'O fim do mundo é se dar conta de que esse fim não é a morte', diz Natalia Borges Polesso


Autora de 'Amora' e 'Controle', ela lança 'A Extinção das Abelhas', situado num futuro próximo quando o Brasil entrou em colapso

Por Maria Fernanda Rodrigues

A Extinção das Abelhas, segundo romance da escritora gaúcha Natalia Borges Polesso, vencedora do Jabuti de contos com Amora, é situado num futuro próximo, antes de 2030. Regina, a protagonista, nos guia por um Brasil em ruínas e não tem nada de bonito no que vemos. O mundo está entrando em colapso por uma série de questões, e a situação, aqui, é mais séria. Primeiro, a comida fica cara. Depois, podre. E então já não há mais nada para comer – nem remédio, nem dignidade. A violência aumenta. Civis vigiam uns aos outros, milícias cuidam da segurança particular. Os ricos fogem nos últimos aviões. Não há mais noite e dia, só dia.

O fim do mundo não chega de uma hora para a outra. Os sinais estão aí, nós é que não percebemos, diz a personagem. Não acreditamos. “A gente pensou que daria um jeito. Isso é bonito e é tão triste...”, diz Regina.

A escritoraNatalia Borges Polesso, autora de 'A Extinção das Abelhas' Foto: Bruno Kriger
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Até que se entenda que pode haver um caminho, o livro é desolador. Mas este é, também, um romance sobre a relação de uma filha com a mãe que a abandonou na infância, sobre solidão e liberdade e sobre novas possibilidades de encontros. Natalia, autora ainda de, entre outros, Controle e coautora de Corpos Secos, conversou com o Estadão, por telefone, sobre esta obra escrita “com sentimento bélico de enfrentamento”, antes da pandemia (que acabou sendo incorporada no enredo), e que tem um “compromisso com o contemporâneo”.

Como e quando surgiu a ideia?

Comecei em 2016, por algumas inquietações e questões que me incomodavam com relação à política e a coisas globais que estavam acontecendo com o planeta e a natureza. Eu comecei a escrever histórias que já tinham essa personagem, mas o cerne do livro, que é essa ideia de colapsos, no plural, chegou em 2017, com alguma elaboração do ano de 2016. 

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A ficção não precisa ter compromisso com a realidade, e no entanto estamos aqui conversando sobre um livro que tem tanto do Brasil pós-2013 e ecos de 2020. E tem a história da extinção das abelhas nos ameaçando silenciosamente, e sua metáfora. Diante do que estamos vivendo, do que nos tornamos, era impossível não se envolver, não querer trabalhar isso num romance?

Acho que, quando tu marca 2013, talvez seja isso mesmo e tudo o que a gente tem vivido nos últimos anos. Para mim, com a elaboração, elas se tornaram questões meio obsessivas de trabalho, na minha produção mais atual. Eu me sinto compelida a escrever sobre esse momento, e não falo 2021, da pandemia, falo desse momento que a gente vem vivendo nos últimos anos. Também acho que a ficção não tem compromisso com a realidade, mas acho que a ficção tem um compromisso com o contemporâneo. Para mim, ficaram questões obsessivas: o que está acontecendo, como estamos vivendo isso, como viver e ter prazer vivendo isso?

E veio a pandemia, e ela apareceu no livro. Esse marco de março de 2020 mudou alguma coisa na sua história? Ele intensificou alguma questão ou você colocou ali só para registrar esse tempo?

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O livro se torna pós-pandêmico porque a pandemia passa a existir e não o contrário. Não planejei escrever sobre a pandemia. Entreguei o livro antes da pandemia e tudo parou. E no processo de edição, no vaivém com a minha editora, achei por bem inseri-la. É tão fácil acreditar que ele foi construído para ser pós-pandêmico, porque as coisas que estão ali foram tão marcadas e destacadas pela pandemia. Tudo o que estamos vivendo, os problemas sociais e ecológicos, de comprometimento e mesmo de enxergar as relações de desejo que a gente tem – e não só as relações de amizade –, tudo, tudo o que aconteceu depois da eleição do Bolsonaro. Isso de pesar as relações. As pessoas descobrindo que não conseguem mais se relacionar com certas pessoas porque tudo ficou às claras. 

Como você vê o livro? O que buscou com ele? Como se difere dos outros?

Ele é mais complexo por uma questão simples: tem mais núcleos narrativos. Não é linear e é experimental em alguns aspectos, como a segunda parte, que é uma colagem como se fosse uma timeline de notícias e eventos. O livro é muito baseado em estrutura. Na primeira parte, tem a história da Regina, nesse futuro próximo – uma história que não é necessariamente linear, mas que ajuda a entender o que está acontecendo com ela e como isso vai desembocar nesse colapso pessoal e nesse colapso em vários níveis, como o das relações dela, do desejo, da sua tentativa salvacionista e de consertar as coisas sem entender que são coisas maiores, coletivas. E o colapso da natureza, do mundo mesmo. É tipo uma boneca russa de colapsos. E tem a história da Guadalupe, que é a mãe dela. As histórias estão ali entrelaçadas. São duas histórias, dois eixos temporais e um não é linear. Então, fiz uma costura com os títulos para tentar dar uma outra fluidez à leitura. Não foi muito fácil. A segunda parte é essa narrativa do colapso, essas vozes, essa timeline que mencionei. E a voz de Regina volta. Eu não queria terminar esse livro num tom apocalíptico. Queria terminar num tom assim: se a gente repensar as coisas, é possível, com outros encontros, que não sejam família, tradição e propriedade, compreender o mundo de outra forma e tentar viver de outra forma. É meio isso: a gente precisa colapsar o entendimento de algumas coisas para poder viver outras. Isso está na terceira parte, uma narrativa em terceira pessoa que olha para os personagens e tenta organizar o caos. Então, o enredo está bem ligado com a estrutura, para mim. Foi o que tentei fazer. 

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A fição não tem um compromisso com a realidade, mas com o contemporâneo

Quando se passa a história?

Não estipulei e foi proposital, mas há alguns dados: depois do governo Bolsonaro, entra outro presidente, que é para ser o Luciano Huck, mas não está dito isso lá. É como se fosse daqui a seis, oito anos. Um futuro bem próximo.

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Há algum risco de tentar compreender e apreender o presente escrevendo no calor da hora?

O calor da hora sempre traz riscos, mas sempre vai ter essa ideia de espírito do tempo. Às vezes, a gente consegue pegar e, às vezes erra a mão. Tem o risco de a gente não entender o que está acontecendo ou de não ser compreendido. 

Regina pergunta: ‘Onde falhamos como pessoas?’ Você tem alguma ideia?

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Não, acho que é multifatorial. A gente falhou lá no início quando chegou a colonização. 

Ela fala também, em diferentes momentos: ‘A gente não se assusta com mais nada. Até que as coisas nos atinjam’. Ou ‘Tenho a impressão de que o jeito que a gente chegou aqui a este momento foi na base do sonambulismo, da desatenção em relação ao outro, do descrédito’. E ‘A gente nunca dá bola pras coisas, até que elas aparecem bem na nossa cara. Ou desaparecem’. É o que você pensa também? 

