance sobre pessoas angustiadas, mesmo antes que este novo olho brilhante se abra no céu. Há muitos pais ruins, problemas de saúde e relacionamentos em declínio. Suas personagens ficam, agradavelmente, aborrecidas de forma realista uma boa parte do tempo.

Ray Bradbury disse que uma das formas de começar a escrever um conto ou poema é fazer uma lista de 10 coisas que detesta e começar a destruí-las. Knausgaard é mestre nesse tipo de ataque disperso.

O autor começa a costurar esse mundo prosaico com toques de terror. Ele acrescenta esses detalhes lentamente, talvez lentamente demais. Embora existam coisas repugnantes no final - os membros de uma banda de death-metal são esfolados por algo pior que a crítica - Knausgaard nunca exagera nesse cenário. A água quente não chega a ferver.

Se este livro fosse O Iluminado, Jack Torrance terminaria seu romance. Ele, Wendy e Danny veriam coisas estranhas pela janela e ocasionalmente um lunático gritando bateria na porta do porão. Scatman Crothers apareceria para que ele e Jack pudessem conversar sobre a natureza essencial do isolamento por algumas centenas de páginas.

The Morning Star torna-se, em outras palavras, um romance de ideias um tanto programático. Knausgaard mastiga noções de fé, livre arbítrio, a transmigração das almas, a natureza dos anjos, o significado e o nada em Kierkegaard, Nietzshe e na poesia de Rilke.

Uma mulher chamada Sigrid diz isso, e certamente é verdade: “São as pessoas erradas falando sobre Deus. Então, não surpreende que ninguém mais acredite”

Knausgaard continua assombrado pela morte. Um personagem diz: “Nossa percepção da morte não mudou. Einstein sabia tão pouco sobre a morte quanto os primeiros habitantes das cavernas”.

Knausgaard está entre os melhores escritores vivos, mas há algo confuso em seu trabalho quando ele aborda as ideias de forma direta, ao invés de oblíqua. Sua luta com Mein Kampf por centenas de páginas, lentamente se tornou o volume final da série Minha Luta.

Aqui, a luta sincera é com o modo que lidamos com a mortalidade. Em determinados momentos, percebe-se que ele está muito próximo da sabedoria mais antiga e profunda, em outros momentos, navega em águas rasas.

TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

“Cheep-cheep, seu gordo esquisito”, um pássaro diz a um jornalista, ou então o jornalista pensa, em The Morning Star, o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. “Cheep-cheep, e nada de dormir”.

O pássaro não é o único estranho prenúncio. Uma nova estrela brilhante e misteriosa “tão bela quanto a morte era bela”, nasceu no céu da Noruega. As pessoas estão repletas de terror e fascínio, sobretudo terror.

Os animais começaram a agir de forma estranha. Deslizamentos de caranguejos fazem barulho pelas estradas; pássaros com escamas berram na floresta. O tempo também está estranho. Aquele homem ali, eu não estava agora mesmo em seu funeral? O que essas criaturas humanoides, grandes e semelhantes a bois estão fazendo na floresta?

“Como podemos ser modernos”, Knausgaard perguntou no segundo volume de seu épico Minha Luta, “quando há morte por toda parte?”. Em The Morning Star, ele pega essa pergunta como se fosse uma bola de rúgbi e corre para fora do campo com ela.

'The Morning Star', o novo romance apocalíptico de Karl Ove Knausgaard. Foto: Chester Higgins Jr/The New York Times

Este é um romance estranho, gótico e obcecado pela Bíblia, costurado com temas soturnos e insinuações de horror. Ele ocorre em dois dias no final do verão. Um conjunto de personagens olha para o mesmo céu hipnotizante. Há Arne, um professor de literatura que se preocupa por ter ficado gordo - os homens de Knausgaard odeiam ser vistos como frágeis - e sua esposa, Tove, uma artista.

Há Kathrine, uma sacerdotisa e tradutora da Bíblia tentada a acabar com seu casamento monótono, e Iselin, um estudante que já fora promissor e agora trabalha em uma loja de conveniência. Há Jostein, um jornalista de artes lascivo, caótico e vacilante, e sua esposa, Turid, uma enfermeira, como Knausgaard já foi, de um hospital psiquiátrico.

(Turid é um desses nomes, como Tito em Shakespeare, para o qual é crucial, ao soletrar, não omitir a segunda vogal)

Os admiradores da série de seis livros Minha Luta - eu estou entre eles, com reservas sobre o último volume - vão querer saber: The Morning Star lança o mesmo tipo de feitiço que esses romances lançaram? A resposta, por muito tempo, é sim.

Knausgaard tem a habilidade de prendê-lo, como um raio trator, em sua narrativa. Ele pega as coisas mundanas da vida - a necessidade de mijar, o prazer em matar moscas irritantes - e as essencializa. Sobre os detalhes da existência cotidiana, ele consegue ser, sem cair no lirismo, duas vezes mais absorvente que a maioria de outros romances líderes.

Este é um romance sobre pessoas angustiadas, mesmo antes que este novo olho brilhante se abra no céu. Há muitos pais ruins, problemas de saúde e relacionamentos em declínio. Suas personagens ficam, agradavelmente, aborrecidas de forma realista uma boa parte do tempo.

Ray Bradbury disse que uma das formas de começar a escrever um conto ou poema é fazer uma lista de 10 coisas que detesta e começar a destruí-las. Knausgaard é mestre nesse tipo de ataque disperso.

O autor começa a costurar esse mundo prosaico com toques de terror. Ele acrescenta esses detalhes lentamente, talvez lentamente demais. Embora existam coisas repugnantes no final - os membros de uma banda de death-metal são esfolados por algo pior que a crítica - Knausgaard nunca exagera nesse cenário. A água quente não chega a ferver.

Se este livro fosse O Iluminado, Jack Torrance terminaria seu romance. Ele, Wendy e Danny veriam coisas estranhas pela janela e ocasionalmente um lunático gritando bateria na porta do porão. Scatman Crothers apareceria para que ele e Jack pudessem conversar sobre a natureza essencial do isolamento por algumas centenas de páginas.

The Morning Star torna-se, em outras palavras, um romance de ideias um tanto programático. Knausgaard mastiga noções de fé, livre arbítrio, a transmigração das almas, a natureza dos anjos, o significado e o nada em Kierkegaard, Nietzshe e na poesia de Rilke.

Uma mulher chamada Sigrid diz isso, e certamente é verdade: “São as pessoas erradas falando sobre Deus. Então, não surpreende que ninguém mais acredite”

Knausgaard continua assombrado pela morte. Um personagem diz: “Nossa percepção da morte não mudou. Einstein sabia tão pouco sobre a morte quanto os primeiros habitantes das cavernas”.

Knausgaard está entre os melhores escritores vivos, mas há algo confuso em seu trabalho quando ele aborda as ideias de forma direta, ao invés de oblíqua. Sua luta com Mein Kampf por centenas de páginas, lentamente se tornou o volume final da série Minha Luta.

Aqui, a luta sincera é com o modo que lidamos com a mortalidade. Em determinados momentos, percebe-se que ele está muito próximo da sabedoria mais antiga e profunda, em outros momentos, navega em águas rasas.

TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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