‘Notas Para Uma Definição do Leitor Ideal’ reúne mais de 20 textos de Alberto Manguel


Segundo o autor, ‘a sociedade de consumo não tolera os leitores, os verdadeiros leitores’, que leem livros que os façam refletir e que não apresentem apenas ‘soluções fáceis de um catecismo ou de um dogma’

Por Dirce Waltrick do Amarante
Atualização:

As edições Sesc São Paulo acabam de publicar Notas Para Uma Definição do Leitor Ideal, de Alberto Manguel, livro que reúne, em tradução de Rubia Goldoni e Sérgio Molina, textos de conferências, artigos e ensaios publicados pelo escritor argentino nas últimas décadas, mas que parecem ter sido escritos especialmente para os leitores brasileiros que procuram entender como aderimos tão entusiasticamente à “onda neoliberal”. Essa adesão por aqui não é inesperada, já faz algum tempo que assistimos à proliferação de “leitores diletantes, consumidores de papinha de bebê, pessoas convencidas de que não são suficientemente inteligentes para ler a chamada literatura séria”. São esses mesmos leitores que “reconhecem 10 mil nomes de produtos comerciais, enquanto praticamente desconhecem os vocabulários mitológicos, literários e artísticos”, como afirmou Manguel para se referir ao jovem leitor mundial.

Oescritor argentino Alberto Manguel, no Hotel Radisson, em 2006 Foto: Eduardo Nicolau/AE

Segundo ele, “a sociedade de consumo não tolera os leitores, os verdadeiros leitores”, que leem livros que os façam refletir e que não apresentem apenas “soluções fáceis de um catecismo ou de um dogma”. Nessa sociedade, para que esses livros se mantenham longe dos leitores, aplica-se uma forma de censura: faz-se acreditar que eles não merecem esses livros, ou seja, que essas obras não estão ao alcance da competência deles.

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Resulta desse pressuposto de incapacidade a ideia de que precisamos sempre de alguém que nos guie, que guie a nossa leitura, alguém como Ivan Dragomiloff, personagem de The Assassination Bureau, Ltd, de Jack London, citado por Manguel, que cria “uma sociedade secreta especializada em assassinatos por encomenda” com o objetivo de “depurar a sociedade”. Nela, contudo, “um inimigo da sociedade só será inimigo se Dragomiloff assim o julgar”.

Sem reflexão, proporcionada pela leitura de obras relevantes, ficamos à mercê de Dragomilloffs, que, na nossa época, tomam a forma de multinacionais e empresas anônimas cujo objetivo também se disfarça em falsa depuração da sociedade, pois o que visam é “obter o maior lucro possível para um pequeno grupo de indivíduos”, sem se importar com as consequências dessa iniciativa, cujo benefício financeiro se impõe à custa “da vida de todos, já que no fim das contas, nem sequer os mais ricos, nem os mais poderosos sobreviverão à exploração do nosso planeta”, conclui Manguel.

A literatura não nos salva dessa engrenagem disparatada que nós mesmos criamos, mas alguns livros, como A Vida Não é Útil, de Ailton Krenak; Maria Altamira, de Maria José da Silveira; Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus; e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para citar alguns poucos autores brasileiros, podem, como afirma Manguel referindo-se a outro repertório, “às vezes, milagrosamente, narrar essa loucura e essa cobiça e nos lembrar que devemos nos manter alerta diante de tecnologias financeiras e comerciais cada vez mais perfeitas e autossuficientes. Por isso os ditadores políticos e financeiros a temem tanto”. A literatura, diz o escritor, pode nos tornar no mínimo um pouco menos idiotas.

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O livro de Manguel não apresenta uma fórmula pronta; nesse sentido, ele reflete sobre a dificuldade de priorizar a leitura em uma sociedade que precisa sanar “um conjunto de necessidades básicas: alimento, moradia, cuidado médico”. Em Como Pinóquio aprendeu a ler, o escritor lembra que Carlo Collodi, autor do clássico infantil Pinóquio, teria expressado a seguinte ideia em um ensaio sobre educação e sociedade: “A meu ver, até agora, pensamos mais na cabeça que no estômago das classes que sofrem e passam necessidade. Pensemos agora um pouco mais no estômago”.