Sim, é bem o que eu penso. Dá um cansaço viver o que estamos vivendo, mas eu me sinto nesse compromisso de viver a vida, tentar desconstruir, tentar pensar as coisas, tentar ser uma pessoa antirracista, tentar ser uma pessoa que vai entender questões que se falam agora, questões sociais. Eu me sinto no compromisso de continuar tentando, e tentando melhorar o mundo. Parece Poliana Moça, né? Mas me sinto no compromisso de tentar fazer do mundo um lugar melhor, com os meus recursos, tanto no plano pessoal quanto no coletivo porque, se não, a gente morre. Morre de inanição, morre de bolsonarismo. A gente morre de várias coisas. 

No livro, tem esse país que está em colapso. A impressão é que vai ser preciso fundar algo novo, e que, coletivamente, acharemos uma forma de recomeçar. Ou, como uma personagem diz: ‘É preciso recomeçar. E se não der certo, recomeçamos de novo’. Você é otimista a este ponto?

Não sou otimista. Tento, mas não sou. Nossa visão de mudança e de revolução é um pouco antiga e romântica – a de que de uma hora para a outra as coisas vão dar certo numa escala planetária, e não vejo isso acontecendo. Vejo isso acontecendo em escalas pequenas, em relações que vão mudando, em pequenos coletivos que vão criando outras realidades, outros afetos, outras transformações e que, em algum momento, isso vai estar mais na política, onde já temos mandatos coletivos. Essa transformação é muito devagar. E é um cuidado sempre muito extremo para que o que a gente conseguiu não seja de alguma forma surrupiado. Parece que a gente vive essa constante ameaça não só no Brasil. Enfim, são as transformações pequenas e lentas.

O fim do mundo também é uma transição pequena e lenta. Você fala no livro que imaginava o fim como nos filmes. 

O fim do mundo é se dar conta do fim do mundo. E se dar conta de que esse fim não é a morte. Para algumas pessoas, sim, é a morte, como quando a polícia entra atirando no Jacarezinho. Mas enquanto não é a morte, precisa ser alguma transformação. 

O livro também é sobre família, sobre solidão e nosso lugar no mundo. E tem uma lição bonita da mãe, que ela não chegou a ensinar: ‘Desejo que tu saiba estar com as pessoas’. Esse também é um caminho para um final feliz: o contato com outro, o olhar para o outro e o entendimento do outro?

Sim, e outra coisa que a pandemia destacou é o quão sozinhos nós temos estado e ela fez perceber que, às vezes, isso faz falta e que, às vezes, para de fazer falta. A gente se acostuma a não ver ninguém, a ver só pelas telas, a ficar sozinho. No livro, há esses encontros. Tanto a Lupi quanto a Regina vão se encontrar com outras pessoas que não são a família. É essa noção de estar com as pessoas, de construir relações que não sejam pautadas naquilo que a gente conhece, tipo o que eu brinquei antes, da família e propriedade, e de construir outro tipo de amor e conseguir seguir com isso. Acredito que a noção de coletividade, como a gente se relaciona com o outro, precisa também de um pouco de mudança. E é isso o que vai nos levar adiante.

Há ainda a questão do medo. A personagem diz: ‘O mundo não acabou, eles querem que a gente acabe’. Ou que a gente acabe com o mundo. Tem todo esse medo sendo construído de várias formas no dia a dia e esse também é um jeito de acabarmos com o mundo, de sermos os responsáveis.

É isso, e isso é escolher repetir as coisas. Esse espaço de fim é criado com uma série de faltas. Vai faltando primeiro o que é material e depois o que não é material, como a possibilidade do desejo. O que eu vou desejar se eu preciso agir apenas pela urgência de estar vivo? Fico pensando que isso é construído. Esse fim do mundo que está no livro e essa coisa mais fictícia e distópica já acontece. Nada é exatamente inventado. Está aí. E isso é o mais assustador. Até que isso nos afete, a gente não entende que isso é o fim. É aí que está o problema.

Tem tudo e todos no livro: população de rua, imigrantes, refugiados, gays, fome, mudança climática, milícia, estupro contra mulher lésbica, violência, polarização, hostilidade. Você devia estar com muita raiva ao escrevê-lo.

Ele é um livro escrito com um sentimento bélico de enfrentamento, ou de raiva contra o mundo. Mas também com um sentimento de uma tristeza imensa. Um tristeza imensa de se ver um pouco ali, nessas caminhadas, de se encontrar às vezes num lugar parecido. Raiva é bom nesse sentido. A raiva também nos move.

A Extinção das Abelhas, segundo romance da escritora gaúcha Natalia Borges Polesso, vencedora do Jabuti de contos com Amora, é situado num futuro próximo, antes de 2030. Regina, a protagonista, nos guia por um Brasil em ruínas e não tem nada de bonito no que vemos. O mundo está entrando em colapso por uma série de questões, e a situação, aqui, é mais séria. Primeiro, a comida fica cara. Depois, podre. E então já não há mais nada para comer – nem remédio, nem dignidade. A violência aumenta. Civis vigiam uns aos outros, milícias cuidam da segurança particular. Os ricos fogem nos últimos aviões. Não há mais noite e dia, só dia.

O fim do mundo não chega de uma hora para a outra. Os sinais estão aí, nós é que não percebemos, diz a personagem. Não acreditamos. “A gente pensou que daria um jeito. Isso é bonito e é tão triste...”, diz Regina.

A escritoraNatalia Borges Polesso, autora de 'A Extinção das Abelhas' Foto: Bruno Kriger

Até que se entenda que pode haver um caminho, o livro é desolador. Mas este é, também, um romance sobre a relação de uma filha com a mãe que a abandonou na infância, sobre solidão e liberdade e sobre novas possibilidades de encontros. Natalia, autora ainda de, entre outros, Controle e coautora de Corpos Secos, conversou com o Estadão, por telefone, sobre esta obra escrita “com sentimento bélico de enfrentamento”, antes da pandemia (que acabou sendo incorporada no enredo), e que tem um “compromisso com o contemporâneo”.

Como e quando surgiu a ideia?

Comecei em 2016, por algumas inquietações e questões que me incomodavam com relação à política e a coisas globais que estavam acontecendo com o planeta e a natureza. Eu comecei a escrever histórias que já tinham essa personagem, mas o cerne do livro, que é essa ideia de colapsos, no plural, chegou em 2017, com alguma elaboração do ano de 2016. 

A ficção não precisa ter compromisso com a realidade, e no entanto estamos aqui conversando sobre um livro que tem tanto do Brasil pós-2013 e ecos de 2020. E tem a história da extinção das abelhas nos ameaçando silenciosamente, e sua metáfora. Diante do que estamos vivendo, do que nos tornamos, era impossível não se envolver, não querer trabalhar isso num romance?

Acho que, quando tu marca 2013, talvez seja isso mesmo e tudo o que a gente tem vivido nos últimos anos. Para mim, com a elaboração, elas se tornaram questões meio obsessivas de trabalho, na minha produção mais atual. Eu me sinto compelida a escrever sobre esse momento, e não falo 2021, da pandemia, falo desse momento que a gente vem vivendo nos últimos anos. Também acho que a ficção não tem compromisso com a realidade, mas acho que a ficção tem um compromisso com o contemporâneo. Para mim, ficaram questões obsessivas: o que está acontecendo, como estamos vivendo isso, como viver e ter prazer vivendo isso?

