‘O sofrimento do mundo é mais do que assustador’, diz Alice Walker nos 40 anos de 'A Cor Púrpura'


Escritora americana fala sobre seu clássico best-seller amado e proibido, sobre vida, luta e medo; novos livros estão no prelo

Por Maria Fernanda Rodrigues

Há 40 anos, Alice Walker lançava o que viria a ser seu livro mais célebre, mais amado e odiado – um clássico por tantas vezes banido de escolas, bibliotecas e prisões americanas: A Cor Púrpura.

A escritora Alice Walker lança ou relança pelo menos quatro livros este ano. Foto: SCOTT CAMPBELL

É a história de Celie, da infância à vida adulta, situada numa região rural do sul dos Estados Unidos no início do século 20. Uma história sobre abuso sexual, machismo, racismo e violência. Sobre família e identidade. E sobre Deus. “Ainda me desconcerta que as pessoas raramente discutam A Cor Púrpura como um livro sobre Deus. Sobre ‘Deus’ versus a ‘imagem de Deus’”, Alice escreve no prefácio da edição comemorativa de 25 anos só agora publicado no País – na edição de 40 anos que a José Olympio publicou no fim de 2021 com apresentação da poeta e tradutora Stephanie Borges. 

continua após a publicidade

O romance de 1982 ganhou o Pulitzer (a autora foi a primeira mulher negra premiada na categoria ficção) e o National Book Awards. Em 1985, foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg, numa produção também premiada que contou com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover. Virou best-seller e musical na Broadway e também no Brasil (está em cartaz no Rio).

Escritora, poeta, ativista do Movimento pelos Direitos Civis, feminista, Alice Walker nasceu no estado da Geórgia em 1944. Era o tempo da segregação racial, e ela estudou na única escola para crianças negras da cidade. Foi professora de Literatura nos anos 1960 e 1970, e editora da lendária revista Ms. Magazine. Viajou o mundo, escreveu, buscou a natureza. 

continua após a publicidade

Seu primeiro livro de não ficção publicado no Brasil, no ano passado, pela Bazar do Tempo, foi Em Busca dos Jardins de Nossas Mães. A obra traz ensaios pessoais e políticos sobre os assuntos que lhe são caros. No prelo da José Olympio, estão outros quatro: Meridian, de 1976, previsto para abril, e o infantil Gente Legal Está em Todo Lugar, que sai em março, além de Segredo da Alegria, em julho, e O Templo dos Meus Familiares, em novembro. 

Alice Walker, que completa 78 anos no dia 9 e que vive hoje na Califórnia “por seus céus abertos e montanhas e neblina espessa nas manhãs e lagos”, conversou recentemente com o Estadão por e-mail.

O que a interessava na literatura quando a senhora começou? E agora?

continua após a publicidade

Escrever é sobre expressar o seu estado de espírito, especialmente quando se é jovem. Mais tarde, trata-se de criar um mundo onde outras pessoas possam se juntar a nós.

'A Cor Púrpura' está completando 40 anos. Como a senhora vê esse livro hoje? Muitas pessoas estão descobrindo esta obra hoje à medida que a literatura negra produzida atualmente ganha espaço e leitores. Como a senhora vê este momento?

A Cor Púrpura foi um presente para mim. Foi escrito ao longo de um ano. Um ano em que me deleitei com a existência imaginária de meus avós antes de conhecê-los. Esse deleite, por mais que para alguns a história pareça desafiadora, acaba triunfando sobre qualquer tristeza. Vemos que crescemos, sofremos, perdemos e encontramos o nosso caminho infinitamente. E no meio disso tudo há momentos tão sublimes que continuamos gratos por termos chegado aqui. Neste planeta, com essas pessoas talvez esquisitas, e sempre com as surpresas que a natureza nos proporciona, que nunca deixa de estar presente de uma forma que não nos é habitual. Surpreendente, mágico, quase além do nosso pensamento de como uma coisa dessas poderia ser: como a cor de qualquer coisa.

continua após a publicidade

Houve ganhos e conquistas, e retrocessos. Como é, para a senhora, viver este tempo? Tem medo de algo?

