‘Fascismo pode crescer em qualquer lugar’, diz autora que fugiu da morte no ‘inferno’ russo de Putin


Elena Kostyuchenko foi agredida e presa repetidas vezes em razão do trabalho jornalístico que fazia na Rússia até ser ameaçada de morte e fugir para a Alemanha, onde adoeceu: os médicos acreditam que ela foi envenenada

Por Nick Hilden
Foto: DIV
Entrevista comElena KostyuchenkoJornalista

THE WASHINGTON POST - “Se você quiser ficar em segurança”, escreve a jornalista Elena Kostyuchenko em I Love Russia: Reporting From a Lost Country [Eu amo a Rússia: reportagens de um país perdido, em tradução livre], “você tem de botar um sorriso no rosto”. Ela está se referindo às condições de uma das infernais instalações russas para deficientes, mas você fica com a sensação de que o sentimento poderia se aplicar ao país todo: o pré-requisito para a segurança é a aceitar as circunstâncias mais insanas – e nem isso é garantia de nada.

Kostyuchenko foi agredida e presa repetidas vezes durante as quase duas décadas que passou reportando sobre as terríveis condições dos grupos minoritários na Rússia, bem como sobre os muitos empreendimentos imperiais do país. E então, no final de 2022, foi avisada de que precisava abandonar seus esforços para cobrir os combates na Ucrânia porque o governo russo tinha ordenado seu assassinato. Logo depois, ela se mudou para a Alemanha, onde adoeceu; os médicos acreditam que ela foi envenenada.

Em I Love Russia, Kostyuchenko narra o estado da sociedade russa sob o autoritarismo de Vladimir Putin, particularmente as graves dificuldades enfrentadas por aqueles que vivem à sua margem: as pessoas queer, os povos originários, os deficientes, as mães que sofrem por causa de filhos assassinados. Conversei com Kostyuchenko via Zoom. Esta entrevista foi editada por motivos de clareza e extensão.

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Jornalista Elena Kostyuchenko, autora de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country' Foto: Julia Tatarchenko/Penguin Press/Divulgação

O que você espera que as pessoas aprendam lendo seu livro?

Hoje é fácil pensar nos russos como uma gente estranha, que tem morais e valores diferentes dos seus, mas a verdade é que somos muito parecidos. Pessoas muito comuns. Só que nosso país gestou o fascismo dentro do ventre. Ele estava crescendo aos poucos, mas agora, com a guerra, está prosperando.

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No meu livro, tentei explicar esse crescimento – os tijolos da parede que estava sendo construída. Não foi rápido. Demorou um tempo e foi passo a passo. Vivíamos em circunstâncias instáveis, e a maioria das pessoas estava ocupada com as coisas de sempre, como sobreviver e cuidar da família. Até nós, que fazíamos nosso trabalho como jornalistas, vivíamos assim. Estávamos descrevendo o processo de crescimento do fascismo dentro do nosso país, mas não fizemos nada eficaz para evitá-lo. E acho que é muito importante – especialmente no contexto da guinada autoritária global – saber que o fascismo pode crescer em qualquer lugar. Ninguém está imune. Na verdade, o fascismo parece até suportável por um bom tempo. Você sente que consegue conviver com ele, até que não consegue mais.

Você escreve que Putin ascendeu ao poder porque as pessoas pensaram que ele iria protegê-las. Por que elas se sentiam assim?

Putin era um belo contraste com [Boris] Yeltsin, que as pessoas viam como um velho bêbado e maluco. Putin era jovem e dizia as palavras certas, falava em valores democráticos e que voltaríamos a ser uma grande nação. Mas também foi o momento em que surgiram grandes ataques terroristas na Rússia, e as pessoas se sentiram ameaçadas. Os ataques não foram devidamente investigados e há sinais de que alguns deles – ou todos eles, não sabemos – foram organizados pelos serviços de segurança. Mas as pessoas se sentiram ameaçadas de verdade. Putin disse que havia uma ótima oportunidade de enfrentar a ameaça: simplesmente matar todos os terroristas. E foi assim que começou a segunda Guerra da Chechênia. No contexto da guerra, as pessoas querem se unir em torno de um líder. As pessoas querem ficar juntas. Então elegeram Putin. E acredito que ele aprendeu muito bem. Toda vez que sua popularidade caía, a Rússia entrava em mais uma guerra. E funcionou.

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Quais são os sinais de alerta do fascismo?

No começo, as pessoas não confiam nos poderes e nos políticos. E o custo de vida e a diferença de renda em geral são enormes. Quando as pessoas se acostumam com a desigualdade é uma coisa muito ruim, porque elas não têm mais uma realidade comum. Aí você se sente impotente. Você sente que não consegue mudar nada. Aí vêm algumas transformações morais: coisas que antes eram morais de repente mudam de significado. A misoginia é fundamental. Misoginia e opressão de cidadãos LGBT sempre funciona. E também a unificação da cultura: você tem mais de uma nação na sua terra, então precisa deixar claro qual nação é a mais importante. Alguns conflitos menores sobre territórios são ótimos nessas horas, além da reescrita da História. Assassinato de jornalistas e ativistas independentes. Campos de concentração para pessoas com deficiência. E, claro, a grande guerra.