E veio a pandemia, e ela apareceu no livro. Esse marco de março de 2020 mudou alguma coisa na sua história? Ele intensificou alguma questão ou você colocou ali só para registrar esse tempo?

O livro se torna pós-pandêmico porque a pandemia passa a existir e não o contrário. Não planejei escrever sobre a pandemia. Entreguei o livro antes da pandemia e tudo parou. E no processo de edição, no vaivém com a minha editora, achei por bem inseri-la. É tão fácil acreditar que ele foi construído para ser pós-pandêmico, porque as coisas que estão ali foram tão marcadas e destacadas pela pandemia. Tudo o que estamos vivendo, os problemas sociais e ecológicos, de comprometimento e mesmo de enxergar as relações de desejo que a gente tem – e não só as relações de amizade –, tudo, tudo o que aconteceu depois da eleição do Bolsonaro. Isso de pesar as relações. As pessoas descobrindo que não conseguem mais se relacionar com certas pessoas porque tudo ficou às claras. 

Como você vê o livro? O que buscou com ele? Como se difere dos outros?

Ele é mais complexo por uma questão simples: tem mais núcleos narrativos. Não é linear e é experimental em alguns aspectos, como a segunda parte, que é uma colagem como se fosse uma timeline de notícias e eventos. O livro é muito baseado em estrutura. Na primeira parte, tem a história da Regina, nesse futuro próximo – uma história que não é necessariamente linear, mas que ajuda a entender o que está acontecendo com ela e como isso vai desembocar nesse colapso pessoal e nesse colapso em vários níveis, como o das relações dela, do desejo, da sua tentativa salvacionista e de consertar as coisas sem entender que são coisas maiores, coletivas. E o colapso da natureza, do mundo mesmo. É tipo uma boneca russa de colapsos. E tem a história da Guadalupe, que é a mãe dela. As histórias estão ali entrelaçadas. São duas histórias, dois eixos temporais e um não é linear. Então, fiz uma costura com os títulos para tentar dar uma outra fluidez à leitura. Não foi muito fácil. A segunda parte é essa narrativa do colapso, essas vozes, essa timeline que mencionei. E a voz de Regina volta. Eu não queria terminar esse livro num tom apocalíptico. Queria terminar num tom assim: se a gente repensar as coisas, é possível, com outros encontros, que não sejam família, tradição e propriedade, compreender o mundo de outra forma e tentar viver de outra forma. É meio isso: a gente precisa colapsar o entendimento de algumas coisas para poder viver outras. Isso está na terceira parte, uma narrativa em terceira pessoa que olha para os personagens e tenta organizar o caos. Então, o enredo está bem ligado com a estrutura, para mim. Foi o que tentei fazer. 

A fição não tem um compromisso com a realidade, mas com o contemporâneo

Quando se passa a história?

Não estipulei e foi proposital, mas há alguns dados: depois do governo Bolsonaro, entra outro presidente, que é para ser o Luciano Huck, mas não está dito isso lá. É como se fosse daqui a seis, oito anos. Um futuro bem próximo.

Há algum risco de tentar compreender e apreender o presente escrevendo no calor da hora?

O calor da hora sempre traz riscos, mas sempre vai ter essa ideia de espírito do tempo. Às vezes, a gente consegue pegar e, às vezes erra a mão. Tem o risco de a gente não entender o que está acontecendo ou de não ser compreendido. 

Regina pergunta: ‘Onde falhamos como pessoas?’ Você tem alguma ideia?

Não, acho que é multifatorial. A gente falhou lá no início quando chegou a colonização. 

Ela fala também, em diferentes momentos: ‘A gente não se assusta com mais nada. Até que as coisas nos atinjam’. Ou ‘Tenho a impressão de que o jeito que a gente chegou aqui a este momento foi na base do sonambulismo, da desatenção em relação ao outro, do descrédito’. E ‘A gente nunca dá bola pras coisas, até que elas aparecem bem na nossa cara. Ou desaparecem’. É o que você pensa também? 

Sim, é bem o que eu penso. Dá um cansaço viver o que estamos vivendo, mas eu me sinto nesse compromisso de viver a vida, tentar desconstruir, tentar pensar as coisas, tentar ser uma pessoa antirracista, tentar ser uma pessoa que vai entender questões que se falam agora, questões sociais. Eu me sinto no compromisso de continuar tentando, e tentando melhorar o mundo. Parece Poliana Moça, né? Mas me sinto no compromisso de tentar fazer do mundo um lugar melhor, com os meus recursos, tanto no plano pessoal quanto no coletivo porque, se não, a gente morre. Morre de inanição, morre de bolsonarismo. A gente morre de várias coisas. 

No livro, tem esse país que está em colapso. A impressão é que vai ser preciso fundar algo novo, e que, coletivamente, acharemos uma forma de recomeçar. Ou, como uma personagem diz: ‘É preciso recomeçar. E se não der certo, recomeçamos de novo’. Você é otimista a este ponto?

Não sou otimista. Tento, mas não sou. Nossa visão de mudança e de revolução é um pouco antiga e romântica – a de que de uma hora para a outra as coisas vão dar certo numa escala planetária, e não vejo isso acontecendo. Vejo isso acontecendo em escalas pequenas, em relações que vão mudando, em pequenos coletivos que vão criando outras realidades, outros afetos, outras transformações e que, em algum momento, isso vai estar mais na política, onde já temos mandatos coletivos. Essa transformação é muito devagar. E é um cuidado sempre muito extremo para que o que a gente conseguiu não seja de alguma forma surrupiado. Parece que a gente vive essa constante ameaça não só no Brasil. Enfim, são as transformações pequenas e lentas.

O fim do mundo também é uma transição pequena e lenta. Você fala no livro que imaginava o fim como nos filmes. 

O fim do mundo é se dar conta do fim do mundo. E se dar conta de que esse fim não é a morte. Para algumas pessoas, sim, é a morte, como quando a polícia entra atirando no Jacarezinho. Mas enquanto não é a morte, precisa ser alguma transformação. 

O livro também é sobre família, sobre solidão e nosso lugar no mundo. E tem uma lição bonita da mãe, que ela não chegou a ensinar: ‘Desejo que tu saiba estar com as pessoas’. Esse também é um caminho para um final feliz: o contato com outro, o olhar para o outro e o entendimento do outro?

Sim, e outra coisa que a pandemia destacou é o quão sozinhos nós temos estado e ela fez perceber que, às vezes, isso faz falta e que, às vezes, para de fazer falta. A gente se acostuma a não ver ninguém, a ver só pelas telas, a ficar sozinho. No livro, há esses encontros. Tanto a Lupi quanto a Regina vão se encontrar com outras pessoas que não são a família. É essa noção de estar com as pessoas, de construir relações que não sejam pautadas naquilo que a gente conhece, tipo o que eu brinquei antes, da família e propriedade, e de construir outro tipo de amor e conseguir seguir com isso. Acredito que a noção de coletividade, como a gente se relaciona com o outro, precisa também de um pouco de mudança. E é isso o que vai nos levar adiante.