Descobri, em grande parte por meio da prática da meditação, que fiz quando criança sem saber o que era, uma sensação de paz ou, talvez mais corretamente, uma sensação de aceitação. Tenho trabalhado toda a minha vida consciente para nutrir aqueles que estão sofrendo ao meu redor e no mundo. Hoje, o sofrimento do mundo – pessoas deslocadas, fome, doença, falta de moradia, violência, vício – é mais do que assustador. A menos que a humanidade se una, podemos não ser capazes de preservar nosso hábitat. A Terra. É um momento terrível para todos nós, não apenas para os humanos que se consideram os mais importantes, mas para as florestas e os animais que estão desaparecendo rapidamente. Vivo, dia a dia, em estado de profunda gratidão; isso ilumina meu coração. E eu já senti medo, claro, em encontros amedrontadores aqui e ali no mundo, como Gaza, Mississippi, etc., mas este é um momento em que você tem de se perguntar: eu preferiria estar em outro lugar? Ou ser outra pessoa? Eu preferiria não estar ao lado dessas pessoas que admiro tanto? O amor supera o medo. Foi isso que descobri durante toda a minha vida, dia após dia.

Aos 77 anos, olhando em retrospecto tudo o que viu e viveu, todas as lutas e livros, como se sente?

continua após a publicidade

Feliz. No geral. E isso é uma surpresa maravilhosa para uma pessoa que foi, no começo da vida, tão frequentemente deprimida!

Pelo que a senhora luta hoje em dia?

Não estou lutando. Se o que estou oferecendo não for aceito em um lugar, tentarei outro lugar. Ou, outra forma de expressar isso, é que tentarei usar outro meio. Eu tenho 77 anos e os piquetes são perigosos e tem todo aquele déjà vu. Mas tenho usado a internet e meu blog alicewalkersgarden.com, e isso tem me dado espaço para oferecer aos outros o que acho que pode ser útil. 

continua após a publicidade
Ilustração de Quim Torres para o livro 'Gente Legal Está em Todo Lugar', de Alice Walker. Foto: EDITORA JOSÉ OLYMPIO

Livros de Alice Walker

  • A Cor Púrpura

Clássico e best-seller, romance acompanha a vida de uma mulher negra no sul dos EUA por meio de suas cartas. Edição comemorativa da José Olympio traz novo prefácio e textos de apoio.

  • Em Busca dos Jardins de Nossas Mães

Única não ficção publicada aqui traz ensaios pessoais e políticos. Obra foi lançada em 2021 pela Bazar do Tempo

  • Meridian

Movimento pelos direitos civis nos anos 1960 é pano de fundo deste seu segundo romance. No prelo da José Olympio

  • Gente Legal Está em Todo Lugar

Poema vira livro para mostrar às crianças que há outros lugares no mundo. No prelo da José Olympio

Há 40 anos, Alice Walker lançava o que viria a ser seu livro mais célebre, mais amado e odiado – um clássico por tantas vezes banido de escolas, bibliotecas e prisões americanas: A Cor Púrpura.

A escritora Alice Walker lança ou relança pelo menos quatro livros este ano. Foto: SCOTT CAMPBELL

É a história de Celie, da infância à vida adulta, situada numa região rural do sul dos Estados Unidos no início do século 20. Uma história sobre abuso sexual, machismo, racismo e violência. Sobre família e identidade. E sobre Deus. “Ainda me desconcerta que as pessoas raramente discutam A Cor Púrpura como um livro sobre Deus. Sobre ‘Deus’ versus a ‘imagem de Deus’”, Alice escreve no prefácio da edição comemorativa de 25 anos só agora publicado no País – na edição de 40 anos que a José Olympio publicou no fim de 2021 com apresentação da poeta e tradutora Stephanie Borges. 

O romance de 1982 ganhou o Pulitzer (a autora foi a primeira mulher negra premiada na categoria ficção) e o National Book Awards. Em 1985, foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg, numa produção também premiada que contou com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover. Virou best-seller e musical na Broadway e também no Brasil (está em cartaz no Rio).

