O que é biblioterapia? Conheça a técnica que une livros com terapia


Prática aposta na literatura como “remédio”; veja experiências, livros sobre o assunto e saiba como funciona uma sessão de biblioterapia

Por Maria Fernanda Rodrigues e Sabrina Legramandi
Atualização:

Biblioterapia: uma forma de terapia que consiste na conversa entre o paciente e o terapeuta acerca de questões e problemas incômodos e para qual ele busca ajuda, ou uma resposta, ou um caminho. Não em farmácias, mas dentro de um livro.

Uma pessoa faz uma sessão de biblioterapia por motivos muito particulares. Ian Lucas, hoje com 25 anos, resolveu experimentar há um ano. “Estou descobrindo muita coisa, tentando achar minha filosofia de vida e entender como viver nesse mundão, e gostei da ideia de o terapeuta montar o repertório com você”, conta ele ao Estadão.

O que você vai ler

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  • O que é a biblioterapia
  • Como surgiu a biblioterapia
  • A biblioterapia como disciplina na universidade
  • O que tratar com a biblioterapia
  • Livros indicados
  • A biblioterapia na prática: fizemos uma sessão-teste

Formado em ciências moleculares na USP, este jovem cientista conta que chegou à The School of Life, o braço brasileiro da escola criada por Alain de Botton em Londres, na Vila Madalena, com uma demanda clara: formar-se “como pessoa”, “como um adulto”. ”Eu pensei: Preciso de um livro que me inspire, que eu possa levar como orientação para a minha vida de adulto, que me ajude a tomar decisões mais corretas, a formar meu código ético, meu estilo de pessoa, a maneira como eu quero me relacionar como pessoa. Foi por isso que procurei a biblioterapia.”

Ilan Lucas buscou a biblioterapia quando se viu sem referências para para ajudá-lo na transição para a vida adulta Foto: Alex Silva/Estadão
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Saiu da sessão com uma receita. O remédio: 10 livros. Começou por uma fantasia (O Nome do Vento), um de seus gêneros preferidos. Mas na “lista de formação”, constavam ainda obras como Fernão Capelo Gaivota, best-seller de Richard Bach, e Em Busca do Tempo Perdido, clássico de Marcel Proust.

A sessão serviu como um guia de leitura, a que ele volta sempre que se sente desconfortável. Lê no seu tempo, e diz que tem um pouco de dificuldade de avançar - talvez, ele não tem certeza, por causa de seu diagnóstico de TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

Mas sabe da importância dos livros, diz que saiu da sessão “empoderado” e recomenda a experiência: “Tem a terapia, onde você discute as suas questões, busca esse autoconhecimento por meio do diálogo e da reflexão, e tem o depois: os livros. A sensação que tive é que eu poderia protagonizar o resto do meu desenvolvimento. Com os livros, a jornada do autoconhecimento pode ser mais intensa”, diz ele, comentando ainda que tem curiosidade de saber qual seria a receita agora, se fizesse uma segunda sessão. “Sou uma pessoa completamente diferente hoje”.

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Biblioterapia na universidade

O que acontece na The School of Life e com mais frequência em outros países, pode acontecer em hospitais, penitenciárias, asilos e outros lugares e chegou também à universidade. Fernando Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo criou, lá, a disciplina biblioterapia, ou, mais precisamente, Leitura Terapêutica: Teoria, Prática e Pesquisa. Ele explica que a técnica segue a linha da Terapia Cognitivo Comportamental e consiste na “introdução de leituras para casa durante o processo terapêutico”.

Essas leituras, segundo ele, podem levar o paciente a se identificar com os personagens em suas dores e dificuldades, e reconhecer nas histórias parte de seus próprios dramas. Como resultado, isso pode produzir reações e meditações profundas nos pacientes.

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Capovilla explica que a disciplina foi criada em 2016 como uma forma de refletir e lidar com os crescentes casos de suicídio na USP, especialmente a partir de 2011. Ele comenta que em 2021 foram registrados três casos e compara com os números passados - em 2018, por exemplo, foram registrados quatro casos em apenas dois meses.

Existindo oficialmente desde 2017, a disciplina é voltada para alunos da graduação de todos os cursos, para quem são sugeridos livros como Manual da Vida - A Arte de Viver, de Epíteto, Da Tranquilidade da Alma e Da Brevidade da Vida, de Sêneca, além de obras relacionadas ao budismo e ao cristianismo. (Esses livros, em domínio público, podem ganhar títulos ligeiramente diferentes dependendo da edição e da tradução).

Na biblioterapia, livros ajudam o paciente a superar problemas Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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Capovilla ressalta que a biblioterapia pode ser muito importante para o aprofundamento da terapia, mas que tudo depende da precisão na escolha do material indicado. “A escolha e recomendação do material de leitura devem ser feitas criteriosamente e com sensibilidade, de maneira adequada às características do paciente, ao seu quadro clínico preciso, e às suas habilidades e interesses”, explica.

O que tratar com a biblioterapia e cuidados

Fernando Capovilla afirma que uma vasta gama de questões e traumas podem ser tratados com o auxílio da biblioterapia. Ele dá alguns exemplos: bullying, humilhação, morte de pessoa próxima ou até animais de estimação, abandono, alienação parental, paralisia ou amputação, perda de visão ou audição, perda de emprego, perda de bens, separação, castigo, exílio ou encarceramento.

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A professora Carmem Beatriz Neufeld, também da Psicologia da USP, ressalta que, para ser considerada biblioterapia, ela deve ser feita por profissionais qualificados.

Ela comenta ainda que existe uma literatura consistente na área de biblioterapia e cita alguns exemplos de livros, entre os quais Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy.

A psicóloga explica ainda a diferença entre os livros de autoajuda e os adotados em biblioterapia. “Os autores de livros de autoajuda, em geral, são pessoas que escrevem sobre a sua experiência e o que foi bom para elas. Mas o que funcionou para elas pode funcionar para outra pessoa ou não. E os livros de biblioterapia estão baseados em estudos e usam técnicas específicas da área de psicologia para ajudar as pessoas a fazerem uso desse material”.

A origem da biblioterapia

A biblioterapia ganhou este nome entre as décadas de 1940 e 1950. “A biblioterapia se sistematiza no século 20 a partir de estudos que identificam que as pessoas lendo materiais que elas compreendam e que sejam baseados em estudos científicos acabam tendo efeitos terapêuticos”, explica Carmem.

Capovilla também comenta a origem desta técnica, e diz que a prática de indicar livros como aconselhamento remonta a “tempos imemoriais” e está relacionada, até mesmo, à invenção da escrita. Ele cita que usar livros para “consolo, iluminação e orientação frente às crises da vida” surgiu com textos clássicos gregos e livros religiosos, como o Tao Te Ching, do taoísmo, a Ilíada, de Homero, e até os evangelhos e epístolas do Novo Testamento, do cristianismo.

“Foi por meio da escrita que o ser humano passou a buscar, além das soluções para os mistérios da vida, consolo, inspiração e instrução diante de situações difíceis”, finaliza.

Biblioterapia na prática

Mas como funciona uma sessão de biblioterapia na prática? Repórter e colunista de livros no Estadão desde 2011, Maria Fernanda Rodrigues fez uma sessão na The School of Life para experimentar.

Como foi

Tudo começa com um questionário, enviado ao paciente alguns dias antes da sessão. A informação é de que levaria apenas 7 minutos para responder tudo. Passei pelo menos meia-hora pensando nas questões - sobre meus hábitos de leitura, como é meu relacionamento com os livros, se eles foram uma parte grande da minha infância, se alguma experiência com leitura me marcou especialmente. Depois: onde prefiro ler, por que leio, qual é a primeira seção da livraria que visito, livros e autores preferidos. Mais adiante surgiram questões sobre idade, filhos, com o que trabalho, o que faço para me divertir, o que me preocupa no momento.