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Você escreveu sobre como o Novaya Gazeta, jornal para o qual você trabalhava, foi banido e teve o site retirado do ar. Muitas vezes me pergunto sobre a conveniência de ter uma mídia totalmente digital...

Este era um dos principais motivos pelos quais fazíamos cópias impressas o tempo todo. Uma cópia impressa pode ser entregue em locais onde não há internet, e queríamos que os presos pudessem nos ler. É mais difícil mudar alguma coisa no papel impresso do que online. Mas nosso governo está bem treinado para trabalhar com a censura também no papel.

Este livro será lançado nos Estados Unidos. Quero que seja publicado também em russo, para os russos. Mandei o manuscrito para todas as principais editoras da Rússia: “Lemos seu livro, gostamos muito, gostaríamos muito de publicá-lo, mas não podemos, porque, de acordo com a legislação, seu livro é um crime e, se o publicarmos, seremos responsáveis pelo crime. Não queremos ir para a prisão”.

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Agora a [organização de notícias] Meduza criou uma editora, porque não sou a única nessa situação. Meu livro será o primeiro deles. Eles sabem como entregar uma cópia digital na internet russa, mas não sabemos como entregar cópias impressas. Porque todas as pessoas da cadeia de entrega, se forem pegas, vão para a prisão.

O fascismo está em ascensão no mundo todo e posso ver ecos do que aconteceu na Rússia acontecendo nos Estados Unidos. O que posso fazer a respeito?

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O que eu definitivamente faria de diferente – e é uma armadilha na qual não quero que vocês caiam – tem a ver com este princípio: “Não se envolva, porque senão você vai perder sua objetividade, todos nós devemos ser objetivos e profissionais e blá blá blá”. Acredito que este princípio – não se envolva nas coisas – foi inventado por pessoas que tinham poder e queriam mantê-lo, porque não querem que os meios de comunicação social sejam politicamente ativos. É nisso que acreditamos também: que a primeira coisa que devemos fazer é o dever profissional. Mas o dever profissional não basta. Todos nós temos não apenas deveres profissionais, mas também deveres cívicos, que não são eliminados pelos deveres profissionais. Se você, como jornalista, sabe que seu país está indo na direção errada, precisa alertar as pessoas.

Muitos russos instruídos ficam muito felizes por acreditar que a propaganda oficial não os afeta, algumas pessoas estúpidas são afetadas, mas nós sabemos das coisas. Quando você acha que é imune à propaganda oficial, você já está sob a influência dela.

Não me envergonho por ser ativista e jornalista. E acredito, claro, que deveria estar mais alarmada – todos nós deveríamos estar muito mais alarmados. Se você está vendo que as coisas estão virando um inferno é porque as coisas estão virando um inferno.

Capa de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country', de Elena Kostyuchenko 

Serviço

I Love Russia: Reporting From a Lost Country

  • Editora: Penguin Press
  • Autora: Elena Kostyuchenko
  • Tradução para o inglês: Bela Shayevich e Ilona Yazhbin Chavasse
  • 363 páginas; US$ 30

*Nick Hilden escreve sobre artes, viagens, tecnologia e saúde para inúmeras publicações.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE WASHINGTON POST - “Se você quiser ficar em segurança”, escreve a jornalista Elena Kostyuchenko em I Love Russia: Reporting From a Lost Country [Eu amo a Rússia: reportagens de um país perdido, em tradução livre], “você tem de botar um sorriso no rosto”. Ela está se referindo às condições de uma das infernais instalações russas para deficientes, mas você fica com a sensação de que o sentimento poderia se aplicar ao país todo: o pré-requisito para a segurança é a aceitar as circunstâncias mais insanas – e nem isso é garantia de nada.

Kostyuchenko foi agredida e presa repetidas vezes durante as quase duas décadas que passou reportando sobre as terríveis condições dos grupos minoritários na Rússia, bem como sobre os muitos empreendimentos imperiais do país. E então, no final de 2022, foi avisada de que precisava abandonar seus esforços para cobrir os combates na Ucrânia porque o governo russo tinha ordenado seu assassinato. Logo depois, ela se mudou para a Alemanha, onde adoeceu; os médicos acreditam que ela foi envenenada.

Em I Love Russia, Kostyuchenko narra o estado da sociedade russa sob o autoritarismo de Vladimir Putin, particularmente as graves dificuldades enfrentadas por aqueles que vivem à sua margem: as pessoas queer, os povos originários, os deficientes, as mães que sofrem por causa de filhos assassinados. Conversei com Kostyuchenko via Zoom. Esta entrevista foi editada por motivos de clareza e extensão.

Jornalista Elena Kostyuchenko, autora de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country' Foto: Julia Tatarchenko/Penguin Press/Divulgação

O que você espera que as pessoas aprendam lendo seu livro?