Escritora, poeta, ativista do Movimento pelos Direitos Civis, feminista, Alice Walker nasceu no estado da Geórgia em 1944. Era o tempo da segregação racial, e ela estudou na única escola para crianças negras da cidade. Foi professora de Literatura nos anos 1960 e 1970, e editora da lendária revista Ms. Magazine. Viajou o mundo, escreveu, buscou a natureza. 

Seu primeiro livro de não ficção publicado no Brasil, no ano passado, pela Bazar do Tempo, foi Em Busca dos Jardins de Nossas Mães. A obra traz ensaios pessoais e políticos sobre os assuntos que lhe são caros. No prelo da José Olympio, estão outros quatro: Meridian, de 1976, previsto para abril, e o infantil Gente Legal Está em Todo Lugar, que sai em março, além de Segredo da Alegria, em julho, e O Templo dos Meus Familiares, em novembro. 

Alice Walker, que completa 78 anos no dia 9 e que vive hoje na Califórnia “por seus céus abertos e montanhas e neblina espessa nas manhãs e lagos”, conversou recentemente com o Estadão por e-mail.

O que a interessava na literatura quando a senhora começou? E agora?

Escrever é sobre expressar o seu estado de espírito, especialmente quando se é jovem. Mais tarde, trata-se de criar um mundo onde outras pessoas possam se juntar a nós.

'A Cor Púrpura' está completando 40 anos. Como a senhora vê esse livro hoje? Muitas pessoas estão descobrindo esta obra hoje à medida que a literatura negra produzida atualmente ganha espaço e leitores. Como a senhora vê este momento?

A Cor Púrpura foi um presente para mim. Foi escrito ao longo de um ano. Um ano em que me deleitei com a existência imaginária de meus avós antes de conhecê-los. Esse deleite, por mais que para alguns a história pareça desafiadora, acaba triunfando sobre qualquer tristeza. Vemos que crescemos, sofremos, perdemos e encontramos o nosso caminho infinitamente. E no meio disso tudo há momentos tão sublimes que continuamos gratos por termos chegado aqui. Neste planeta, com essas pessoas talvez esquisitas, e sempre com as surpresas que a natureza nos proporciona, que nunca deixa de estar presente de uma forma que não nos é habitual. Surpreendente, mágico, quase além do nosso pensamento de como uma coisa dessas poderia ser: como a cor de qualquer coisa.

Houve ganhos e conquistas, e retrocessos. Como é, para a senhora, viver este tempo? Tem medo de algo?

Descobri, em grande parte por meio da prática da meditação, que fiz quando criança sem saber o que era, uma sensação de paz ou, talvez mais corretamente, uma sensação de aceitação. Tenho trabalhado toda a minha vida consciente para nutrir aqueles que estão sofrendo ao meu redor e no mundo. Hoje, o sofrimento do mundo – pessoas deslocadas, fome, doença, falta de moradia, violência, vício – é mais do que assustador. A menos que a humanidade se una, podemos não ser capazes de preservar nosso hábitat. A Terra. É um momento terrível para todos nós, não apenas para os humanos que se consideram os mais importantes, mas para as florestas e os animais que estão desaparecendo rapidamente. Vivo, dia a dia, em estado de profunda gratidão; isso ilumina meu coração. E eu já senti medo, claro, em encontros amedrontadores aqui e ali no mundo, como Gaza, Mississippi, etc., mas este é um momento em que você tem de se perguntar: eu preferiria estar em outro lugar? Ou ser outra pessoa? Eu preferiria não estar ao lado dessas pessoas que admiro tanto? O amor supera o medo. Foi isso que descobri durante toda a minha vida, dia após dia.

Aos 77 anos, olhando em retrospecto tudo o que viu e viveu, todas as lutas e livros, como se sente?

Feliz. No geral. E isso é uma surpresa maravilhosa para uma pessoa que foi, no começo da vida, tão frequentemente deprimida!

Pelo que a senhora luta hoje em dia?

Não estou lutando. Se o que estou oferecendo não for aceito em um lugar, tentarei outro lugar. Ou, outra forma de expressar isso, é que tentarei usar outro meio. Eu tenho 77 anos e os piquetes são perigosos e tem todo aquele déjà vu. Mas tenho usado a internet e meu blog alicewalkersgarden.com, e isso tem me dado espaço para oferecer aos outros o que acho que pode ser útil. 