Ao chegar na sessão, a terapeuta já tinha essa ideia da minha relação com os livros, com base no que eu respondi. Ela também me conhecia profissionalmente, mas isso não foi um problema - como poderia ser para outras linhas da psicologia. Não levei um problema específico, e fui sabendo que receber uma receita com livros para serem lidos poderia me causar uma ‘overdose’. O leitor que acompanha o Estadão e gosta de literatura sabe que já leio pelo menos um livro por semana.

Mas foi interessante. Na sessão, Simone Paulino, editora de livros com mestrado na área de literatura e psicanálise, que começou a conduzir essas sessões de biblioterapia recentemente depois que a The School of Life começou a registrar aumento de demanda, tentou se aprofundar em algumas das minhas respostas ao questionário.

O encontro ocorreu num fim de tarde, em uma sala aconchegante. Eu, no sofá. Ela, na frente, em uma poltrona. Havia uma estante de livros atrás de nós, uma luz agradável e silêncio lá fora.

Na The School of Lifre Brasil, as sessões de biblioterapia podem acontecer tanto de forma presencial quanto online; Simone Paulino é uma das terapeutas da escola Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não vi o tempo passar, nem a noite avançar na sala iluminada apenas por um abajur. Conversamos abertamente por mais de 40 minutos - ela tentando se aprofundar em algumas respostas que eu tinha dado anteriormente e eu descobrindo que embora eu não tivesse levado nenhum problema à sessão, havia um: a leitura com um propósito.

Meu “tratamento”, ela disse, seria homeopático: livros curtinhos para ler despretensiosamente, sem finalidade profissional ou finalidade alguma, um pouquinho por dia, para resgatar uma experiência de leitura que foi plantada na infância, retomada na juventude e que ganhou uma aura de seriedade e responsabilidade quando comecei a trabalhar com livros.

A biblioterapia ajuda a viver melhor

Ao final da conversa, já assumindo o papel de jornalista, perguntei quem costumava procurar atendimento. Até hoje, ela só atendeu mulheres. Algumas pessoas vão com alguma dor específica - estão tristes, ou perderam alguém, ou estão saindo de uma situação difícil, ou estão enfrentando problemas com a mãe ou com a filha, etc.

No entanto, muita gente vai em busca mesmo de um guia de leitura. São pessoas que querem ler e não sabem por onde começar, ou querem ler mais.

Não tem nada de autoajuda ou não ficção nas indicações de Simone. “A ficção é muito mais terapêutica do que a não ficção”, ela disse, ressaltando que é preciso cuidado na hora de sugerir leituras. Ela não recomendaria, por exemplo, livros de Virginia Woolf ou de Clarice Lispector para qualquer mulher. Natalia Ginzburg e seu As Pequenas Virtudes, e Elena Ferrante costumam ser presenças frequentes em suas receitas.

“A biblioterapia serve para ajudar a viver melhor. Da mesma maneira que você busca ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico, atividades que te ajudam a se concentrar, a ter uma performance melhor na sua vida diária, ela ajuda, nesse mundo tão cheio de demandas e chamados, as pessoas a acharem esse espaço para a construção do seu ser. O livro é fundamental para esse processo. O livro pode não curar, no sentido pleno da palavra, mas ele ajuda a viver melhor, a diminuir as dores, a mostrar que o mundo é maior, que há outras pessoas, personagens, com problemas semelhantes ou muito piores do que os seus”, finaliza.

Olivia Colman em 'A Filha Perdida'. Além de livros, biblioterapeutas podem indicar filmes baseados em livros, caso da obra de Elena Ferrante que ganhou elogiada adaptação Foto: Netflix

Quanto custa uma sessão de biblioterapia

Não há um valor padrão. Na The School of Life, que oferece encontros individuais presenciais (Rua Medeiros de Albuquerque, 60 - Vila Madalena) ou online, uma sessão de cerca de uma hora custa R$ 320

Conheça livros sobre biblioterapia

  • Farmácia literária: mais de 400 livros para curar males diversos, de depressão e dor de cabeça a coração partido, de Ella Berthoud e Susan Elderkin
  • Biblioterapia: um cuidado com o ser, de Clarice Fortkamp Caldin
  • A literatura como remédio, de Dante Gallian

Outros livros citados

  • As Pequenas Virtudes, de Natalia Ginzburg (Companhia das Letras)
  • Tetralogia napolitana, de Elena Ferrante, formada pelos livros: A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Vai e de Quem Fica e A Menina Perdida (Globo)
  • A Filha Perdida, de Elena Ferrante (Globo)
  • O Nome do Vento, de Patrick Rothfuss (Arqueiro)
  • Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach (Record)
  • Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (Globo e Companhia das Letras, na versão completa; L&PM em mangá e Zahar em HQ)
  • Manual de Epicteto: A arte de viver melhor (Edipro)
  • Da Tranquilidade da Alma, de Sêneca (L&PM, Penguin)
  • Sobre a Brevidade da Vida, de Sêneca (L&PM, Penguin, Edipro)
  • Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy

Biblioterapia: uma forma de terapia que consiste na conversa entre o paciente e o terapeuta acerca de questões e problemas incômodos e para qual ele busca ajuda, ou uma resposta, ou um caminho. Não em farmácias, mas dentro de um livro.

Uma pessoa faz uma sessão de biblioterapia por motivos muito particulares. Ian Lucas, hoje com 25 anos, resolveu experimentar há um ano. “Estou descobrindo muita coisa, tentando achar minha filosofia de vida e entender como viver nesse mundão, e gostei da ideia de o terapeuta montar o repertório com você”, conta ele ao Estadão.

O que você vai ler

  • O que é a biblioterapia
  • Como surgiu a biblioterapia
  • A biblioterapia como disciplina na universidade
  • O que tratar com a biblioterapia
  • Livros indicados
  • A biblioterapia na prática: fizemos uma sessão-teste

Formado em ciências moleculares na USP, este jovem cientista conta que chegou à The School of Life, o braço brasileiro da escola criada por Alain de Botton em Londres, na Vila Madalena, com uma demanda clara: formar-se “como pessoa”, “como um adulto”. ”Eu pensei: Preciso de um livro que me inspire, que eu possa levar como orientação para a minha vida de adulto, que me ajude a tomar decisões mais corretas, a formar meu código ético, meu estilo de pessoa, a maneira como eu quero me relacionar como pessoa. Foi por isso que procurei a biblioterapia.”

Ilan Lucas buscou a biblioterapia quando se viu sem referências para para ajudá-lo na transição para a vida adulta Foto: Alex Silva/Estadão

Saiu da sessão com uma receita. O remédio: 10 livros. Começou por uma fantasia (O Nome do Vento), um de seus gêneros preferidos. Mas na “lista de formação”, constavam ainda obras como Fernão Capelo Gaivota, best-seller de Richard Bach, e Em Busca do Tempo Perdido, clássico de Marcel Proust.

A sessão serviu como um guia de leitura, a que ele volta sempre que se sente desconfortável. Lê no seu tempo, e diz que tem um pouco de dificuldade de avançar - talvez, ele não tem certeza, por causa de seu diagnóstico de TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

Mas sabe da importância dos livros, diz que saiu da sessão “empoderado” e recomenda a experiência: “Tem a terapia, onde você discute as suas questões, busca esse autoconhecimento por meio do diálogo e da reflexão, e tem o depois: os livros. A sensação que tive é que eu poderia protagonizar o resto do meu desenvolvimento. Com os livros, a jornada do autoconhecimento pode ser mais intensa”, diz ele, comentando ainda que tem curiosidade de saber qual seria a receita agora, se fizesse uma segunda sessão. “Sou uma pessoa completamente diferente hoje”.