Para expressar de forma clara essas ideias, Manguel cita passagens de Pinóquio. Nele, os peixes, ao mordiscarem livros jogados ao mar, dizem: “Isto aqui não é para nosso bico! Nosso rancho é bem melhor!”. Na obra de Collodi, os livros são vistos pelos personagens com certo descrédito. O protagonista é acusado pelos colegas de forma pejorativa de falar “como um livro!”. É como se eles o obrigassem a permanecer na superfície da linguagem para se comunicar, “repetindo lemas dogmáticos e lugares-comuns em branco e preto”. Essa é a linguagem da propaganda, que a escola, segundo

Manguel, prepara o aluno a ler, pois os professores “acreditam que só devem prestar contas à sociedade, e não ao aluno”. Os ensaios de Manguel nos levam a pensar, portanto, no papel da escola e do professor dentro do sistema social e econômico, discussão ainda mais relevante em tempos de pandemia. Para muitos pais e para setores da sociedade, a escola precisa abrir urgentemente, não porque eles acreditem nela, mas porque precisam delegar a função de cuidar e de ensinar o beabá a alguém; entretanto, não esperam que a escola vá além disso.

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O fato é que a escola vive um paradoxo na sociedade, e os professores poderiam se valer dele. Propõe Manguel: “uma sociedade deve transmitir a seus cidadãos o conhecimento dos códigos que a regem, de modo que todos possam participar ativamente dela, mas o conhecimento desses códigos, além da mera capacidade de decifrar um slogan político, um anúncio publicitário ou um manual de instruções, permite esses mesmos cidadãos questionarem a sociedade, exporem seus males e buscarem uma mudança”. Portanto, o professor, incumbido “de ensinar a seus novos membros os segredos de suas linguagens compartilhadas, torna-se, na realidade, um perigo, um Sócrates capaz de corromper os jovens”.

É hora de abrir as escolas? Não sei, mas é hora de “ensinar os estudantes a questionar as normas e os regulamentos, a pedir explicação para todo dogma, embasados, obviamente, em leituras e reflexões que vão muito além de mensagens prontas de WhatsApp, as quais se alimentam de lugares-comuns que são facilmente digeridos, mas que não incentivam a reflexão e o diálogo e dividem o mundo claramente em bom e mau, eles e nós. É a linguagem do extremismo, que nos dias de hoje aflora por toda parte”, afirma Manguel. Daí, a importância da literatura, pois é ela que nos ensina a dialogar: “a boa literatura nunca é unívoca. Insiste sobre a ambiguidade, exige outros testemunhos, empenha-se não em afirmar, mas em construir perguntas”, conclui o autor argentino. É ENSAÍSTA, TRADUTORA E AUTORA, ENTRE OUTROS, DE ‘CEM ENCONTROS ILUSTRADOS’ (ILUMINURAS)

As edições Sesc São Paulo acabam de publicar Notas Para Uma Definição do Leitor Ideal, de Alberto Manguel, livro que reúne, em tradução de Rubia Goldoni e Sérgio Molina, textos de conferências, artigos e ensaios publicados pelo escritor argentino nas últimas décadas, mas que parecem ter sido escritos especialmente para os leitores brasileiros que procuram entender como aderimos tão entusiasticamente à “onda neoliberal”. Essa adesão por aqui não é inesperada, já faz algum tempo que assistimos à proliferação de “leitores diletantes, consumidores de papinha de bebê, pessoas convencidas de que não são suficientemente inteligentes para ler a chamada literatura séria”. São esses mesmos leitores que “reconhecem 10 mil nomes de produtos comerciais, enquanto praticamente desconhecem os vocabulários mitológicos, literários e artísticos”, como afirmou Manguel para se referir ao jovem leitor mundial.