Hoje é fácil pensar nos russos como uma gente estranha, que tem morais e valores diferentes dos seus, mas a verdade é que somos muito parecidos. Pessoas muito comuns. Só que nosso país gestou o fascismo dentro do ventre. Ele estava crescendo aos poucos, mas agora, com a guerra, está prosperando.

No meu livro, tentei explicar esse crescimento – os tijolos da parede que estava sendo construída. Não foi rápido. Demorou um tempo e foi passo a passo. Vivíamos em circunstâncias instáveis, e a maioria das pessoas estava ocupada com as coisas de sempre, como sobreviver e cuidar da família. Até nós, que fazíamos nosso trabalho como jornalistas, vivíamos assim. Estávamos descrevendo o processo de crescimento do fascismo dentro do nosso país, mas não fizemos nada eficaz para evitá-lo. E acho que é muito importante – especialmente no contexto da guinada autoritária global – saber que o fascismo pode crescer em qualquer lugar. Ninguém está imune. Na verdade, o fascismo parece até suportável por um bom tempo. Você sente que consegue conviver com ele, até que não consegue mais.

Você escreve que Putin ascendeu ao poder porque as pessoas pensaram que ele iria protegê-las. Por que elas se sentiam assim?

Putin era um belo contraste com [Boris] Yeltsin, que as pessoas viam como um velho bêbado e maluco. Putin era jovem e dizia as palavras certas, falava em valores democráticos e que voltaríamos a ser uma grande nação. Mas também foi o momento em que surgiram grandes ataques terroristas na Rússia, e as pessoas se sentiram ameaçadas. Os ataques não foram devidamente investigados e há sinais de que alguns deles – ou todos eles, não sabemos – foram organizados pelos serviços de segurança. Mas as pessoas se sentiram ameaçadas de verdade. Putin disse que havia uma ótima oportunidade de enfrentar a ameaça: simplesmente matar todos os terroristas. E foi assim que começou a segunda Guerra da Chechênia. No contexto da guerra, as pessoas querem se unir em torno de um líder. As pessoas querem ficar juntas. Então elegeram Putin. E acredito que ele aprendeu muito bem. Toda vez que sua popularidade caía, a Rússia entrava em mais uma guerra. E funcionou.

Quais são os sinais de alerta do fascismo?

No começo, as pessoas não confiam nos poderes e nos políticos. E o custo de vida e a diferença de renda em geral são enormes. Quando as pessoas se acostumam com a desigualdade é uma coisa muito ruim, porque elas não têm mais uma realidade comum. Aí você se sente impotente. Você sente que não consegue mudar nada. Aí vêm algumas transformações morais: coisas que antes eram morais de repente mudam de significado. A misoginia é fundamental. Misoginia e opressão de cidadãos LGBT sempre funciona. E também a unificação da cultura: você tem mais de uma nação na sua terra, então precisa deixar claro qual nação é a mais importante. Alguns conflitos menores sobre territórios são ótimos nessas horas, além da reescrita da História. Assassinato de jornalistas e ativistas independentes. Campos de concentração para pessoas com deficiência. E, claro, a grande guerra.

Você escreveu sobre como o Novaya Gazeta, jornal para o qual você trabalhava, foi banido e teve o site retirado do ar. Muitas vezes me pergunto sobre a conveniência de ter uma mídia totalmente digital...

Este era um dos principais motivos pelos quais fazíamos cópias impressas o tempo todo. Uma cópia impressa pode ser entregue em locais onde não há internet, e queríamos que os presos pudessem nos ler. É mais difícil mudar alguma coisa no papel impresso do que online. Mas nosso governo está bem treinado para trabalhar com a censura também no papel.

Este livro será lançado nos Estados Unidos. Quero que seja publicado também em russo, para os russos. Mandei o manuscrito para todas as principais editoras da Rússia: “Lemos seu livro, gostamos muito, gostaríamos muito de publicá-lo, mas não podemos, porque, de acordo com a legislação, seu livro é um crime e, se o publicarmos, seremos responsáveis pelo crime. Não queremos ir para a prisão”.

Agora a [organização de notícias] Meduza criou uma editora, porque não sou a única nessa situação. Meu livro será o primeiro deles. Eles sabem como entregar uma cópia digital na internet russa, mas não sabemos como entregar cópias impressas. Porque todas as pessoas da cadeia de entrega, se forem pegas, vão para a prisão.

O fascismo está em ascensão no mundo todo e posso ver ecos do que aconteceu na Rússia acontecendo nos Estados Unidos. O que posso fazer a respeito?

O que eu definitivamente faria de diferente – e é uma armadilha na qual não quero que vocês caiam – tem a ver com este princípio: “Não se envolva, porque senão você vai perder sua objetividade, todos nós devemos ser objetivos e profissionais e blá blá blá”. Acredito que este princípio – não se envolva nas coisas – foi inventado por pessoas que tinham poder e queriam mantê-lo, porque não querem que os meios de comunicação social sejam politicamente ativos. É nisso que acreditamos também: que a primeira coisa que devemos fazer é o dever profissional. Mas o dever profissional não basta. Todos nós temos não apenas deveres profissionais, mas também deveres cívicos, que não são eliminados pelos deveres profissionais. Se você, como jornalista, sabe que seu país está indo na direção errada, precisa alertar as pessoas.