Biblioterapia na universidade

O que acontece na The School of Life e com mais frequência em outros países, pode acontecer em hospitais, penitenciárias, asilos e outros lugares e chegou também à universidade. Fernando Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo criou, lá, a disciplina biblioterapia, ou, mais precisamente, Leitura Terapêutica: Teoria, Prática e Pesquisa. Ele explica que a técnica segue a linha da Terapia Cognitivo Comportamental e consiste na “introdução de leituras para casa durante o processo terapêutico”.

Essas leituras, segundo ele, podem levar o paciente a se identificar com os personagens em suas dores e dificuldades, e reconhecer nas histórias parte de seus próprios dramas. Como resultado, isso pode produzir reações e meditações profundas nos pacientes.

Capovilla explica que a disciplina foi criada em 2016 como uma forma de refletir e lidar com os crescentes casos de suicídio na USP, especialmente a partir de 2011. Ele comenta que em 2021 foram registrados três casos e compara com os números passados - em 2018, por exemplo, foram registrados quatro casos em apenas dois meses.

Existindo oficialmente desde 2017, a disciplina é voltada para alunos da graduação de todos os cursos, para quem são sugeridos livros como Manual da Vida - A Arte de Viver, de Epíteto, Da Tranquilidade da Alma e Da Brevidade da Vida, de Sêneca, além de obras relacionadas ao budismo e ao cristianismo. (Esses livros, em domínio público, podem ganhar títulos ligeiramente diferentes dependendo da edição e da tradução).

Na biblioterapia, livros ajudam o paciente a superar problemas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Capovilla ressalta que a biblioterapia pode ser muito importante para o aprofundamento da terapia, mas que tudo depende da precisão na escolha do material indicado. “A escolha e recomendação do material de leitura devem ser feitas criteriosamente e com sensibilidade, de maneira adequada às características do paciente, ao seu quadro clínico preciso, e às suas habilidades e interesses”, explica.

O que tratar com a biblioterapia e cuidados

Fernando Capovilla afirma que uma vasta gama de questões e traumas podem ser tratados com o auxílio da biblioterapia. Ele dá alguns exemplos: bullying, humilhação, morte de pessoa próxima ou até animais de estimação, abandono, alienação parental, paralisia ou amputação, perda de visão ou audição, perda de emprego, perda de bens, separação, castigo, exílio ou encarceramento.

A professora Carmem Beatriz Neufeld, também da Psicologia da USP, ressalta que, para ser considerada biblioterapia, ela deve ser feita por profissionais qualificados.

Ela comenta ainda que existe uma literatura consistente na área de biblioterapia e cita alguns exemplos de livros, entre os quais Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy.

A psicóloga explica ainda a diferença entre os livros de autoajuda e os adotados em biblioterapia. “Os autores de livros de autoajuda, em geral, são pessoas que escrevem sobre a sua experiência e o que foi bom para elas. Mas o que funcionou para elas pode funcionar para outra pessoa ou não. E os livros de biblioterapia estão baseados em estudos e usam técnicas específicas da área de psicologia para ajudar as pessoas a fazerem uso desse material”.

A origem da biblioterapia

A biblioterapia ganhou este nome entre as décadas de 1940 e 1950. “A biblioterapia se sistematiza no século 20 a partir de estudos que identificam que as pessoas lendo materiais que elas compreendam e que sejam baseados em estudos científicos acabam tendo efeitos terapêuticos”, explica Carmem.

Capovilla também comenta a origem desta técnica, e diz que a prática de indicar livros como aconselhamento remonta a “tempos imemoriais” e está relacionada, até mesmo, à invenção da escrita. Ele cita que usar livros para “consolo, iluminação e orientação frente às crises da vida” surgiu com textos clássicos gregos e livros religiosos, como o Tao Te Ching, do taoísmo, a Ilíada, de Homero, e até os evangelhos e epístolas do Novo Testamento, do cristianismo.

“Foi por meio da escrita que o ser humano passou a buscar, além das soluções para os mistérios da vida, consolo, inspiração e instrução diante de situações difíceis”, finaliza.

Biblioterapia na prática

Mas como funciona uma sessão de biblioterapia na prática? Repórter e colunista de livros no Estadão desde 2011, Maria Fernanda Rodrigues fez uma sessão na The School of Life para experimentar.

Como foi

Tudo começa com um questionário, enviado ao paciente alguns dias antes da sessão. A informação é de que levaria apenas 7 minutos para responder tudo. Passei pelo menos meia-hora pensando nas questões - sobre meus hábitos de leitura, como é meu relacionamento com os livros, se eles foram uma parte grande da minha infância, se alguma experiência com leitura me marcou especialmente. Depois: onde prefiro ler, por que leio, qual é a primeira seção da livraria que visito, livros e autores preferidos. Mais adiante surgiram questões sobre idade, filhos, com o que trabalho, o que faço para me divertir, o que me preocupa no momento.

Ao chegar na sessão, a terapeuta já tinha essa ideia da minha relação com os livros, com base no que eu respondi. Ela também me conhecia profissionalmente, mas isso não foi um problema - como poderia ser para outras linhas da psicologia. Não levei um problema específico, e fui sabendo que receber uma receita com livros para serem lidos poderia me causar uma ‘overdose’. O leitor que acompanha o Estadão e gosta de literatura sabe que já leio pelo menos um livro por semana.

Mas foi interessante. Na sessão, Simone Paulino, editora de livros com mestrado na área de literatura e psicanálise, que começou a conduzir essas sessões de biblioterapia recentemente depois que a The School of Life começou a registrar aumento de demanda, tentou se aprofundar em algumas das minhas respostas ao questionário.

O encontro ocorreu num fim de tarde, em uma sala aconchegante. Eu, no sofá. Ela, na frente, em uma poltrona. Havia uma estante de livros atrás de nós, uma luz agradável e silêncio lá fora.

Na The School of Lifre Brasil, as sessões de biblioterapia podem acontecer tanto de forma presencial quanto online; Simone Paulino é uma das terapeutas da escola Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não vi o tempo passar, nem a noite avançar na sala iluminada apenas por um abajur. Conversamos abertamente por mais de 40 minutos - ela tentando se aprofundar em algumas respostas que eu tinha dado anteriormente e eu descobrindo que embora eu não tivesse levado nenhum problema à sessão, havia um: a leitura com um propósito.

Meu “tratamento”, ela disse, seria homeopático: livros curtinhos para ler despretensiosamente, sem finalidade profissional ou finalidade alguma, um pouquinho por dia, para resgatar uma experiência de leitura que foi plantada na infância, retomada na juventude e que ganhou uma aura de seriedade e responsabilidade quando comecei a trabalhar com livros.

A biblioterapia ajuda a viver melhor

Ao final da conversa, já assumindo o papel de jornalista, perguntei quem costumava procurar atendimento. Até hoje, ela só atendeu mulheres. Algumas pessoas vão com alguma dor específica - estão tristes, ou perderam alguém, ou estão saindo de uma situação difícil, ou estão enfrentando problemas com a mãe ou com a filha, etc.

No entanto, muita gente vai em busca mesmo de um guia de leitura. São pessoas que querem ler e não sabem por onde começar, ou querem ler mais.

Não tem nada de autoajuda ou não ficção nas indicações de Simone. “A ficção é muito mais terapêutica do que a não ficção”, ela disse, ressaltando que é preciso cuidado na hora de sugerir leituras. Ela não recomendaria, por exemplo, livros de Virginia Woolf ou de Clarice Lispector para qualquer mulher. Natalia Ginzburg e seu As Pequenas Virtudes, e Elena Ferrante costumam ser presenças frequentes em suas receitas.

“A biblioterapia serve para ajudar a viver melhor. Da mesma maneira que você busca ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico, atividades que te ajudam a se concentrar, a ter uma performance melhor na sua vida diária, ela ajuda, nesse mundo tão cheio de demandas e chamados, as pessoas a acharem esse espaço para a construção do seu ser. O livro é fundamental para esse processo. O livro pode não curar, no sentido pleno da palavra, mas ele ajuda a viver melhor, a diminuir as dores, a mostrar que o mundo é maior, que há outras pessoas, personagens, com problemas semelhantes ou muito piores do que os seus”, finaliza.