Há ainda a questão do medo. A personagem diz: ‘O mundo não acabou, eles querem que a gente acabe’. Ou que a gente acabe com o mundo. Tem todo esse medo sendo construído de várias formas no dia a dia e esse também é um jeito de acabarmos com o mundo, de sermos os responsáveis.

É isso, e isso é escolher repetir as coisas. Esse espaço de fim é criado com uma série de faltas. Vai faltando primeiro o que é material e depois o que não é material, como a possibilidade do desejo. O que eu vou desejar se eu preciso agir apenas pela urgência de estar vivo? Fico pensando que isso é construído. Esse fim do mundo que está no livro e essa coisa mais fictícia e distópica já acontece. Nada é exatamente inventado. Está aí. E isso é o mais assustador. Até que isso nos afete, a gente não entende que isso é o fim. É aí que está o problema.

Tem tudo e todos no livro: população de rua, imigrantes, refugiados, gays, fome, mudança climática, milícia, estupro contra mulher lésbica, violência, polarização, hostilidade. Você devia estar com muita raiva ao escrevê-lo.

Ele é um livro escrito com um sentimento bélico de enfrentamento, ou de raiva contra o mundo. Mas também com um sentimento de uma tristeza imensa. Um tristeza imensa de se ver um pouco ali, nessas caminhadas, de se encontrar às vezes num lugar parecido. Raiva é bom nesse sentido. A raiva também nos move.

A Extinção das Abelhas, segundo romance da escritora gaúcha Natalia Borges Polesso, vencedora do Jabuti de contos com Amora, é situado num futuro próximo, antes de 2030. Regina, a protagonista, nos guia por um Brasil em ruínas e não tem nada de bonito no que vemos. O mundo está entrando em colapso por uma série de questões, e a situação, aqui, é mais séria. Primeiro, a comida fica cara. Depois, podre. E então já não há mais nada para comer – nem remédio, nem dignidade. A violência aumenta. Civis vigiam uns aos outros, milícias cuidam da segurança particular. Os ricos fogem nos últimos aviões. Não há mais noite e dia, só dia.

O fim do mundo não chega de uma hora para a outra. Os sinais estão aí, nós é que não percebemos, diz a personagem. Não acreditamos. “A gente pensou que daria um jeito. Isso é bonito e é tão triste...”, diz Regina.

A escritoraNatalia Borges Polesso, autora de 'A Extinção das Abelhas' Foto: Bruno Kriger

Até que se entenda que pode haver um caminho, o livro é desolador. Mas este é, também, um romance sobre a relação de uma filha com a mãe que a abandonou na infância, sobre solidão e liberdade e sobre novas possibilidades de encontros. Natalia, autora ainda de, entre outros, Controle e coautora de Corpos Secos, conversou com o Estadão, por telefone, sobre esta obra escrita “com sentimento bélico de enfrentamento”, antes da pandemia (que acabou sendo incorporada no enredo), e que tem um “compromisso com o contemporâneo”.

Como e quando surgiu a ideia?

Comecei em 2016, por algumas inquietações e questões que me incomodavam com relação à política e a coisas globais que estavam acontecendo com o planeta e a natureza. Eu comecei a escrever histórias que já tinham essa personagem, mas o cerne do livro, que é essa ideia de colapsos, no plural, chegou em 2017, com alguma elaboração do ano de 2016. 

A ficção não precisa ter compromisso com a realidade, e no entanto estamos aqui conversando sobre um livro que tem tanto do Brasil pós-2013 e ecos de 2020. E tem a história da extinção das abelhas nos ameaçando silenciosamente, e sua metáfora. Diante do que estamos vivendo, do que nos tornamos, era impossível não se envolver, não querer trabalhar isso num romance?

Acho que, quando tu marca 2013, talvez seja isso mesmo e tudo o que a gente tem vivido nos últimos anos. Para mim, com a elaboração, elas se tornaram questões meio obsessivas de trabalho, na minha produção mais atual. Eu me sinto compelida a escrever sobre esse momento, e não falo 2021, da pandemia, falo desse momento que a gente vem vivendo nos últimos anos. Também acho que a ficção não tem compromisso com a realidade, mas acho que a ficção tem um compromisso com o contemporâneo. Para mim, ficaram questões obsessivas: o que está acontecendo, como estamos vivendo isso, como viver e ter prazer vivendo isso?

E veio a pandemia, e ela apareceu no livro. Esse marco de março de 2020 mudou alguma coisa na sua história? Ele intensificou alguma questão ou você colocou ali só para registrar esse tempo?

O livro se torna pós-pandêmico porque a pandemia passa a existir e não o contrário. Não planejei escrever sobre a pandemia. Entreguei o livro antes da pandemia e tudo parou. E no processo de edição, no vaivém com a minha editora, achei por bem inseri-la. É tão fácil acreditar que ele foi construído para ser pós-pandêmico, porque as coisas que estão ali foram tão marcadas e destacadas pela pandemia. Tudo o que estamos vivendo, os problemas sociais e ecológicos, de comprometimento e mesmo de enxergar as relações de desejo que a gente tem – e não só as relações de amizade –, tudo, tudo o que aconteceu depois da eleição do Bolsonaro. Isso de pesar as relações. As pessoas descobrindo que não conseguem mais se relacionar com certas pessoas porque tudo ficou às claras. 

Como você vê o livro? O que buscou com ele? Como se difere dos outros?

Ele é mais complexo por uma questão simples: tem mais núcleos narrativos. Não é linear e é experimental em alguns aspectos, como a segunda parte, que é uma colagem como se fosse uma timeline de notícias e eventos. O livro é muito baseado em estrutura. Na primeira parte, tem a história da Regina, nesse futuro próximo – uma história que não é necessariamente linear, mas que ajuda a entender o que está acontecendo com ela e como isso vai desembocar nesse colapso pessoal e nesse colapso em vários níveis, como o das relações dela, do desejo, da sua tentativa salvacionista e de consertar as coisas sem entender que são coisas maiores, coletivas. E o colapso da natureza, do mundo mesmo. É tipo uma boneca russa de colapsos. E tem a história da Guadalupe, que é a mãe dela. As histórias estão ali entrelaçadas. São duas histórias, dois eixos temporais e um não é linear. Então, fiz uma costura com os títulos para tentar dar uma outra fluidez à leitura. Não foi muito fácil. A segunda parte é essa narrativa do colapso, essas vozes, essa timeline que mencionei. E a voz de Regina volta. Eu não queria terminar esse livro num tom apocalíptico. Queria terminar num tom assim: se a gente repensar as coisas, é possível, com outros encontros, que não sejam família, tradição e propriedade, compreender o mundo de outra forma e tentar viver de outra forma. É meio isso: a gente precisa colapsar o entendimento de algumas coisas para poder viver outras. Isso está na terceira parte, uma narrativa em terceira pessoa que olha para os personagens e tenta organizar o caos. Então, o enredo está bem ligado com a estrutura, para mim. Foi o que tentei fazer. 