Ilustração de Quim Torres para o livro 'Gente Legal Está em Todo Lugar', de Alice Walker. Foto: EDITORA JOSÉ OLYMPIO

Livros de Alice Walker

  • A Cor Púrpura

Clássico e best-seller, romance acompanha a vida de uma mulher negra no sul dos EUA por meio de suas cartas. Edição comemorativa da José Olympio traz novo prefácio e textos de apoio.

  • Em Busca dos Jardins de Nossas Mães

Única não ficção publicada aqui traz ensaios pessoais e políticos. Obra foi lançada em 2021 pela Bazar do Tempo

  • Meridian

Movimento pelos direitos civis nos anos 1960 é pano de fundo deste seu segundo romance. No prelo da José Olympio

  • Gente Legal Está em Todo Lugar

Poema vira livro para mostrar às crianças que há outros lugares no mundo. No prelo da José Olympio

Há 40 anos, Alice Walker lançava o que viria a ser seu livro mais célebre, mais amado e odiado – um clássico por tantas vezes banido de escolas, bibliotecas e prisões americanas: A Cor Púrpura.

A escritora Alice Walker lança ou relança pelo menos quatro livros este ano. Foto: SCOTT CAMPBELL

É a história de Celie, da infância à vida adulta, situada numa região rural do sul dos Estados Unidos no início do século 20. Uma história sobre abuso sexual, machismo, racismo e violência. Sobre família e identidade. E sobre Deus. “Ainda me desconcerta que as pessoas raramente discutam A Cor Púrpura como um livro sobre Deus. Sobre ‘Deus’ versus a ‘imagem de Deus’”, Alice escreve no prefácio da edição comemorativa de 25 anos só agora publicado no País – na edição de 40 anos que a José Olympio publicou no fim de 2021 com apresentação da poeta e tradutora Stephanie Borges. 

O romance de 1982 ganhou o Pulitzer (a autora foi a primeira mulher negra premiada na categoria ficção) e o National Book Awards. Em 1985, foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg, numa produção também premiada que contou com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover. Virou best-seller e musical na Broadway e também no Brasil (está em cartaz no Rio).

Escritora, poeta, ativista do Movimento pelos Direitos Civis, feminista, Alice Walker nasceu no estado da Geórgia em 1944. Era o tempo da segregação racial, e ela estudou na única escola para crianças negras da cidade. Foi professora de Literatura nos anos 1960 e 1970, e editora da lendária revista Ms. Magazine. Viajou o mundo, escreveu, buscou a natureza. 

Seu primeiro livro de não ficção publicado no Brasil, no ano passado, pela Bazar do Tempo, foi Em Busca dos Jardins de Nossas Mães. A obra traz ensaios pessoais e políticos sobre os assuntos que lhe são caros. No prelo da José Olympio, estão outros quatro: Meridian, de 1976, previsto para abril, e o infantil Gente Legal Está em Todo Lugar, que sai em março, além de Segredo da Alegria, em julho, e O Templo dos Meus Familiares, em novembro. 

Alice Walker, que completa 78 anos no dia 9 e que vive hoje na Califórnia “por seus céus abertos e montanhas e neblina espessa nas manhãs e lagos”, conversou recentemente com o Estadão por e-mail.

O que a interessava na literatura quando a senhora começou? E agora?

Escrever é sobre expressar o seu estado de espírito, especialmente quando se é jovem. Mais tarde, trata-se de criar um mundo onde outras pessoas possam se juntar a nós.

'A Cor Púrpura' está completando 40 anos. Como a senhora vê esse livro hoje? Muitas pessoas estão descobrindo esta obra hoje à medida que a literatura negra produzida atualmente ganha espaço e leitores. Como a senhora vê este momento?