Olivia Colman em 'A Filha Perdida'. Além de livros, biblioterapeutas podem indicar filmes baseados em livros, caso da obra de Elena Ferrante que ganhou elogiada adaptação Foto: Netflix

Quanto custa uma sessão de biblioterapia

Não há um valor padrão. Na The School of Life, que oferece encontros individuais presenciais (Rua Medeiros de Albuquerque, 60 - Vila Madalena) ou online, uma sessão de cerca de uma hora custa R$ 320

Conheça livros sobre biblioterapia

  • Farmácia literária: mais de 400 livros para curar males diversos, de depressão e dor de cabeça a coração partido, de Ella Berthoud e Susan Elderkin
  • Biblioterapia: um cuidado com o ser, de Clarice Fortkamp Caldin
  • A literatura como remédio, de Dante Gallian

Outros livros citados

  • As Pequenas Virtudes, de Natalia Ginzburg (Companhia das Letras)
  • Tetralogia napolitana, de Elena Ferrante, formada pelos livros: A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Vai e de Quem Fica e A Menina Perdida (Globo)
  • A Filha Perdida, de Elena Ferrante (Globo)
  • O Nome do Vento, de Patrick Rothfuss (Arqueiro)
  • Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach (Record)
  • Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (Globo e Companhia das Letras, na versão completa; L&PM em mangá e Zahar em HQ)
  • Manual de Epicteto: A arte de viver melhor (Edipro)
  • Da Tranquilidade da Alma, de Sêneca (L&PM, Penguin)
  • Sobre a Brevidade da Vida, de Sêneca (L&PM, Penguin, Edipro)
  • Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy

Biblioterapia: uma forma de terapia que consiste na conversa entre o paciente e o terapeuta acerca de questões e problemas incômodos e para qual ele busca ajuda, ou uma resposta, ou um caminho. Não em farmácias, mas dentro de um livro.

Uma pessoa faz uma sessão de biblioterapia por motivos muito particulares. Ian Lucas, hoje com 25 anos, resolveu experimentar há um ano. “Estou descobrindo muita coisa, tentando achar minha filosofia de vida e entender como viver nesse mundão, e gostei da ideia de o terapeuta montar o repertório com você”, conta ele ao Estadão.

O que você vai ler

  • O que é a biblioterapia
  • Como surgiu a biblioterapia
  • A biblioterapia como disciplina na universidade
  • O que tratar com a biblioterapia
  • Livros indicados
  • A biblioterapia na prática: fizemos uma sessão-teste

Formado em ciências moleculares na USP, este jovem cientista conta que chegou à The School of Life, o braço brasileiro da escola criada por Alain de Botton em Londres, na Vila Madalena, com uma demanda clara: formar-se “como pessoa”, “como um adulto”. ”Eu pensei: Preciso de um livro que me inspire, que eu possa levar como orientação para a minha vida de adulto, que me ajude a tomar decisões mais corretas, a formar meu código ético, meu estilo de pessoa, a maneira como eu quero me relacionar como pessoa. Foi por isso que procurei a biblioterapia.”

Ilan Lucas buscou a biblioterapia quando se viu sem referências para para ajudá-lo na transição para a vida adulta Foto: Alex Silva/Estadão

Saiu da sessão com uma receita. O remédio: 10 livros. Começou por uma fantasia (O Nome do Vento), um de seus gêneros preferidos. Mas na “lista de formação”, constavam ainda obras como Fernão Capelo Gaivota, best-seller de Richard Bach, e Em Busca do Tempo Perdido, clássico de Marcel Proust.

A sessão serviu como um guia de leitura, a que ele volta sempre que se sente desconfortável. Lê no seu tempo, e diz que tem um pouco de dificuldade de avançar - talvez, ele não tem certeza, por causa de seu diagnóstico de TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

Mas sabe da importância dos livros, diz que saiu da sessão “empoderado” e recomenda a experiência: “Tem a terapia, onde você discute as suas questões, busca esse autoconhecimento por meio do diálogo e da reflexão, e tem o depois: os livros. A sensação que tive é que eu poderia protagonizar o resto do meu desenvolvimento. Com os livros, a jornada do autoconhecimento pode ser mais intensa”, diz ele, comentando ainda que tem curiosidade de saber qual seria a receita agora, se fizesse uma segunda sessão. “Sou uma pessoa completamente diferente hoje”.

Biblioterapia na universidade

O que acontece na The School of Life e com mais frequência em outros países, pode acontecer em hospitais, penitenciárias, asilos e outros lugares e chegou também à universidade. Fernando Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo criou, lá, a disciplina biblioterapia, ou, mais precisamente, Leitura Terapêutica: Teoria, Prática e Pesquisa. Ele explica que a técnica segue a linha da Terapia Cognitivo Comportamental e consiste na “introdução de leituras para casa durante o processo terapêutico”.

Essas leituras, segundo ele, podem levar o paciente a se identificar com os personagens em suas dores e dificuldades, e reconhecer nas histórias parte de seus próprios dramas. Como resultado, isso pode produzir reações e meditações profundas nos pacientes.

Capovilla explica que a disciplina foi criada em 2016 como uma forma de refletir e lidar com os crescentes casos de suicídio na USP, especialmente a partir de 2011. Ele comenta que em 2021 foram registrados três casos e compara com os números passados - em 2018, por exemplo, foram registrados quatro casos em apenas dois meses.

Existindo oficialmente desde 2017, a disciplina é voltada para alunos da graduação de todos os cursos, para quem são sugeridos livros como Manual da Vida - A Arte de Viver, de Epíteto, Da Tranquilidade da Alma e Da Brevidade da Vida, de Sêneca, além de obras relacionadas ao budismo e ao cristianismo. (Esses livros, em domínio público, podem ganhar títulos ligeiramente diferentes dependendo da edição e da tradução).

Na biblioterapia, livros ajudam o paciente a superar problemas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Capovilla ressalta que a biblioterapia pode ser muito importante para o aprofundamento da terapia, mas que tudo depende da precisão na escolha do material indicado. “A escolha e recomendação do material de leitura devem ser feitas criteriosamente e com sensibilidade, de maneira adequada às características do paciente, ao seu quadro clínico preciso, e às suas habilidades e interesses”, explica.

O que tratar com a biblioterapia e cuidados

Fernando Capovilla afirma que uma vasta gama de questões e traumas podem ser tratados com o auxílio da biblioterapia. Ele dá alguns exemplos: bullying, humilhação, morte de pessoa próxima ou até animais de estimação, abandono, alienação parental, paralisia ou amputação, perda de visão ou audição, perda de emprego, perda de bens, separação, castigo, exílio ou encarceramento.

A professora Carmem Beatriz Neufeld, também da Psicologia da USP, ressalta que, para ser considerada biblioterapia, ela deve ser feita por profissionais qualificados.

Ela comenta ainda que existe uma literatura consistente na área de biblioterapia e cita alguns exemplos de livros, entre os quais Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy.

A psicóloga explica ainda a diferença entre os livros de autoajuda e os adotados em biblioterapia. “Os autores de livros de autoajuda, em geral, são pessoas que escrevem sobre a sua experiência e o que foi bom para elas. Mas o que funcionou para elas pode funcionar para outra pessoa ou não. E os livros de biblioterapia estão baseados em estudos e usam técnicas específicas da área de psicologia para ajudar as pessoas a fazerem uso desse material”.

A origem da biblioterapia

A biblioterapia ganhou este nome entre as décadas de 1940 e 1950. “A biblioterapia se sistematiza no século 20 a partir de estudos que identificam que as pessoas lendo materiais que elas compreendam e que sejam baseados em estudos científicos acabam tendo efeitos terapêuticos”, explica Carmem.