A fição não tem um compromisso com a realidade, mas com o contemporâneo

Quando se passa a história?

Não estipulei e foi proposital, mas há alguns dados: depois do governo Bolsonaro, entra outro presidente, que é para ser o Luciano Huck, mas não está dito isso lá. É como se fosse daqui a seis, oito anos. Um futuro bem próximo.

Há algum risco de tentar compreender e apreender o presente escrevendo no calor da hora?

O calor da hora sempre traz riscos, mas sempre vai ter essa ideia de espírito do tempo. Às vezes, a gente consegue pegar e, às vezes erra a mão. Tem o risco de a gente não entender o que está acontecendo ou de não ser compreendido. 

Regina pergunta: ‘Onde falhamos como pessoas?’ Você tem alguma ideia?

Não, acho que é multifatorial. A gente falhou lá no início quando chegou a colonização. 

Ela fala também, em diferentes momentos: ‘A gente não se assusta com mais nada. Até que as coisas nos atinjam’. Ou ‘Tenho a impressão de que o jeito que a gente chegou aqui a este momento foi na base do sonambulismo, da desatenção em relação ao outro, do descrédito’. E ‘A gente nunca dá bola pras coisas, até que elas aparecem bem na nossa cara. Ou desaparecem’. É o que você pensa também? 

Sim, é bem o que eu penso. Dá um cansaço viver o que estamos vivendo, mas eu me sinto nesse compromisso de viver a vida, tentar desconstruir, tentar pensar as coisas, tentar ser uma pessoa antirracista, tentar ser uma pessoa que vai entender questões que se falam agora, questões sociais. Eu me sinto no compromisso de continuar tentando, e tentando melhorar o mundo. Parece Poliana Moça, né? Mas me sinto no compromisso de tentar fazer do mundo um lugar melhor, com os meus recursos, tanto no plano pessoal quanto no coletivo porque, se não, a gente morre. Morre de inanição, morre de bolsonarismo. A gente morre de várias coisas. 

No livro, tem esse país que está em colapso. A impressão é que vai ser preciso fundar algo novo, e que, coletivamente, acharemos uma forma de recomeçar. Ou, como uma personagem diz: ‘É preciso recomeçar. E se não der certo, recomeçamos de novo’. Você é otimista a este ponto?

Não sou otimista. Tento, mas não sou. Nossa visão de mudança e de revolução é um pouco antiga e romântica – a de que de uma hora para a outra as coisas vão dar certo numa escala planetária, e não vejo isso acontecendo. Vejo isso acontecendo em escalas pequenas, em relações que vão mudando, em pequenos coletivos que vão criando outras realidades, outros afetos, outras transformações e que, em algum momento, isso vai estar mais na política, onde já temos mandatos coletivos. Essa transformação é muito devagar. E é um cuidado sempre muito extremo para que o que a gente conseguiu não seja de alguma forma surrupiado. Parece que a gente vive essa constante ameaça não só no Brasil. Enfim, são as transformações pequenas e lentas.

O fim do mundo também é uma transição pequena e lenta. Você fala no livro que imaginava o fim como nos filmes. 

O fim do mundo é se dar conta do fim do mundo. E se dar conta de que esse fim não é a morte. Para algumas pessoas, sim, é a morte, como quando a polícia entra atirando no Jacarezinho. Mas enquanto não é a morte, precisa ser alguma transformação. 

O livro também é sobre família, sobre solidão e nosso lugar no mundo. E tem uma lição bonita da mãe, que ela não chegou a ensinar: ‘Desejo que tu saiba estar com as pessoas’. Esse também é um caminho para um final feliz: o contato com outro, o olhar para o outro e o entendimento do outro?

Sim, e outra coisa que a pandemia destacou é o quão sozinhos nós temos estado e ela fez perceber que, às vezes, isso faz falta e que, às vezes, para de fazer falta. A gente se acostuma a não ver ninguém, a ver só pelas telas, a ficar sozinho. No livro, há esses encontros. Tanto a Lupi quanto a Regina vão se encontrar com outras pessoas que não são a família. É essa noção de estar com as pessoas, de construir relações que não sejam pautadas naquilo que a gente conhece, tipo o que eu brinquei antes, da família e propriedade, e de construir outro tipo de amor e conseguir seguir com isso. Acredito que a noção de coletividade, como a gente se relaciona com o outro, precisa também de um pouco de mudança. E é isso o que vai nos levar adiante.

Há ainda a questão do medo. A personagem diz: ‘O mundo não acabou, eles querem que a gente acabe’. Ou que a gente acabe com o mundo. Tem todo esse medo sendo construído de várias formas no dia a dia e esse também é um jeito de acabarmos com o mundo, de sermos os responsáveis.

É isso, e isso é escolher repetir as coisas. Esse espaço de fim é criado com uma série de faltas. Vai faltando primeiro o que é material e depois o que não é material, como a possibilidade do desejo. O que eu vou desejar se eu preciso agir apenas pela urgência de estar vivo? Fico pensando que isso é construído. Esse fim do mundo que está no livro e essa coisa mais fictícia e distópica já acontece. Nada é exatamente inventado. Está aí. E isso é o mais assustador. Até que isso nos afete, a gente não entende que isso é o fim. É aí que está o problema.

Tem tudo e todos no livro: população de rua, imigrantes, refugiados, gays, fome, mudança climática, milícia, estupro contra mulher lésbica, violência, polarização, hostilidade. Você devia estar com muita raiva ao escrevê-lo.

Ele é um livro escrito com um sentimento bélico de enfrentamento, ou de raiva contra o mundo. Mas também com um sentimento de uma tristeza imensa. Um tristeza imensa de se ver um pouco ali, nessas caminhadas, de se encontrar às vezes num lugar parecido. Raiva é bom nesse sentido. A raiva também nos move.

A Extinção das Abelhas, segundo romance da escritora gaúcha Natalia Borges Polesso, vencedora do Jabuti de contos com Amora, é situado num futuro próximo, antes de 2030. Regina, a protagonista, nos guia por um Brasil em ruínas e não tem nada de bonito no que vemos. O mundo está entrando em colapso por uma série de questões, e a situação, aqui, é mais séria. Primeiro, a comida fica cara. Depois, podre. E então já não há mais nada para comer – nem remédio, nem dignidade. A violência aumenta. Civis vigiam uns aos outros, milícias cuidam da segurança particular. Os ricos fogem nos últimos aviões. Não há mais noite e dia, só dia.

O fim do mundo não chega de uma hora para a outra. Os sinais estão aí, nós é que não percebemos, diz a personagem. Não acreditamos. “A gente pensou que daria um jeito. Isso é bonito e é tão triste...”, diz Regina.

A escritoraNatalia Borges Polesso, autora de 'A Extinção das Abelhas' Foto: Bruno Kriger

Até que se entenda que pode haver um caminho, o livro é desolador. Mas este é, também, um romance sobre a relação de uma filha com a mãe que a abandonou na infância, sobre solidão e liberdade e sobre novas possibilidades de encontros. Natalia, autora ainda de, entre outros, Controle e coautora de Corpos Secos, conversou com o Estadão, por telefone, sobre esta obra escrita “com sentimento bélico de enfrentamento”, antes da pandemia (que acabou sendo incorporada no enredo), e que tem um “compromisso com o contemporâneo”.