A Cor Púrpura foi um presente para mim. Foi escrito ao longo de um ano. Um ano em que me deleitei com a existência imaginária de meus avós antes de conhecê-los. Esse deleite, por mais que para alguns a história pareça desafiadora, acaba triunfando sobre qualquer tristeza. Vemos que crescemos, sofremos, perdemos e encontramos o nosso caminho infinitamente. E no meio disso tudo há momentos tão sublimes que continuamos gratos por termos chegado aqui. Neste planeta, com essas pessoas talvez esquisitas, e sempre com as surpresas que a natureza nos proporciona, que nunca deixa de estar presente de uma forma que não nos é habitual. Surpreendente, mágico, quase além do nosso pensamento de como uma coisa dessas poderia ser: como a cor de qualquer coisa.

Houve ganhos e conquistas, e retrocessos. Como é, para a senhora, viver este tempo? Tem medo de algo?

Descobri, em grande parte por meio da prática da meditação, que fiz quando criança sem saber o que era, uma sensação de paz ou, talvez mais corretamente, uma sensação de aceitação. Tenho trabalhado toda a minha vida consciente para nutrir aqueles que estão sofrendo ao meu redor e no mundo. Hoje, o sofrimento do mundo – pessoas deslocadas, fome, doença, falta de moradia, violência, vício – é mais do que assustador. A menos que a humanidade se una, podemos não ser capazes de preservar nosso hábitat. A Terra. É um momento terrível para todos nós, não apenas para os humanos que se consideram os mais importantes, mas para as florestas e os animais que estão desaparecendo rapidamente. Vivo, dia a dia, em estado de profunda gratidão; isso ilumina meu coração. E eu já senti medo, claro, em encontros amedrontadores aqui e ali no mundo, como Gaza, Mississippi, etc., mas este é um momento em que você tem de se perguntar: eu preferiria estar em outro lugar? Ou ser outra pessoa? Eu preferiria não estar ao lado dessas pessoas que admiro tanto? O amor supera o medo. Foi isso que descobri durante toda a minha vida, dia após dia.

Aos 77 anos, olhando em retrospecto tudo o que viu e viveu, todas as lutas e livros, como se sente?

Feliz. No geral. E isso é uma surpresa maravilhosa para uma pessoa que foi, no começo da vida, tão frequentemente deprimida!

Pelo que a senhora luta hoje em dia?

Não estou lutando. Se o que estou oferecendo não for aceito em um lugar, tentarei outro lugar. Ou, outra forma de expressar isso, é que tentarei usar outro meio. Eu tenho 77 anos e os piquetes são perigosos e tem todo aquele déjà vu. Mas tenho usado a internet e meu blog alicewalkersgarden.com, e isso tem me dado espaço para oferecer aos outros o que acho que pode ser útil. 

Ilustração de Quim Torres para o livro 'Gente Legal Está em Todo Lugar', de Alice Walker. Foto: EDITORA JOSÉ OLYMPIO

Livros de Alice Walker

  • A Cor Púrpura

Clássico e best-seller, romance acompanha a vida de uma mulher negra no sul dos EUA por meio de suas cartas. Edição comemorativa da José Olympio traz novo prefácio e textos de apoio.

  • Em Busca dos Jardins de Nossas Mães

Única não ficção publicada aqui traz ensaios pessoais e políticos. Obra foi lançada em 2021 pela Bazar do Tempo

  • Meridian

Movimento pelos direitos civis nos anos 1960 é pano de fundo deste seu segundo romance. No prelo da José Olympio

  • Gente Legal Está em Todo Lugar

Poema vira livro para mostrar às crianças que há outros lugares no mundo. No prelo da José Olympio

Há 40 anos, Alice Walker lançava o que viria a ser seu livro mais célebre, mais amado e odiado – um clássico por tantas vezes banido de escolas, bibliotecas e prisões americanas: A Cor Púrpura.

A escritora Alice Walker lança ou relança pelo menos quatro livros este ano. Foto: SCOTT CAMPBELL

É a história de Celie, da infância à vida adulta, situada numa região rural do sul dos Estados Unidos no início do século 20. Uma história sobre abuso sexual, machismo, racismo e violência. Sobre família e identidade. E sobre Deus. “Ainda me desconcerta que as pessoas raramente discutam A Cor Púrpura como um livro sobre Deus. Sobre ‘Deus’ versus a ‘imagem de Deus’”, Alice escreve no prefácio da edição comemorativa de 25 anos só agora publicado no País – na edição de 40 anos que a José Olympio publicou no fim de 2021 com apresentação da poeta e tradutora Stephanie Borges. 