Capovilla também comenta a origem desta técnica, e diz que a prática de indicar livros como aconselhamento remonta a “tempos imemoriais” e está relacionada, até mesmo, à invenção da escrita. Ele cita que usar livros para “consolo, iluminação e orientação frente às crises da vida” surgiu com textos clássicos gregos e livros religiosos, como o Tao Te Ching, do taoísmo, a Ilíada, de Homero, e até os evangelhos e epístolas do Novo Testamento, do cristianismo.

“Foi por meio da escrita que o ser humano passou a buscar, além das soluções para os mistérios da vida, consolo, inspiração e instrução diante de situações difíceis”, finaliza.

Biblioterapia na prática

Mas como funciona uma sessão de biblioterapia na prática? Repórter e colunista de livros no Estadão desde 2011, Maria Fernanda Rodrigues fez uma sessão na The School of Life para experimentar.

Como foi

Tudo começa com um questionário, enviado ao paciente alguns dias antes da sessão. A informação é de que levaria apenas 7 minutos para responder tudo. Passei pelo menos meia-hora pensando nas questões - sobre meus hábitos de leitura, como é meu relacionamento com os livros, se eles foram uma parte grande da minha infância, se alguma experiência com leitura me marcou especialmente. Depois: onde prefiro ler, por que leio, qual é a primeira seção da livraria que visito, livros e autores preferidos. Mais adiante surgiram questões sobre idade, filhos, com o que trabalho, o que faço para me divertir, o que me preocupa no momento.

Ao chegar na sessão, a terapeuta já tinha essa ideia da minha relação com os livros, com base no que eu respondi. Ela também me conhecia profissionalmente, mas isso não foi um problema - como poderia ser para outras linhas da psicologia. Não levei um problema específico, e fui sabendo que receber uma receita com livros para serem lidos poderia me causar uma ‘overdose’. O leitor que acompanha o Estadão e gosta de literatura sabe que já leio pelo menos um livro por semana.

Mas foi interessante. Na sessão, Simone Paulino, editora de livros com mestrado na área de literatura e psicanálise, que começou a conduzir essas sessões de biblioterapia recentemente depois que a The School of Life começou a registrar aumento de demanda, tentou se aprofundar em algumas das minhas respostas ao questionário.

O encontro ocorreu num fim de tarde, em uma sala aconchegante. Eu, no sofá. Ela, na frente, em uma poltrona. Havia uma estante de livros atrás de nós, uma luz agradável e silêncio lá fora.

Na The School of Lifre Brasil, as sessões de biblioterapia podem acontecer tanto de forma presencial quanto online; Simone Paulino é uma das terapeutas da escola Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não vi o tempo passar, nem a noite avançar na sala iluminada apenas por um abajur. Conversamos abertamente por mais de 40 minutos - ela tentando se aprofundar em algumas respostas que eu tinha dado anteriormente e eu descobrindo que embora eu não tivesse levado nenhum problema à sessão, havia um: a leitura com um propósito.

Meu “tratamento”, ela disse, seria homeopático: livros curtinhos para ler despretensiosamente, sem finalidade profissional ou finalidade alguma, um pouquinho por dia, para resgatar uma experiência de leitura que foi plantada na infância, retomada na juventude e que ganhou uma aura de seriedade e responsabilidade quando comecei a trabalhar com livros.

A biblioterapia ajuda a viver melhor

Ao final da conversa, já assumindo o papel de jornalista, perguntei quem costumava procurar atendimento. Até hoje, ela só atendeu mulheres. Algumas pessoas vão com alguma dor específica - estão tristes, ou perderam alguém, ou estão saindo de uma situação difícil, ou estão enfrentando problemas com a mãe ou com a filha, etc.

No entanto, muita gente vai em busca mesmo de um guia de leitura. São pessoas que querem ler e não sabem por onde começar, ou querem ler mais.

Não tem nada de autoajuda ou não ficção nas indicações de Simone. “A ficção é muito mais terapêutica do que a não ficção”, ela disse, ressaltando que é preciso cuidado na hora de sugerir leituras. Ela não recomendaria, por exemplo, livros de Virginia Woolf ou de Clarice Lispector para qualquer mulher. Natalia Ginzburg e seu As Pequenas Virtudes, e Elena Ferrante costumam ser presenças frequentes em suas receitas.

“A biblioterapia serve para ajudar a viver melhor. Da mesma maneira que você busca ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico, atividades que te ajudam a se concentrar, a ter uma performance melhor na sua vida diária, ela ajuda, nesse mundo tão cheio de demandas e chamados, as pessoas a acharem esse espaço para a construção do seu ser. O livro é fundamental para esse processo. O livro pode não curar, no sentido pleno da palavra, mas ele ajuda a viver melhor, a diminuir as dores, a mostrar que o mundo é maior, que há outras pessoas, personagens, com problemas semelhantes ou muito piores do que os seus”, finaliza.

Olivia Colman em 'A Filha Perdida'. Além de livros, biblioterapeutas podem indicar filmes baseados em livros, caso da obra de Elena Ferrante que ganhou elogiada adaptação Foto: Netflix

Quanto custa uma sessão de biblioterapia

Não há um valor padrão. Na The School of Life, que oferece encontros individuais presenciais (Rua Medeiros de Albuquerque, 60 - Vila Madalena) ou online, uma sessão de cerca de uma hora custa R$ 320

Conheça livros sobre biblioterapia

  • Farmácia literária: mais de 400 livros para curar males diversos, de depressão e dor de cabeça a coração partido, de Ella Berthoud e Susan Elderkin
  • Biblioterapia: um cuidado com o ser, de Clarice Fortkamp Caldin
  • A literatura como remédio, de Dante Gallian

Outros livros citados

  • As Pequenas Virtudes, de Natalia Ginzburg (Companhia das Letras)
  • Tetralogia napolitana, de Elena Ferrante, formada pelos livros: A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Vai e de Quem Fica e A Menina Perdida (Globo)
  • A Filha Perdida, de Elena Ferrante (Globo)
  • O Nome do Vento, de Patrick Rothfuss (Arqueiro)
  • Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach (Record)
  • Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (Globo e Companhia das Letras, na versão completa; L&PM em mangá e Zahar em HQ)
  • Manual de Epicteto: A arte de viver melhor (Edipro)
  • Da Tranquilidade da Alma, de Sêneca (L&PM, Penguin)
  • Sobre a Brevidade da Vida, de Sêneca (L&PM, Penguin, Edipro)
  • Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy

Biblioterapia: uma forma de terapia que consiste na conversa entre o paciente e o terapeuta acerca de questões e problemas incômodos e para qual ele busca ajuda, ou uma resposta, ou um caminho. Não em farmácias, mas dentro de um livro.

Uma pessoa faz uma sessão de biblioterapia por motivos muito particulares. Ian Lucas, hoje com 25 anos, resolveu experimentar há um ano. “Estou descobrindo muita coisa, tentando achar minha filosofia de vida e entender como viver nesse mundão, e gostei da ideia de o terapeuta montar o repertório com você”, conta ele ao Estadão.

O que você vai ler

  • O que é a biblioterapia
  • Como surgiu a biblioterapia
  • A biblioterapia como disciplina na universidade
  • O que tratar com a biblioterapia
  • Livros indicados
  • A biblioterapia na prática: fizemos uma sessão-teste

Formado em ciências moleculares na USP, este jovem cientista conta que chegou à The School of Life, o braço brasileiro da escola criada por Alain de Botton em Londres, na Vila Madalena, com uma demanda clara: formar-se “como pessoa”, “como um adulto”. ”Eu pensei: Preciso de um livro que me inspire, que eu possa levar como orientação para a minha vida de adulto, que me ajude a tomar decisões mais corretas, a formar meu código ético, meu estilo de pessoa, a maneira como eu quero me relacionar como pessoa. Foi por isso que procurei a biblioterapia.”