Como e quando surgiu a ideia?

Comecei em 2016, por algumas inquietações e questões que me incomodavam com relação à política e a coisas globais que estavam acontecendo com o planeta e a natureza. Eu comecei a escrever histórias que já tinham essa personagem, mas o cerne do livro, que é essa ideia de colapsos, no plural, chegou em 2017, com alguma elaboração do ano de 2016. 

A ficção não precisa ter compromisso com a realidade, e no entanto estamos aqui conversando sobre um livro que tem tanto do Brasil pós-2013 e ecos de 2020. E tem a história da extinção das abelhas nos ameaçando silenciosamente, e sua metáfora. Diante do que estamos vivendo, do que nos tornamos, era impossível não se envolver, não querer trabalhar isso num romance?

Acho que, quando tu marca 2013, talvez seja isso mesmo e tudo o que a gente tem vivido nos últimos anos. Para mim, com a elaboração, elas se tornaram questões meio obsessivas de trabalho, na minha produção mais atual. Eu me sinto compelida a escrever sobre esse momento, e não falo 2021, da pandemia, falo desse momento que a gente vem vivendo nos últimos anos. Também acho que a ficção não tem compromisso com a realidade, mas acho que a ficção tem um compromisso com o contemporâneo. Para mim, ficaram questões obsessivas: o que está acontecendo, como estamos vivendo isso, como viver e ter prazer vivendo isso?

E veio a pandemia, e ela apareceu no livro. Esse marco de março de 2020 mudou alguma coisa na sua história? Ele intensificou alguma questão ou você colocou ali só para registrar esse tempo?

O livro se torna pós-pandêmico porque a pandemia passa a existir e não o contrário. Não planejei escrever sobre a pandemia. Entreguei o livro antes da pandemia e tudo parou. E no processo de edição, no vaivém com a minha editora, achei por bem inseri-la. É tão fácil acreditar que ele foi construído para ser pós-pandêmico, porque as coisas que estão ali foram tão marcadas e destacadas pela pandemia. Tudo o que estamos vivendo, os problemas sociais e ecológicos, de comprometimento e mesmo de enxergar as relações de desejo que a gente tem – e não só as relações de amizade –, tudo, tudo o que aconteceu depois da eleição do Bolsonaro. Isso de pesar as relações. As pessoas descobrindo que não conseguem mais se relacionar com certas pessoas porque tudo ficou às claras. 

Como você vê o livro? O que buscou com ele? Como se difere dos outros?

Ele é mais complexo por uma questão simples: tem mais núcleos narrativos. Não é linear e é experimental em alguns aspectos, como a segunda parte, que é uma colagem como se fosse uma timeline de notícias e eventos. O livro é muito baseado em estrutura. Na primeira parte, tem a história da Regina, nesse futuro próximo – uma história que não é necessariamente linear, mas que ajuda a entender o que está acontecendo com ela e como isso vai desembocar nesse colapso pessoal e nesse colapso em vários níveis, como o das relações dela, do desejo, da sua tentativa salvacionista e de consertar as coisas sem entender que são coisas maiores, coletivas. E o colapso da natureza, do mundo mesmo. É tipo uma boneca russa de colapsos. E tem a história da Guadalupe, que é a mãe dela. As histórias estão ali entrelaçadas. São duas histórias, dois eixos temporais e um não é linear. Então, fiz uma costura com os títulos para tentar dar uma outra fluidez à leitura. Não foi muito fácil. A segunda parte é essa narrativa do colapso, essas vozes, essa timeline que mencionei. E a voz de Regina volta. Eu não queria terminar esse livro num tom apocalíptico. Queria terminar num tom assim: se a gente repensar as coisas, é possível, com outros encontros, que não sejam família, tradição e propriedade, compreender o mundo de outra forma e tentar viver de outra forma. É meio isso: a gente precisa colapsar o entendimento de algumas coisas para poder viver outras. Isso está na terceira parte, uma narrativa em terceira pessoa que olha para os personagens e tenta organizar o caos. Então, o enredo está bem ligado com a estrutura, para mim. Foi o que tentei fazer. 

A fição não tem um compromisso com a realidade, mas com o contemporâneo

Quando se passa a história?

Não estipulei e foi proposital, mas há alguns dados: depois do governo Bolsonaro, entra outro presidente, que é para ser o Luciano Huck, mas não está dito isso lá. É como se fosse daqui a seis, oito anos. Um futuro bem próximo.

Há algum risco de tentar compreender e apreender o presente escrevendo no calor da hora?

O calor da hora sempre traz riscos, mas sempre vai ter essa ideia de espírito do tempo. Às vezes, a gente consegue pegar e, às vezes erra a mão. Tem o risco de a gente não entender o que está acontecendo ou de não ser compreendido. 

Regina pergunta: ‘Onde falhamos como pessoas?’ Você tem alguma ideia?

Não, acho que é multifatorial. A gente falhou lá no início quando chegou a colonização. 

Ela fala também, em diferentes momentos: ‘A gente não se assusta com mais nada. Até que as coisas nos atinjam’. Ou ‘Tenho a impressão de que o jeito que a gente chegou aqui a este momento foi na base do sonambulismo, da desatenção em relação ao outro, do descrédito’. E ‘A gente nunca dá bola pras coisas, até que elas aparecem bem na nossa cara. Ou desaparecem’. É o que você pensa também? 

Sim, é bem o que eu penso. Dá um cansaço viver o que estamos vivendo, mas eu me sinto nesse compromisso de viver a vida, tentar desconstruir, tentar pensar as coisas, tentar ser uma pessoa antirracista, tentar ser uma pessoa que vai entender questões que se falam agora, questões sociais. Eu me sinto no compromisso de continuar tentando, e tentando melhorar o mundo. Parece Poliana Moça, né? Mas me sinto no compromisso de tentar fazer do mundo um lugar melhor, com os meus recursos, tanto no plano pessoal quanto no coletivo porque, se não, a gente morre. Morre de inanição, morre de bolsonarismo. A gente morre de várias coisas. 

No livro, tem esse país que está em colapso. A impressão é que vai ser preciso fundar algo novo, e que, coletivamente, acharemos uma forma de recomeçar. Ou, como uma personagem diz: ‘É preciso recomeçar. E se não der certo, recomeçamos de novo’. Você é otimista a este ponto?

Não sou otimista. Tento, mas não sou. Nossa visão de mudança e de revolução é um pouco antiga e romântica – a de que de uma hora para a outra as coisas vão dar certo numa escala planetária, e não vejo isso acontecendo. Vejo isso acontecendo em escalas pequenas, em relações que vão mudando, em pequenos coletivos que vão criando outras realidades, outros afetos, outras transformações e que, em algum momento, isso vai estar mais na política, onde já temos mandatos coletivos. Essa transformação é muito devagar. E é um cuidado sempre muito extremo para que o que a gente conseguiu não seja de alguma forma surrupiado. Parece que a gente vive essa constante ameaça não só no Brasil. Enfim, são as transformações pequenas e lentas.