Oescritor argentino Alberto Manguel, no Hotel Radisson, em 2006 Foto: Eduardo Nicolau/AE

Segundo ele, “a sociedade de consumo não tolera os leitores, os verdadeiros leitores”, que leem livros que os façam refletir e que não apresentem apenas “soluções fáceis de um catecismo ou de um dogma”. Nessa sociedade, para que esses livros se mantenham longe dos leitores, aplica-se uma forma de censura: faz-se acreditar que eles não merecem esses livros, ou seja, que essas obras não estão ao alcance da competência deles.

Resulta desse pressuposto de incapacidade a ideia de que precisamos sempre de alguém que nos guie, que guie a nossa leitura, alguém como Ivan Dragomiloff, personagem de The Assassination Bureau, Ltd, de Jack London, citado por Manguel, que cria “uma sociedade secreta especializada em assassinatos por encomenda” com o objetivo de “depurar a sociedade”. Nela, contudo, “um inimigo da sociedade só será inimigo se Dragomiloff assim o julgar”.

Sem reflexão, proporcionada pela leitura de obras relevantes, ficamos à mercê de Dragomilloffs, que, na nossa época, tomam a forma de multinacionais e empresas anônimas cujo objetivo também se disfarça em falsa depuração da sociedade, pois o que visam é “obter o maior lucro possível para um pequeno grupo de indivíduos”, sem se importar com as consequências dessa iniciativa, cujo benefício financeiro se impõe à custa “da vida de todos, já que no fim das contas, nem sequer os mais ricos, nem os mais poderosos sobreviverão à exploração do nosso planeta”, conclui Manguel.

A literatura não nos salva dessa engrenagem disparatada que nós mesmos criamos, mas alguns livros, como A Vida Não é Útil, de Ailton Krenak; Maria Altamira, de Maria José da Silveira; Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus; e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para citar alguns poucos autores brasileiros, podem, como afirma Manguel referindo-se a outro repertório, “às vezes, milagrosamente, narrar essa loucura e essa cobiça e nos lembrar que devemos nos manter alerta diante de tecnologias financeiras e comerciais cada vez mais perfeitas e autossuficientes. Por isso os ditadores políticos e financeiros a temem tanto”. A literatura, diz o escritor, pode nos tornar no mínimo um pouco menos idiotas.

O livro de Manguel não apresenta uma fórmula pronta; nesse sentido, ele reflete sobre a dificuldade de priorizar a leitura em uma sociedade que precisa sanar “um conjunto de necessidades básicas: alimento, moradia, cuidado médico”. Em Como Pinóquio aprendeu a ler, o escritor lembra que Carlo Collodi, autor do clássico infantil Pinóquio, teria expressado a seguinte ideia em um ensaio sobre educação e sociedade: “A meu ver, até agora, pensamos mais na cabeça que no estômago das classes que sofrem e passam necessidade. Pensemos agora um pouco mais no estômago”.

Para expressar de forma clara essas ideias, Manguel cita passagens de Pinóquio. Nele, os peixes, ao mordiscarem livros jogados ao mar, dizem: “Isto aqui não é para nosso bico! Nosso rancho é bem melhor!”. Na obra de Collodi, os livros são vistos pelos personagens com certo descrédito. O protagonista é acusado pelos colegas de forma pejorativa de falar “como um livro!”. É como se eles o obrigassem a permanecer na superfície da linguagem para se comunicar, “repetindo lemas dogmáticos e lugares-comuns em branco e preto”. Essa é a linguagem da propaganda, que a escola, segundo

Manguel, prepara o aluno a ler, pois os professores “acreditam que só devem prestar contas à sociedade, e não ao aluno”. Os ensaios de Manguel nos levam a pensar, portanto, no papel da escola e do professor dentro do sistema social e econômico, discussão ainda mais relevante em tempos de pandemia. Para muitos pais e para setores da sociedade, a escola precisa abrir urgentemente, não porque eles acreditem nela, mas porque precisam delegar a função de cuidar e de ensinar o beabá a alguém; entretanto, não esperam que a escola vá além disso.