Ilan Lucas buscou a biblioterapia quando se viu sem referências para para ajudá-lo na transição para a vida adulta Foto: Alex Silva/Estadão

Saiu da sessão com uma receita. O remédio: 10 livros. Começou por uma fantasia (O Nome do Vento), um de seus gêneros preferidos. Mas na “lista de formação”, constavam ainda obras como Fernão Capelo Gaivota, best-seller de Richard Bach, e Em Busca do Tempo Perdido, clássico de Marcel Proust.

A sessão serviu como um guia de leitura, a que ele volta sempre que se sente desconfortável. Lê no seu tempo, e diz que tem um pouco de dificuldade de avançar - talvez, ele não tem certeza, por causa de seu diagnóstico de TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

Mas sabe da importância dos livros, diz que saiu da sessão “empoderado” e recomenda a experiência: “Tem a terapia, onde você discute as suas questões, busca esse autoconhecimento por meio do diálogo e da reflexão, e tem o depois: os livros. A sensação que tive é que eu poderia protagonizar o resto do meu desenvolvimento. Com os livros, a jornada do autoconhecimento pode ser mais intensa”, diz ele, comentando ainda que tem curiosidade de saber qual seria a receita agora, se fizesse uma segunda sessão. “Sou uma pessoa completamente diferente hoje”.

Biblioterapia na universidade

O que acontece na The School of Life e com mais frequência em outros países, pode acontecer em hospitais, penitenciárias, asilos e outros lugares e chegou também à universidade. Fernando Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo criou, lá, a disciplina biblioterapia, ou, mais precisamente, Leitura Terapêutica: Teoria, Prática e Pesquisa. Ele explica que a técnica segue a linha da Terapia Cognitivo Comportamental e consiste na “introdução de leituras para casa durante o processo terapêutico”.

Essas leituras, segundo ele, podem levar o paciente a se identificar com os personagens em suas dores e dificuldades, e reconhecer nas histórias parte de seus próprios dramas. Como resultado, isso pode produzir reações e meditações profundas nos pacientes.

Capovilla explica que a disciplina foi criada em 2016 como uma forma de refletir e lidar com os crescentes casos de suicídio na USP, especialmente a partir de 2011. Ele comenta que em 2021 foram registrados três casos e compara com os números passados - em 2018, por exemplo, foram registrados quatro casos em apenas dois meses.

Existindo oficialmente desde 2017, a disciplina é voltada para alunos da graduação de todos os cursos, para quem são sugeridos livros como Manual da Vida - A Arte de Viver, de Epíteto, Da Tranquilidade da Alma e Da Brevidade da Vida, de Sêneca, além de obras relacionadas ao budismo e ao cristianismo. (Esses livros, em domínio público, podem ganhar títulos ligeiramente diferentes dependendo da edição e da tradução).

Na biblioterapia, livros ajudam o paciente a superar problemas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Capovilla ressalta que a biblioterapia pode ser muito importante para o aprofundamento da terapia, mas que tudo depende da precisão na escolha do material indicado. “A escolha e recomendação do material de leitura devem ser feitas criteriosamente e com sensibilidade, de maneira adequada às características do paciente, ao seu quadro clínico preciso, e às suas habilidades e interesses”, explica.

O que tratar com a biblioterapia e cuidados

Fernando Capovilla afirma que uma vasta gama de questões e traumas podem ser tratados com o auxílio da biblioterapia. Ele dá alguns exemplos: bullying, humilhação, morte de pessoa próxima ou até animais de estimação, abandono, alienação parental, paralisia ou amputação, perda de visão ou audição, perda de emprego, perda de bens, separação, castigo, exílio ou encarceramento.

A professora Carmem Beatriz Neufeld, também da Psicologia da USP, ressalta que, para ser considerada biblioterapia, ela deve ser feita por profissionais qualificados.

Ela comenta ainda que existe uma literatura consistente na área de biblioterapia e cita alguns exemplos de livros, entre os quais Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy.

A psicóloga explica ainda a diferença entre os livros de autoajuda e os adotados em biblioterapia. “Os autores de livros de autoajuda, em geral, são pessoas que escrevem sobre a sua experiência e o que foi bom para elas. Mas o que funcionou para elas pode funcionar para outra pessoa ou não. E os livros de biblioterapia estão baseados em estudos e usam técnicas específicas da área de psicologia para ajudar as pessoas a fazerem uso desse material”.

A origem da biblioterapia

A biblioterapia ganhou este nome entre as décadas de 1940 e 1950. “A biblioterapia se sistematiza no século 20 a partir de estudos que identificam que as pessoas lendo materiais que elas compreendam e que sejam baseados em estudos científicos acabam tendo efeitos terapêuticos”, explica Carmem.

Capovilla também comenta a origem desta técnica, e diz que a prática de indicar livros como aconselhamento remonta a “tempos imemoriais” e está relacionada, até mesmo, à invenção da escrita. Ele cita que usar livros para “consolo, iluminação e orientação frente às crises da vida” surgiu com textos clássicos gregos e livros religiosos, como o Tao Te Ching, do taoísmo, a Ilíada, de Homero, e até os evangelhos e epístolas do Novo Testamento, do cristianismo.

“Foi por meio da escrita que o ser humano passou a buscar, além das soluções para os mistérios da vida, consolo, inspiração e instrução diante de situações difíceis”, finaliza.

Biblioterapia na prática

Mas como funciona uma sessão de biblioterapia na prática? Repórter e colunista de livros no Estadão desde 2011, Maria Fernanda Rodrigues fez uma sessão na The School of Life para experimentar.

Como foi

Tudo começa com um questionário, enviado ao paciente alguns dias antes da sessão. A informação é de que levaria apenas 7 minutos para responder tudo. Passei pelo menos meia-hora pensando nas questões - sobre meus hábitos de leitura, como é meu relacionamento com os livros, se eles foram uma parte grande da minha infância, se alguma experiência com leitura me marcou especialmente. Depois: onde prefiro ler, por que leio, qual é a primeira seção da livraria que visito, livros e autores preferidos. Mais adiante surgiram questões sobre idade, filhos, com o que trabalho, o que faço para me divertir, o que me preocupa no momento.

Ao chegar na sessão, a terapeuta já tinha essa ideia da minha relação com os livros, com base no que eu respondi. Ela também me conhecia profissionalmente, mas isso não foi um problema - como poderia ser para outras linhas da psicologia. Não levei um problema específico, e fui sabendo que receber uma receita com livros para serem lidos poderia me causar uma ‘overdose’. O leitor que acompanha o Estadão e gosta de literatura sabe que já leio pelo menos um livro por semana.

Mas foi interessante. Na sessão, Simone Paulino, editora de livros com mestrado na área de literatura e psicanálise, que começou a conduzir essas sessões de biblioterapia recentemente depois que a The School of Life começou a registrar aumento de demanda, tentou se aprofundar em algumas das minhas respostas ao questionário.

O encontro ocorreu num fim de tarde, em uma sala aconchegante. Eu, no sofá. Ela, na frente, em uma poltrona. Havia uma estante de livros atrás de nós, uma luz agradável e silêncio lá fora.

Na The School of Lifre Brasil, as sessões de biblioterapia podem acontecer tanto de forma presencial quanto online; Simone Paulino é uma das terapeutas da escola Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não vi o tempo passar, nem a noite avançar na sala iluminada apenas por um abajur. Conversamos abertamente por mais de 40 minutos - ela tentando se aprofundar em algumas respostas que eu tinha dado anteriormente e eu descobrindo que embora eu não tivesse levado nenhum problema à sessão, havia um: a leitura com um propósito.

Meu “tratamento”, ela disse, seria homeopático: livros curtinhos para ler despretensiosamente, sem finalidade profissional ou finalidade alguma, um pouquinho por dia, para resgatar uma experiência de leitura que foi plantada na infância, retomada na juventude e que ganhou uma aura de seriedade e responsabilidade quando comecei a trabalhar com livros.