O fim do mundo também é uma transição pequena e lenta. Você fala no livro que imaginava o fim como nos filmes. 

O fim do mundo é se dar conta do fim do mundo. E se dar conta de que esse fim não é a morte. Para algumas pessoas, sim, é a morte, como quando a polícia entra atirando no Jacarezinho. Mas enquanto não é a morte, precisa ser alguma transformação. 

O livro também é sobre família, sobre solidão e nosso lugar no mundo. E tem uma lição bonita da mãe, que ela não chegou a ensinar: ‘Desejo que tu saiba estar com as pessoas’. Esse também é um caminho para um final feliz: o contato com outro, o olhar para o outro e o entendimento do outro?

Sim, e outra coisa que a pandemia destacou é o quão sozinhos nós temos estado e ela fez perceber que, às vezes, isso faz falta e que, às vezes, para de fazer falta. A gente se acostuma a não ver ninguém, a ver só pelas telas, a ficar sozinho. No livro, há esses encontros. Tanto a Lupi quanto a Regina vão se encontrar com outras pessoas que não são a família. É essa noção de estar com as pessoas, de construir relações que não sejam pautadas naquilo que a gente conhece, tipo o que eu brinquei antes, da família e propriedade, e de construir outro tipo de amor e conseguir seguir com isso. Acredito que a noção de coletividade, como a gente se relaciona com o outro, precisa também de um pouco de mudança. E é isso o que vai nos levar adiante.

Há ainda a questão do medo. A personagem diz: ‘O mundo não acabou, eles querem que a gente acabe’. Ou que a gente acabe com o mundo. Tem todo esse medo sendo construído de várias formas no dia a dia e esse também é um jeito de acabarmos com o mundo, de sermos os responsáveis.

É isso, e isso é escolher repetir as coisas. Esse espaço de fim é criado com uma série de faltas. Vai faltando primeiro o que é material e depois o que não é material, como a possibilidade do desejo. O que eu vou desejar se eu preciso agir apenas pela urgência de estar vivo? Fico pensando que isso é construído. Esse fim do mundo que está no livro e essa coisa mais fictícia e distópica já acontece. Nada é exatamente inventado. Está aí. E isso é o mais assustador. Até que isso nos afete, a gente não entende que isso é o fim. É aí que está o problema.

Tem tudo e todos no livro: população de rua, imigrantes, refugiados, gays, fome, mudança climática, milícia, estupro contra mulher lésbica, violência, polarização, hostilidade. Você devia estar com muita raiva ao escrevê-lo.

Ele é um livro escrito com um sentimento bélico de enfrentamento, ou de raiva contra o mundo. Mas também com um sentimento de uma tristeza imensa. Um tristeza imensa de se ver um pouco ali, nessas caminhadas, de se encontrar às vezes num lugar parecido. Raiva é bom nesse sentido. A raiva também nos move.

A Extinção das Abelhas, segundo romance da escritora gaúcha Natalia Borges Polesso, vencedora do Jabuti de contos com Amora, é situado num futuro próximo, antes de 2030. Regina, a protagonista, nos guia por um Brasil em ruínas e não tem nada de bonito no que vemos. O mundo está entrando em colapso por uma série de questões, e a situação, aqui, é mais séria. Primeiro, a comida fica cara. Depois, podre. E então já não há mais nada para comer – nem remédio, nem dignidade. A violência aumenta. Civis vigiam uns aos outros, milícias cuidam da segurança particular. Os ricos fogem nos últimos aviões. Não há mais noite e dia, só dia.

O fim do mundo não chega de uma hora para a outra. Os sinais estão aí, nós é que não percebemos, diz a personagem. Não acreditamos. “A gente pensou que daria um jeito. Isso é bonito e é tão triste...”, diz Regina.

A escritoraNatalia Borges Polesso, autora de 'A Extinção das Abelhas' Foto: Bruno Kriger

Até que se entenda que pode haver um caminho, o livro é desolador. Mas este é, também, um romance sobre a relação de uma filha com a mãe que a abandonou na infância, sobre solidão e liberdade e sobre novas possibilidades de encontros. Natalia, autora ainda de, entre outros, Controle e coautora de Corpos Secos, conversou com o Estadão, por telefone, sobre esta obra escrita “com sentimento bélico de enfrentamento”, antes da pandemia (que acabou sendo incorporada no enredo), e que tem um “compromisso com o contemporâneo”.

Como e quando surgiu a ideia?

Comecei em 2016, por algumas inquietações e questões que me incomodavam com relação à política e a coisas globais que estavam acontecendo com o planeta e a natureza. Eu comecei a escrever histórias que já tinham essa personagem, mas o cerne do livro, que é essa ideia de colapsos, no plural, chegou em 2017, com alguma elaboração do ano de 2016. 

A ficção não precisa ter compromisso com a realidade, e no entanto estamos aqui conversando sobre um livro que tem tanto do Brasil pós-2013 e ecos de 2020. E tem a história da extinção das abelhas nos ameaçando silenciosamente, e sua metáfora. Diante do que estamos vivendo, do que nos tornamos, era impossível não se envolver, não querer trabalhar isso num romance?

Acho que, quando tu marca 2013, talvez seja isso mesmo e tudo o que a gente tem vivido nos últimos anos. Para mim, com a elaboração, elas se tornaram questões meio obsessivas de trabalho, na minha produção mais atual. Eu me sinto compelida a escrever sobre esse momento, e não falo 2021, da pandemia, falo desse momento que a gente vem vivendo nos últimos anos. Também acho que a ficção não tem compromisso com a realidade, mas acho que a ficção tem um compromisso com o contemporâneo. Para mim, ficaram questões obsessivas: o que está acontecendo, como estamos vivendo isso, como viver e ter prazer vivendo isso?

E veio a pandemia, e ela apareceu no livro. Esse marco de março de 2020 mudou alguma coisa na sua história? Ele intensificou alguma questão ou você colocou ali só para registrar esse tempo?

O livro se torna pós-pandêmico porque a pandemia passa a existir e não o contrário. Não planejei escrever sobre a pandemia. Entreguei o livro antes da pandemia e tudo parou. E no processo de edição, no vaivém com a minha editora, achei por bem inseri-la. É tão fácil acreditar que ele foi construído para ser pós-pandêmico, porque as coisas que estão ali foram tão marcadas e destacadas pela pandemia. Tudo o que estamos vivendo, os problemas sociais e ecológicos, de comprometimento e mesmo de enxergar as relações de desejo que a gente tem – e não só as relações de amizade –, tudo, tudo o que aconteceu depois da eleição do Bolsonaro. Isso de pesar as relações. As pessoas descobrindo que não conseguem mais se relacionar com certas pessoas porque tudo ficou às claras. 

Como você vê o livro? O que buscou com ele? Como se difere dos outros?