O romance de 1982 ganhou o Pulitzer (a autora foi a primeira mulher negra premiada na categoria ficção) e o National Book Awards. Em 1985, foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg, numa produção também premiada que contou com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover. Virou best-seller e musical na Broadway e também no Brasil (está em cartaz no Rio).

Escritora, poeta, ativista do Movimento pelos Direitos Civis, feminista, Alice Walker nasceu no estado da Geórgia em 1944. Era o tempo da segregação racial, e ela estudou na única escola para crianças negras da cidade. Foi professora de Literatura nos anos 1960 e 1970, e editora da lendária revista Ms. Magazine. Viajou o mundo, escreveu, buscou a natureza. 

Seu primeiro livro de não ficção publicado no Brasil, no ano passado, pela Bazar do Tempo, foi Em Busca dos Jardins de Nossas Mães. A obra traz ensaios pessoais e políticos sobre os assuntos que lhe são caros. No prelo da José Olympio, estão outros quatro: Meridian, de 1976, previsto para abril, e o infantil Gente Legal Está em Todo Lugar, que sai em março, além de Segredo da Alegria, em julho, e O Templo dos Meus Familiares, em novembro. 

Alice Walker, que completa 78 anos no dia 9 e que vive hoje na Califórnia “por seus céus abertos e montanhas e neblina espessa nas manhãs e lagos”, conversou recentemente com o Estadão por e-mail.

O que a interessava na literatura quando a senhora começou? E agora?

Escrever é sobre expressar o seu estado de espírito, especialmente quando se é jovem. Mais tarde, trata-se de criar um mundo onde outras pessoas possam se juntar a nós.

'A Cor Púrpura' está completando 40 anos. Como a senhora vê esse livro hoje? Muitas pessoas estão descobrindo esta obra hoje à medida que a literatura negra produzida atualmente ganha espaço e leitores. Como a senhora vê este momento?

A Cor Púrpura foi um presente para mim. Foi escrito ao longo de um ano. Um ano em que me deleitei com a existência imaginária de meus avós antes de conhecê-los. Esse deleite, por mais que para alguns a história pareça desafiadora, acaba triunfando sobre qualquer tristeza. Vemos que crescemos, sofremos, perdemos e encontramos o nosso caminho infinitamente. E no meio disso tudo há momentos tão sublimes que continuamos gratos por termos chegado aqui. Neste planeta, com essas pessoas talvez esquisitas, e sempre com as surpresas que a natureza nos proporciona, que nunca deixa de estar presente de uma forma que não nos é habitual. Surpreendente, mágico, quase além do nosso pensamento de como uma coisa dessas poderia ser: como a cor de qualquer coisa.

Houve ganhos e conquistas, e retrocessos. Como é, para a senhora, viver este tempo? Tem medo de algo?

Descobri, em grande parte por meio da prática da meditação, que fiz quando criança sem saber o que era, uma sensação de paz ou, talvez mais corretamente, uma sensação de aceitação. Tenho trabalhado toda a minha vida consciente para nutrir aqueles que estão sofrendo ao meu redor e no mundo. Hoje, o sofrimento do mundo – pessoas deslocadas, fome, doença, falta de moradia, violência, vício – é mais do que assustador. A menos que a humanidade se una, podemos não ser capazes de preservar nosso hábitat. A Terra. É um momento terrível para todos nós, não apenas para os humanos que se consideram os mais importantes, mas para as florestas e os animais que estão desaparecendo rapidamente. Vivo, dia a dia, em estado de profunda gratidão; isso ilumina meu coração. E eu já senti medo, claro, em encontros amedrontadores aqui e ali no mundo, como Gaza, Mississippi, etc., mas este é um momento em que você tem de se perguntar: eu preferiria estar em outro lugar? Ou ser outra pessoa? Eu preferiria não estar ao lado dessas pessoas que admiro tanto? O amor supera o medo. Foi isso que descobri durante toda a minha vida, dia após dia.