Muitos russos instruídos ficam muito felizes por acreditar que a propaganda oficial não os afeta, algumas pessoas estúpidas são afetadas, mas nós sabemos das coisas. Quando você acha que é imune à propaganda oficial, você já está sob a influência dela.

Não me envergonho por ser ativista e jornalista. E acredito, claro, que deveria estar mais alarmada – todos nós deveríamos estar muito mais alarmados. Se você está vendo que as coisas estão virando um inferno é porque as coisas estão virando um inferno.

Capa de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country', de Elena Kostyuchenko 

Serviço

I Love Russia: Reporting From a Lost Country

  • Editora: Penguin Press
  • Autora: Elena Kostyuchenko
  • Tradução para o inglês: Bela Shayevich e Ilona Yazhbin Chavasse
  • 363 páginas; US$ 30

*Nick Hilden escreve sobre artes, viagens, tecnologia e saúde para inúmeras publicações.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE WASHINGTON POST - “Se você quiser ficar em segurança”, escreve a jornalista Elena Kostyuchenko em I Love Russia: Reporting From a Lost Country [Eu amo a Rússia: reportagens de um país perdido, em tradução livre], “você tem de botar um sorriso no rosto”. Ela está se referindo às condições de uma das infernais instalações russas para deficientes, mas você fica com a sensação de que o sentimento poderia se aplicar ao país todo: o pré-requisito para a segurança é a aceitar as circunstâncias mais insanas – e nem isso é garantia de nada.

Kostyuchenko foi agredida e presa repetidas vezes durante as quase duas décadas que passou reportando sobre as terríveis condições dos grupos minoritários na Rússia, bem como sobre os muitos empreendimentos imperiais do país. E então, no final de 2022, foi avisada de que precisava abandonar seus esforços para cobrir os combates na Ucrânia porque o governo russo tinha ordenado seu assassinato. Logo depois, ela se mudou para a Alemanha, onde adoeceu; os médicos acreditam que ela foi envenenada.

Em I Love Russia, Kostyuchenko narra o estado da sociedade russa sob o autoritarismo de Vladimir Putin, particularmente as graves dificuldades enfrentadas por aqueles que vivem à sua margem: as pessoas queer, os povos originários, os deficientes, as mães que sofrem por causa de filhos assassinados. Conversei com Kostyuchenko via Zoom. Esta entrevista foi editada por motivos de clareza e extensão.

Jornalista Elena Kostyuchenko, autora de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country' Foto: Julia Tatarchenko/Penguin Press/Divulgação

O que você espera que as pessoas aprendam lendo seu livro?

Hoje é fácil pensar nos russos como uma gente estranha, que tem morais e valores diferentes dos seus, mas a verdade é que somos muito parecidos. Pessoas muito comuns. Só que nosso país gestou o fascismo dentro do ventre. Ele estava crescendo aos poucos, mas agora, com a guerra, está prosperando.

No meu livro, tentei explicar esse crescimento – os tijolos da parede que estava sendo construída. Não foi rápido. Demorou um tempo e foi passo a passo. Vivíamos em circunstâncias instáveis, e a maioria das pessoas estava ocupada com as coisas de sempre, como sobreviver e cuidar da família. Até nós, que fazíamos nosso trabalho como jornalistas, vivíamos assim. Estávamos descrevendo o processo de crescimento do fascismo dentro do nosso país, mas não fizemos nada eficaz para evitá-lo. E acho que é muito importante – especialmente no contexto da guinada autoritária global – saber que o fascismo pode crescer em qualquer lugar. Ninguém está imune. Na verdade, o fascismo parece até suportável por um bom tempo. Você sente que consegue conviver com ele, até que não consegue mais.

Você escreve que Putin ascendeu ao poder porque as pessoas pensaram que ele iria protegê-las. Por que elas se sentiam assim?

Putin era um belo contraste com [Boris] Yeltsin, que as pessoas viam como um velho bêbado e maluco. Putin era jovem e dizia as palavras certas, falava em valores democráticos e que voltaríamos a ser uma grande nação. Mas também foi o momento em que surgiram grandes ataques terroristas na Rússia, e as pessoas se sentiram ameaçadas. Os ataques não foram devidamente investigados e há sinais de que alguns deles – ou todos eles, não sabemos – foram organizados pelos serviços de segurança. Mas as pessoas se sentiram ameaçadas de verdade. Putin disse que havia uma ótima oportunidade de enfrentar a ameaça: simplesmente matar todos os terroristas. E foi assim que começou a segunda Guerra da Chechênia. No contexto da guerra, as pessoas querem se unir em torno de um líder. As pessoas querem ficar juntas. Então elegeram Putin. E acredito que ele aprendeu muito bem. Toda vez que sua popularidade caía, a Rússia entrava em mais uma guerra. E funcionou.