Ele é mais complexo por uma questão simples: tem mais núcleos narrativos. Não é linear e é experimental em alguns aspectos, como a segunda parte, que é uma colagem como se fosse uma timeline de notícias e eventos. O livro é muito baseado em estrutura. Na primeira parte, tem a história da Regina, nesse futuro próximo – uma história que não é necessariamente linear, mas que ajuda a entender o que está acontecendo com ela e como isso vai desembocar nesse colapso pessoal e nesse colapso em vários níveis, como o das relações dela, do desejo, da sua tentativa salvacionista e de consertar as coisas sem entender que são coisas maiores, coletivas. E o colapso da natureza, do mundo mesmo. É tipo uma boneca russa de colapsos. E tem a história da Guadalupe, que é a mãe dela. As histórias estão ali entrelaçadas. São duas histórias, dois eixos temporais e um não é linear. Então, fiz uma costura com os títulos para tentar dar uma outra fluidez à leitura. Não foi muito fácil. A segunda parte é essa narrativa do colapso, essas vozes, essa timeline que mencionei. E a voz de Regina volta. Eu não queria terminar esse livro num tom apocalíptico. Queria terminar num tom assim: se a gente repensar as coisas, é possível, com outros encontros, que não sejam família, tradição e propriedade, compreender o mundo de outra forma e tentar viver de outra forma. É meio isso: a gente precisa colapsar o entendimento de algumas coisas para poder viver outras. Isso está na terceira parte, uma narrativa em terceira pessoa que olha para os personagens e tenta organizar o caos. Então, o enredo está bem ligado com a estrutura, para mim. Foi o que tentei fazer. 

A fição não tem um compromisso com a realidade, mas com o contemporâneo

Quando se passa a história?

Não estipulei e foi proposital, mas há alguns dados: depois do governo Bolsonaro, entra outro presidente, que é para ser o Luciano Huck, mas não está dito isso lá. É como se fosse daqui a seis, oito anos. Um futuro bem próximo.

Há algum risco de tentar compreender e apreender o presente escrevendo no calor da hora?

O calor da hora sempre traz riscos, mas sempre vai ter essa ideia de espírito do tempo. Às vezes, a gente consegue pegar e, às vezes erra a mão. Tem o risco de a gente não entender o que está acontecendo ou de não ser compreendido. 

Regina pergunta: ‘Onde falhamos como pessoas?’ Você tem alguma ideia?

Não, acho que é multifatorial. A gente falhou lá no início quando chegou a colonização. 

Ela fala também, em diferentes momentos: ‘A gente não se assusta com mais nada. Até que as coisas nos atinjam’. Ou ‘Tenho a impressão de que o jeito que a gente chegou aqui a este momento foi na base do sonambulismo, da desatenção em relação ao outro, do descrédito’. E ‘A gente nunca dá bola pras coisas, até que elas aparecem bem na nossa cara. Ou desaparecem’. É o que você pensa também? 

Sim, é bem o que eu penso. Dá um cansaço viver o que estamos vivendo, mas eu me sinto nesse compromisso de viver a vida, tentar desconstruir, tentar pensar as coisas, tentar ser uma pessoa antirracista, tentar ser uma pessoa que vai entender questões que se falam agora, questões sociais. Eu me sinto no compromisso de continuar tentando, e tentando melhorar o mundo. Parece Poliana Moça, né? Mas me sinto no compromisso de tentar fazer do mundo um lugar melhor, com os meus recursos, tanto no plano pessoal quanto no coletivo porque, se não, a gente morre. Morre de inanição, morre de bolsonarismo. A gente morre de várias coisas. 

No livro, tem esse país que está em colapso. A impressão é que vai ser preciso fundar algo novo, e que, coletivamente, acharemos uma forma de recomeçar. Ou, como uma personagem diz: ‘É preciso recomeçar. E se não der certo, recomeçamos de novo’. Você é otimista a este ponto?

Não sou otimista. Tento, mas não sou. Nossa visão de mudança e de revolução é um pouco antiga e romântica – a de que de uma hora para a outra as coisas vão dar certo numa escala planetária, e não vejo isso acontecendo. Vejo isso acontecendo em escalas pequenas, em relações que vão mudando, em pequenos coletivos que vão criando outras realidades, outros afetos, outras transformações e que, em algum momento, isso vai estar mais na política, onde já temos mandatos coletivos. Essa transformação é muito devagar. E é um cuidado sempre muito extremo para que o que a gente conseguiu não seja de alguma forma surrupiado. Parece que a gente vive essa constante ameaça não só no Brasil. Enfim, são as transformações pequenas e lentas.

O fim do mundo também é uma transição pequena e lenta. Você fala no livro que imaginava o fim como nos filmes. 

O fim do mundo é se dar conta do fim do mundo. E se dar conta de que esse fim não é a morte. Para algumas pessoas, sim, é a morte, como quando a polícia entra atirando no Jacarezinho. Mas enquanto não é a morte, precisa ser alguma transformação. 

O livro também é sobre família, sobre solidão e nosso lugar no mundo. E tem uma lição bonita da mãe, que ela não chegou a ensinar: ‘Desejo que tu saiba estar com as pessoas’. Esse também é um caminho para um final feliz: o contato com outro, o olhar para o outro e o entendimento do outro?

Sim, e outra coisa que a pandemia destacou é o quão sozinhos nós temos estado e ela fez perceber que, às vezes, isso faz falta e que, às vezes, para de fazer falta. A gente se acostuma a não ver ninguém, a ver só pelas telas, a ficar sozinho. No livro, há esses encontros. Tanto a Lupi quanto a Regina vão se encontrar com outras pessoas que não são a família. É essa noção de estar com as pessoas, de construir relações que não sejam pautadas naquilo que a gente conhece, tipo o que eu brinquei antes, da família e propriedade, e de construir outro tipo de amor e conseguir seguir com isso. Acredito que a noção de coletividade, como a gente se relaciona com o outro, precisa também de um pouco de mudança. E é isso o que vai nos levar adiante.

Há ainda a questão do medo. A personagem diz: ‘O mundo não acabou, eles querem que a gente acabe’. Ou que a gente acabe com o mundo. Tem todo esse medo sendo construído de várias formas no dia a dia e esse também é um jeito de acabarmos com o mundo, de sermos os responsáveis.

É isso, e isso é escolher repetir as coisas. Esse espaço de fim é criado com uma série de faltas. Vai faltando primeiro o que é material e depois o que não é material, como a possibilidade do desejo. O que eu vou desejar se eu preciso agir apenas pela urgência de estar vivo? Fico pensando que isso é construído. Esse fim do mundo que está no livro e essa coisa mais fictícia e distópica já acontece. Nada é exatamente inventado. Está aí. E isso é o mais assustador. Até que isso nos afete, a gente não entende que isso é o fim. É aí que está o problema.

Tem tudo e todos no livro: população de rua, imigrantes, refugiados, gays, fome, mudança climática, milícia, estupro contra mulher lésbica, violência, polarização, hostilidade. Você devia estar com muita raiva ao escrevê-lo.

Ele é um livro escrito com um sentimento bélico de enfrentamento, ou de raiva contra o mundo. Mas também com um sentimento de uma tristeza imensa. Um tristeza imensa de se ver um pouco ali, nessas caminhadas, de se encontrar às vezes num lugar parecido. Raiva é bom nesse sentido. A raiva também nos move.

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