O fato é que a escola vive um paradoxo na sociedade, e os professores poderiam se valer dele. Propõe Manguel: “uma sociedade deve transmitir a seus cidadãos o conhecimento dos códigos que a regem, de modo que todos possam participar ativamente dela, mas o conhecimento desses códigos, além da mera capacidade de decifrar um slogan político, um anúncio publicitário ou um manual de instruções, permite esses mesmos cidadãos questionarem a sociedade, exporem seus males e buscarem uma mudança”. Portanto, o professor, incumbido “de ensinar a seus novos membros os segredos de suas linguagens compartilhadas, torna-se, na realidade, um perigo, um Sócrates capaz de corromper os jovens”.

É hora de abrir as escolas? Não sei, mas é hora de “ensinar os estudantes a questionar as normas e os regulamentos, a pedir explicação para todo dogma, embasados, obviamente, em leituras e reflexões que vão muito além de mensagens prontas de WhatsApp, as quais se alimentam de lugares-comuns que são facilmente digeridos, mas que não incentivam a reflexão e o diálogo e dividem o mundo claramente em bom e mau, eles e nós. É a linguagem do extremismo, que nos dias de hoje aflora por toda parte”, afirma Manguel. Daí, a importância da literatura, pois é ela que nos ensina a dialogar: “a boa literatura nunca é unívoca. Insiste sobre a ambiguidade, exige outros testemunhos, empenha-se não em afirmar, mas em construir perguntas”, conclui o autor argentino. É ENSAÍSTA, TRADUTORA E AUTORA, ENTRE OUTROS, DE ‘CEM ENCONTROS ILUSTRADOS’ (ILUMINURAS)

As edições Sesc São Paulo acabam de publicar Notas Para Uma Definição do Leitor Ideal, de Alberto Manguel, livro que reúne, em tradução de Rubia Goldoni e Sérgio Molina, textos de conferências, artigos e ensaios publicados pelo escritor argentino nas últimas décadas, mas que parecem ter sido escritos especialmente para os leitores brasileiros que procuram entender como aderimos tão entusiasticamente à “onda neoliberal”. Essa adesão por aqui não é inesperada, já faz algum tempo que assistimos à proliferação de “leitores diletantes, consumidores de papinha de bebê, pessoas convencidas de que não são suficientemente inteligentes para ler a chamada literatura séria”. São esses mesmos leitores que “reconhecem 10 mil nomes de produtos comerciais, enquanto praticamente desconhecem os vocabulários mitológicos, literários e artísticos”, como afirmou Manguel para se referir ao jovem leitor mundial.

Oescritor argentino Alberto Manguel, no Hotel Radisson, em 2006 Foto: Eduardo Nicolau/AE

Segundo ele, “a sociedade de consumo não tolera os leitores, os verdadeiros leitores”, que leem livros que os façam refletir e que não apresentem apenas “soluções fáceis de um catecismo ou de um dogma”. Nessa sociedade, para que esses livros se mantenham longe dos leitores, aplica-se uma forma de censura: faz-se acreditar que eles não merecem esses livros, ou seja, que essas obras não estão ao alcance da competência deles.

Resulta desse pressuposto de incapacidade a ideia de que precisamos sempre de alguém que nos guie, que guie a nossa leitura, alguém como Ivan Dragomiloff, personagem de The Assassination Bureau, Ltd, de Jack London, citado por Manguel, que cria “uma sociedade secreta especializada em assassinatos por encomenda” com o objetivo de “depurar a sociedade”. Nela, contudo, “um inimigo da sociedade só será inimigo se Dragomiloff assim o julgar”.

Sem reflexão, proporcionada pela leitura de obras relevantes, ficamos à mercê de Dragomilloffs, que, na nossa época, tomam a forma de multinacionais e empresas anônimas cujo objetivo também se disfarça em falsa depuração da sociedade, pois o que visam é “obter o maior lucro possível para um pequeno grupo de indivíduos”, sem se importar com as consequências dessa iniciativa, cujo benefício financeiro se impõe à custa “da vida de todos, já que no fim das contas, nem sequer os mais ricos, nem os mais poderosos sobreviverão à exploração do nosso planeta”, conclui Manguel.