A biblioterapia ajuda a viver melhor

Ao final da conversa, já assumindo o papel de jornalista, perguntei quem costumava procurar atendimento. Até hoje, ela só atendeu mulheres. Algumas pessoas vão com alguma dor específica - estão tristes, ou perderam alguém, ou estão saindo de uma situação difícil, ou estão enfrentando problemas com a mãe ou com a filha, etc.

No entanto, muita gente vai em busca mesmo de um guia de leitura. São pessoas que querem ler e não sabem por onde começar, ou querem ler mais.

Não tem nada de autoajuda ou não ficção nas indicações de Simone. “A ficção é muito mais terapêutica do que a não ficção”, ela disse, ressaltando que é preciso cuidado na hora de sugerir leituras. Ela não recomendaria, por exemplo, livros de Virginia Woolf ou de Clarice Lispector para qualquer mulher. Natalia Ginzburg e seu As Pequenas Virtudes, e Elena Ferrante costumam ser presenças frequentes em suas receitas.

“A biblioterapia serve para ajudar a viver melhor. Da mesma maneira que você busca ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico, atividades que te ajudam a se concentrar, a ter uma performance melhor na sua vida diária, ela ajuda, nesse mundo tão cheio de demandas e chamados, as pessoas a acharem esse espaço para a construção do seu ser. O livro é fundamental para esse processo. O livro pode não curar, no sentido pleno da palavra, mas ele ajuda a viver melhor, a diminuir as dores, a mostrar que o mundo é maior, que há outras pessoas, personagens, com problemas semelhantes ou muito piores do que os seus”, finaliza.

Olivia Colman em 'A Filha Perdida'. Além de livros, biblioterapeutas podem indicar filmes baseados em livros, caso da obra de Elena Ferrante que ganhou elogiada adaptação Foto: Netflix

Quanto custa uma sessão de biblioterapia

Não há um valor padrão. Na The School of Life, que oferece encontros individuais presenciais (Rua Medeiros de Albuquerque, 60 - Vila Madalena) ou online, uma sessão de cerca de uma hora custa R$ 320

Conheça livros sobre biblioterapia

  • Farmácia literária: mais de 400 livros para curar males diversos, de depressão e dor de cabeça a coração partido, de Ella Berthoud e Susan Elderkin
  • Biblioterapia: um cuidado com o ser, de Clarice Fortkamp Caldin
  • A literatura como remédio, de Dante Gallian

Outros livros citados

  • As Pequenas Virtudes, de Natalia Ginzburg (Companhia das Letras)
  • Tetralogia napolitana, de Elena Ferrante, formada pelos livros: A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Vai e de Quem Fica e A Menina Perdida (Globo)
  • A Filha Perdida, de Elena Ferrante (Globo)
  • O Nome do Vento, de Patrick Rothfuss (Arqueiro)
  • Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach (Record)
  • Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (Globo e Companhia das Letras, na versão completa; L&PM em mangá e Zahar em HQ)
  • Manual de Epicteto: A arte de viver melhor (Edipro)
  • Da Tranquilidade da Alma, de Sêneca (L&PM, Penguin)
  • Sobre a Brevidade da Vida, de Sêneca (L&PM, Penguin, Edipro)
  • Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy

Biblioterapia: uma forma de terapia que consiste na conversa entre o paciente e o terapeuta acerca de questões e problemas incômodos e para qual ele busca ajuda, ou uma resposta, ou um caminho. Não em farmácias, mas dentro de um livro.

Uma pessoa faz uma sessão de biblioterapia por motivos muito particulares. Ian Lucas, hoje com 25 anos, resolveu experimentar há um ano. “Estou descobrindo muita coisa, tentando achar minha filosofia de vida e entender como viver nesse mundão, e gostei da ideia de o terapeuta montar o repertório com você”, conta ele ao Estadão.

O que você vai ler

  • O que é a biblioterapia
  • Como surgiu a biblioterapia
  • A biblioterapia como disciplina na universidade
  • O que tratar com a biblioterapia
  • Livros indicados
  • A biblioterapia na prática: fizemos uma sessão-teste

Formado em ciências moleculares na USP, este jovem cientista conta que chegou à The School of Life, o braço brasileiro da escola criada por Alain de Botton em Londres, na Vila Madalena, com uma demanda clara: formar-se “como pessoa”, “como um adulto”. ”Eu pensei: Preciso de um livro que me inspire, que eu possa levar como orientação para a minha vida de adulto, que me ajude a tomar decisões mais corretas, a formar meu código ético, meu estilo de pessoa, a maneira como eu quero me relacionar como pessoa. Foi por isso que procurei a biblioterapia.”

Ilan Lucas buscou a biblioterapia quando se viu sem referências para para ajudá-lo na transição para a vida adulta Foto: Alex Silva/Estadão

Saiu da sessão com uma receita. O remédio: 10 livros. Começou por uma fantasia (O Nome do Vento), um de seus gêneros preferidos. Mas na “lista de formação”, constavam ainda obras como Fernão Capelo Gaivota, best-seller de Richard Bach, e Em Busca do Tempo Perdido, clássico de Marcel Proust.

A sessão serviu como um guia de leitura, a que ele volta sempre que se sente desconfortável. Lê no seu tempo, e diz que tem um pouco de dificuldade de avançar - talvez, ele não tem certeza, por causa de seu diagnóstico de TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

Mas sabe da importância dos livros, diz que saiu da sessão “empoderado” e recomenda a experiência: “Tem a terapia, onde você discute as suas questões, busca esse autoconhecimento por meio do diálogo e da reflexão, e tem o depois: os livros. A sensação que tive é que eu poderia protagonizar o resto do meu desenvolvimento. Com os livros, a jornada do autoconhecimento pode ser mais intensa”, diz ele, comentando ainda que tem curiosidade de saber qual seria a receita agora, se fizesse uma segunda sessão. “Sou uma pessoa completamente diferente hoje”.

Biblioterapia na universidade

O que acontece na The School of Life e com mais frequência em outros países, pode acontecer em hospitais, penitenciárias, asilos e outros lugares e chegou também à universidade. Fernando Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo criou, lá, a disciplina biblioterapia, ou, mais precisamente, Leitura Terapêutica: Teoria, Prática e Pesquisa. Ele explica que a técnica segue a linha da Terapia Cognitivo Comportamental e consiste na “introdução de leituras para casa durante o processo terapêutico”.

Essas leituras, segundo ele, podem levar o paciente a se identificar com os personagens em suas dores e dificuldades, e reconhecer nas histórias parte de seus próprios dramas. Como resultado, isso pode produzir reações e meditações profundas nos pacientes.

Capovilla explica que a disciplina foi criada em 2016 como uma forma de refletir e lidar com os crescentes casos de suicídio na USP, especialmente a partir de 2011. Ele comenta que em 2021 foram registrados três casos e compara com os números passados - em 2018, por exemplo, foram registrados quatro casos em apenas dois meses.

Existindo oficialmente desde 2017, a disciplina é voltada para alunos da graduação de todos os cursos, para quem são sugeridos livros como Manual da Vida - A Arte de Viver, de Epíteto, Da Tranquilidade da Alma e Da Brevidade da Vida, de Sêneca, além de obras relacionadas ao budismo e ao cristianismo. (Esses livros, em domínio público, podem ganhar títulos ligeiramente diferentes dependendo da edição e da tradução).

Na biblioterapia, livros ajudam o paciente a superar problemas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Capovilla ressalta que a biblioterapia pode ser muito importante para o aprofundamento da terapia, mas que tudo depende da precisão na escolha do material indicado. “A escolha e recomendação do material de leitura devem ser feitas criteriosamente e com sensibilidade, de maneira adequada às características do paciente, ao seu quadro clínico preciso, e às suas habilidades e interesses”, explica.

