O Perigo de Estar Lúcida, livro da jornalista e escritora espanhola Rosa Montero, em tradução de Mariana Sanchez, tem despertado a atenção, em parte por causa do tema abordado pela autora: “a relação entre a criatividade e uma certa extravagância. Sobre se a criação tem algo a ver com a alucinação. Ou se ser artista te torna mais propenso ao desequilíbrio mental como se tem suspeitado desde o início dos tempos”.
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Mas não se trata de um ensaio profundo ou inovador sobre o delírio e a loucura, temas que não poderiam ser tratados a contento em poucas páginas e num estilo tão casual. Num primeiro momento, Montero parece estar ciente de que oferece ao leitor apenas um “aperitivo”, termo de que ela efetivamente emprega.
A escritora lista, despreocupadamente, nomes de artistas que considera “disfuncionais”, porém geniais, e essas duas características, segundo ela, caminhariam lado a lado na história da arte. À lista de autores “disfuncionais” e “geniais” (no sentido de criativos), ela inclui seu próprio nome, estabelecendo com eles uma cumplicidade que a coloca entre os “grandes”. Ao falar das agruras de Virginia Woolf, por exemplo, Montero lembra que ela própria também se sentiu deslocada da realidade: “sei muito bem do que Virginia fala. Eu também estive ali”.
Ao longo do livro, sua autobiografia se mistura com as biografias de outros artistas famosos, de diferentes épocas, como Sócrates, Franz Kafka, Agatha Christie, etc.: todos tinham “manias”, devidamente enumeradas pela escritora espanhola, que não se peja de apresentar também as suas, como uma maneira de ser incluída no cânone da literária ocidental.
Uma das manias da escritora, que o leitor perceberá logo, é a de falar por todos, em nome de todos: “todos aqueles de nós, que nos vemos forçados a juntar palavras”, “todos nos relacionamos com a criatividade através de uma certa patologia”... Um último exemplo: “Quando Robert Louis Stevenson publicou em 1886 seu romance (sic) O médico e o monstro, ele trouxe à luz algo que nós humanos sabíamos muitos séculos antes, mas que havíamos esquecido. Algo que não podíamos reconhecer porque não tínhamos palavras para nomear: que dentro de nós éramos muitos”. A palavra “inexistente” seria “duplo”, ou “Dopplelgänger”, presente em lendas e mitos desde sempre, e tema frequente da literatura gótica, em especial, que teria inspirado Stevenson.
Aqui, um desconforto com o teor do livro pode levar o leitor a se perguntar se Montero não estaria delirando ao se comparar a artistas geniais e ao falar por todos. Não sofreria de uma espécie de megalomania? Ou estaria ela se valendo do humor para chocar o leitor e assim o tirar de sua inércia?
A lista de manias de gênios, por exemplo, é tão frívola que chega a ser risível. Montero afirma que uma mania de Sócrates era andar “sempre com a mesma roupa”, e acrescenta ainda que ele “andava descalço e dançava sozinho”, como se esses dados fossem inquestionáveis e revelassem realmente quem foi o filósofo grego.
O tema da loucura e da genialidade, como se pode verificar, se mantém num nível anedótico e superficial. A propósito, no início de 2023, em uma entrevista para um jornal brasileiro, ela afirmou, paradoxalmente, que, quando criança, sonhava com profissões pouco comuns, mas que o tempo, “um jardineiro louco”, foi “cortando os ramos” das possibilidades. Ele agiria assim com todo mundo... Ora, esse jardineiro louco não deveria fazer justamente o contrário e deixar as possibilidades se alastrarem, já que os “loucos” são criativos?
O Perigo de Estar Lúcida pode ser lido, em suma, como um romance de entretenimento, pois as histórias contidas nele caberiam muito bem em um programa divertido do tipo Que história é essa, Porchat?, que oferece ao espectador pouco mais do que anedotas.
Além de relatos curiosos e sensacionalistas, o livro também traz conselhos, pois, como diz a escritora, “acredito que todos nós, artistas, compartilhamos a sensação de sermos meros portadores de uma mensagem que não sabemos direito de onde vem”, mas Montero sabe, respondendo entre parênteses: “(na verdade vem do inconsciente, claro)”. Essa frase retórica vazia não é a única que o leitor encontrará em seu livro.
Para não deixar o artista só no pedestal, como o faz Montero, lembro de uma máxima do artista francês Marcel Duchamp: “o ato criador não é executado pelo artista sozinho; o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, dessa forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador”.
Por fim, fica também um conselho do artista estadunidense Richard Serra: “se você realmente quiser diferenciar o seu trabalho do de todo mundo, toda vez que chegar a uma bifurcação na estrada, não pense sobre qual rumo tomar; automaticamente, escolha o caminho mais difícil. Todo mundo está escolhendo o mais fácil”.
O Perigo de Estar Lúcida
Autora: Rosa Montero
Tradução: Mariana Sanchez
Editora: Todavia (272 págs.; R$ $67,41 | E-book: R$ 49,90)