Aos 77 anos, olhando em retrospecto tudo o que viu e viveu, todas as lutas e livros, como se sente?

Feliz. No geral. E isso é uma surpresa maravilhosa para uma pessoa que foi, no começo da vida, tão frequentemente deprimida!

Pelo que a senhora luta hoje em dia?

Não estou lutando. Se o que estou oferecendo não for aceito em um lugar, tentarei outro lugar. Ou, outra forma de expressar isso, é que tentarei usar outro meio. Eu tenho 77 anos e os piquetes são perigosos e tem todo aquele déjà vu. Mas tenho usado a internet e meu blog alicewalkersgarden.com, e isso tem me dado espaço para oferecer aos outros o que acho que pode ser útil. 

Ilustração de Quim Torres para o livro 'Gente Legal Está em Todo Lugar', de Alice Walker. Foto: EDITORA JOSÉ OLYMPIO

Livros de Alice Walker

  • A Cor Púrpura

Clássico e best-seller, romance acompanha a vida de uma mulher negra no sul dos EUA por meio de suas cartas. Edição comemorativa da José Olympio traz novo prefácio e textos de apoio.

  • Em Busca dos Jardins de Nossas Mães

Única não ficção publicada aqui traz ensaios pessoais e políticos. Obra foi lançada em 2021 pela Bazar do Tempo

  • Meridian

Movimento pelos direitos civis nos anos 1960 é pano de fundo deste seu segundo romance. No prelo da José Olympio

  • Gente Legal Está em Todo Lugar

Poema vira livro para mostrar às crianças que há outros lugares no mundo. No prelo da José Olympio

Há 40 anos, Alice Walker lançava o que viria a ser seu livro mais célebre, mais amado e odiado – um clássico por tantas vezes banido de escolas, bibliotecas e prisões americanas: A Cor Púrpura.

A escritora Alice Walker lança ou relança pelo menos quatro livros este ano. Foto: SCOTT CAMPBELL

É a história de Celie, da infância à vida adulta, situada numa região rural do sul dos Estados Unidos no início do século 20. Uma história sobre abuso sexual, machismo, racismo e violência. Sobre família e identidade. E sobre Deus. “Ainda me desconcerta que as pessoas raramente discutam A Cor Púrpura como um livro sobre Deus. Sobre ‘Deus’ versus a ‘imagem de Deus’”, Alice escreve no prefácio da edição comemorativa de 25 anos só agora publicado no País – na edição de 40 anos que a José Olympio publicou no fim de 2021 com apresentação da poeta e tradutora Stephanie Borges. 

O romance de 1982 ganhou o Pulitzer (a autora foi a primeira mulher negra premiada na categoria ficção) e o National Book Awards. Em 1985, foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg, numa produção também premiada que contou com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover. Virou best-seller e musical na Broadway e também no Brasil (está em cartaz no Rio).

Escritora, poeta, ativista do Movimento pelos Direitos Civis, feminista, Alice Walker nasceu no estado da Geórgia em 1944. Era o tempo da segregação racial, e ela estudou na única escola para crianças negras da cidade. Foi professora de Literatura nos anos 1960 e 1970, e editora da lendária revista Ms. Magazine. Viajou o mundo, escreveu, buscou a natureza. 

Seu primeiro livro de não ficção publicado no Brasil, no ano passado, pela Bazar do Tempo, foi Em Busca dos Jardins de Nossas Mães. A obra traz ensaios pessoais e políticos sobre os assuntos que lhe são caros. No prelo da José Olympio, estão outros quatro: Meridian, de 1976, previsto para abril, e o infantil Gente Legal Está em Todo Lugar, que sai em março, além de Segredo da Alegria, em julho, e O Templo dos Meus Familiares, em novembro. 

Alice Walker, que completa 78 anos no dia 9 e que vive hoje na Califórnia “por seus céus abertos e montanhas e neblina espessa nas manhãs e lagos”, conversou recentemente com o Estadão por e-mail.

O que a interessava na literatura quando a senhora começou? E agora?