Quais são os sinais de alerta do fascismo?

No começo, as pessoas não confiam nos poderes e nos políticos. E o custo de vida e a diferença de renda em geral são enormes. Quando as pessoas se acostumam com a desigualdade é uma coisa muito ruim, porque elas não têm mais uma realidade comum. Aí você se sente impotente. Você sente que não consegue mudar nada. Aí vêm algumas transformações morais: coisas que antes eram morais de repente mudam de significado. A misoginia é fundamental. Misoginia e opressão de cidadãos LGBT sempre funciona. E também a unificação da cultura: você tem mais de uma nação na sua terra, então precisa deixar claro qual nação é a mais importante. Alguns conflitos menores sobre territórios são ótimos nessas horas, além da reescrita da História. Assassinato de jornalistas e ativistas independentes. Campos de concentração para pessoas com deficiência. E, claro, a grande guerra.

Você escreveu sobre como o Novaya Gazeta, jornal para o qual você trabalhava, foi banido e teve o site retirado do ar. Muitas vezes me pergunto sobre a conveniência de ter uma mídia totalmente digital...

Este era um dos principais motivos pelos quais fazíamos cópias impressas o tempo todo. Uma cópia impressa pode ser entregue em locais onde não há internet, e queríamos que os presos pudessem nos ler. É mais difícil mudar alguma coisa no papel impresso do que online. Mas nosso governo está bem treinado para trabalhar com a censura também no papel.

Este livro será lançado nos Estados Unidos. Quero que seja publicado também em russo, para os russos. Mandei o manuscrito para todas as principais editoras da Rússia: “Lemos seu livro, gostamos muito, gostaríamos muito de publicá-lo, mas não podemos, porque, de acordo com a legislação, seu livro é um crime e, se o publicarmos, seremos responsáveis pelo crime. Não queremos ir para a prisão”.

Agora a [organização de notícias] Meduza criou uma editora, porque não sou a única nessa situação. Meu livro será o primeiro deles. Eles sabem como entregar uma cópia digital na internet russa, mas não sabemos como entregar cópias impressas. Porque todas as pessoas da cadeia de entrega, se forem pegas, vão para a prisão.

O fascismo está em ascensão no mundo todo e posso ver ecos do que aconteceu na Rússia acontecendo nos Estados Unidos. O que posso fazer a respeito?

O que eu definitivamente faria de diferente – e é uma armadilha na qual não quero que vocês caiam – tem a ver com este princípio: “Não se envolva, porque senão você vai perder sua objetividade, todos nós devemos ser objetivos e profissionais e blá blá blá”. Acredito que este princípio – não se envolva nas coisas – foi inventado por pessoas que tinham poder e queriam mantê-lo, porque não querem que os meios de comunicação social sejam politicamente ativos. É nisso que acreditamos também: que a primeira coisa que devemos fazer é o dever profissional. Mas o dever profissional não basta. Todos nós temos não apenas deveres profissionais, mas também deveres cívicos, que não são eliminados pelos deveres profissionais. Se você, como jornalista, sabe que seu país está indo na direção errada, precisa alertar as pessoas.

Muitos russos instruídos ficam muito felizes por acreditar que a propaganda oficial não os afeta, algumas pessoas estúpidas são afetadas, mas nós sabemos das coisas. Quando você acha que é imune à propaganda oficial, você já está sob a influência dela.

Não me envergonho por ser ativista e jornalista. E acredito, claro, que deveria estar mais alarmada – todos nós deveríamos estar muito mais alarmados. Se você está vendo que as coisas estão virando um inferno é porque as coisas estão virando um inferno.

Capa de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country', de Elena Kostyuchenko 

Serviço

I Love Russia: Reporting From a Lost Country

  • Editora: Penguin Press
  • Autora: Elena Kostyuchenko
  • Tradução para o inglês: Bela Shayevich e Ilona Yazhbin Chavasse
  • 363 páginas; US$ 30

*Nick Hilden escreve sobre artes, viagens, tecnologia e saúde para inúmeras publicações.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE WASHINGTON POST - “Se você quiser ficar em segurança”, escreve a jornalista Elena Kostyuchenko em I Love Russia: Reporting From a Lost Country [Eu amo a Rússia: reportagens de um país perdido, em tradução livre], “você tem de botar um sorriso no rosto”. Ela está se referindo às condições de uma das infernais instalações russas para deficientes, mas você fica com a sensação de que o sentimento poderia se aplicar ao país todo: o pré-requisito para a segurança é a aceitar as circunstâncias mais insanas – e nem isso é garantia de nada.

Kostyuchenko foi agredida e presa repetidas vezes durante as quase duas décadas que passou reportando sobre as terríveis condições dos grupos minoritários na Rússia, bem como sobre os muitos empreendimentos imperiais do país. E então, no final de 2022, foi avisada de que precisava abandonar seus esforços para cobrir os combates na Ucrânia porque o governo russo tinha ordenado seu assassinato. Logo depois, ela se mudou para a Alemanha, onde adoeceu; os médicos acreditam que ela foi envenenada.