O que tratar com a biblioterapia e cuidados

Fernando Capovilla afirma que uma vasta gama de questões e traumas podem ser tratados com o auxílio da biblioterapia. Ele dá alguns exemplos: bullying, humilhação, morte de pessoa próxima ou até animais de estimação, abandono, alienação parental, paralisia ou amputação, perda de visão ou audição, perda de emprego, perda de bens, separação, castigo, exílio ou encarceramento.

A professora Carmem Beatriz Neufeld, também da Psicologia da USP, ressalta que, para ser considerada biblioterapia, ela deve ser feita por profissionais qualificados.

Ela comenta ainda que existe uma literatura consistente na área de biblioterapia e cita alguns exemplos de livros, entre os quais Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy.

A psicóloga explica ainda a diferença entre os livros de autoajuda e os adotados em biblioterapia. “Os autores de livros de autoajuda, em geral, são pessoas que escrevem sobre a sua experiência e o que foi bom para elas. Mas o que funcionou para elas pode funcionar para outra pessoa ou não. E os livros de biblioterapia estão baseados em estudos e usam técnicas específicas da área de psicologia para ajudar as pessoas a fazerem uso desse material”.

A origem da biblioterapia

A biblioterapia ganhou este nome entre as décadas de 1940 e 1950. “A biblioterapia se sistematiza no século 20 a partir de estudos que identificam que as pessoas lendo materiais que elas compreendam e que sejam baseados em estudos científicos acabam tendo efeitos terapêuticos”, explica Carmem.

Capovilla também comenta a origem desta técnica, e diz que a prática de indicar livros como aconselhamento remonta a “tempos imemoriais” e está relacionada, até mesmo, à invenção da escrita. Ele cita que usar livros para “consolo, iluminação e orientação frente às crises da vida” surgiu com textos clássicos gregos e livros religiosos, como o Tao Te Ching, do taoísmo, a Ilíada, de Homero, e até os evangelhos e epístolas do Novo Testamento, do cristianismo.

“Foi por meio da escrita que o ser humano passou a buscar, além das soluções para os mistérios da vida, consolo, inspiração e instrução diante de situações difíceis”, finaliza.

Biblioterapia na prática

Mas como funciona uma sessão de biblioterapia na prática? Repórter e colunista de livros no Estadão desde 2011, Maria Fernanda Rodrigues fez uma sessão na The School of Life para experimentar.

Como foi

Tudo começa com um questionário, enviado ao paciente alguns dias antes da sessão. A informação é de que levaria apenas 7 minutos para responder tudo. Passei pelo menos meia-hora pensando nas questões - sobre meus hábitos de leitura, como é meu relacionamento com os livros, se eles foram uma parte grande da minha infância, se alguma experiência com leitura me marcou especialmente. Depois: onde prefiro ler, por que leio, qual é a primeira seção da livraria que visito, livros e autores preferidos. Mais adiante surgiram questões sobre idade, filhos, com o que trabalho, o que faço para me divertir, o que me preocupa no momento.

Ao chegar na sessão, a terapeuta já tinha essa ideia da minha relação com os livros, com base no que eu respondi. Ela também me conhecia profissionalmente, mas isso não foi um problema - como poderia ser para outras linhas da psicologia. Não levei um problema específico, e fui sabendo que receber uma receita com livros para serem lidos poderia me causar uma ‘overdose’. O leitor que acompanha o Estadão e gosta de literatura sabe que já leio pelo menos um livro por semana.

Mas foi interessante. Na sessão, Simone Paulino, editora de livros com mestrado na área de literatura e psicanálise, que começou a conduzir essas sessões de biblioterapia recentemente depois que a The School of Life começou a registrar aumento de demanda, tentou se aprofundar em algumas das minhas respostas ao questionário.

O encontro ocorreu num fim de tarde, em uma sala aconchegante. Eu, no sofá. Ela, na frente, em uma poltrona. Havia uma estante de livros atrás de nós, uma luz agradável e silêncio lá fora.

Na The School of Lifre Brasil, as sessões de biblioterapia podem acontecer tanto de forma presencial quanto online; Simone Paulino é uma das terapeutas da escola Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não vi o tempo passar, nem a noite avançar na sala iluminada apenas por um abajur. Conversamos abertamente por mais de 40 minutos - ela tentando se aprofundar em algumas respostas que eu tinha dado anteriormente e eu descobrindo que embora eu não tivesse levado nenhum problema à sessão, havia um: a leitura com um propósito.

Meu “tratamento”, ela disse, seria homeopático: livros curtinhos para ler despretensiosamente, sem finalidade profissional ou finalidade alguma, um pouquinho por dia, para resgatar uma experiência de leitura que foi plantada na infância, retomada na juventude e que ganhou uma aura de seriedade e responsabilidade quando comecei a trabalhar com livros.

A biblioterapia ajuda a viver melhor

Ao final da conversa, já assumindo o papel de jornalista, perguntei quem costumava procurar atendimento. Até hoje, ela só atendeu mulheres. Algumas pessoas vão com alguma dor específica - estão tristes, ou perderam alguém, ou estão saindo de uma situação difícil, ou estão enfrentando problemas com a mãe ou com a filha, etc.

No entanto, muita gente vai em busca mesmo de um guia de leitura. São pessoas que querem ler e não sabem por onde começar, ou querem ler mais.

Não tem nada de autoajuda ou não ficção nas indicações de Simone. “A ficção é muito mais terapêutica do que a não ficção”, ela disse, ressaltando que é preciso cuidado na hora de sugerir leituras. Ela não recomendaria, por exemplo, livros de Virginia Woolf ou de Clarice Lispector para qualquer mulher. Natalia Ginzburg e seu As Pequenas Virtudes, e Elena Ferrante costumam ser presenças frequentes em suas receitas.

“A biblioterapia serve para ajudar a viver melhor. Da mesma maneira que você busca ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico, atividades que te ajudam a se concentrar, a ter uma performance melhor na sua vida diária, ela ajuda, nesse mundo tão cheio de demandas e chamados, as pessoas a acharem esse espaço para a construção do seu ser. O livro é fundamental para esse processo. O livro pode não curar, no sentido pleno da palavra, mas ele ajuda a viver melhor, a diminuir as dores, a mostrar que o mundo é maior, que há outras pessoas, personagens, com problemas semelhantes ou muito piores do que os seus”, finaliza.

Olivia Colman em 'A Filha Perdida'. Além de livros, biblioterapeutas podem indicar filmes baseados em livros, caso da obra de Elena Ferrante que ganhou elogiada adaptação Foto: Netflix

Quanto custa uma sessão de biblioterapia

Não há um valor padrão. Na The School of Life, que oferece encontros individuais presenciais (Rua Medeiros de Albuquerque, 60 - Vila Madalena) ou online, uma sessão de cerca de uma hora custa R$ 320

Conheça livros sobre biblioterapia

  • Farmácia literária: mais de 400 livros para curar males diversos, de depressão e dor de cabeça a coração partido, de Ella Berthoud e Susan Elderkin
  • Biblioterapia: um cuidado com o ser, de Clarice Fortkamp Caldin
  • A literatura como remédio, de Dante Gallian

Outros livros citados

  • As Pequenas Virtudes, de Natalia Ginzburg (Companhia das Letras)
  • Tetralogia napolitana, de Elena Ferrante, formada pelos livros: A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Vai e de Quem Fica e A Menina Perdida (Globo)
  • A Filha Perdida, de Elena Ferrante (Globo)
  • O Nome do Vento, de Patrick Rothfuss (Arqueiro)
  • Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach (Record)
  • Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (Globo e Companhia das Letras, na versão completa; L&PM em mangá e Zahar em HQ)
  • Manual de Epicteto: A arte de viver melhor (Edipro)
  • Da Tranquilidade da Alma, de Sêneca (L&PM, Penguin)
  • Sobre a Brevidade da Vida, de Sêneca (L&PM, Penguin, Edipro)
  • Como Lidar com as Preocupações: Sete Passos para Impedir que Elas Paralisem Você, de Robert Leahy

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