Escrever é sobre expressar o seu estado de espírito, especialmente quando se é jovem. Mais tarde, trata-se de criar um mundo onde outras pessoas possam se juntar a nós.

'A Cor Púrpura' está completando 40 anos. Como a senhora vê esse livro hoje? Muitas pessoas estão descobrindo esta obra hoje à medida que a literatura negra produzida atualmente ganha espaço e leitores. Como a senhora vê este momento?

A Cor Púrpura foi um presente para mim. Foi escrito ao longo de um ano. Um ano em que me deleitei com a existência imaginária de meus avós antes de conhecê-los. Esse deleite, por mais que para alguns a história pareça desafiadora, acaba triunfando sobre qualquer tristeza. Vemos que crescemos, sofremos, perdemos e encontramos o nosso caminho infinitamente. E no meio disso tudo há momentos tão sublimes que continuamos gratos por termos chegado aqui. Neste planeta, com essas pessoas talvez esquisitas, e sempre com as surpresas que a natureza nos proporciona, que nunca deixa de estar presente de uma forma que não nos é habitual. Surpreendente, mágico, quase além do nosso pensamento de como uma coisa dessas poderia ser: como a cor de qualquer coisa.

Houve ganhos e conquistas, e retrocessos. Como é, para a senhora, viver este tempo? Tem medo de algo?

Descobri, em grande parte por meio da prática da meditação, que fiz quando criança sem saber o que era, uma sensação de paz ou, talvez mais corretamente, uma sensação de aceitação. Tenho trabalhado toda a minha vida consciente para nutrir aqueles que estão sofrendo ao meu redor e no mundo. Hoje, o sofrimento do mundo – pessoas deslocadas, fome, doença, falta de moradia, violência, vício – é mais do que assustador. A menos que a humanidade se una, podemos não ser capazes de preservar nosso hábitat. A Terra. É um momento terrível para todos nós, não apenas para os humanos que se consideram os mais importantes, mas para as florestas e os animais que estão desaparecendo rapidamente. Vivo, dia a dia, em estado de profunda gratidão; isso ilumina meu coração. E eu já senti medo, claro, em encontros amedrontadores aqui e ali no mundo, como Gaza, Mississippi, etc., mas este é um momento em que você tem de se perguntar: eu preferiria estar em outro lugar? Ou ser outra pessoa? Eu preferiria não estar ao lado dessas pessoas que admiro tanto? O amor supera o medo. Foi isso que descobri durante toda a minha vida, dia após dia.

Aos 77 anos, olhando em retrospecto tudo o que viu e viveu, todas as lutas e livros, como se sente?

Feliz. No geral. E isso é uma surpresa maravilhosa para uma pessoa que foi, no começo da vida, tão frequentemente deprimida!

Pelo que a senhora luta hoje em dia?

Não estou lutando. Se o que estou oferecendo não for aceito em um lugar, tentarei outro lugar. Ou, outra forma de expressar isso, é que tentarei usar outro meio. Eu tenho 77 anos e os piquetes são perigosos e tem todo aquele déjà vu. Mas tenho usado a internet e meu blog alicewalkersgarden.com, e isso tem me dado espaço para oferecer aos outros o que acho que pode ser útil. 

Ilustração de Quim Torres para o livro 'Gente Legal Está em Todo Lugar', de Alice Walker. Foto: EDITORA JOSÉ OLYMPIO

Livros de Alice Walker

  • A Cor Púrpura

Clássico e best-seller, romance acompanha a vida de uma mulher negra no sul dos EUA por meio de suas cartas. Edição comemorativa da José Olympio traz novo prefácio e textos de apoio.

  • Em Busca dos Jardins de Nossas Mães

Única não ficção publicada aqui traz ensaios pessoais e políticos. Obra foi lançada em 2021 pela Bazar do Tempo

  • Meridian

Movimento pelos direitos civis nos anos 1960 é pano de fundo deste seu segundo romance. No prelo da José Olympio

  • Gente Legal Está em Todo Lugar

Poema vira livro para mostrar às crianças que há outros lugares no mundo. No prelo da José Olympio

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.