Em I Love Russia, Kostyuchenko narra o estado da sociedade russa sob o autoritarismo de Vladimir Putin, particularmente as graves dificuldades enfrentadas por aqueles que vivem à sua margem: as pessoas queer, os povos originários, os deficientes, as mães que sofrem por causa de filhos assassinados. Conversei com Kostyuchenko via Zoom. Esta entrevista foi editada por motivos de clareza e extensão.

Jornalista Elena Kostyuchenko, autora de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country' Foto: Julia Tatarchenko/Penguin Press/Divulgação

O que você espera que as pessoas aprendam lendo seu livro?

Hoje é fácil pensar nos russos como uma gente estranha, que tem morais e valores diferentes dos seus, mas a verdade é que somos muito parecidos. Pessoas muito comuns. Só que nosso país gestou o fascismo dentro do ventre. Ele estava crescendo aos poucos, mas agora, com a guerra, está prosperando.

No meu livro, tentei explicar esse crescimento – os tijolos da parede que estava sendo construída. Não foi rápido. Demorou um tempo e foi passo a passo. Vivíamos em circunstâncias instáveis, e a maioria das pessoas estava ocupada com as coisas de sempre, como sobreviver e cuidar da família. Até nós, que fazíamos nosso trabalho como jornalistas, vivíamos assim. Estávamos descrevendo o processo de crescimento do fascismo dentro do nosso país, mas não fizemos nada eficaz para evitá-lo. E acho que é muito importante – especialmente no contexto da guinada autoritária global – saber que o fascismo pode crescer em qualquer lugar. Ninguém está imune. Na verdade, o fascismo parece até suportável por um bom tempo. Você sente que consegue conviver com ele, até que não consegue mais.

Você escreve que Putin ascendeu ao poder porque as pessoas pensaram que ele iria protegê-las. Por que elas se sentiam assim?

Putin era um belo contraste com [Boris] Yeltsin, que as pessoas viam como um velho bêbado e maluco. Putin era jovem e dizia as palavras certas, falava em valores democráticos e que voltaríamos a ser uma grande nação. Mas também foi o momento em que surgiram grandes ataques terroristas na Rússia, e as pessoas se sentiram ameaçadas. Os ataques não foram devidamente investigados e há sinais de que alguns deles – ou todos eles, não sabemos – foram organizados pelos serviços de segurança. Mas as pessoas se sentiram ameaçadas de verdade. Putin disse que havia uma ótima oportunidade de enfrentar a ameaça: simplesmente matar todos os terroristas. E foi assim que começou a segunda Guerra da Chechênia. No contexto da guerra, as pessoas querem se unir em torno de um líder. As pessoas querem ficar juntas. Então elegeram Putin. E acredito que ele aprendeu muito bem. Toda vez que sua popularidade caía, a Rússia entrava em mais uma guerra. E funcionou.

Quais são os sinais de alerta do fascismo?

No começo, as pessoas não confiam nos poderes e nos políticos. E o custo de vida e a diferença de renda em geral são enormes. Quando as pessoas se acostumam com a desigualdade é uma coisa muito ruim, porque elas não têm mais uma realidade comum. Aí você se sente impotente. Você sente que não consegue mudar nada. Aí vêm algumas transformações morais: coisas que antes eram morais de repente mudam de significado. A misoginia é fundamental. Misoginia e opressão de cidadãos LGBT sempre funciona. E também a unificação da cultura: você tem mais de uma nação na sua terra, então precisa deixar claro qual nação é a mais importante. Alguns conflitos menores sobre territórios são ótimos nessas horas, além da reescrita da História. Assassinato de jornalistas e ativistas independentes. Campos de concentração para pessoas com deficiência. E, claro, a grande guerra.

Você escreveu sobre como o Novaya Gazeta, jornal para o qual você trabalhava, foi banido e teve o site retirado do ar. Muitas vezes me pergunto sobre a conveniência de ter uma mídia totalmente digital...

Este era um dos principais motivos pelos quais fazíamos cópias impressas o tempo todo. Uma cópia impressa pode ser entregue em locais onde não há internet, e queríamos que os presos pudessem nos ler. É mais difícil mudar alguma coisa no papel impresso do que online. Mas nosso governo está bem treinado para trabalhar com a censura também no papel.

Este livro será lançado nos Estados Unidos. Quero que seja publicado também em russo, para os russos. Mandei o manuscrito para todas as principais editoras da Rússia: “Lemos seu livro, gostamos muito, gostaríamos muito de publicá-lo, mas não podemos, porque, de acordo com a legislação, seu livro é um crime e, se o publicarmos, seremos responsáveis pelo crime. Não queremos ir para a prisão”.

