Antologias lançadas com barulho por grandes editoras muitas vezes se tornam motivo de discussão nos bares e rodas literárias no Brasil, e com É Agora Como Nunca: Antologia Incompleta da Poesia Contemporânea Brasileira, que a Companhia das Letras lança nesta semana, não é diferente. O livro foi organizado por Adriana Calcanhotto.
A antologia reúne 41 poetas nascidos depois de 1970, dos quais 23 homens e 18 mulheres – alguns poucos poemas são inéditos, mas a maioria já foi publicada em editoras de tamanhos variados. A antologista diz que a reunião é “incompleta e totalmente pessoal, intransferível, autoral, ou o contrário”, e a própria palavra “incompleta” do título parece pretender criar uma proteção e uma vontade de não polemizar. Mas falando de uma antologia como essa em um momento em que intelectuais e políticos estão em pé de guerra, é inevitável.
Um dos traços em comum observados entre os poemas é uma espécie de lirismo intimista, dificilmente relacionada a acontecimentos sociais na camada mais aparente, por exemplo. “Não encontrei uma poesia muito, digamos, ‘engajada’ ou panfletária. Me parece bem mais uma poesia introspectiva”, diz Calcanhotto, por e-mail, de Coimbra, onde está dando aulas na universidade. “Agora, as coisas estão se dando com uma rapidez no Brasil, que quando fechei o livro, em outubro do ano passado, o pano de fundo era outro, parece que passaram alguns anos e parece que podemos dizer que aquilo eram ainda bons tempos perto de tudo ao que estamos assistindo agora, atônitos.”
A preferência pelo verso livre e por uma urgência da comunicação – talvez relacionada à velocidade da web – são outros traços apontados pela antologista. “Alguns assuntos são tratados de maneira mais inusitada mas não deixam no fundo de ser os mesmos assuntos de toda a poesia de todos os tempos, como não poderia deixar de ser.”
Um dos nomes mais conhecidos da seleção, Fabiano Calixto (1973) aponta que a boa poesia contemporânea – para ele, “na cena”, fora das grandes editoras – está sim dando conta do contemporâneo, “no que é possível dentro dessa clara impossibilidade”. “Há muita poesia ruim”, diz Calixto. “Coisa que nem poesia é, mas o pessoal confunde. Muito texto moralizante, textos de autoajuda cortados em linhas. É constrangedor. Mas quando o assunto é poesia de hoje, penso nesse conjunto de ótimos poemas feito em meu tempo, digo: a boa poesia feita hoje no Brasil é porrada.”
A poeta e tradutora Marília Garcia (1979), que também está na antologia, acredita que uma escrita pode ser “intimista” de muitas maneiras, e mesmo assim tocar o político. “O material da escrita é a língua, é a linguagem (que vem a ser o mesmo material da política) e toda escrita pode ser política se houver um tipo de trabalho sobre a linguagem”, analisa. “Quais os sentidos um poema pode produzir, como pode o poema criar um espaço de respiração para pensarmos o que acontece, como os recursos da linguagem podem criar ou calar ou inventar outras formas de ver o mundo – acho que essas são algumas perguntas que apontam para a dimensão que a escrita possui.”
Ela cita, como exemplo, outra poeta que também está na seleção de Calcanhotto, Angélica Freitas (1973). “Seus dois livros tem uma voltagem ‘poética’ que é altamente ‘política’: os poemas trabalham com a linguagem e com os discursos, são bastante irônicos e críticos e humorados; e os momentos mais ‘intimistas’, com tom mais autoderrisório, são de uma força que nos levam a voltar o olhar para nós mesmos e para o absurdo do que vivemos.”
A poeta e artista visual Bruna Beber (1984) – que também tem poemas no livro – afirma que vê nos poetas de hoje uma vontade de reação: “sinto nos poetas (e não só) hoje o que acredito que tenha sido sentido nos grandes baixos da história: sair da dormência, reagir seriamente ao momento em que vivemos – que é aterrador para qualquer lado que se olhe – sinto essa urgência já há muito atrasada, essa vontade de resposta, de grito, de luta, de fazer qualquer coisa que nos oriente em meio a esse cenário político vergonhoso.”
Para Calcanhotto, a relação da poesia com o contemporâneo é “mais desencanada, menos ligada ao sublime, menos cerimoniosa, menos preocupada em fazer sentido, menos preocupada de modo geral”. E, ao mesmo tempo, “um pouco menos esperançosa”. A cantora e compositora, que já organizou outras antologias, está em residência artística na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra até junho, e vai dar uma série de aulas, oficinas e palestras – com sentimentos sobre o Brasil: “À noite vejo as notícias do Brasil e às vezes choro, de tristeza e impotência.”
É AGORA COMO NUNCA
Org.: Adriana Calcanhotto
Editora: Companhia das Letras (144 págs., R$34,90)