A literatura não nos salva dessa engrenagem disparatada que nós mesmos criamos, mas alguns livros, como A Vida Não é Útil, de Ailton Krenak; Maria Altamira, de Maria José da Silveira; Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus; e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para citar alguns poucos autores brasileiros, podem, como afirma Manguel referindo-se a outro repertório, “às vezes, milagrosamente, narrar essa loucura e essa cobiça e nos lembrar que devemos nos manter alerta diante de tecnologias financeiras e comerciais cada vez mais perfeitas e autossuficientes. Por isso os ditadores políticos e financeiros a temem tanto”. A literatura, diz o escritor, pode nos tornar no mínimo um pouco menos idiotas.

O livro de Manguel não apresenta uma fórmula pronta; nesse sentido, ele reflete sobre a dificuldade de priorizar a leitura em uma sociedade que precisa sanar “um conjunto de necessidades básicas: alimento, moradia, cuidado médico”. Em Como Pinóquio aprendeu a ler, o escritor lembra que Carlo Collodi, autor do clássico infantil Pinóquio, teria expressado a seguinte ideia em um ensaio sobre educação e sociedade: “A meu ver, até agora, pensamos mais na cabeça que no estômago das classes que sofrem e passam necessidade. Pensemos agora um pouco mais no estômago”.

Para expressar de forma clara essas ideias, Manguel cita passagens de Pinóquio. Nele, os peixes, ao mordiscarem livros jogados ao mar, dizem: “Isto aqui não é para nosso bico! Nosso rancho é bem melhor!”. Na obra de Collodi, os livros são vistos pelos personagens com certo descrédito. O protagonista é acusado pelos colegas de forma pejorativa de falar “como um livro!”. É como se eles o obrigassem a permanecer na superfície da linguagem para se comunicar, “repetindo lemas dogmáticos e lugares-comuns em branco e preto”. Essa é a linguagem da propaganda, que a escola, segundo

Manguel, prepara o aluno a ler, pois os professores “acreditam que só devem prestar contas à sociedade, e não ao aluno”. Os ensaios de Manguel nos levam a pensar, portanto, no papel da escola e do professor dentro do sistema social e econômico, discussão ainda mais relevante em tempos de pandemia. Para muitos pais e para setores da sociedade, a escola precisa abrir urgentemente, não porque eles acreditem nela, mas porque precisam delegar a função de cuidar e de ensinar o beabá a alguém; entretanto, não esperam que a escola vá além disso.

O fato é que a escola vive um paradoxo na sociedade, e os professores poderiam se valer dele. Propõe Manguel: “uma sociedade deve transmitir a seus cidadãos o conhecimento dos códigos que a regem, de modo que todos possam participar ativamente dela, mas o conhecimento desses códigos, além da mera capacidade de decifrar um slogan político, um anúncio publicitário ou um manual de instruções, permite esses mesmos cidadãos questionarem a sociedade, exporem seus males e buscarem uma mudança”. Portanto, o professor, incumbido “de ensinar a seus novos membros os segredos de suas linguagens compartilhadas, torna-se, na realidade, um perigo, um Sócrates capaz de corromper os jovens”.

É hora de abrir as escolas? Não sei, mas é hora de “ensinar os estudantes a questionar as normas e os regulamentos, a pedir explicação para todo dogma, embasados, obviamente, em leituras e reflexões que vão muito além de mensagens prontas de WhatsApp, as quais se alimentam de lugares-comuns que são facilmente digeridos, mas que não incentivam a reflexão e o diálogo e dividem o mundo claramente em bom e mau, eles e nós. É a linguagem do extremismo, que nos dias de hoje aflora por toda parte”, afirma Manguel. Daí, a importância da literatura, pois é ela que nos ensina a dialogar: “a boa literatura nunca é unívoca. Insiste sobre a ambiguidade, exige outros testemunhos, empenha-se não em afirmar, mas em construir perguntas”, conclui o autor argentino. É ENSAÍSTA, TRADUTORA E AUTORA, ENTRE OUTROS, DE ‘CEM ENCONTROS ILUSTRADOS’ (ILUMINURAS)

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