Agora a [organização de notícias] Meduza criou uma editora, porque não sou a única nessa situação. Meu livro será o primeiro deles. Eles sabem como entregar uma cópia digital na internet russa, mas não sabemos como entregar cópias impressas. Porque todas as pessoas da cadeia de entrega, se forem pegas, vão para a prisão.

O fascismo está em ascensão no mundo todo e posso ver ecos do que aconteceu na Rússia acontecendo nos Estados Unidos. O que posso fazer a respeito?

O que eu definitivamente faria de diferente – e é uma armadilha na qual não quero que vocês caiam – tem a ver com este princípio: “Não se envolva, porque senão você vai perder sua objetividade, todos nós devemos ser objetivos e profissionais e blá blá blá”. Acredito que este princípio – não se envolva nas coisas – foi inventado por pessoas que tinham poder e queriam mantê-lo, porque não querem que os meios de comunicação social sejam politicamente ativos. É nisso que acreditamos também: que a primeira coisa que devemos fazer é o dever profissional. Mas o dever profissional não basta. Todos nós temos não apenas deveres profissionais, mas também deveres cívicos, que não são eliminados pelos deveres profissionais. Se você, como jornalista, sabe que seu país está indo na direção errada, precisa alertar as pessoas.

Muitos russos instruídos ficam muito felizes por acreditar que a propaganda oficial não os afeta, algumas pessoas estúpidas são afetadas, mas nós sabemos das coisas. Quando você acha que é imune à propaganda oficial, você já está sob a influência dela.

Não me envergonho por ser ativista e jornalista. E acredito, claro, que deveria estar mais alarmada – todos nós deveríamos estar muito mais alarmados. Se você está vendo que as coisas estão virando um inferno é porque as coisas estão virando um inferno.

Capa de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country', de Elena Kostyuchenko 

Serviço

I Love Russia: Reporting From a Lost Country

  • Editora: Penguin Press
  • Autora: Elena Kostyuchenko
  • Tradução para o inglês: Bela Shayevich e Ilona Yazhbin Chavasse
  • 363 páginas; US$ 30

*Nick Hilden escreve sobre artes, viagens, tecnologia e saúde para inúmeras publicações.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE WASHINGTON POST - “Se você quiser ficar em segurança”, escreve a jornalista Elena Kostyuchenko em I Love Russia: Reporting From a Lost Country [Eu amo a Rússia: reportagens de um país perdido, em tradução livre], “você tem de botar um sorriso no rosto”. Ela está se referindo às condições de uma das infernais instalações russas para deficientes, mas você fica com a sensação de que o sentimento poderia se aplicar ao país todo: o pré-requisito para a segurança é a aceitar as circunstâncias mais insanas – e nem isso é garantia de nada.

Kostyuchenko foi agredida e presa repetidas vezes durante as quase duas décadas que passou reportando sobre as terríveis condições dos grupos minoritários na Rússia, bem como sobre os muitos empreendimentos imperiais do país. E então, no final de 2022, foi avisada de que precisava abandonar seus esforços para cobrir os combates na Ucrânia porque o governo russo tinha ordenado seu assassinato. Logo depois, ela se mudou para a Alemanha, onde adoeceu; os médicos acreditam que ela foi envenenada.

Em I Love Russia, Kostyuchenko narra o estado da sociedade russa sob o autoritarismo de Vladimir Putin, particularmente as graves dificuldades enfrentadas por aqueles que vivem à sua margem: as pessoas queer, os povos originários, os deficientes, as mães que sofrem por causa de filhos assassinados. Conversei com Kostyuchenko via Zoom. Esta entrevista foi editada por motivos de clareza e extensão.

Jornalista Elena Kostyuchenko, autora de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country' Foto: Julia Tatarchenko/Penguin Press/Divulgação

O que você espera que as pessoas aprendam lendo seu livro?

Hoje é fácil pensar nos russos como uma gente estranha, que tem morais e valores diferentes dos seus, mas a verdade é que somos muito parecidos. Pessoas muito comuns. Só que nosso país gestou o fascismo dentro do ventre. Ele estava crescendo aos poucos, mas agora, com a guerra, está prosperando.

No meu livro, tentei explicar esse crescimento – os tijolos da parede que estava sendo construída. Não foi rápido. Demorou um tempo e foi passo a passo. Vivíamos em circunstâncias instáveis, e a maioria das pessoas estava ocupada com as coisas de sempre, como sobreviver e cuidar da família. Até nós, que fazíamos nosso trabalho como jornalistas, vivíamos assim. Estávamos descrevendo o processo de crescimento do fascismo dentro do nosso país, mas não fizemos nada eficaz para evitá-lo. E acho que é muito importante – especialmente no contexto da guinada autoritária global – saber que o fascismo pode crescer em qualquer lugar. Ninguém está imune. Na verdade, o fascismo parece até suportável por um bom tempo. Você sente que consegue conviver com ele, até que não consegue mais.

Você escreve que Putin ascendeu ao poder porque as pessoas pensaram que ele iria protegê-las. Por que elas se sentiam assim?

Putin era um belo contraste com [Boris] Yeltsin, que as pessoas viam como um velho bêbado e maluco. Putin era jovem e dizia as palavras certas, falava em valores democráticos e que voltaríamos a ser uma grande nação. Mas também foi o momento em que surgiram grandes ataques terroristas na Rússia, e as pessoas se sentiram ameaçadas. Os ataques não foram devidamente investigados e há sinais de que alguns deles – ou todos eles, não sabemos – foram organizados pelos serviços de segurança. Mas as pessoas se sentiram ameaçadas de verdade. Putin disse que havia uma ótima oportunidade de enfrentar a ameaça: simplesmente matar todos os terroristas. E foi assim que começou a segunda Guerra da Chechênia. No contexto da guerra, as pessoas querem se unir em torno de um líder. As pessoas querem ficar juntas. Então elegeram Putin. E acredito que ele aprendeu muito bem. Toda vez que sua popularidade caía, a Rússia entrava em mais uma guerra. E funcionou.

Quais são os sinais de alerta do fascismo?

No começo, as pessoas não confiam nos poderes e nos políticos. E o custo de vida e a diferença de renda em geral são enormes. Quando as pessoas se acostumam com a desigualdade é uma coisa muito ruim, porque elas não têm mais uma realidade comum. Aí você se sente impotente. Você sente que não consegue mudar nada. Aí vêm algumas transformações morais: coisas que antes eram morais de repente mudam de significado. A misoginia é fundamental. Misoginia e opressão de cidadãos LGBT sempre funciona. E também a unificação da cultura: você tem mais de uma nação na sua terra, então precisa deixar claro qual nação é a mais importante. Alguns conflitos menores sobre territórios são ótimos nessas horas, além da reescrita da História. Assassinato de jornalistas e ativistas independentes. Campos de concentração para pessoas com deficiência. E, claro, a grande guerra.

Você escreveu sobre como o Novaya Gazeta, jornal para o qual você trabalhava, foi banido e teve o site retirado do ar. Muitas vezes me pergunto sobre a conveniência de ter uma mídia totalmente digital...

Este era um dos principais motivos pelos quais fazíamos cópias impressas o tempo todo. Uma cópia impressa pode ser entregue em locais onde não há internet, e queríamos que os presos pudessem nos ler. É mais difícil mudar alguma coisa no papel impresso do que online. Mas nosso governo está bem treinado para trabalhar com a censura também no papel.

Este livro será lançado nos Estados Unidos. Quero que seja publicado também em russo, para os russos. Mandei o manuscrito para todas as principais editoras da Rússia: “Lemos seu livro, gostamos muito, gostaríamos muito de publicá-lo, mas não podemos, porque, de acordo com a legislação, seu livro é um crime e, se o publicarmos, seremos responsáveis pelo crime. Não queremos ir para a prisão”.

Agora a [organização de notícias] Meduza criou uma editora, porque não sou a única nessa situação. Meu livro será o primeiro deles. Eles sabem como entregar uma cópia digital na internet russa, mas não sabemos como entregar cópias impressas. Porque todas as pessoas da cadeia de entrega, se forem pegas, vão para a prisão.

O fascismo está em ascensão no mundo todo e posso ver ecos do que aconteceu na Rússia acontecendo nos Estados Unidos. O que posso fazer a respeito?

O que eu definitivamente faria de diferente – e é uma armadilha na qual não quero que vocês caiam – tem a ver com este princípio: “Não se envolva, porque senão você vai perder sua objetividade, todos nós devemos ser objetivos e profissionais e blá blá blá”. Acredito que este princípio – não se envolva nas coisas – foi inventado por pessoas que tinham poder e queriam mantê-lo, porque não querem que os meios de comunicação social sejam politicamente ativos. É nisso que acreditamos também: que a primeira coisa que devemos fazer é o dever profissional. Mas o dever profissional não basta. Todos nós temos não apenas deveres profissionais, mas também deveres cívicos, que não são eliminados pelos deveres profissionais. Se você, como jornalista, sabe que seu país está indo na direção errada, precisa alertar as pessoas.

Muitos russos instruídos ficam muito felizes por acreditar que a propaganda oficial não os afeta, algumas pessoas estúpidas são afetadas, mas nós sabemos das coisas. Quando você acha que é imune à propaganda oficial, você já está sob a influência dela.

Não me envergonho por ser ativista e jornalista. E acredito, claro, que deveria estar mais alarmada – todos nós deveríamos estar muito mais alarmados. Se você está vendo que as coisas estão virando um inferno é porque as coisas estão virando um inferno.

Capa de 'I Love Russia: Reporting From a Lost Country', de Elena Kostyuchenko 

Serviço

I Love Russia: Reporting From a Lost Country

  • Editora: Penguin Press
  • Autora: Elena Kostyuchenko
  • Tradução para o inglês: Bela Shayevich e Ilona Yazhbin Chavasse
  • 363 páginas; US$ 30

*Nick Hilden escreve sobre artes, viagens, tecnologia e saúde para inúmeras publicações.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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Entrevista por Nick Hilden

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